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Epifânia Celestino Lissane

As ocorrências acusativas e dativas do pronome lhe no discurso dos alunos do Ensino


Secundário Geral.

Licenciatura em Ensino de Português com Habilitações em Ensino de Inglês.

Universidade Pedagógica de Maputo

Maputo

2021
Epifânia Celestino Lissane

As ocorrências acusativas e dativas do pronome lhe no discurso dos alunos do Ensino


Secundário Geral.

Monografia apresentada ao Curso de Português,


Departamento de Ciências de Linguagem, Faculdade
de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes –
UP-Maputo, para a obtenção do grau académico de
Licenciatura em Ensino de Português com
habilitações em Ensino de Inglês.

Supervisor: Doutor Carlos Mutondo

Universidade Pedagógica de Maputo

Maputo

2021
ii

Índice

Índice ........................................................................................................................................... ii
Lista de abreviaturas................................................................................................................... iv
Lista de tabelas ............................................................................................................................ v
Declaração .................................................................................................................................. vi
Dedicatória ................................................................................................................................ vii
Agradecimentos ........................................................................................................................ viii
Resumo ....................................................................................................................................... ix
Abstract ....................................................................................................................................... x
1. Introdução .............................................................................................................................. 11
1.1. Formulação do problema de pesquisa ............................................................................ 12
1.2. Objectivos da pesquisa ................................................................................................... 13
1.2.1. Geral: ...................................................................................................................... 13
1.2.2. Específicos: ............................................................................................................. 13
1.3. Justificativa e/ou motivação do Estudo .......................................................................... 14
1.4. Hipóteses de Estudo ....................................................................................................... 15
1.5. Análise do Programa de Português da 12ª classe do Ensino Secundário Geral. ............ 16
CAPÍTULO II ............................................................................................................................... 18
2. Fundamentação Teórica ......................................................................................................... 18
2.1. Pronome ......................................................................................................................... 18
2.2. O Pronome Oblíquo Átono “lhe” ................................................................................... 19
2.3. Distribuição dos clíticos pronominais ............................................................................ 19
2.4. O uso do “lhe” nas variedades do Português.................................................................. 24
2.4.1. O Pronome “lhe” no Português Brasileiro .............................................................. 24
2.4.2. O pronome “lhe” no Português Moçambicano ....................................................... 25
2.4.3. O “lhe” no Português Europeu ................................................................................ 26
2.5. Teoria de Caso ................................................................................................................ 26
iii

2.5.1. Pronomes na função de Dativo ............................................................................... 28


2.5.2. Pronomes na função de Acusativo .......................................................................... 28
2.6 Propriedades dos Verbos em relação ao Clítico “lhe” ................................................... 30
2.6.1 Verbos Bitransitivos................................................................................................ 30
2.6.2. Verbos Transitivos .................................................................................................. 30
CAPÍTULO III .............................................................................................................................. 32
3 Metodologia ........................................................................................................................... 32
3.1 Método ........................................................................................................................... 32
3.2 Método de abordagem .................................................................................................... 33
3.3 Método de procedimento ................................................................................................ 34
3.4 Técnicas e instrumentos de recolha de dados................................................................. 34
3.5 Delimitação e descrição do Universo ou população alvo .............................................. 35
3.6 Tipo de amostra .............................................................................................................. 36
3.7 Descrição da área Geográfica de Pesquisa ..................................................................... 36
CAPÍTULO IV – Análise de dados .............................................................................................. 37
4 Análise das ocorrências acusativas e dativas do pronome “lhe” no discurso dos alunos do
Ensino Secundário Geral............................................................................................................... 37
4.1 Informantes..................................................................................................................... 37
4.2 Emprego dos pronomes .................................................................................................. 38
4.2.1 Selecção do acusativo ............................................................................................. 38
a) Selecções Correctas do acusativo ............................................................................... 38
b) Selecções desviantes do acusativo (desvios de concordância) ................................... 41
c) O uso do “lhe” como pronome acusativo ................................................................... 43
4.2.2 Selecção do Dativo ................................................................................................. 45
a) Selecções desviantes do dativo ................................................................................... 46
b) Desvios quanto à concordância .................................................................................. 47
Conclusões .................................................................................................................................... 48
Bibliografia ................................................................................................................................... 50
Apêndice ....................................................................................................................................... 53
iv

Lista de abreviaturas

Acus. - Acusativo

Dat. – Dativo

DP –Determiner phrase (grupo determinante)

ESG – Ensino Secundário Geral

INDE – Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação

NOM – Nominativo

OBL – Oblíquo

OD – Objecto Directo

OI – Objecto Indirecto

PB – Português Brasileiro

PCESG – Plano Curricular do Ensino Secundário Geral

PE – Português Europeu

PM – Português Moçambicano

SN – Sintagma Nominal

Suj. – Sujeito

ESHM – Escola Secundária Heróis Moçambicanos

ESFM – Escola Secundária Francisco Manyanga


v

Lista de tabelas

Tabela n.º Conteúdo Página

Tabela 1 Formas Pronominais rectas e oblíquas de acordo com Lima (2001) ……….. Pág. 19

Tabela 2 Pronomes Pessoais Rectos e Pronomes Oblíquos de acordo com Almeida Pág. 20
1963…………………………………………………………………………...

Tabela 3 Quadro de Pronomes Clíticos segundo Mapasse (2005) …………………... Pág. 21

Tabela 4 Dados Linguísticos dos Informantes……...…………………………………... Pág. 34

Tabela 5 Resultados Estatísticos referentes à Selecções correctas do acusativo……. Pág. 36

Tabela 6 Resultados referentes ao uso desviante dos pronomes lhe/lhes…………….. Pág. 40

Tabela 7 Realizações Correctas do dativo e desvios de concordância………...……….. Pág. 42


vi

Declaração

Eu, Epifânia Celestino Lissane, declaro, por minha honra, que a presente monografia, intitulada
“As ocorrências acusativas e dativas do pronome lhe no discurso dos alunos do Ensino
Secundário Geral”, é resultado da minha investigação pessoal e das orientações do meu
supervisor, Doutor Carlos Mutondo. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas
estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final.

Declaro ainda que, este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para a
obtenção de qualquer grau académico.

Maputo, ____ de Agosto de 2021

___________________________________________
(Epifânia Celestino Lissane)
vii

Dedicatória

À memória do meu falecido pai.


viii

Agradecimentos

Em primeiro plano, queria expressar o meu profundo agradecimento a todos aqueles que, de
forma directa ou indirecta, contribuíram para a concretização deste trabalho.

Em seguida, dedico o meu profundo agradecimento ao meu supervisor, Doutor Carlos Mutondo,
por um lado, por se ter prontificado, sem nenhum receio, a trabalhar comigo nesta investigação,
por outro, pela abertura e paciência demonstradas durante o percurso do trabalho.

No mesmo plano, quero, igualmente, endereçar o meu obrigado a todos os docentes do Curso de
Português, sem excepções, que paciente e incansavelmente trabalharam e transmitiram-me todas
as competências necessárias para a actuação profissional nesta área.

Terceiro, a todos os meus colegas, em especial à Leontina Vilanculos e ao Alberto Monjane, vai
o meu profundo agradecimento pela inteira colaboração, nesta jornada.

Por fim, não menos importante, vai uma palavra de apreço à minha família, em especial, ao meu
marido que não poupou esforços para a minha formação. Pelo apoio e encorajamento, vai o meu
muito obrigado!
ix

Resumo

A Língua Portuguesa falada em Moçambique tem-se afastado, em vários aspectos, da norma


padrão ou oficial adoptada no País. No nosso dia-a-dia, tem sido frequente fazermos alterações a
vários níveis, tais como o morfológico, o lexical, o semântico, o sintáctico, entre outros.
É nesta problemática que surgiu a presente monografia, subordinada ao título “As
ocorrências acusativas e dativas do pronome lhe no discurso dos alunos do Ensino
Secundário Geral” e cujo objectivo principal se prendeu com a descrição das circunstâncias do
uso do pronome “lhe” pelos alunos das Escolas Secundárias da Manyanga e Heróis
Moçambicanos, a partir da resolução de um questionário. Assim, o inquérito administrado
permitiu aferir o comportamento do aspecto analisado, tendo-se chegado à conclusão que o
clítico “lhe”, cuja função é dativa, é, constantemente, usado em contextos em que o verbo exige
o pronome com função acusativa “o/a”.

PALAVRAS-CHAVE: Clítico; Acusativo; Dativo; sintaxe.


x

Abstract
The Portuguese Language in Mozambique is moved away in many aspects from the
norm/standard or the official adopted in this country.
Every day is often making modifications at different levels as morphologic, lexical, semantic,
and syntactic, etc. Is in that problem that appeared this scientific job with the topic “Accusatives
and datives occurrences of the pronoun “lhe” in speech of students of General Secondary
School”, which has the main purpose, to make the description of circumstances of the use of the
pronoun “lhe” by the students of Manyanga Secondary School and Heróis Moçambicanos
Secondary School, both situated at Maputo city, from a resolution of an inquest. So, the
administrated inquest , allowed to assess the behavior of analyzed aspect, where we achieved on
the conclusion that the pronoun “lhe” which the function is dative, is, constantly used in contexts
where the verb require the pronoun with the function of accusative.

KEY-WORDS: Clitic, Accusative, Dative, syntax.


11

1. Introdução

A Língua Portuguesa, em Moçambique, tem o estatuto de Língua oficial, no entanto este


facto não anula a questão de ela ser uma Língua Segunda (L2) para a maioria dos moçambicanos
que têm uma Língua Nacional como materna. Dada a posição que esta Língua ocupa, parece
haver uma certa “obrigatoriedade” de os moçambicanos a dominarem, ou seja, não basta apenas
falar Português, é preciso respeitar a norma padrão europeia que é a que regimenta o Português
falado no País.
Macarringue (2014:129) concorda com a necessidade ou com a “obrigatoriedade” de os
moçambicanos dominarem a Língua Portuguesa, ao defender que “o domínio da norma padrão é
um valor acrescentado no estabelecimento das relações e conexões socioprofissionais, na medida
em que serve de mecanismo mediador para legitimar quem “sabe falar” e quem “não sabe falar”
correctamente a Língua Portuguesa”.
Nesse âmbito e concordando com o autor supracitado, pode-se afirmar que esta Língua, além
de ser considerada “Língua de unidade nacional”, é também vista como a de prestígio, pois,
através dela, as pessoas são, socialmente, categorizadas, o que significa dizer que, em
determinados contextos sociais, são privilegiados os que conhecem a Língua Portuguesa em
detrimento dos que não a conhecem.
Segundo Dias et al. (2009:408), a variante europeia, que é a norma padrão1 adoptada para
Moçambique, encontra-se geograficamente distanciada, em Portugal, e parece não haver um
input suficiente da “norma culta” que possa servir de modelo de “perfeição linguística” para o
país. Dias (op.cit.) acrescentam: “ a maior autoridade que temos é a escola e a maior parte dos
professores de Português não têm o exemplo linguístico «correcto» ”.
Ainda segundo as autoras, a Língua Portuguesa, usada em Moçambique, não segue, em
vários aspectos, as normas do Português Europeu, ou seja, o Português de Moçambique,
apresenta algumas variações relativamente ao Português Padrão. Um dos aspectos é o tratamento

1
Gonçalves (2005) citando Trudgill (1983) diz que “uma norma padrão refere-se à variedade de uma língua que é
habitualmente impressa, e que é ensinada em escolas e a falantes não nativos quando aprendem a língua. É também
a variedade que é normalmente falada por pessoas instruídas e usada na emissão radiofónica de notícias e outras
situações similares”.
12

dos pronomes clíticos, concretamente o “lhe”, dativo, no processo de escrita assim como durante
a fala.

1.1.Formulação do problema de pesquisa

Lakatos & Marconi (2003: 127) defendem que “formular problema consiste em dizer, de
maneira explícita, clara, compreensível e operacional, qual a dificuldade com que nos
enfrentamos e que pretendemos resolver, limitando o seu campo e apresentando as suas
características”.

Diante do acima exposto, deparamo-nos com o seguinte problema: Os pronomes clíticos,


quanto à escolha da sua flexão casual, apresentam diferenças relativamente à norma europeia. A
forma dativa2 “lhe” é invariavelmente utilizada no lugar da forma acusativa3 “o/a”, em frases do
tipo:

(1) “Vi-lhe no cinema” em vez de “vi-o no cinema”.

Nascimento (2010:17), citando Ramos (1999), acrescenta dizendo o seguinte: “no Português
Moçambicano são frequentes frases com a presença do fenómeno em estudo” como podemos
verificar nos exemplos abaixo:

(2) O António tinha um padre que lhe educava. [Cf. Nascimento (2010)].
(3) Ficaram aborrecidos e prenderam-lhe. [Cf. Nascimento (2010)].

Nos exemplos, 2 e 3, do Português Moçambicano, os verbos educar e prender ocorrem como


transitivos indirectos, dado que são pronominalizados pelo [lhe], que, segundo a literatura,
realiza o caso dativo, devendo, portanto, ocorrer em verbos que seleccionem um objecto
indirecto.

Não obstante o problema acima exposto, Dias et al. (2009:412) defendem que o facto da
variedade do Português usada em Moçambique se distanciar, em muitos aspectos, da variedade

2
O caso dativo serve para marcar o objecto indirecto dentro de uma oração.
3
O caso acusativo é o caso gramatical usado para marcar o objecto directo de um verbo transitivo directo
13

europeia “padrão”, não implica que se deva generalizar a ideia de que os professores não sabem
falar a língua. Ainda na senda de Dias et al. (op. cit),“os professores sabem falar a língua, só que
é importante reconhecer que todos nós falamos uma Língua Portuguesa que, em alguns aspectos,
se diferencia da variante europeia que nos serve de padrão”.
Gonçalves (2005:6), procurando uma resposta para a mesma problemática, considera que “os
aprendentes têm poucas oportunidades de contacto com manifestações da norma, que é ensinada
num vasto leque de contextos”. Não só o fraco e/ou a dificuldade de contacto com as
manifestações da norma, mas também as condições de aprendizagem em contexto escolar estão
longe de proporcionar aos aprendentes uma competência comunicativa satisfatória, devido ao
fraco alcance das instituições educacionais.
Por via disso, o presente trabalho procura encontrar uma resposta para a seguinte questão:

Que factores interferem na selecção da forma dativa (lhe) em contextos em que se exige a
ocorrência da forma acusativa (o/a), nos discursos (orais e/ou escritos) dos alunos pré-
universitários das Escolas Secundárias Francisco Manyanga e Heróis Moçambicanos?

1.2.Objectivos da pesquisa

1.2.1. Geral:

 Analisar os factores linguísticos inerentes ao uso desviante do pronome clítico “lhe” em


alunos do Segundo Ciclo do Ensino Secundário Geral (12ª classe).

1.2.2. Específicos:
(i) Apontar, nas respostas dos alunos das Escolas Secundárias Francisco Manyanga e
Heróis Moçambicanos, os casos do uso desviante do pronome clítico “lhe”.
(ii) Identificar os factores que levam o grupo pesquisado a cometer desvios no uso da
forma dativa “lhe”.
14

1.3.Justificativa e/ou motivação do Estudo

A escolha pelo tema desta monografia justifica-se pelo facto de haver um “choque” entre o
prescrito no Português Europeu (PE), adoptado, em Moçambique, como padrão e o que se
observa no português dos falantes moçambicanos. Verifica-se, no Português Moçambicano
(PM), que a colocação dos clíticos pronominais se caracteriza por um certo distanciamento em
relação ao Português Europeu, um dos fenómenos que levanta, segundo muitos autores, a
possibilidade do surgimento de um Português de Moçambique.

Durante o Estágio Pedagógico, que decorreu na Escola Secundária Francisco Manyanga, ao


longo do primeiro semestre de 2019, foi possível perceber que os manuais de Língua Portuguesa
(mais adiante, uma breve análise do programa da 12ª classe) não tornam relevante os conteúdos
relativos aos pronomes clíticos. Por conseguinte, os alunos vinham apresentando fragilidades, na
fala e até mesmo na escrita, para o emprego adequado do clítico.

Muitos estudiosos já colocam a hipótese de padronizar a Língua Portuguesa moçambicana,


empreendimento que, na perspectiva de Dias et al. (2009:413), é perfeitamente realizável se
houver vontade política de fixação de uma política linguística da Língua Portuguesa em
Moçambique. As autoras acrescentam que, muitas das dificuldades, enfrentadas pelos
profissionais de comunicação, professores e pelos governantes, reduzir-se-iam se se
reconhecesse o uso diferente que está a ser feito da Língua Portuguesa, em Moçambique.

Sabe-se que a Língua Portuguesa, para além de ser uma língua oficial, é também uma língua
de ensino. Assim, espera-se que os alunos tenham um domínio oral e escrito que lhes permita
comunicar, em várias situações das suas vidas, bem como responder satisfatoriamente às
exigências do ensino superior. No 2º Ciclo, a aprendizagem da Língua Portuguesa observa uma
exigência maior, de forma a desenvolver certas competências, como por exemplo: “usar o
Português em várias situações de comunicação nos domínios familiares, académico, comunitário
e laboral”. (PCESG4, 2007).

4
PCESG refere-se ao Plano Curricular do Ensino Secundário Geral.
15

A opção pelo segundo ciclo, concretamente a 12ª classe, deve-se ao facto de este, segundo o
PCESG (2007), ser de carácter especializado e ter como objectivo preparar o estudante para a
vida, não só, mas também para a continuação dos estudos no ensino superior. Ainda segundo o
mesmo plano, o aluno deve, no final do ciclo, ter a capacidade de comunicar de forma fluente,
oral e por escrito, em Língua Portuguesa.

Em consideração ao acima exposto, pretendemos avaliar até que ponto o público pesquisado
satisfaz os objectivos consagrados, para este nível, nos documentos orientadores do processo de
E-A do Português, dando maior enfoque ao uso que estes fazem do pronome dativo “lhe”.

Motiva-nos ainda a realização deste trabalho, pelo facto da temática escolhida ter uma
importância de índole didáctico-pedagógica e linguística. Do ponto de vista didáctico-
pedagógica, este trabalho serve de mais um contributo para a sensibilização da classe estudantil
sobre o tema em análise. Do ponto de vista linguístico, tem relevância para a descrição das regras
sintácticas do português falado em Moçambique.
Vários trabalhos afins já foram realizados, com maior destaque para os trabalhos de Mapasse
(2005) e César (2014). No entanto, nenhum destes trabalhos dá maior ênfase, em particular, ao
uso do pronome clítico dativo “lhe”, o que potencia a pertinência do nosso estudo.

1.4.Hipóteses de Estudo
Rudio (1980), citado por Oliveira (2011), diz que «hipótese é uma suposição que se faz na
tentativa de explicar o que se desconhece». Trata-se de uma suposta resposta ao problema a ser
investigado. Entende-se por hipótese uma antecipação de um conhecimento na expectativa de o
mesmo ser comprovado e uma das suas características é que esta é provisória.

Com base nos dados recolhidos, pretendemos testar as seguintes hipóteses:


O desvio à norma europeia, no que diz respeito ao emprego do pronome clítico “lhe”, está
relacionado com:
 A não previsão de uma abordagem dos conteúdos concernentes aos padrões de
colocação dos pronomes clíticos, especialmente o “lhe”, nos programas de
ensino, o que condiciona o uso indiscriminado dos clíticos pelos alunos do ESG.
16

 A ausência do domínio da funções dos pronomes clíticos, incluindo o “lhe”, leva


os alunos do Ensino Secundário Geral (ESG) a produzirem frases com um certo
distanciamento dos padrões de selecção e colocação dos clíticos no PE,
empregando o clítico “lhe” em vez do acusativo “o/a”.
 Os alunos têm poucas possibilidades de praticar o Português Padrão na sala aulas.

1.5.Análise do Programa de Português da 12ª classe do Ensino Secundário Geral.


No contexto educativo, um programa significa “conjunto de conteúdos que devem ser
ensinados, isto é, o que ensinar em cada uma das matérias ou disciplinas e para cada uma das
classes ou anos de escolaridade de um determinado sistema educativo.” (INDE, 2010:68).
No programa educativo estão presentes: o plano temático, a unidade temática, etc.
O Plano Temático contém a organização das unidades temáticas, os objectivos específicos,
os conteúdos, as competências básicas e a carga horária. Na unidade temática, estão patentes os
temas ou conteúdos que versam sobre o mesmo assunto didáctico.

Uma vez que o nosso trabalho avalia o comportamento sintáctico do clítico “lhe”, a partir do
inquérito administrado aos sujeitos pesquisados, optamos por analisar não só o programa da
classe a que estes pertencem (12ª classe), mas também a classe precedente (11ª classe), visto que
ambas pertencem ao mesmo ciclo de aprendizagem. Assim, num olhar minucioso aos programas
das classes acima citadas, foi possível aferir que os mesmos não trazem a abordagem dos
pronomes clíticos, especialmente o pronome “lhe”, o que legitima a nossa primeira hipótese.
Olhando para a qualidade e profundidade dos conteúdos, os programas, no nosso ponto de
vista, propõem conteúdos que permitem a formação de indivíduos com as respectivas
competências previstas, na medida em que os mesmos contêm uma série de tipologias textuais
que permitem ao professor explorar os vários domínios da língua, não só, como também alguns
temas transversais que ajudam o estudante a reflectir sobre os diversos problemas que,
eventualmente, aflijam a sociedade.
Os programas em análise, tornam explícito que em todas as classes do ESG, ou seja, da 8ª a
12ª classe, não há ruptura em termos dos conteúdos abordados, mas sim uma continuidade dos
mesmos, isto é, há uma tendência de se fazer a retoma dos conteúdos já abordados nas classes
17

anteriores, mas, desta feita, com um nível de exigência ainda maior em termos de objectivos
específicos. A título de exemplo, podemos atentar na primeira unidade temática, em que, na 8ª
classe, o aluno analisa, no caso dos Textos Normativos, especificamente, o Regulamento. O
mesmo aluno, quando transita para a 9ª classe, é colocado a interpretar a Declaração dos Direitos
Humanos e a dos Direitos da Criança. Já na 10ª classe, o aluno vai reflectir em torno da
Constituição da República. Mais adiante, na 11ª classe, estuda a Lei da família e, finalmente, na
12ª classe, a Lei Eleitoral.

Olhando para a logicidade, na sequência dos conteúdos, pode-se afirmar que estes estão
dispostos segundo a pertinência de cada tópico no que respeita ao desenvolvimento das
habilidades da língua.
No entanto, quando observamos a parte do Funcionamento da Língua, notamos a
problemática acima exposta, isto é, a não abordagem dos pronomes clíticos, tanto no programa
da 11ª classe assim como no da 12ª classe.
A seguir, os conteúdos do funcionamento da língua abordados em cada unidade temática:
 Unidade temática 1 - Formação de palavras;
 Unidade temática 2 - Conjunções/Locuções subordinativas e orações subordinadas
concessivas, condicionais e finais;
 Unidade temática 3 - Regência Verbal;
 Unidade temática 4 - Concordância Verbal;
 Unidade temática 5 - Figuras de estilo;
 Unidade temática 6 - Uso de conectores, quantificadores, orações relativas: uso dos
pronomes cujo, onde.
Conforme se verifica, não há nenhuma unidade temática que trate do uso dos pronomes clíticos.
18

CAPÍTULO II

2. Fundamentação Teórica
O pronome “lhe” é visto como um pronome oblíquo ou átono, dependendo de cada autor, que
desempenha a função sintáctica de dativo ou complemento indirecto, assim como acusativo ou
complemento directo, dependendo da variante da Língua Portuguesa.
Assim, neste trabalho, cujo título é “As ocorrências acusativas e dativas do pronome lhe
no discurso dos alunos do Ensino Secundário Geral”, procuraremos, antes de mais, trazer uma
breve definição do pronome, no geral, e, logo em seguida, a definição do pronome em alusão.
Mais adiante, o capítulo discute o uso do “lhe” nas três variedades do Português, nomeadamente:
português europeu (PE), brasileiro (PB) e no Português de Moçambique (PM). E porque o
trabalho aborda a questão do caso acusativo e dativo, faz-se pertinente uma breve menção à
Teoria do caso. Para finalizar, procura-se trazer alguns pronomes na função de acusativo e
dativo, assim como ilustrar as propriedades de alguns verbos usados com o pronome “lhe”.

2.1.Pronome
Ao tratar de pronome, Vilela (1995) apud César (2014: 15) afirma que “a designação Pro-
Nomen indica a relação existente entre esta classe de palavras e o nome”. O autor acrescenta
dizendo que “os pronomes encontram a sua definição no discurso, indicando a pessoas, seres
vivos, objectos ou estado de coisas em que a relação fixada na materialidade do pronome é
deduzida da conexão da frase, do texto ou da situação do discurso”.
Na perspectiva de Bechara (2009:177), o pronome “é a classe de palavras categoremáticas
que reúne unidades em número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação ou
por outras palavras do contexto”.
Para Mattoso (1970) citado por Guarino (2011:11) “o pronome faz uma referência ao nome
dentro de um contexto e, por isso expressa também as categorias de género e número, além de
possuir formas diferentes para pessoas e funções sintácticas”.
Diante das citações acima, é possível concluir que um pronome representa uma classe de
palavras que representam ou substituem um nome. Temos como exemplo, os pronomes pessoais
do caso recto, pronomes pessoais do caso oblíquo, etc.
19

2.2.O Pronome Oblíquo Átono “lhe”


Cunha & Cintra (2004:217) asseguram que o pronome “lhe” e o seu plural “lhes” são
pronomes pessoais oblíquos átonos relativos à terceira pessoa do singular e plural, próprias do
objecto indirecto. São usados quando, na frase, o substantivo que substituem tem função de
objecto indirecto.
Na perspectiva de Lima (2005), citado por Bazenga & Rodrigues (2019:983), “as formas “o,
a, os, as” empregam-se em substituição a um substantivo que, sem vir precedido de preposição,
completa o regime de um verbo e, no que diz respeito ao pronome “lhe, lhes” representam
substantivos regidos pelas preposições a ou para”, como ilustram os exemplos a seguir:

(4) a) Vi a minha irmã (ou vi-a)


b) Não mandei as mensagens (ou Não as mandei)
c) Dei o livro ao menino (ou Dei-lhe o livro)

De acordo com Bahule (2009:49),“a Língua Portuguesa faz uma distinção formal entre o
objecto directo e o indirecto. O nome objecto indirecto é sempre regido de preposição, o que não
acontece com o objecto directo”. Ainda segundo Bahule (op. cit.), o clítico, pronome pessoal que
serve de Objecto Directo, difere do que funciona como Objecto Indirecto, na 3ªpessoa do
singular e plural, mantendo-se com a mesma forma nas outras pessoas gramaticais.
Por via disso, pode-se ressaltar que o objecto directo é o complemento do verbo que não vem
acompanhado de uma preposição e que pode ser representado pelos pronomes oblíquos o, a, os,
as. O mesmo não acontece com o Objecto Indirecto, que vem acompanhado de uma preposição e
que representa a pessoa ou a coisa a que se destina a acção. Este pronome pode ser representado
pelos pronomes “lhe” e “lhes”.

2.3.Distribuição dos clíticos pronominais


Nos quadros que se seguem, são apresentados, no primeiro, todos os pronomes, e, no
segundo, os pronomes que constituem o foco do presente estudo.
20

Formas rectas5 Formas oblíquas6


Número Pessoa Sujeito Objectos directos Objectos Indirectos

1ª eu me me
Singular
2ª tu, você te, você, o, a te, lhe (a você)

3ª ele, ela o, a lhe (a ele, a ela)

1ª nós nós nós

2ª vós, vocês vós vós, lhes (a vocês)


Plural
3ª eles, elas os, as lhes (a eles, a elas)

Quadro 17: Formas pronominais rectas e oblíquas em Lima (2001)

No referente ao quadro acima, Lima (2001) apud Nascimento (2010) acrescenta “você e
vocês” como pronomes de segunda pessoa, não os colocando no grupo das formas de tratamento,
como são por muitos considerados.
Em contraparte, as gramáticas tradicionais classificam o pronome “você” como pronome de
tratamento que possui carácter definido. No entanto, Ramos (1997), citado por Guarino (2011:
35), mostra que esse pronome adquiriu também a interpretação indefinida, tornando marcante a
indeterminação do sujeito. O autor afirma ainda que a gramática tradicional faz tais
classificações, porque recupera uma regularidade latina, na qual se tinha a correspondência
perfeita entre pessoas do pronome e pessoas do verbo, porém esta correspondência foi rompida
pela inserção do “você”, que é da segunda pessoa (no lugar do tu) mas que leva o verbo para a
terceira pessoa.
Lopes & Romeu (2007), citados por Guarino (2011), corroboram ao afirmar que a forma
“você” tem a sua origem no nome, no entanto, ao assumir, em certos contextos discursivos,
determinadas propriedades, valores e funções, essa nova forma pronominalizada passa a fazer
parte de uma outra classe/categoria.

5
Os pronomes rectos são aqueles que desempenham a função de sujeito da oração.
6
As formas oblíquas assumem, geralmente, funções de complementos verbais.
7
Quadro retirado de Nascimento (2010:48)
21

Assim, no quadro apresentado por Lima (2001), está-se perante o uso do PB, onde houve a
fusão do paradigma da 2ª pessoa com o da 3ª pessoa do singular.
No que tange aos pronomes oblíquos, Lima (2001) faz menção às formas “te e lhe” como
pronomes de segunda pessoa do singular na função de objecto indirecto. Como pronomes de
segunda pessoa do plural cita “lhes, vos” nessa função.
É possível notar, neste quadro, que o pronome dativo “lhe”, é um pronome de segunda
pessoa do singular, podendo ser substituído por “você”. É, também, considerado, pronome de
terceira pessoa do singular, tendo o mesmo sentido que “ a ele” e “a ela”.
O tratamento dado ao pronome dativo singular “lhe”, é também dado ao pronome dativo
plural “lhes”, onde, ocupa o lugar de segunda pessoa do singular, podendo ter o mesmo sentido
que “a vocês”. É, também, considerado pronome de terceira pessoa, onde, tem o mesmo sentido
que “ a eles” e “a elas”.
Faz menção ainda às formas “você, te, o, a” como pronomes relacionados à segunda pessoa
do singular na função de objecto directo. A cerca dos pronomes “o” e “a”, estes, são
considerados como sendo de segunda e terceira pessoas do singular, no entanto, no plural, são
considerados, apenas, como sendo de terceira pessoa.
Ainda no quadro apresentado acima, na segunda pessoa do plural tem-se o “vós”, na função
de objecto directo, e o autor não contempla o “vocês” na mesma função. Porém, parece-nos essa
associação do “vocês” ao objecto directo pouco produtiva, dado que ao observamos, por
exemplo, no quadro acima, esse assume o mesmo sentido que o pronome “lhe”, na função de
objecto indirecto. De referir que, o autor em alusão, não assume a inclusão do pronome reflexivo
“se” na sua classificação de pronomes.
22

No quadro que segue, são apresentados os pronomes rectos e oblíquos, segundo a


classificação de Almeida 1963.

Pronomes Pessoais
Pessoas Caso recto Caso oblíquo
gramaticais Átonos Tónicos
1ª pessoa singular eu me mim, comigo
2ª pessoa singular tu te ti, contigo
3ª pessoa singular ele, ela o, a, lhe, se si, consigo, ele (a)

1ª pessoa plural nós nós connosco

2ª pessoa plural vós vós convosco

3ª pessoa plural eles, elas os, as, lhes, se si, consigo, ele (as)
Quadro 28: Pronomes pessoais rectos e pronomes oblíquos de acordo com Almeida (1963)

No quadro acima apresentado, o autor não admite a inclusão das formas pronominais “você e
vocês” como pronomes de segunda pessoa, mas sim como pronomes de tratamento. Ele
considera somente as formas “tu e vós” como sendo pronomes de segunda pessoa, singular e
plural, respectivamente. O autor, aponta, ainda, o pronome reflexivo “se” como sendo um
pronome com o mesmo estatuto com os pronomes que são, de forma exclusiva, acusativos (o (s),
a (s)) e dativos (lhe e lhes).

O quadro a seguir, retirado de Mapasse (2005), mostra o paradigma dos clíticos não-
reflexivos e reflexivos, de acordo com a pessoa gramatical e a forma casual a que correspondem.

8
Quadro retirado de Nascimento (2010:46)
23

Pessoas Clíticos não-reflexivos Reflexivos

Gramaticais Acusativo Dativo Acusativo/Dativo

1ª singular me me me

2ª singular te te te

3ª singular o/a lhe se

1ª plural nós nós nós

2ª plural vós vós vós

3ª plural os/as lhes se

Quadro 3: Quadro de pronomes clíticos segundo Mapasse 2005.

Mapasse (2005) considera os clíticos acusativos (me, te, o/a, nos, nos, vos, os/as) e os clíticos
dativos (me, te, lhe, nos, vos, lhes) como sendo não reflexivos e os clíticos que apresentam o
sincretismo como sendo clíticos reflexivos.
É possível notar, neste quadro, que os pronomes da 1ª e 2ª pessoas gramaticais não
apresentam nenhuma diferença no que diz respeito à função sintáctica. O mesmo não se verifica
na 3ª pessoa gramatical. Assim como Almeida, Mapasse aponta o pronome reflexivo “se”, como
sendo um pronome da terceira pessoa do singular, assim como do plural que desempenha a
função de acusativo e dativo.
Os autores dos quadros acima convergem na medida em que consideram os pronomes da
terceira pessoa do singular ou plural “lhe, lhes” como pronomes na função de objecto indirecto e
os pronomes o (s), a (s), como pronomes na função de objecto directo, embora, os mesmos
tenham, também, o estatuto de pronomes de segunda pessoa do plural e singular na visão de
Lima (2001)
24

2.4.O uso do “lhe” nas variedades do Português

2.4.1. O Pronome “lhe” no Português Brasileiro


Com base nos estudos desenvolvidos sobre os clíticos, verifica-se que, no português
Brasileiro, o emprego das formas “o (s), a(s) e lhe(s)”corresponde ao que tem sido sistematizado
pela gramática tradicional. (Nascimentos, 2010).
Segundo a mesma autora, verificam-se características inovadoras no PB, sobressaindo o
quase desaparecimento dos pronomes “o/a” na função de objecto directo9 e “lhe” na função de
objecto Indirecto10 e surgindo, dessa maneira, a generalização do emprego do pronome dativo
“lhe”, associado à função de acusativo, fazendo referência à 2ª pessoa, com verbos transitivos
directos, como mostram os exemplos a seguir:

(5) Escrevo-lhe (dat.) esta carta para agradecer o amor e o carrinho. [Cf. Nascimento
(2010)]
(6) Por isso resolvi -lhe (Acus.) procurar... [Cf. Nascimento (2010)]

Nascimento (2010:55) assegura que, no PB, se observam três grandes mudanças no que diz
respeito aos pronomes:
i. A inclusão da forma “você” alternando com o “tu” na função de sujeito;
ii. O desaparecimento dos pronomes acusativos “o(s), a(s)” em favor de outras estratégias
dos complementos objecto directo;
iii. A reinterpretação do clítico dativo “lhe” da terceira pessoa, que passou a ser empregue,
também, como acusativo, referindo-se à segunda pessoa, com verbos transitivos directo.

Bazenga e Rodrigues (2019:25) acrescentam que para a realização do dativo, para além da
estratégia da realização zero, ou objecto nulo, também em uso quando se trata de OD/acusativo,
os falantes do PB recorrem ainda a sintagmas preposicionais, como em:

9
O objecto directo é o complemento do verbo que não possui preposição e que também pode ser representado
pelos pronomes oblíquos o, a os, as.
10
Já o objecto indirecto vem acrescido de preposição e, igualmente, pode ser representado pelos pronomes “lhe,
lhes”.
25

(7) O José deu o livro a ela / para ela. [Cf. Rodrigues (2019)].

“No entanto, o PE, padrão, não inclui esta construção no seu subsistema pronominal. Esta
variedade do PE configura propriedades sintácticas distintas”. (Bazenga & Rodrigues, 2019).

2.4.2. O pronome “lhe” no Português Moçambicano

Gonçalves (2011:1) defende que “em variedades não europeias do português, é frequente o
uso do pronome pessoal “lhe” em contextos em que a norma europeia preconiza o uso do
pronome “o”. Este fenómeno costuma ser designado como “lheísmo11”.
Hagemeijer (2016), citado por Bazenga & Rodrigues (2019:28), assegura que, na variedade
moçambicana do Português, observa-se uma tendência para o uso do “lhe” em contexto
acusativo de terceira pessoa, como ocorre em algumas variedades do PE, nomeadamente
insulares, e não de segunda pessoa, como em variedades do PB.
No português de Moçambique, o “lheísmo” ocorre, em geral, quando o pronome pessoal se
refere a um ser humano, independentemente de se tratar da pronominalização do complemento
directo ou do complemento indirecto. Este fenómeno é muito frequente nas produções orais e
escritas dos falantes, incluindo aqueles que têm um grau de instrução elevado, podendo dizer-se
que este é um traço característico da variante culta das variedades do português desses países.
Ainda segundo a mesma autora, apesar do carácter relativamente estável do “lheísmo”, ainda
se registam casos em que, num mesmo discurso, os falantes alternam entre o uso dos pronomes
“lhe” e “o/a”, em contextos que, de acordo com a norma europeia, deveria ser usada esta última
forma.

Na variedade moçambicana do Português, também se verificam usos de “lhe”, como forma


única tanto para a realização de OI (padrão) como de OD (não-padrão): exemplos a seguir:
(8) Nós ficávamos a lhe provocar. [Cf César, (2014)]
(9) Os meus pais têm lhe chamado muito. [Cf. César, (2014)]

11
Refere-se ao uso incorrecto e abusivo do pronome lhe/lhes.
26

(10) Mas a minha mãe sempre insistia-lhe de não fazer aquelas coisas todas. [Cf.
César, (2014)]
(11) As pessoas não lhe gostam [Cf. César, (2014)].

2.4.3. O “lhe” no Português Europeu


No Português Europeu (padrão), os pronomes “lhe/lhes” integram o paradigma dos clíticos
do caso dativo, 3ª Pessoa do singular e 3ª Pessoa Plural, com função sintáctica de Objecto
Indirecto (OI). Na perspectiva de Gonçalves (2011:1), de acordo com o Português Europeu
Padrão, a forma “lhe” é usada quando há pronominalização do complemento indirecto, como
ilustram os exemplos a seguir:

(12) a) Telefona [ao João]. [Cf. Gonçalves (2011)


b) Telefona-lhe logo à tarde. [Cf. Gonçalves (2011)]

Por sua vez, quando se trata de pronominalizar o complemento directo, deve usar-se, ainda
de acordo com o Português Europeu Padrão, a forma “o”.
(13) a) Convidei [o João] para a festa. [Cf. Gonçalves (2011)]
b) Convidei-o porque é um bom amigo. [Cf. Gonçalves (2011)]

“Ao dizer convidei-o, está a seguir-se a norma padrão europeia, e, ao dizer convidei-lhe, está-
se de acordo com as variedades, moçambicana e angolana do Português.” (Gonçalves, 2011:2).

2.5. Teoria de Caso


Na perspectiva de Nascimento (2010:35), a Teoria de Caso ocupa-se da questão do modo de
atribuição do caso, o que implica dizer que, a atribuição de caso é a propriedade de todas as
línguas particulares. Através de filtro denominado “Filtro de Caso”, os DPs12 [na teoria de
Campos & Xavier (1991), o DP equivale a SN] realizados foneticamente recebem um caso. O
que muda de uma língua para a outra é o facto de algumas terem realização morfológica e outras

12
Uma abreviatura inglesa que significa Determiner Phrase, que em Português significa Grupo Determinante
27

apenas sintáctica. Em Português, os pronomes diferenciam-se formalmente em quatro grupos


casuais distintos: nominativo, acusativo, dativo e o oblíquo”.
Ainda segundo Nascimento (2010:35), “cada caso particular é determinado directamente pela
presença de um elemento linguístico particular no contexto de DP que recebe esse caso” como
ilustram os exemplos a seguir:

(14) Eu (nom.) entreguei-lhe (dat.) o livro. [ Cf. Nascimento (2010)].


(15) Tu (nom.) viste-o (acus.) hoje. [Cf. Nascimento (2010)].
(16) Ele (nom.) jogou-a (acusativo) para mim (obl). [Cf. Nascimento (2010)].
Nos exemplos acima, é possível notar que o caso nominativo manifesta-se num grupo
determinante na posição de sujeito. Os casos acusativo e dativo manifestam-se num grupo
determinante, no contexto de um verbo transitivo e, o caso oblíquo, por sua vez, manifesta-se
num DP, no contexto de uma preposição.
Para Campos & Xavier (1991:174),“a informação morfológica de caso que os pronomes
apresentam, em Português, não permite que os pronomes ocorram em posições estruturais
diferentes das estabelecidas para as respectivas funções gramaticais”.
Pode-se conceber a presença desses casos nos grupos determinantes como sendo o resultado
de uma atribuição casual directa pelas categorias Flexão [+ Concordância], Verbo e frase, as
quais são chamadas de atribuidores casuais. Na perspectiva de Raposo (1992), citado por
Nascimento (2010), “ (…) cada um dos atribuidores casuais atribui um caso ao grupo
determinante mais próximo dele. Essa condição explicita que a atribuição casual a um DP é feita
sob a regência do grupo determinante pela categoria que lhe atribui caso”.
Ainda na perspectiva de Campos & Xavier (1991:174), “a ordem dos constituintes da frase,
em Português, é o reflexo das condições estruturais da regência de que depende o caso.
Considera-se que o caso é atribuído, ou realizado, em Estrutura-S, e que cada atribuidor de caso
só pode atribuir apenas um caso a um SN”.
“No Português actual, reconhece-se ainda cinco casos, embora existam algumas formas
ambíguas. Os primeiros casos realizam, em geral, funções gramaticais precisas na estrutura
frásica e o último, o genitivo, realiza uma relação de Posse”. (Campos & Xavier, 1991:174).
A partir da observação do sistema pronominal Português, observa-se a seguinte síntese de
correspondência entre casos e funções gramaticais:
28

 Nominativo - Sujeito
 Acusativo - Objecto Directo
 Dativo - Objecto Indirecto
 Oblíquo - complemento indirecto, Adjunto
 Genitivo – Posse

2.5.1. Pronomes na função de Dativo


Segundo Cunha & Cintra (2004:217), “a função sintáctica do “lhe” é a de objecto Indirecto”.
Estes autores defendem que “lhe” e “lhes” são formas próprias do objecto indirecto. O pronome
“lhe” foi originado do dativo latino que tem uma espécie de função paralela à do complemento
Indirecto do Português. Do mesmo modo, o status de complemento é garantido, pois “lhe”
preenche perfeitamente o espaço exigido pelo verbo. Concomitantemente, a preposição implícita
no “lhe” propicia que a complementação seja “complemento Indirecto”.
Lima (2006) e Bechara (2003), citados por Almeida (2011:2309), cruzam as suas ideias ao
definirem o objecto indirecto como o complemento que se refere quase sempre a um ser
animado, introduzido pela preposição “a” e, mais raramente, por “para”, e que expressa o papel
de beneficiário, destinatário, sendo comutável pelo pronome pessoal “lhe/lhes”.

2.5.2. Pronomes na função de Acusativo


Nascimento (2010:53) revela que “de acordo com a tradição gramatical, no Português,
observa-se a existência de sincretismo13entre as formas de primeira e segunda pessoas (me/te;
nos/vos), nas funções de objecto directo e indirecto.” Concordam, Cunha & Cintra (2004:217),
ao fazerem menção aos pronomes acima, como sendo aqueles que se empregam como objecto
directo e indirecto. Porém, este fenómeno não ocorre na terceira pessoa, onde existem formas
exclusivas para exercer as funções de objecto directo e indirecto. Assim “as formas próprias do
objecto directo são: “o, a, os, as”. (Cunha & Cintra, 2004:217). A partir das citações acima,
compreende-se que os autores em destaque concordam entre si ao afirmarem que existem certos

13
[Linguística] identidade formal entre terminações ou formas morfológicas diferentes de uma palavra.
29

pronomes que podem ser empregues tanto como objecto directo assim como objecto indirecto,
exceptuando os pronomes da terceira pessoa.

No entanto, observa-se que o clítico “lhe” passou a ser empregue como acusativo, com
verbos transitivos, como em:

(17) Lucas lhe viu ontem (Objecto directo – 3ª pessoa) [Cf. Nascimento 2010].
(18) Eu lhe amo muito (Objecto directo – 2ª pessoa) [Cf. Nascimento 2010].

Nestas construções, o “lhe”, embora continue sendo um complemento, passa a responder à


pergunta do verbo transitivo directo. Logo, assume o papel de acusativo e não dativo. Este
fenómeno linguístico passou a ser chamado de lheísmo.
Nascentes (1990)14 assegura que se criou o termo lheísmo para designar, no Português
Brasileiro, o emprego da forma “lhe” como objecto directo. Para ele, na linguagem corrente, o
emprego do “lhe” dativo atenuou-se, usando-se, de preferência, as expressões “a ele”, “para
ele”, “a você”, “para você”, que é uma tendência analítica da língua. Este foi um ponto que
contribuiu para o enfraquecimento do “lhe” como exclusivo dativo.
Assim, o aspecto acusativo do “lhe” é característico do Português do Brasil, sobretudo na
linguagem coloquial. Pois, às vezes, o usuário da língua faz as escolhas que considera mais
eficientes para obter a comunicação, mesmo que isso ignore ou contradiga a gramática
normativa.
De acordo com Almeida (2011: 2398),“o uso inovador do “lhe”, em função acusativa, tem
sido apontado como consequência da reorganização do quadro pronominal do Português
Brasileiro, provocada pela inserção, primeiramente, do você e, posteriormente, doa gente”
A partir da citação acima, torna-se consensual que, no Português Brasileiro, o uso do “lhe”,
na função de acusativo ou objecto directo, é fruto de uma mudança que surgiu com a
reorganização do quadro pronominal. Nessa reorganização, houve a inserção do você e gente,
características típicas da fala dos brasileiros.

14
Disponível em: www2.dbd.Puc-rio.br>tesesabertas
30

2.6 Propriedades dos Verbos em relação ao Clítico “lhe”


Nascimento (2010) defende que “a organização sintáctica de frases básicas de uma língua
depende das propriedades do verbo presente na oração”. Por outras, para que uma frase esteja
sintacticamente correcta, a observação das características dos verbos presentes na oração é
crucial.
Assim sendo, propomo-nos, a seguir, debruçar sobre os verbos bitransitivos, classe em que,
maioritariamente, ocorre o pronome em estudo neste trabalho.

2.6.1 Verbos Bitransitivos


Os Verbos Bitransitivos são os comummente denominados transitivos directos e indirectos.
Para Nascimento (2010: 60) “o clítico “lhe” como complemento dativo (OI) ocorre junto de
verbos bitransitivos, verbos que seleccionam um argumento externo, um argumento interno
directo e um argumento interno indirecto”.

Os verbos transitivos directos são aqueles que necessitam de um complemento que conclua o
seu sentido, respondendo principalmente às perguntas “o quê?” ou “quem?” e, não necessitam de
preposição para estabelecer a regência verbal.
Os verbos transitivos indirectos também necessitam de um complemento que inclua o seu
sentido, porém respondendo, principalmente, às perguntas “de quê?”, “para quê?”, “de quem?”,
“para quem”?, entre outras. Estes tipos de verbos necessitam obrigatoriamente de preposição
para estabelecer a regência verbal.

(19) [Os meninos] SUJ deram os presentes [aos pais] OI.

2.6.2. Verbos Transitivos


31

Os verbos de dois lugares, denominados verbos transitivos, são aqueles que seleccionam um
argumento externo e um interno com relação gramatical, seja de objecto directo, seja de objecto
indirecto. (Nascimento 2010:57).

(20) [Pedro] suj. adorou [o teu presente] OD [Cf. Nascimento (2010)]


(21) [Maria] suj. redigiu [o relatório final do projecto] OD [Cf. Nascimento (2010

Na perspectiva de Raposo (2013:1197), “os verbos transitivos seleccionam um argumento


com a função de complemento directo, podendo ou não seleccionar outros complementos
(desejar, fechar, guardar, nomear, oferecer, persuadir, proibir, propor, surpreender) ”.
32

CAPÍTULO III

3 Metodologia
Nesta secção, apresentar-se-ão os procedimentos metodológicos que foram aplicados durante
a concretização do trabalho. Esses caminhos traduzem-se num conjunto de técnicas e/ou
actividades que permitiram o alcance dos objectivos traçados neste estudo. Antes de exibirmos as
estratégias metodológicas adoptadas, faz-se pertinente trazer, primeiro, o conceito “método”.

3.1 Método
Para Gil (1999), citado por Oliveira (2011:13), o método “é o conjunto de procedimentos
intelectuais e técnicos utilizados para atingir o conhecimento”. O autor acrescenta que para que
seja considerado conhecimento científico, é necessária a identificação dos passos para a sua
verificação, ou seja, determinar o método que possibilitou chegar ao conhecimento. Portanto,
compreende-se que o método seja o caminho que o investigador percorre ou os passos que o
mesmo obedece de modo a chegar a um determinado conhecimento.

Eco (1977), citado por Oliveira (2011:13), fundamenta que “ao fazer um trabalho científico,
o pesquisador estará aprendendo a colocar as suas ideias em ordem, no intuito de organizar os
dados obtidos”. Sendo o objectivo de um trabalho científico atender a um determinado propósito
pré-definido, o uso de um método específico torna-se essencial.

No que diz respeito à metodologia, esta deve apresentar o modo como se pretende realizar a
investigação. “O autor deve descrever a classificação quanto aos objectivos da pesquisa, natureza
da pesquisa, escolha do objecto do estudo e quanto às técnicas de colecta e de análise de dados”.
(Oliveira, 2011:16). Para Silva & Menezes (2001:10), “adoptar uma metodologia significa
escolher um caminho, um percurso global do espírito”. Os autores sublinham que o percurso,
muitas vezes, requer ser reinventado a cada etapa.

Quanto ao tipo de pesquisa para este trabalho, optamos pela pesquisa quantitativa devido à
natureza do trabalho. A escolha sustenta-se nas ideias do Richardson (1999), citado por Oliveira
(2011), quando diz que “a pesquisa quantitativa é caracterizada pelo emprego da quantificação,
tanto nas modalidades de colecta de informações quanto no seu tratamento por meio de técnicas
33

estatísticas”. Segundo Mattar (2001),também citado por Oliveira (2011:25), “a pesquisa


quantitativa busca a validação das hipóteses mediante a utilização de dados estruturados,
estatísticos, com análise de um grande número de casos representativos, recomendando um curso
final da acção”. Concordam com este pensamento Silva & Menezes (2001:19) ao afirmarem que
“a pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em
números opiniões e informações para as classificar e analisar. Esta modalidade de pesquisa
requer o uso de recursos e de técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-
padrão, coeficiente de relação, análise de regressão, etc.) ”.

Por via disso, pretendemos, neste trabalho, quantificar os dados recolhidos e aplicar a análise
estatística. Deste modo, para a efectivação desta pesquisa, fomos ao campo e colhemos as
informações através de um inquérito dirigido aos alunos, as quais foram traduzidas em número,
classificadas e analisadas, a fim de confrontar os resultados com as hipóteses.

3.2 Método de abordagem


Para a presente pesquisa, optamos pelo método fenomenológico que, segundo Silva &
Menezes (2001:27), citando Gil (1999), não é dedutivo nem indutivo. “Preocupa-se com a
descrição directa da experiência tal como ela é. A realidade é construída socialmente e entendida
como o compreendido, o interpretado, o comunicado.” Portanto, o pesquisador apenas se
preocupa em mostrar e esclarecer o que é dado, sem querer decidir se esse dado é uma realidade
ou uma aparência.

Para a materialização deste método, no nosso trabalho, deslocamo-nos ao campo e buscámos


entender o uso que os alunos fazem dos pronomes, através da observação do comportamento
sintáctico que os mesmos atribuem ao “lhe”.

Para mais fundamentação do trabalho, usamos também o método dedutivo, pois partimos de
um grupo amplo, analisando o Português falado pelos alunos da 12ª classe do Ensino Secundário
Geral, até chegarmos a conclusões mais particulares sobre o grupo pesquisado.
34

3.3 Método de procedimento


Nesta pesquisa, usamos os métodos monográfico e bibliográfico. Segundo Marconi &
Lakatos (2003:108), “o método monográfico consiste no estudo de determinados indivíduos,
profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades com a finalidade de obter
generalizações”. Neste trabalho, os indivíduos escolhidos foram os alunos das Escolas
Secundárias Heróis Moçambicanos e Francisco Manyanga.

Por sua vez, o método bibliográfico, na perspectiva de Oliveira (2011:40), citando Vergara
(2000), é desenvolvido a partir de material já elaborado, constituído, principalmente, de livros e
artigos científicos. Este método é importante para o levantamento de informações básicas sobre
os aspectos, directa e indirectamente ligados à nossa temática. Assim sendo, recorremos a
materiais bibliográficos para a fundamentação do nosso trabalho.

3.4 Técnicas e instrumentos de recolha de dados

Marconi & Lakatos (2003: 222) defendem que “as técnicas são um conjunto de preceitos ou
processos de que se serve uma ciência. São, também, a habilidade para usar esses preceitos ou
normas, na obtenção de seus propósitos.”
Para a recolha de dados da presente pesquisa, servimo-nos da técnica de observação directa
extensiva, entendida por Marconi & Lakatos (1991:201) como aquela que “se realiza através do
questionário, formulário, de medidas de opinião e atitudes e de técnicas metodológicas”. Nesta
observação, aplicámos o inquérito para a recolha de dados.
Para estudarmos o comportamento sintáctico do pronome “lhe”, usamos como instrumento
de recolha de dados um inquérito. Esse inquérito foi administrado a alunos da 12ª classe da
Escola Secundária Heróis Moçambicanos e da Escola Secundária Francisco Manyanga, com
vista a percebermos a forma como este grupo utiliza os pronomes “lhe” (dativo) e “a(s),o(s)”
(acusativo), na escrita.
O inquérito cobriu um total de setenta e quatro alunos (74) do grupo seleccionado e foi
aplicado aos alunos pertencentes a quatro turmas, sendo duas para cada escola e cada turma
constituída por um número que varia de vinte (20) a vinte e cinco (25) alunos.
Como foi antes referenciado, o inquérito é constituído por quatro (2) partes: a primeira parte
visa o levantamento dos dados pessoais dos nossos alunos (informantes), com vista a obter
35

informações sociais relacionadas com o nome da escola do aluno, a idade, sexo e a naturalidade.
Ainda na primeira parte, buscamos informações ligadas à relação dos informantes com a Língua
Portuguesa, tais como a idade com que este/a começou a falar a LP, o lugar onde aprendeu a
falar, assim como o lugar onde tem falado com mais frequência.
Na segunda parte do instrumento, apresentamos exercícios lacunares, isto é, um conjunto de
frases com espaços em branco, solicitando o seu preenchimento pelo inquirido, com recurso ao
pronome clítico adequado. É importante referir que, neste exercício não nos limitamos em
apresentar somente os pronomes clíticos em estudo, mas foram também inclusos aqueles que não
teriam utilidade na actividade em questão. O nosso objectivo ao acrescentar pronomes clíticos
desnecessários, era que o aluno explorasse ou mostrasse o seu conhecimento em torno do
assunto.

3.5 Delimitação e descrição do Universo ou população alvo

“A delimitação do universo consiste em explicitar que pessoas ou coisas, fenómenos, etc.


serão pesquisados, enumerando as suas características comuns, como por exemplo, sexo, faixa
etária, organização a que pertencem, comunidade onde vivem, etc.”.(Marconi & Lakatos,
2003:223).
Já na perspectiva de Silva (2001:32), “população (ou universo da pesquisa) é a totalidade de
indivíduos que possuem as mesmas características definidas para um determinado estudo”.
Participaram da pesquisa os alunos da Escola Secundária Heróis Moçambicanos e Escola
Secundária Francisco Manyanga. A pesquisa foi feita num universo populacional de alunos da
12ª classe das escolas referidas. Não sendo possível, nem mesmo necessário, inquirir todo o
grupo, definimos, como amostra, 74 alunos pertencentes a quatro turmas. O inquérito, nas duas
escolas, foi administrado no período de aulas e com a presença dos respectivos professores das
turmas, com vista a garantir a seriedade dos alunos assim como a fiabilidade dos dados. Importa
referir que os inquiridos têm a idade compreendida entre 16 e 20 anos.
36

3.6 Tipo de amostra


Segundo Silva (2001:32), a amostra é parte da população ou do universo, seleccionada de
acordo com uma regra ou plano. Na senda de Marconi & Lakatos (2003), a amostragem só
ocorre quando a pesquisa não abrange a totalidade dos componentes do universo, surgindo a
necessidade de investigar apenas uma parte dessa população. Nesse sentido, não sendo possível,
nem mesmo necessário, inquirir todo o grupo, definimos, como amostra, 74 alunos pertencentes
a quatro turmas.
A constituição da amostra deu-se aleatoriamente. Este tipo de amostragem baseia-se na
escolha aleatória dos pesquisados, significando que a selecção se faz de forma que cada membro
da população tenha a mesma probabilidade de ser escolhido. A escolha deste tipo de amostra
ganha fundamento em Silva (2001), que, ao falar da amostra probabilística, faz menção à
amostra casual simples, em que cada elemento da população tem oportunidade igual de integrar a
amostra.

3.7 Descrição da área Geográfica de Pesquisa


O estudo realizou-se nas Escolas Secundárias Heróis Moçambicanos e Francisco Manyanga.
A primeira localiza-se na cidade de Maputo, no bairro de Bagamoyo. A escola foi fundada em
2003 e lecciona de 8ª a 12ª classe (curso diurno e nocturno). A segunda sita, também, na cidade
de Maputo, no bairro Alto-Maé “B”, entre as avenidas 24 de Julho e Ho Chi Min. Esta possui
vários alunos distribuídos por turmas da 8ª classe a 12ª classe, que são leccionadas nos cursos
diúrno e nocturno.

A opção por duas escolas prende-se com o facto de se pretender uma maior abrangência do
estudo.
37

CAPÍTULO IV – Análise de dados

4 Análise das ocorrências acusativas e dativas do pronome “lhe” no discurso dos alunos
do Ensino Secundário Geral

4.1 Informantes
No processo de levantamento de dados, foi possível apurar que os nossos inquiridos são de
uma idade que varia entre os (16) dezasseis e (20) anos. Relativamente ao sexo, (51) cinquenta e
um são do sexo feminino e (23) são do sexo masculino.

No que diz respeito ao contexto de aprendizagem da Língua Portuguesa, (69) inquiridos


assumem ter aprendido em casa, (1) em casa e no contexto escolar, (2) inquiridos assumem ter
aprendido em casa, na escola e em outros locais, simultaneamente, e, finalmente, (2) que
assumem ter aprendido no contexto escolar.

Questionados acerca do local onde os mesmos têm falado a língua com maior frequência,
(30) inquiridos assumiram falar com frequência na escola; (22), na escola; (6), em outros locais
não identificados; (6), na escola e em outros locais não identificados; (7), em casa e no contexto
escolar; e, finalmente, (8) falam com frequência em casa, no contexto escolar e em outros locais
também não identificados.

O quadro que segue traduz a informação acima exposta, através do cálculo percentual que
reflecte o local onde os alunos se apropriaram da Língua Portuguesa.

Contextos de apropriação da Língua Portuguesa


No meio No contexto Casa e Casa, escola e Outros Total
natural escolar escola outros locais locais

No absoluto 68 2 1 2 1 74

Valor perc. 94% 2% 1% 2% 1% 100%

Tabela 4: Dados linguísticos dos informantes


38

4.2 Emprego dos pronomes

4.2.1 Selecção do acusativo


A segunda tarefa do inquérito consistia na selecção do clítico apropriado para o
preenchimento dos espaços em branco.
É importante referir que, na selecção do acusativo, não só identificámos erros relacionados à
selecção, mas também desvios relativos à concordância.
Na parte II do nosso inquérito, os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 exigiam a selecção de clíticos
pronominais acusativos da terceira pessoa do singular feminino e plural masculino,
nomeadamente: a, os. Nestes números, os inquiridos deviam substituir o Sintagma Nominal
sublinhado pelo clítico pronominal acusativo, correspondente ao complemento/objecto directo.

O exemplo a seguir ilustra claramente as orientações da actividade em causa. É possível ver o


SN sublinhado na primeira frase e um espaço em branco na segunda, que deve ser preenchido
pelo clítico adequado.

(22) Aqueles meninos não estudam.


Esse é o motivo que ___ leva a reprovarem de classe.

a) Selecções Correctas do acusativo

Na tabela a seguir, estão representados os resultados relativos às realizações correctas da


pronominalização, referentes ao exercício de substituição do sintagma nominal (SN) pelo
pronome clítico. Na primeira coluna, temos o número da frase correspondente e, na segunda, os
pronomes clíticos correctos. Na terceira coluna, apresentamos o número dos inquiridos que
seleccionaram o pronome correctamente e na quarta coluna apresentamos o valor percentual. Na
quinta coluna e na sexta coluna, mostramos o número absoluto dos inquiridos (total das pessoas
inquiridas) e o valor percentual, respectivamente.
39

Número da Realizações Número Valor Total dos Valor


frase correctas absoluto percentual inquiridos percentual

1 a 57 77% 74 100%

2 a 20 27% 74 100%

3 os 37 50% 74 100%

4 a 21 28% 74 100%

5 os 40 54% 74 100%

6 a 24 32% 74 100%

Tabela 5: Resultados estatísticos referentes à selecção correcta do acusativo.

Olhando para os resultados, na tabela número 5, podemos afirmar que, de acordo com a
variação do valor percentual, a selecção do clítico adequado/correcto não depende da forma
como a questão se apresenta, muito menos do verbo que precede ou que sucede o pronome
clítico. Este fenómeno oscilatório mostra, simplesmente, e de forma evidente, que os pronomes
acusativos não estão devidamente assimilados. Podemos afirmar, também, que os inquiridos
seguiram o seu extinto para a resolução do teste, o que se explica por uma insegurança ou
indecisão no momento de dar a resposta.
Vejamos, a seguir, as questões relativas a esta tarefa:

23. 15A minha mãe tem muito trabalho.


Eu ajudo-___ nos trabalhos de casa.

A frase número 23, a primeira do inquérito, exigia um clítico acusativo da terceira pessoa do
singular “a”. A tabela acima mostra que 57 alunos, correspondentes a 77% dos inquiridos, ou

15
Correspondente ao nº 1 do Inquérito (Cf. O nº do Inquérito)
40

seja, mais que a metade, respondeu correctamente. Embora a maioria tenha acertado, houve o
uso ou o emprego de clíticos de outras pessoas gramaticais.

24. 16A Ana chegou ontem.


O meu vizinho viu-___no bazar.

Na frase número 24, a segunda questão do inquérito, o clítico exigido era igualmente o
exigido na questão anterior, isto é, o clítico acusativo “a”. Nesta frase, diferentemente do que
aconteceu na anterior, apenas 20 alunos, o correspondente a 27% dos inquiridos, colocaram o
clítico correcto, sendo que a maior parte, 29 alunos correspondentes a 39%, optou pelo clítico
dativo “lhe”, sem deixar de lado o emprego de outras pessoas gramaticais pelos restantes.

25. Aqueles meninos não estudam.


Esse é o motivo que __leva a reprovarem de classe.

Esta frase (a número 25), a terceira do inquérito, exigia o clítico acusativo da terceira pessoa
do plural “os”. No entanto, apenas a metade dos inquiridos, ou seja, 37 alunos, que constituem
50% dos inquiridos, é que usaram o clítico correcto. Nesta frase, assim como noutras, houve
também o emprego de clíticos de outras pessoas gramaticais, incluindo os clíticos dativos “lhe,
lhes” com 37%.

26. A mãe da vítima foi à esquadra.


A polícia chamou-___para prestar declarações.

O clítico exigido, na frase numero 26, a quarta do inquérito, é o clítico “a”, e, apenas 21
alunos, o equivalente a 28% dos inquiridos, o empregaram. De referir que a maior parte optou
pelo clítico dativo “lhe”, com 32 alunos, o equivalente a 43%.

27. Há professores que não se preocupam com os alunos.

16
Cf, nº 2 do inquérito
41

Se os alunos não pagam, o professor chumba-__.

40 alunos, que equivalem a 54% dos inquiridos, colocaram o clítico correcto (os). Apesar de
a maioria ter usado o clítico adequado, houve o emprego de outros clíticos como é o caso do
“lhes”, com 26 alunos, o equivalente a 35%, na frase 27, a quinta do nosso inquérito.

28. A minha irmã teve um bebé.


Ficou grávida de um indivíduo que não ___quer assumir.

Nesta frase (número 28), a sexta questão do inquérito, que exigia um clítico acusativo da
terceira pessoa, feminino, singular, apenas 24 alunos equivalendo a 32 % acertaram. A maior
parte, com 34%, optou pelo pronome “lhe” (clítico dativo da terceira pessoa, singular).

b) Selecções desviantes do acusativo (desvios de concordância)

De acordo com Mapasse (2005: 79), trabalhos realizados sobre o Português moçambicano, as
categorias gramaticais, número e género, fazem parte das áreas em que os estudantes apresentam
dificuldades. Gonçalves (1997), citado por Mapasse (op.cit.), revela que “na área da
Morfossintaxe há “erros” relacionados com o uso da morfologia flexional que exprime as
categorias gramaticais de tempo, pessoa, número (singular e plural), género (feminino e
masculino), modo e caso nominativo”. Ainda segundo a mesma autora, os “erros” de
concordância em género ocorrem em maior número com os adjectivos, enquanto os “erros” de
concordância em número ocorrem, mais frequentemente, com determinantes e nomes.
Na selecção dos clíticos pronominais acusativos, foi possível identificar desvios referentes ao
número e ao género. Uma parte dos inquiridos, embora tenha empregado o clítico acusativo nos
casos em que este se fazia necessário, cometeu desvios de concordância correspondentes aos
exercícios em causa. A seguir o exercício em estudo.

29. Frase número 1:


42

A minha mãe tem muito trabalho.


Eu ajudo __ nos trabalhos de casa.

Na frase número um (1) do nosso inquérito, na selecção do acusativo “a”, há um total de 7


alunos, o correspondente a 6%, que optaram pelos pronomes acusativos “o e as”, cometendo,
desta forma, desvios quanto ao género e ao número.

30. Frase número 2


A Ana chegou ontem.
O meu vizinho viu-___ no bazar.
Na frase número 2, na selecção do acusativo “a”, há um total de 2 alunos, o correspondente a
3%, que optaram pelos pronomes acusativos “o” e “os” cometendo também erros de
concordância.

31. Frase número 3


Aqueles meninos não estudam.
Esse é o motivo que ___ leva a reprovarem de classe.
Na frase número 3, na selecção do acusativo “os”, 5 alunos, o equivalente a 7% dos
inquiridos, escolheram o pronome acusativo “o”, cometendo erro de concordância em número.

32. Frase número 4


A mãe da vítima foi à esquadra.
A polícia chamou_____ para prestar declarações.

Na frase em análise, na selecção do acusativo “a”, 1 aluno, que corresponde a 1% dos


inquiridos, optou pelo pronome acusativo “os”, cometendo, desta forma, erros relativos à
concordância em género.

33. Frase número 617

17
Na questão número cinco, não foi encontrado nenhum erro de concordância.
43

A minha irmã teve um bebé.


Ficou grávida de um indivíduo que não __ quer assumir.
Nesta frase, a número 6, na selecção do acusativo “a”,16 alunos, o correspondente a 20% dos
inquiridos, optaram pelos pronomes “o” e “os”, cometendo assim erros relacionados com a
concordância do género e número.

Em síntese, os resultados obtidos através do inquérito mostram que há uma oscilação na


percentagem, isto é, existem verbos para os quais os inquiridos não demonstraram dificuldades
em pronominalizá-los. Por exemplo, em verbos como: ajudar, levar, chumbar, etc.; e noutros em
que maior parte seleccionou erradamente o pronome, como é o caso dos verbos ver e chamar. O
mesmo acontece nos erros de concordância. Como podemos ver, os verbos acima mencionados,
não apresentam nenhuma diferença, com a excepção do verbo “ver”, que é um verbo de segunda
conjugação. Este fenómeno, mostra, evidentemente, que a oscilação na percentagem não se deve
às características dos verbos apresentados no inquérito, mas sim, à falta de domínio do conteúdo
em alusão por parte dos inquiridos.

c) O uso do “lhe” como pronome acusativo


Alguns autores, como Gonçalves e Mapasse (2005), chamam este processo do uso
inapropriado do pronome clítico dativo “lhe” de “lheísmo”. Ainda tratando dos exercícios
presentes no ponto anterior, no quadro a seguir, estão os resultados atinentes aos casos de
“lheísmo” ocorridos na selecção de pronomes acusativos.
44

O quadro18 mostra, na primeira coluna, o pronome em alusão; na segunda coluna o número


da frase; na terceira coluna, o número de alunos que usou o clítico “lhe/lhes” como acusativo e,
na quarta coluna, o respectivo valor percentual. Nas últimas duas colunas, encontramos, o
número total das pessoas inquiridas e o valor percentual, respectivamente.

N.º da Valor Número Valor Valor


Ocorrência

percentual
inquiridos
Ocorrência

Total dos
percentual
frase absoluto da frase absoluto percentua

Valor
Valor
l

1 10 14% 1 __ __ 74 100%

2 29 39% 2 __ __ 74 100%

3 2 3% 3 25 34% 74 100%
lhe lhes
4 32 43% 4 2 4% 74 100%

5 __ __ 5 26 35% 74 100%

6 25 34% 6 1 2% 74 100%

Tabela 6: Resultados referentes ao uso desviante do lhe/lhes.

A tabela número 6, elucida que, apesar de os números serem relativamente baixos, existem
desvios no que diz respeito ao uso do dativo “lhe”, como ilustram os exemplos a seguir:
34. Frase número 1
A minha mãe tem muito trabalho.
* Eu ajudo-lhe nos trabalhos de casa.

35. Frase número 2


A Ana chegou ontem.
* O meu vizinho viu-lhe no bazar.

18
Quadro dividido em duas partes, estando nele patentes, resultados referentes ao pronome “lhe” e o seu plural
“lhes”.
45

É importante referir que, na selecção do acusativo, nos números 1 a 6 da segunda parte do


inquérito, os clíticos exigidos eram “a” (clítico pronominal acusativo feminino e singular) e “os”
(clítico acusativo masculino e plural). No entanto, houve desvios relativos à selecção de pessoa
gramatical, os resultados revelam que os inquiridos, em vez das formas acusativas de 3ª pessoa,
seleccionaram outras pessoas gramaticais, que são os pronomes “me, nos, vos, te”, assim como o
pronome “se”, que é um clítico de 3ª pessoa do paradigma dos reflexos.

No geral, do número 1 a número 6 do inquérito, 32 alunos, o equivalente a 43%,


seleccionaram “me” em vez de “a” e “os”;3 alunos correspondentes a 4% seleccionaram “te”
em vez de “a”; 4 alunos, o correspondente a 4% seleccionaram “vos” em vez de “os” e “a”; 3%
seleccionou “se” em vez de “a”.

Em suma, os resultados obtidos através do inquérito revelam que os informantes empregam


de forma indiscriminada o pronome dativo “lhe”, assim como outros pronomes. Os mesmos não
consideram as diferenças existentes entre os pronomes oblíquos sejam eles acusativo ou dativo.
Prova disso é que para além do uso desviante dos pronomes, fazem também um emprego
inadequado de certos pronomes, conforme mostram os resultados acima. Houve selecção de
pronomes como o “me”, “te”, “se”, “vos” com verbos como ajudar, ver, levar, chamar,
chumbar, etc.

4.2.2 Selecção do Dativo


Ainda nesta segunda parte do nosso inquérito, as duas últimas frases, (números 7 e 8)
exigiam que o inquirido completasse os espaços em branco, usando os clíticos pronominais
dativos da terceira pessoa, singular e plural, como ilustram as frases a seguir, retiradas do teste:

36. O João deu um livro ao Mateus.


O João deu-___um livro.

37. A Joana telefonou ao Pedro e ao Mateus.


46

A Joana telefonou- ___

O quadro que segue mostra os resultados referentes às realizações correctas e os desvios de


concordância.

Desvios relativos à Total dos


Realizações correctas do dativo inquiridos
concordância

Ocorrências Nº da Valor Valor Valor

percentual

percentual

percentual
Valor

Valor

Valor
frase absoluto absoluto absoluto

lhe 7 53 72% __ __ 74 100%

lhes 8 39 53% 2 3% 74 100%

Tabela 7: Realizações correctas do dativo e desvios de concordância

Na selecção do dativo da 3ª pessoa do singular e plural “lhe/lhes”, os resultados acima (tabela


7) mostram que, neste nível de ensino, há uma certa facilidade no emprego dos clíticos em causa.
Os resultados transparecem que mais da metade dos inquiridos o empregara correctamente. A
nosso parecer, essa facilidade pode dever-se ao facto de essa ser uma das características do PM,
em que o uso do “lhe” se dá de forma indiscriminada, ou seja, é usado como acusativo e como
dativo.

a) Selecções desviantes do dativo


Assim como na selecção do acusativo, houve, na selecção do dativo, desvios de
concordância. Neste caso, destacam-se os desvios relativos à selecção de formas de clíticos
acusativos, formas do pronome pessoal, assim como a selecção de outras pessoas gramaticais,
sem deixar de lado a questão da concordância, que no caso seria em número.

38. O João deu um livro ao Mateus.


a) * O João deu-o um livro. (desvio relativo à selecção do clítico).
47

b) * O João deu-me um livro. (desvio relativo à selecção de outras pessoas


gramaticais).
c) * O João deu-lhes um livro. (erro de concordância).

Como podemos observar, na alínea (a) dos exemplos acima, está patente um desvio referente
à selecção do clítico, ou melhor, houve a substituição do clítico dativo “lhe” pelo clítico
acusativo “o”.
Na alínea (b), foi seleccionado um pronome errado para o contexto em causa, pois para esta
situação, o pronome “me” não é o correcto.
Na alínea (c), há um erro de concordância em relação ao número, uma vez que o SN patente
na frase em 38 está no singular.

b) Desvios quanto à concordância


Os dados acima apresentados revelam que os desvios de concordância se referem a questões
de flexão em número e o quadro mostra que estes se registaram apenas na selecção do clítico
dativo da 3ª pessoa do plural. Podemos considerar a percentagem como sendo muito baixa.
Em relação à pessoa gramatical, pudemos notar que os clíticos em observação na selecção do
dativo eram os da 3ª pessoa do singular e plural “lhe” e “lhes”, respectivamente. No entanto, os
inquiridos seleccionaram outros pronomes como o me com 21% (16 inquiridos), o nos com 5%
(4 inquiridos), vos com 7% (5 inquiridos), te com 9% (7 inquiridos), violando mais uma vez as
regras da norma padrão do PE.

39. A Joana telefonou ao Pedro e ao Mateus.


a) *? A Joana telefonou-me.
b) *? A Joana telefonou-nos.
c) *? A Joana telefonou-vos.
d) *? A Joana telefonou-te.

O pronome clítico exigido pelo SN sublinhado é o dativo plural “lhes”. No entanto,


deparamo-nos com casos em que os inquiridos substituíram o SN pelos pronomes sublinhados
nas alíneas a) a d). Houve uma selecção errada dos clíticos para o contexto em causa.
48

Conclusões

Tal como nos referimos logo na parte inicial do trabalho, o Português falado em
Moçambique tem-se afastado, em vários aspectos, do Português assumido como Padrão. Neste
trabalho, procurámos observar o comportamento sintáctico do pronome “lhe” no discurso dos
alunos da 12ª classe.

As reflexões desenvolvidas no estudo permitiram-nos concluir que a não previsão de uma


abordagem dos conteúdos concernentes aos padrões do uso dos pronomes clíticos, nos
programas de ensino, condiciona o uso indiscriminado dos clíticos pelos alunos do Ensino
Secundário Geral, na medida em que estes ainda apresentam lacunas quanto ao emprego do
clítico dativo “lhe”. As análises feitas possibilitaram-nos ainda compreender que essas
dificuldades verificadas na utilização do pronome em estudo relacionam-se, dentre outros
aspectos, com o facto de, neste nível de ensino, os programas de Português não preverem o
estudo dos aspectos relativos a regras sintácticas de escolha dos clíticos. Facto este que resulta na
produção de frases que se distanciam do Português padrão, no que respeita à selecção do clítico.

Embora se tenham detectado tais fragilidades no emprego do “lhe”, há que referir que, em
alguns casos, esse foi colocado em respeito ao que dita a norma. Por via disso, constatámos que a
escolha do pronome clítico, pelos inquiridos, não é ditada pelo tipo de verbo que o antecede ou
que o sucede, no sentido em que a maior parte dos verbos do nosso inquérito são verbos
transitivos directos e, mesmo assim, houve uma inconsistência na resolução do inquérito. Este
fenómeno, revela a ausência de domínio das funções dos pronomes clíticos por parte dos
inquiridos.

A partir disso, acreditamos que, como se refere a nossa primeira hipótese do trabalho, os
alunos da ESFM e da ESHM usam de forma indiscriminada o pronome em alusão, o que denota
um fraco conhecimento das regras de selecção do clítico. O desvio no emprego desses pronomes,
concretamente o “lhe”, parece ser uma característica típica do Português falado em Moçambique,
podendo, por isso, estar a tratar-se de uma outra variante da Língua Portuguesa, a considerada
variante moçambicana da LP. Por isso, vemos a necessidade de se desenvolverem mais estudos
relacionados ao tema em alusão, de modo a atingir um fundamento mais rico e complexo.
49

Diante dos factos acima apresentados, recomendamos que:

 Os professores ajudem os alunos a dominarem as regras de selecção dos pronomes


clíticos, podendo ser, durante as aulas, por meio de actividades.
 Os profissionais da educação e os responsáveis pela elaboração dos programas de ensino
comecem a pensar numa possível inserção de capítulos referentes aos pronomes clíticos,
concretamente o “lhe”, que assume, no Português Padrão, uma função única (forma
dativa).
50

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51

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SILVA & MENEZES. Metodologia de Pesquisa e Elaboração de dissertação, 3ª edição,


Florianópolis,______ 2001.
53

Apêndice
54

Inquérito

O presente inquérito é de carácter investigativo. Pretende-se, com o mesmo, a aquisição de


dados que possam complementar o trabalho de investigação referente ao término do curso de
Licenciatura em ensino de Português e tem como finalidade, a observação de um
determinado comportamento sintáctico do pronome “lhe”.

1. Identificação
1.1 Nome da escola:_____________________________________________________
1.2 Idade______________________________
1.3 Sexo: Masc._________Fem.____________
1.4 Naturalidade:__________________________________

2. Marca com X a opção que melhor se ajusta à tua realidade.

2.1 Com que idade começaste a falar a Língua Portuguesa?


(a) 0-3 anos______ (b) 3 a 6 anos____________ (c) 6 a 15 anos __________

2.2 Onde aprendeste a falar a Língua Portuguesa?


(a) Casa ____________(b) Escola______________ (c) outros locais

2.3 Em que locais falas com frequência a Língua Portuguesa?


(a) Casa________ (b) Escola______________ (c) outros locais
55

Parte II
Substitui a expressão sublinhada pelo pronome clítico adequado e escreve-o no espaço em
branco.
o, a, os, as, me, te, lhes, nos, vos, lhes, se

1. A minha mãe tem muito trabalho


Eu ajudo___ nos trabalhos de casa.
2. A Ana chegou ontem
O meu vizinho viu___ no bazar

3. Aqueles meninos não estudam.


Esse é o motivo que___ leva a reprovarem de classe.

4. A mãe da vítima foi à esquadra.


A polícia chamou-___para prestar declarações.

5. Há professores que não se preocupam com os alunos.


Se os alunos não pagam, o professor chumba__.

6. A minha irmã teve um bebé.


Ficou grávida de um indivíduo que não ___quer assumir.

7. O João deu um livro ao Mateus


O João deu-___um livro.

8. A Joana telefonou ao Pedro e ao Mateus


A Joana telefonou-___.

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