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EMERGÊNCIAS HIPERGLICÊMICAS - CETOACIDOSE DIABÉTICA X ESTADO HIPEROSMOLAR

HIPERGLICÊMICO

🧁A CAD é definida pela tríade:


– Glicemia maior que 250 mg/dL.
– pH arterial < 7,3.
– Cetonemia positiva.*

🧁O EHH, por sua vez, é definido por:


– Glicemia > 600 mg/dL.
– Osmolaridade > 320 mosm/kg.
– pH arterial > 7,3

🧁Na CAD temos ausência relativa de insulina e no EHH uma redução importante, mas com produção
suficiente para suprimir a produção de glucagon. Desta forma, apesar de ambas as situações ocorrerem com
alteração do metabolismo de carboidratos, apenas na CAD ocorre a alteração do metabolismo lipídico com a
produção de corpos cetônicos e acidose.

🧁No EHH temos uma importante hiperglicemia com desidratação e aumento da osmolaridade; já na CAD,
além da alteração do metabolismo temos também alteração do metabolismo lipídico com produção de
cetoácidos e consumo de bicarbonato.

🧁Infecção é o fator precipitante em 30-50% dos casos de CAD e 30-60% dos casos de EHH. Em 20-30% dos
pacientes com DM tipo 1 a CAD ocorre por descontinuação da medicação, frequentemente associada a
problemas psiquiátricos.

🧁Os focos infecciosos mais frequentes incluem pneumonia, infecção urinária, sepse de origem determinada,
infecções cutâneas e gastroenterites.

🧁 Mortalidade < 3% para CAD e entre 3 e 20% no EHH. A idade geralmente da CAD é pacientes < 40 anos
enquanto que na EHH > 40 anos (o que contribui para maior comorbidades associadas e por isso maiores taxas
de mortalidade também).

🧁 A CAD é de instalação mais rápida do quadro clínico (corpo com ausência absoluta de insulina
considerando a principal etiologia de DM1), enquanto que a EHH é mais lenta (corpo compensa mais visto que
ainda tem insulina para isso).

🧁Os pacientes podem apresentar concomitantemente CAD e EHH. Semanticamente nos referimos a esses
pacientes como CAD com hiperosmolaridade, pois o termo englobaria todas as alterações que os pacientes
apresentam.

🧁Cada vez mais tem aumentado a incidência de pacientes que apresentam como primeira manifestação do
diabetes a cetoacidose diabética, mesmo naqueles que depois evoluem clinicamente como diabéticos do tipo 2.
Assim, a CAD pode ser a primeira manifestação de DM em cerca de 20% dos pacientes.
🧁Até 10% das apresentações de CAD podem apresentar-se como euglicêmicas

FISIOPATOLOGIA CAD X EHH

→ CETOACIDOSE DIABÉTICA:

🧁A CAD é precipitada por uma ausência absoluta ou relativa da insulina. Assim, o quadro é mais esperado
em pacientes com DM do tipo 1, mas tem sido cada vez mais frequente em pacientes com DM tipo 2.

🧁A CAD pode ser precipitada por infecção ou outros fatores estressores. Neste caso, ocorre uma
resistência à ação insulínica extrema causada pelos hormônios contrarreguladores, como o hormônio do
crescimento, cortisol e catecolaminas, que levam, por sua vez, ao aumento de glucagon e lipólise. A
indisponibilidade da glicose para servir de substrato para produção de energia intracelular e a alteração da
relação insulina/glucagon levam a um aumento na gliconeogênese (produção de glicose através de outros
substratos como gorduras e proteínas) e glicogenólise (quebra de glicogênio em glicose).

🧁A acidose se soma ao quadro quando há alteração do metabolismo dos lipídios. Isso ocorre quando a
ausência relativa de insulina for absoluta ou quase absoluta, pois mesmo pequenas quantidades de insulina
são capazes de suprimir toda a produção de glucagon por efeito parácrino nas ilhotas pancreáticas. Nestas
circunstâncias, com o aumento do glucagon, diminui a produção de uma enzima denominada malonil
coenzima A, que tem a função de inibir a produção da carnitina-palmitil-transferase. Com a diminuição da
malonil coenzima A ocorre o aumento da já citada carnitina-palmitil-transferase, que faz o transporte de
ácidos graxos para as mitocôndrias hepáticas. Desta forma, há produção de energia usando como substrato
os lípides. O problema é que esse processo produz ácido aceto-acético, ácido betahidróxibutírico e acetona,
estabelecendo o quadro de cetoacidose. Há consumo da reserva alcalina e diminuição posterior do pH
sanguíneo. Ocorre também uma grande produção de lípides e triglicérides, podendo inclusive ser
desencadeadas complicações da hipertrigliceridemia como a pancreatite.
🧁Outras alterações encontradas incluem:
→ Aumento da atividade da lipase hormônio-sensível. Aumenta a conversão de triglicérides em ácido graxo
e glicerol, também contribuindo para a produção de corpos cetônicos.
→Aumento da produção de prostaglandinas vasodilatadoras e vasoconstritoras pelo tecido adiposo causando
hipotensão, náuseas e vômitos. A produção de prostaglandinas vasoconstritoras em circulação esplâncnica
justifica o quadro de dor abdominal associado a CAD.
→Glicemias acima de 180 mg/dL ultrapassam a capacidade de reabsorção de glicose renal e ocorre
glicosúria, com desidratação e perda de eletrólitos, com aumento da osmolaridade e lesão renal aguda por
desidratação.
→Aumento de citocinas e fatores pró-coagulantes como o inibidor do plasminogênio tecidual (PAI1),
aumentando o risco de tromboembolismo.

🧁RESUMO EXPLICATIVO: Na CAD ocasionada por DM1 temos uma quantidade ausente de insulina
para levar glicose para o meio intracelular. Em casos de tratamento irregular ou infecções os pacientes
podem ter uma desregulação significativa que leva a um quadro de emergência hiperglicêmica. No caso das
infecções, por termos o aumento das catecolaminas, cortisol… que são estimuladores do glucagon, teremos
um aumento deste hormônio. O glucagon aumentando irá fazer com que outras reservas do corpo libere
ainda mais glicose pois entende que dentro das células não tem (já que não tem insulina para fazer esse
transporte intracelular). Nesse processo, ele faz a lipólise, que consiste na quebra de gordura para gerar
glicose. Nessa quebra temos a liberação de ácidos graxos que são Beta-oxidados fazendo a formação de
Acetil-coA que irá produzir o acetato e o B-hidroxibutirato (em maior quantidade), os quais são os corpos
cetônicos. Esses corpos cetônicos (novos ânion-gap’s) desregulam o pH tornando-o mais ácido. É essa
acidose que causa as principais manifestações clínicas do paciente. Os mecanismos de compensação para
equilibrar o pH são: cetonúria (liberar na urina corpos cetônicos) nessa liberação vão em conjunto outros
eletrólitos o que causa uma desregulação hidroeletrolítica; respiração de kussmaul (libera CO2 para tornar o
meio mais alcalino) e hálito cetônico (evaporar os corpos cetônicos do corpo). Enquanto isso, temos um
colapso metabólico pois as células estão sem energia, podem iniciar respiração anaeróbia com produção de
lactato (quadro mais avançado de CAD) e além disso, também perdem água para o meio extracelular que
está repleto de glicose a fim de balancear a quantidade de soluto (glicose), o que causa a desidratação desse
paciente (em menor grau que o EHH, porém também presente). Se essa desidratação evoluir, podemos ter
um choque hipovolêmico associado. Outra questão, é que esse baixo metabolismo energético também afeta o
coração, o que pode causar falha na bomba cardíaca (automatismo) e levar à PCR.

→ ESTADO HIPEROSMOLAR HIPERGLICÊMICO:

🧁No EHH, ao contrário da CAD, a deficiência de insulina é apenas relativa, de forma que não ocorre uma
elevação tão importante do glucagon, e assim a alteração do metabolismo lipídico não ocorre com produção
de cetoácidos. Entretanto, esses pacientes se apresentam com desidratação muito maior. A diurese osmótica
pela hiperglicemia leva à perda importante de eletrólitos e perda ainda maior de água livre, de forma que a
osmolaridade aumenta significativamente.

🧁Além disso, nos pacientes com EHH, são menores as concentrações séricas dos AGL e dos hormônios
contrarregulatórios (cortisol, GH e glucagon). 14,15,49 O início mais lento do EHH (vários dias), em
comparação ao da CAD (< 1 a 2 dias) resulta em manifestações mais graves de hiperglicemia, desidratação e
hiperosmolalidade plasmática, as quais se correlacionam com níveis de consciência alterados.
:
CLÍNICA E DIAGNÓSTICO CAD X EHH

→ CETOACIDOSE DIABÉTICA

🧁Normalmente os pacientes apresentam pródromos com duração de dias de poliúria, polidipisia,


polifagia e mal-estar indefinido. O paciente apresentará, na maioria das vezes, desidratação, podendo estar
hipotenso e muitas vezes taquicárdico, embora possa eventualmente estar com extremidades quentes e bem
perfundido, devido ao efeito de prostaglandinas.

🧁Os sinais e sintomas da acidose podem aparecer com taquipneia, surgindo o ritmo respiratório de
Kussmaul quando o pH do paciente se encontra entre 7,0 7,2, sendo a cetona bastante volátil e, portanto,
eliminada pela respiração, o que leva ao aparecimento do hálito cetônico.

🧁O paciente normalmente se encontra alerta, sendo as manifestações neurológicas e alterações do nível


de consciência muito mais correlacionadas com a osmolaridade do que com a acidose e, portanto, muito
mais prevalentes no doente com EHH em relação ao paciente com CAD.

🧁Apresentam frequentemente dor abdominal (30%), náuseas e vômitos. Esses sintomas melhoram com a
hidratação;

🧁Deve-se pontuar que a CAD existe quando o pH é menor que 7,30. A existência de hiperglicemia com
cetose e sem acidemia (pH > 7,30) é denominada de cetose diabética.

EXAMES SOLICITADOS:

→ Hemograma (Valores de leucócitos > 25.000 céls./mm3 sugiram a presença de infecção/ normalmente
se espera aumento do hematócrito em decorrência de desidratação).
→ Gasometria arterial inicialmente e depois venosa (repetir a cada 4 horas).
→Glicemia e posteriormente glicemia capilar (de preferência a cada 1/1 hora).
→Potássio, sódio, fósforo, cloro e outros eletrólitos (dosagem sérica de K inicialmente a cada 2 horas. Os
outros, inclusive fósforo, a cada 12 horas).
→Urina tipo 1. Cetonemia ou cetonúria: preferencialmente dosar o beta-hidroxibutirato, pois cerca de 80%
da produção de corpos cetônicos é na forma de betahidroxibutirato, mas as fitas reagentes de urina só
avaliam o ácido acetoacético. Em situações de sepse associada, o beta-hidroxibutirato se torna 100% dos
corpos cetônicos, assim as fitas reagentes de urina podem ter resultados falso-negativos para corpos
cetônicos.
→Eletrocardiograma (Pacientes na fase inicial de CAD ou de EHH, se apresentarem hipercalemia
acentuada, podem ter elevação do segmento ST­T, sugerindo infarto agudo do miocárdio)
→Radiografia de tórax (procura de foco infeccioso associado).
→Outros exames solicitados conforme suspeita clínica.
→ Na corrigido: A hiperglicemia pode falsear o resultado da mensuração de sódio, assim o ideal é sempre
usar a fórmula do sódio corrigido para calcular a osmolaridade: Na+ corrigido = Na+ medido + + 1,6 ×
[(glicemia medida – 100)/100]. Ou seja, se nossa glicemia normal é até 100, tudo que está a mais disso
(X-100), temos que pensar no Na+ com 0,016 a mais também (1,6 e a ÷ do 100 apresentada na equação).
→ Osmolaridade efetiva: Ao avaliar pacientes com suspeita de EHH, lembre-se de que é necessário avaliar
a osmolaridade, que é calculada através da seguinte fórmula: Osmolaridade efetiva = 2 × (Na+ corrigido) +
+ glicemia/18 (valores > 320 mosm/kg indicam hiperosmolaridade)

OBS: Enzimas Pancreáticas e Hepáticas: Hiperamilasemia, a qual se correlaciona com o pH e a POsm, e


elevação da lipase (correlacionada apenas com a POsm) são observadas em 16 a 25% dos pacientes com
CAD. A origem da amilase nesses casos é geralmente de tecido não pancreático, tal como as parótidas.
Elevação discreta de aminotransferases (transaminases) também é comum na CAD.

→ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL:

🧁A CAD entra no diagnóstico diferencial de outras acidoses como a cetoacidose alcoólica, que não cursa
com hiperglicemia, apesar de cursar com aumento de cetoácidos. O EHH entra no diagnóstico diferencial
de pacientes com confusão mental ou alteração de nível de consciência; por esse motivo, verificar a
glicemia é importante nesses pacientes, tanto para descartar hipoglicemia como para descartar grandes
hiperglicemias associadas ao EHH.

🧁Coma ou estupor, na ausência de osmolaridade efetiva ≥ 320 mOsm/kg, deve abrir diagnóstico
diferencial para outras causas de rebaixamento do nível de consciência

→ As indicações de internação em UTI incluem as seguintes ocorrências:


1)Desconforto respiratório agudo.
2)Acidose com pH < 6,9.
3)Choque cardiogênico.
4)Edema cerebral.

TRATAMENTO CAD X EHH

→ HIDRATAÇÃO:

🧁A hidratação é fundamental no manejo inicial das emergências hiperglicêmicas e, isoladamente, pode


diminuir em 12% os níveis glicêmicos. A hidratação a princípio tem como alvo inicial a estabilização
hemodinâmica. Iniciamos com 1.000-1.500 mL de solução de NaCl a 0,9% na primeira hora. Se o
paciente permanece hipotenso, pode ser necessário repetir ainda na primeira hora (no EHH, em particular,
podem ser necessários vários litros).

🧁Na segunda fase da hidratação mantemos 250-500 mL (4 mL/kg) por hora. Em pacientes com Na
corrigido < 135 mEq/L mantemos solução salina a 0,9%. Caso a natremia seja normal ou aumentada (>
135 mEq/L) deve-se utilizar salina a 0,45%.

🧁Quando a glicemia chegar a 250-300 mg/dL a hidratação continua, mas associando glicose a 5-10%
com a solução salina. A diluição pode ser feita usando-se 1 litro de solução glicosada acrescido de 20 mL
de solução de NaCl 20%. A velocidade de infusão continua de 250-500 mL/hora.

🧁Um estudo de 2020 comparou o uso de soluções cristaloides balanceadas como o Ringer-lactato e o
Plasma-Lyte com a salina fisiológica e encontrou que o tempo de resolução da CAD foi menor (13,0 horas
vs. 16,9 horas). Desta forma, o uso de soluções balanceadas pode ser um tratamento melhor para pacientes
com CAD comparado a salina fisiológica, embora a salina fisiológica continue sendo recomendada pela
maioria dos autores.

→ INSULINOTERAPIA:

🧁A insulinoterapia é realizada concomitantemente com a hidratação endovenosa, exceto quando o


paciente apresenta hipocalemia (com K < 3,3 mEq/L) e hipotensão arterial, caso em que se deve
aguardar a hidratação e a reposição de potássio para iniciar o uso da insulina.Neste caso deve-se
repor 25 mEq de potássio antes de iniciar a insulinoterapia (aproximadamente 1 ampola de 10 mL
de solução de KCl 19,1%).

🧁Geralmente utiliza-se bomba de infusão contínua endovenosa, com dose inicial de 0,1 U/kg de
insulina em bolus e depois inicia-se a infusão da bomba em 0,1 U/kg/hora. Outra opção é infusão
contínua inicial de 0,14 U/kg/hora sem bolus inicial.

🧁A solução de insulina para infusão contínua pode ser preparada com 50 unidades de insulina em 250
mL de solução fisiológica; assim, 5 mL correspondem a 1 U de insulina. O ideal no preparo desta solução
é que se desprezem 50 mL da solução, pois a insulina é adsorvida no plástico.

🧁A glicemia capilar é mensurada de 1/1 hora. Espera-se uma queda da glicemia de 50-70 mg/dL/hora.
Caso a glicemia caia em níveis menores que 50 mg/dL é recomendável dobrar a taxa de infusão; se ocorrer
redução maior que 70 mg/dL, recomenda-se diminuir a taxa de infusão pela metade.

🧁A bomba de infusão pode ser desligada quando pelo menos dois dos três critérios estão presentes:
pH > 7,3. Ânion-gap ≤12. Bicarbonato ≥15.

🧁Para desligar a bomba de infusão contínua deve-se esperar pelo menos 1 hora da ação da primeira dose
de insulina regular SC, e posteriormente prosseguir com insulina SC conforme glicemia capilar a cada 4/4
horas. Idealmente, o melhor momento para fazer essa transição é logo após uma refeição.

🧁INSULINA LONGO PRAZO: 50/50 (sendo 2 doses dia e 1 dose noite). Calcula-se a dose de
insulina de longa duração verificando as doses de insulina nas últimas 24 horas e utilizando dois terços
dessa dose total ou 0,6 U/kg de insulina NPH, outra forma de longa duração. Geralmente a insulina basal
é dividida em 2/3 pela manhã e 1/3 à noite

→ REPOSIÇÃO K+

🧁Em relação à reposição de K, caso os níveis de K sejam menores que 3,3 mEq/L, deve-se repor 25 mEq
de potássio em 1 L de solução de NaCl 0,9% e repetir a dosagem de K. Só se inicia a insulinoterapia após
níveis de K > 3,3 mEq/L. Pacientes com K entre 3,3-5,0 mEq/L devem repor 25 mEq de potássio a cada
litro (ACHEI QUE ERA ½ LITRO?) de solução de hidratação e dosar K a cada 2 ou 4 horas.

→ REPOSIÇÃO HCO3-

🧁A reposição de bicarbonato de sódio não demonstrou benefício em estudos e só é indicada em pacientes


com pH < 6,9 com reposição de 100 mEq EV de bicarbonato em 2 horas com coleta de gasometria após
1-2 horas (100 mL de solução de bicarbonato 8,4%)

→ REPOSIÇÃO DE P:

🧁A reposição de fósforo só é indicada em pacientes com as seguintes condições:


→Disfunção cardíaca grave e arritmias.
→Fraqueza muscular e insuficiência respiratória.
→Rabdomiólise e anemia significativa.
→Concentração sérica < 1,0 mEq/L.

COMPLICAÇÕES CAD X EHH

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