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Camila Ribeiro de Sousa

- Tratamento inadequado: Interrupção da

APG 03 – “MENOS É
administração da insulina ou de hipoglicemiantes
orais, omissão da aplicação da insulina, mau
funcionamento da bomba de infusão de insulina;
MAIS” - Doenças agudas: Infecções (pulmonar, trato
(Complicações agudas do diabetes urinário, influenza), IAM, AVE, hemorragia
gastrintestinal, queimaduras, pancreatite;
mellitus)
- Distúrbios endócrinos: Hipertireoidismo,
feocromocitoma, síndrome de Cushing,
Objetivos:
acromegalia e diabetes gestacional;
- Compreender a etiologia, os fatores de risco, a
- Fármacos: Glicocorticoides, agonistas
fisiopatologia, as manifestações clínicas, o
adrenérgicos, fenitoína, betabloqueadores,
diagnóstico e o tratamento das complicações
clortalidona, diazóxido, pentamidina, inibidores de
agudas do diabetes mellitus (DM).
protease, antipsicóticos atípicos (aripiprazol,
 Hipoglicemia, cetoacidose diabética (CAD) clozapina, olanzapina, quetiapina e risperidona),
e estado hiperglicêmico hiperosmolar inibidores do SGLT-2 (dapagliflozina,
(EHH). canagliflozina e empagliflozina), etc.
- Substâncias: Álcool (consumo excessivo),
1. Crises hiperglicêmicas ecstasy, cocaína, maconha, cetamina, heroína, etc.
- Desidratação: Oferta inadequada de água,
- As “crises hiperglicêmicas” englobam a uremia, diálise, diarreia, sauna, etc.
cetoacidose diabética (CAD) e o estado - Outros: Ingestão excessiva de refrigerantes ou
hiperglicêmico hiperosmolar (EHH), os quais líquidos contendo açúcar.
representam as 2 complicações agudas mais graves
do diabetes mellitus (DM). OBS: Os 2 principais fatores precipitantes da
CAD são tratamento inadequado (p. ex., omissão
1.1. Epidemiologia do uso da insulina ou de outras medicações
- A taxa de incidência anual de CAD estimada a antidiabéticas) e infecções (p. ex.: pneumonia e
partir de estudos populacionais americanos varia de infecções do trato urinário).
4,6 a 8 episódios por 1.000 admissões de pacientes
com diabetes. OBS: O principal fator precipitante do EHH são
 Embora a CAD ocorra prioritariamente no as infecções (p. ex.: pneumonia, infecção do trato
DM1, ela tem sido vista com frequência urinário e sepse).
crescente no DM2.
◦ A CAD costuma ser considerada como 1.3. Fisiopatologia
pouco frequente no DM2, geralmente - Os defeitos subjacentes na CAD e no EHH:
surgindo em situações de estresse  Deficiência absoluta ou relativa de insulina
intenso, tais como infecções graves, na CAD ou ação ineficaz da insulina no
IAM, AVE, etc. EHH;
 Ela é principal causa de mortalidade em  Níveis elevados de hormônios
crianças, adolescentes e adultos jovens com contrarreguladores, o que resulta em
DM1 (cerca de 50% dos óbitos). aumento da produção hepática de glicose e
◦ É a complicação mais grave do DM1. diminuição da utilização de glicose nos
- O EHH é muito raro no DM1, com nítido tecidos periféricos;
predomínio no DM2, do qual pode ser a  Desidratação e anormalidades eletrolíticas,
manifestação inicial em até 17% dos casos. principalmente em virtude da diurese
 Ainda que predomine em idosos, o EHH osmótica causada por glicosúria.
pode ser observado em qualquer grupo
etário. 1.3.1. Cetoacidose diabética (CAD)
- Caracteriza-se por hiperglicêmica associada à
1.2. Fatores predisponentes produção excessiva de corpos cetônicos, os quais
- Em muitos casos, não se consegue identificar um incluem acetoacetato (AA), β-hidroxibutirato
fator precipitante para CAD e EHH. (BHB) e acetona.
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 O AA é o corpo cetônico central e dele  Parte dos ácidos graxos livres resultantes da
derivam os demais. lipólise no tecido adiposo é convertida em
◦ O BHB é formado a partir da redução triglicerídeos no fígado, ocorrendo
do AA nas mitocôndrias. hipertrigliceridemia grave.
◦ A acetona é gerada pela - Acidose metabólica com anion gap elevado: Os
descarboxilação espontânea do AA. corpos cetônicos são ácidos fortes, e sua produção
▪ Causa o hálito cetônico por ser excessiva (acúmulo) causa hipercetonemia e
muito volátil. acidose metabólica.
- A tríade bioquímica característica da CAD é:  Essa acidose metabólica é do tipo ânion-
hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica gap aumentado devido ao acúmulo dos
com hiato aniônico (anion gap) alto. cetoânions, neste caso o β-hidroxibutirato e
- Hiperglicemia: É o resultado de 3 eventos: o acetoacetato.
 Aumento da gliconeogênese (síntese de ◦ A decomposição da acetona no plasma
glicose): Insulinopenia e elevação dos libera estes cetoânions e H+.
níveis de cortisol levam a diminuição da  O aumento da pressão parcial de dióxido de
síntese de proteínas e aumento da carbono (PaCO2) estimula os centros
proteólise, com um aumento da produção respiratórios, provocando uma respiração
de aminoácidos (alanina e glutamina), os rápida e profunda – respiração de
quais, juntamente com os ácidos graxos Kussmaul.
livres (AGL) liberados dos adipócitos,  Tanto a hiperglicemia quanto os altos níveis
servem de substrato para a gliconeogênese. de corpos cetônicos causam diurese
 Aumento da glicogenólise (quebra do osmótica, o que leva à hipovolemia e à
glicogênio): O aumento dos níveis de diminuição da taxa de filtração glomerular,
glucagon, catecolaminas e cortisol, a qual agrava ainda mais a hiperglicemia.
associado à insulinopenia, estimula as
enzimas gliconeogênicas, especialmente, a
fosfoenolpiruvato carboxiquinase
(PEPCK).
 Menor utilização da glicose por fígado,
músculos e adipócitos.
◦ A redução da taxa de filtração
glomerular pela desidratação contribui
para agravar a hiperglicemia.
- Cetonemia: A combinação de insulinopenia e
excesso de catecolaminas propicia aumento do
catabolismo do tecido adiposo (lipólise) com
produção excessiva de AGL e glicerol, os quais, no
fígado, serão oxidados em corpos cetônicos, um
processo, predominantemente, estimulado pelo
glucagon.
 Concentrações aumentadas de glucagon
reduzem os níveis hepáticos de malonil-
CoA, a primeira enzima limitadora da
síntese de novo de ácidos graxos.
 Níveis reduzidos de malonil-CoA
estimulam cetogênese via carnitina OBS: Jejum prolongado: Quando o organismo é
palmitoiltransferase 1 (CPT1-L), isoforma privado de fontes energéticas exógenas
hepática, que promove oxidação de AGL a (alimentos), há queda da glicemia e dos níveis
corpos cetônicos. plasmáticos de insulina, com elevação
 Além disso, na CAD, estão diminuídos o concomitante dos hormônios contrainsulínicos
metabolismo e a depuração dos corpos (glucagon, cortisol, GH e catecolaminas). As
cetônicos. reservas energéticas endógenas passam a ser
utilizadas, ocorrendo consumo do glicogênio
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hepático, lipólise com produção de ácidos graxos e quais se correlacionam com níveis de consciência
glicerol e catabolismo muscular, gerando alterados.
aminoácidos. No fígado, os ácidos graxos serão
convertidos em cetonas (cetogênese).

- Distúrbios hidroeletrolíticos: A elevação da


osmolaridade sérica provoca a saída de fluido do
compartimento intra para o extracelular, carreando
eletrólitos como potássio, cloro e fosfato. Uma vez
no espaço intravascular, estes elementos são
eliminados em grande quantidade na urina devido à
diurese osmótica consequente à hiperglicemia.
 Porém, o potássio e o fosfato, na
cetoacidose, apesar de ter uma grande perda
urinária e uma grave espoliação corporal
destes elementos, mantém seus níveis
séricos normais ou elevados.
◦ Basicamente por 3 motivos: a depleção
de insulina predispõe à saída de
potássio e fosfato das células; a
hiperosmolaridade extrai água e
potássio das células; e a acidemia 1.4. Manifestações clínicas
promove a entrada de H+ nas células em
troca da saída de potássio. 1.4.1. CAD
- O CAD evolui rapidamente dentro de poucas
1.3.2. Estado hiperglicêmico hiperosmolar horas ou poucos dias após o(s) evento(s)
(EHH) precipitante(s).
- “Estado hiperglicêmico hiperosmolar não - A maioria dos pacientes relata aumento
cetótico”, “coma hiperglicêmico hiperosmolar não progressivo e relativamente rápido dos sinais de
cetótico” e “coma hiperosmolar” são sinônimos de descompensação do DM (principalmente, poliúria
EHH. e polidipsia) nas últimas 24 horas.
- Sabe-se menos sobre a patogênese do EHH do - Dor abdominal, náuseas e vômitos estão presentes
que sobre a da CAD. em 40 a 75% dos casos.
- Aparentemente, os níveis circulantes de insulina - Ao exame físico, são comuns:
são suficientes para prevenir a lipólise e,  Sinais de desidratação: Mucosa bucal
consequentemente, a cetogênese, mas inadequados seca, olhos fundos, turgor da pele
para propiciar a utilização de glicose. diminuído, taquicardia, hipotensão e, nos
- A quantidade de insulina necessária para suprimir casos mais graves, choque;
a lipólise é um décimo menor do que a requerida  Respiração de Kussmaul: Respiração
para estimular a utilização periférica de glicose. rápida e profunda. Em casos de acidose
- Os pacientes com EHH são também deficientes metabólica grave;
em insulina. Contudo, eles apresentam  Hálito cetônico: Semelhante ao aroma do
concentrações mais elevadas de insulina removedor de esmaltes ou de “maçã
(demonstrado pelos níveis basais e estimulados do podre”;
peptídeo C) do que pacientes com CAD.  Dor à palpação abdominal: Achado
- Além disso, nos pacientes com EHH, são menores adicional;
as concentrações séricas dos AGL e dos hormônios ◦ A dor abdominal na CAD pode
contrarregulatórios (cortisol, GH e glucagon). simular abdome agudo em 50 a 75%
- O início mais lento do EHH (vários dias), em dos casos.
comparação ao da CAD (< 1 a 2 dias) resulta em  Hematêmese: Pode ocorrer em até 25%
manifestações mais graves de hiperglicemia, dos pacientes, em virtude de gastrite.
desidratação e hiperosmolalidade plasmática, as
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- A despeito da presença de infecção, os pacientes OBS: Cetoacidose diabética euglicêmica (eu-
com CAD podem se mostrar eutérmicos ou até CAD): 7% das pessoas com CAD se apresentam
mesmo com leve hipotermia. com glicemia < 250/dL.
 Esse achado resultaria da vasodilatação
periférica que acompanha a acidose - Dosagem dos corpos cetônicos: O método
metabólica. habitualmente usado na pesquisa de corpos
- Na CAD, o nível de consciência varia de estado cetônicos na urina e no sangue utiliza a reação do
de alerta pleno a coma profundo. nitroprussiato, a qual detecta a presença de
 Ainda é controversa a causa do estado acetoacetato e de cetona, mas não de beta-
comatoso, com alguns estudos indicando hidroxibutirato, o principal cetoânion produzido na
como o fator primordial a cetoacidose diabética. Por esse motivo, a não
hiperosmolalidade plasmática e outros, a detecção de corpos cetônicos não exclui a presença
acidose metabólica. destes.
- Anormalidades hematológicas e bioquímicas
1.4.2. EHH  Hemograma:
- O EHH tem desenvolvimento insidioso e se ◦ Leucocitose com desvio à esquerda,
manifesta dias a semanas após o(s) eventos(s) mesmo quando não há infecção.
precipitantes. ▪ Habitualmente, a contagem de
- Neste período, são frequentes manifestações de leucócitos varia de 10.000 a
descompensação do DM e distúrbios do sensório. 15.000/mm3.
- Taquipneia apenas se faz presente diante de ▪ Esse achado parece ser causado por
concomitante CAD ou acidose láctica. aumento dos níveis circulantes de
- A desidratação geralmente é mais intensa no catecolaminas, cortisol e citocinas
EHH, devido ao maior déficit de líquidos (8 a 10 pró-inflamatórias, como, por
versus 3 a 6 L). exemplo, o TNF-α.
◦ Aumento do hematócrito em
decorrência de desidratação.
 Ionograma:
◦ Potássio: Pacientes com CAD e EHH
têm déficit no potássio corporal total em
torno de 3 a 5 mmol/kg. Apesar desse
déficit, o nível do potássio sérico
medido na admissão hospitalar está
frequentemente dentro da faixa normal
ou até mesmo elevado (hipercalemia).
◦ Sódio: Geralmente, estão normais ou
baixos. Níveis altos sugerem grau maior
1.5. Diagnóstico laboratorial de desidratação.
◦ Anion gap: O anion gap ou hiato
1.5.1. CAD aniônico tipicamente está aumentado na
- O diagnóstico definitivo exige a presença de CAD.
hiperglicemia, acidose metabólica e cetonemia ou ▪ Calculado subtraindo-se da
cetonúria significativa. concentração de sódio a soma entre
- Critérios para o diagnóstico de CAD: cloro e bicarbonato.
 Ureia e creatinina: Podem estar elevadas
devido à desidratação.
 Enzimas pancreáticas e hepáticas:
Hiperamilasemia, elevação da lipase e
elevação discreta de aminotransferases
(transaminases).

1.5.2. EHH
- Os critérios diagnósticos da ADA são:
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 Glicose plasmática > 600 mg/dL; - Quando a glicemia estiver entre 200 e 250 mg/dL
 pH arterial > 7,3; na CAD e entre 250 e 300 mg/dL no EHH, muda-
 HCO3 > 18; se a RL para solução glicosada (SG) a 5% e SF
 Osmolaridade plasmática efetiva > 320 0,45%, com o intuito de minimizar o risco de
mOsm/kg. queda muito rápida da glicemia, o que poderia
favorecer o surgimento de hipoglicemia e edema
cerebral, bem como agravamento da cetoacidose.
 A infusão deve variar entre 150-250 mL/h,
mantendo-se a glicemia entre 150-200
mg/dL.
- A reposição excessiva de líquidos, que alguns
autores consideram como mais de 5L em um
período de 8h, pode contribuir para o surgimento
de complicações da cetoacidose, como edema
cerebral e síndrome da angústia respiratória.

- A glicemia atinge níveis mais elevados no EHH,


podendo chegar a 2.000 mg/dL, assim como o
sódio e a ureia séricos costumam ser mais altos.

1.6. Tratamento

1.6.1. Reposição volêmica vigorosa


- Deve ser prontamente iniciada, pois é a medida
isolada de maior impacto no tratamento.
 A reposição de líquidos (RL) restaura o
volume intravascular e a perfusão renal,
além de reduzir os níveis dos hormônios
contrarreguladores e a hiperglicemia.
- O déficit hídrico (DH) estimado é de cerca de 100
mL/kg em pacientes com CAD e 100 a 200 mL/kg
em pacientes com EHH.
- A solução de escolha é a salina isotônica (SF a
0,9%), com um volume na primeira hora em torno
de 1.000 mL.
- Solução salina ou fisiológica (SF) isotônica (a
0,9%) é infundida a uma taxa de 500 a 1.000 mL/h 1.6.2. Insulinoterapia
durante as primeiras 2 a 4 horas, seguida pela - O pilar do tratamento da CAD e do EHH é o uso
infusão de 250 a 500 mL/h de SF a 0,9% (se o da insulina em doses baixas, o qual, além de
sódio sérico estiver baixo) ou 0,45% (se o sódio possibilitar redução contínua e lenta da glicemia,
sérico estiver normal ou elevado). suprime a lipólise, a neoglicogênese e a
 Nesse momento, a velocidade da reposição cetogênese.
é ajustada para 4-14 mL/kg/h (200 e 800 - Em adultos, inicia-se com uma injeção IV de um
mL/hora), conforme as necessidades de bolus de insulina Regular (IR) na dose de 0,1 U/kg.
cada paciente.
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- Após, faz-se a administração de insulina Regular - Se o paciente apresentar calemia > 5,2 mEq/L,
(IR) por infusão intravenosa (IV) na dose de 0,1 não se deve infundir cloreto de potássio (KCl)
U/kg/h, com medição da glicemia capilar ou inicialmente.
plasmática a cada 1 a 2 horas. - Quando o sK+ cai para menos de 5,3 mEq/L e há
- Se não houver uma resposta adequada após a diurese, deve-se acrescentar 20 a 30 mEq de KCl
primeira hora de tratamento (redução na glicemia em cada litro da solução de hidratação, titulando a
de 50 a 75 mg/dL ou de, pelo menos, 10%), um concentração de modo a manter o sK+ entre 4 e 5
bolus IV de IR (0,14 U/kg) deve ser administrado, mEq/L.
com manutenção da infusão na dose prévia.
- Quando a glicemia cair abaixo de 200 a 250 1.6.4. Reposição de bicarbonato
mg/dL na CAD ou 200 a 300 mg/dL no EHH, a - A administração de bicarbonato de sódio
infusão de insulina deve ser reduzida para 0,02 a (NaHCO3) na CAD é controversa e deve ser restrita
0,5 U/kg/h, visando manter a glicemia entre 150 e a pouquíssimos casos.
200 mg/dL na CAD e entre 250 e 300 mg/dL no - Essa terapia está associada a alguns efeitos
EHH, até a resolução dos quadros. adversos, tais como alcalose metabólica,
hipocalemia, agravamento da anoxia tecidual,
redução mais lenta da cetonemia, aumento no risco
de edema cerebral (principalmente em crianças) e
acidose paradoxal do liquor.
- Os pacientes adultos com pH < 6,9 devem receber
50 mmol de NaHCO3 em 400 mL de água estéril
com 20 mEq KCl, solução a ser administrada em
um ritmo de 200 mL/h por 2 horas até o pH venoso
se tornar > 7,0.
- O pH venoso deve ser avaliado a cada 2 horas até
que suba para 7,0; o tratamento pode ser repetido a
cada 2 horas, se necessário.

1.6.3. Reposição de potássio


- O tratamento da CAD e do EHH habitualmente
faz baixar o sK+, tanto pela hidratação 1.6.5. Reposição de fosfato
(hemodiluição) quanto pela entrada de potássio nas - Na CAD e no EHH, ocorre depleção do fosfato
células (ação direta da insulina e diminuição da intracelular, como resultado de sua perda por conta
acidose). da diurese osmótica.
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- No entanto, a reposição rotineira de fosfato não
oferece benefícios clínicos e aumenta o risco de - A hipoglicemia prejudica os mecanismos de
hipocalcemia. defesa contra um subsequente episódio
- A reposição IV do fosfato apenas é recomendada hipoglicêmico.
quando há um quadro de disfunção cardíaca,  Assim, as hipoglicemias são a principal
anemia ou depressão respiratória, associado a barreira para que os pacientes diabéticos
níveis de fosfato < 1 mg/dL. se mantenham com glicemias e
hemoglobina glicada (HbA1c) nos níveis
2. Hipoglicemia considerados ideais.
- Mecanismos anti-hipoglicemia ativados pela
2.1. Epidemiologia hipoglicemia:
- Hipoglicemia ou níveis baixos de glicose no  Supressão da secreção de insulina pelas
sangue é a complicação mais frequente do células beta;
tratamento do DM e pode ser fatal, respondendo ◦ A redução de insulina possibilita
por 6 a 10% das mortes entre os indivíduos com aumentar a produção hepática e renal de
DM1. glicose, além de diminuir sua captação
nos tecidos periféricos, especialmente
2.2. Fatores predisponentes os músculos esqueléticos.
- Omissão das refeições: Mais frequente;  Estímulo da liberação de glucagon pelas
- Uso de doses excessivas de insulina ou células alfa, de epinefrina pela medula
hipoglicemiantes orais (especialmente, adrenal, de cortisol pelo córtex adrenal e do
sulfonilureia): 2º fator mais importante; GH pela adeno-hipófise;
- Ingestão alcoólica excessiva: 3º fator mais ◦ O glucagon aumenta a glicogenólise
importante; hepática e favorece a gliconeogênese.
- Exercícios prolongados ou extenuantes ◦ A liberação de epinefrina resulta em
(atividade física): Sobretudo, em pacientes maior produção hepática de glicose e
tratados com insulina; diminuição da captação nos tecidos
- Outros: Contrarregulação defeituosa; Controle insulinossensíveis, além de ajudar na
glicêmico rígido; Fármacos indutores de percepção dos sintomas hipoglicêmicos
hipoglicemia e que prejudiquem o reconhecimento e contribuir para diminuição de
da hipoglicemia; Hipotireoidismo; Insuficiência secreção de insulina por mecanismo
renal ou adrenal; Insulinoma (raramente); alfa-adrenérgico.
Síndrome de má absorção; Variável necessidade ▪ Seu papel torna-se crítico quando a
basal de insulina durante a noite. secreção de glucagon é insuficiente.
 Liberação de norepinefrina pelos neurônios
2.3. Fisiopatologia simpáticos pós-ganglionares e acetilcolina
- A hipoglicemia costuma ser definida pelos neurônios pós-ganglionares
bioquimicamente como um valor de glicose < 50- simpáticos e parassimpáticos, além de
54 mg/dL. outros neuropeptídeos.
- Classificação da ADA (2017) da hipoglicemia: - Os mecanismos contrarreguladores em pessoas
 Baseia-se no fato de que a liberação dos saudáveis são desencadeados de modo bastante
hormônios contrarreguladores geralmente reprodutível:
começa com a queda da glicemia < 70  Glicemia < 85 mg/dL: Redução da
mg/dL, enquanto os sintomas geralmente se secreção de insulina;
iniciam com glicemia < 54 mg/dL e  Glicemia < 70 mg/dL: Aumento dos
acentuação dos sintomas neuroglicopênicos hormônios contrarreguladores;
com glicemia < 50 mg/dL.  Glicemia < 54 mg/dL: Aparecimento dos
sintomas autonômicos e neuroglicopênicos;
 Glicemia < 50 mg/dL: Agravamento dos
sintomas neuroglicopênicos, com potencial
surgimento de disfunção cognitiva,
distúrbios de conduta e, nos casos mais
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graves (glicemia < 35 a 40 mg/dL), parassimpáticos (náuseas, vômitos ou, mais
convulsão, coma e até mesmo morte. comumente, sensação de fome).
 São os sintomas adrenérgicos que
normalmente alertam o paciente para a
ocorrência de hipoglicemia.
- Complicações cardiovasculares: Isquemia
miocárdica recorrente, prolongamento do intervalo
QT e arritmias ventriculares.
 Elevação da pressão arterial é uma
complicação adicional da hipoglicemia.
- Hipoglicemia noturna: Pode ser assintomática
ou se manifestar por pesadelos frequentes,
sudorese noturna, cefaleia matinal ou, nos casos
mais graves, coma.
- Efeito Somogyi: Hipoglicemia no meio da
madrugada, seguida de hiperglicemia matinal de
rebote (supostamente resultante da liberação dos
hormônios contrarreguladores).

2.5. Diagnóstico
- A conduta na suspeita clínica de hipoglicemia
grave é a imediata coleta de sangue para avaliação
- DM1: Em diabéticos tipo 1 não ocorre da glicemia seguida da administração de 25 a 50 g
diminuição da secreção de insulina em resposta à de glicose intravenosa (50 a 100 mL de glicose a
hipoglicemia, uma vez que sua concentração 50%), enquanto se aguarda o resultado.
circulante, causadora de hipoglicemia, depende da
absorção da insulina administrada. Em 2.6. Tratamento
contrapartida, eles tendem a desenvolver - O melhor tratamento da hipoglicemia é sua
insuficiência autonômica, expressa precocemente prevenção.
pela perda da resposta esperada de aumento na • Os pacientes devem ser orientados a
secreção de glucagon na vigência de hipoglicemia. reconhecer os sinais hipoglicêmicos de
 Após 5 anos de doença, a resposta da alerta, assim como evitar atitudes que
epinefrina, principal arma de defesa contra possam predispor a hipoglicemia.
a hipoglicemia, mostra-se frequentemente - Pacientes conscientes: Pacientes com sintomas
atenuada, sendo seu limiar para liberação de hipoglicemia e capazes de engolir devem ingerir
mais baixo do que em indivíduos normais, 15 g de carboidrato de absorção rápida (p. ex., uma
especialmente, após uma hipoglicemia colher das de sopa de açúcar ou 30 mL de soro
prévia. glicosado a 50% diluído em água filtrada). A
glicemia capilar deve ser avaliada após 15 minutos;
2.4. Manifestações clínicas se não houver reversão da hipoglicemia,
- Os sinais e sintomas de hipoglicemia são recomenda-se repetir o processo.
inespecíficos; por isso, o diagnóstico deve, sempre - Pacientes torporosos ou em estado de coma:
que possível, ser confirmado por meio de dosagem Está contraindicada a administração de alimentos
da glicemia capilar ou plasmática. VO, devido ao risco de aspiração
- Sinais e sintomas neuroglicopênicos traqueobrônquica. Havendo um acesso venoso
(insuficiente concentração de glicose para o disponível, deve-se administrar 3 ampolas (30 mL)
funcionamento adequado do SNC): Tonturas, de glicose a 50%, diluídas em 100 mL de SF 0,9%
cefaleia, parestesias, confusão mental e/ou por via IV. Reavaliar a glicemia capilar em 5
distúrbios do comportamento. Até convulsões, minutos e, não havendo recuperação, o
torpor e coma, o qual, raramente, pode ser fatal. procedimento deve ser repetido.
- Sinais e sintomas de hiperatividade • Após a correção imediata, é necessário
autonômica: Adrenérgicos (taquicardia, oferecer alimentos, se possível.
palpitações, sudorese, tremores, etc.) e
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• Na indisponibilidade de acesso venoso, Referências:
oral, pode-se administrar glucacon por via - VILAR, Lucio. Endocrinologia clínica. 7. ed. Rio
SC ou intramuscular (IM) e instalar o de Janeiro: Guanabara Koogan, 2022.
acesso venoso periférico.
• Em ambiente extra-hospitalar, um familiar Artigo:
ou amigo pode aplicar glucagon IM ou SC “Preditores de risco de acidentes de trânsito por
(1 mg para adultos e 0,5 mg para hipoglicemia em motoristas brasileiros com
crianças), que, em geral, restaura a diabetes mellitus tipo 1” (2021)
consciência ao paciente dentro de 15 - A hipoglicemia no paciente com DM1 pode ser
minutos. considerada um importante fator de desatenção o
• Náuseas e, mais raramente, vômitos são os que pode justificar o elevado risco de acidentes de
principais efeitos colaterais desse trânsito nessa população.
tratamento. - Durante um episódio de hipoglicemia, o paciente
• Outra opção mais atraente, em virtude de pode apresentar comprometimento cognitivo, com
maior facilidade e rapidez de aplicação, é alterações no nível de consciência e atraso nas
o glucagon nasal (Baqsimi®), ainda não respostas de reação.
disponível no Brasil em 2020. - Além disso, estudos com simulador de direção
- Hipoglicemia assintomática: Devem elevar os demonstram que o ato de dirigir representa uma
níveis de glicemia média a serem alcançados, situação de estresse para o organismo, levando a
reduzir a dose total diária de insulina, usar uma maior manifestação de sintomas autonômicos,
esquemas de múltiplas pequenas doses de insulina liberação de epinefrina e necessidade mais elevada
Regular (ou, de preferência, dos análogos Aspart, de glicose para o organismo.
Lispro ou Glulisina), aumentar o número de - Em um estudo retrospectivo, pacientes com DM1
pequenos lanches durante o dia e incrementar a apresentaram incidência de 19% de acidentes
frequência de automonitoramento da glicemia. automobilísticos durante dois anos de avaliação
• Esforços devem ser feitos para evitar retrospectiva.
hipoglicemias durante semanas ou meses, - Os acidentes descritos foram diretamente
visando à reversão da adaptação do SNC. relacionados ao maior número de hipoglicemias
• A troca das insulinas Regular e NPH pelos enquanto dirigiam, à ausência da verificação da
análogos de insulina de ação ultrarrápida glicemia antes de iniciar a dirigir e ao uso de
(Aspart, Lispro ou Glulisina) e de ação insulina em múltiplas injeções diárias. Até metade
lenta (Detemir, Glargina ou Degludeca), dos pacientes nunca haviam conversado com seu
respectivamente, é bastante útil, visto que médico sobre hipoglicemia e direção.
eles se acompanham de menor risco de Fonte: SALLA, Rafaela Fenalti. Preditores de
hipoglicemia. risco de acidentes de trânsito por hipoglicemia em
- Coma de causa indeterminada: Qualquer motoristas brasileiros com diabetes mellitus tipo 1.
diabético em coma, caso não se possa determinar UFRGS, 2021. Disponível em:
de imediato o valor da glicemia, deverá ser <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/221582>
medicado com duas ampolas de glicose a 50% IV .
(após a coleta de material para dosagem da
glicemia).
- Hipoglicemia grave induzida por fármacos:
Deverá ser hospitalizado para tratamento com
infusão contínua de glicose e cuidadoso
monitoramento da glicemia.
- Hipoglicemia em paciente em uso de acarbose:
Devem ser tratadas com comprimidos de glicose
ou glucagon (IM, SC ou intranasal), uma vez que
acarbose retarda a absorção de carboidratos. O uso
de alimentos contendo açúcar (sacarose) pode não
ser útil, uma vez que a absorção intestinal está
prejudicada.

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