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Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
Jogar e Aprender
• Introdução;
• Por que Ensinar Jogos e Brincadeiras na Escola?
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer o potencial educativo dos jogos e brincadeiras para o desenvolvimento integral
das crianças em aprendizagens que envolvem as dimensões do fazer, saber, ser e conviver;
• Compreender as possibilidades de intervenção pedagógica que envolvem os jogos e as brin-
cadeiras na legitimação do Se Movimentar no currículo escolar;
• Valorizar os jogos e as brincadeiras como conteúdos que aproximam, na educação das crian-
ças, o presente e o futuro, o fazer e o compreender, a rua e a escola, o quadro e a quadra;
• Identificar as infinitas possibilidades de aprendizagens que são mobilizadas no espaço do
jogo e da brincadeira.
UNIDADE Jogar e Aprender
Introdução
Nesta unidade, vamos estudar e refletir sobre a pedagogia da educação física, mais
precisamente sobre o potencial educativo dos jogos e suas manifestações para o de-
senvolvimento integral das crianças em aprendizagens que envolvem as dimensões do
fazer, saber, ser e conviver. A ideia é que possamos nos sentir mais competentes para
argumentar a favor de uma intervenção pedagógica que envolve os jogos na legitimação
do Se Movimentar no currículo escolar.
Sabemos todos e todas que são muitas as variáveis que fazem parte e interferem nos
processos de aprendizagem e não estamos aqui para crucificar os professores. A nossa
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ideia é provocar reflexões sobre a importância do estudo e de uma formação inicial
ou permanente que possa realmente aproximar professores e estudantes nas aulas de
educação física. Isso porque ao aproximar professores e estudantes estamos também a
associar o ensino e a aprendizagem.
Pode o leitor nos questionar: O que tudo isso tem a ver com o ensino de jogos e brin-
cadeiras na escola? Até onde pode nos interessar uma reflexão sobre a aproximação en-
tre ensino e aprendizagem, quando a temática é jogo? Por que ponderar sobre o desafio
de fazermos da escola um espaço mais inclusivo, onde todos e todas tenham assegurado
o seu direito à aprendizagem?
E o que vem a ser um pedagogo, seja ele da educação física ou qualquer outra área
do saber?
Para a etimologia (VIARO, 2004), a palavra pedagogo vem da raiz grega √pawid – “criança”
(paîs), ide. *pou, “pequeno” (paucus “pouco”, puer “menino”). O pedagogo <pai.agog.ó.s> é
aquele que faz pedagogia, que conduz as crianças pequenas, os meninos à escola; é o especia-
lista em pedagogia.
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UNIDADE Jogar e Aprender
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Princípio da Construção Coletiva – Será abordado de uma forma mais aprofundada posteriormente.
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conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do
depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo.
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UNIDADE Jogar e Aprender
Pensar toda uma intervenção pedagógica para o ensino de jogos nas escolas e nas
aulas de educação física, a partir de uma visão de mundo e de educação que valoriza
aspectos como: a) o valor da construção coletiva; b) a importância do diálogo e da inte-
ração entre os sujeitos (educadores-educandos/educandos-educadores) e os objetos de
conhecimento que envolvem liberdade, autonomia e protagonismo e c) a relevância da
integralidade como um conceito que expressa a oportunidade de vivermos experiências
de aprendizagem que aproximam as dimensões intelectual, motora, social, afetiva, mo-
ral e cultural é, no final das contas, se envolver e se engajar com um propósito maior,
educar para a cidadania. É nessas idas e vindas que fazemos ao longo do texto, transi-
tando entre ensino ↔ aprendizagem, educador ↔ educando, jogo ↔ educação integral,
educação integral ↔ cidadania, que encontramos os argumentos mais potentes para
justificar a presença do jogo na escola.
Trocando Ideias...
Seria possível pensarmos o ensino dos jogos nas escolas sem fazer uma conexão deste
fenômeno da cultura corporal com a nossa visão de mundo e de educação? Que sujeitos
queremos formar? Nossa ambição é “grande”, mas tem seu valor, concordam? Vamos con-
versar mais sobre esta relação entre jogo, educação física, educação integral e cidadania?
O sociólogo e historiador José Murilo de Carvalho considera nos seus escritos que
cidadão é aquele que tem direito à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade peran-
te a lei. É também cidadão aquele que exerce o seu direito de participar do destino da
sociedade quando vota ou é votado. O direito à educação, ao trabalho, ao salário justo
e à saúde são aspectos igualmente importantes na construção do conceito de cidadania
(CARVALHO, 2014).
Exercer a cidadania plena, segundo Pinsky (2003, p. 9), “é ter direitos civis, políti-
cos e sociais”. Para o autor, cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito
histórico que se atualiza nos diferentes contextos da vida humana. Na sua acepção mais
ampla, cidadania é algo a ser conquistado e que se expressa na triangulação dos dife-
rentes direitos, isto é, o exercício de alguns direitos não gera automaticamente o acesso
a outros. Como nos alerta Carvalho (2014, p. 15), “a cidadania inclui várias dimensões
e algumas podem estar presentes sem as outras”. De acordo com o autor, a cidadania
plena, que combina liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal talvez
inatingível, mas serve de referência para que possamos julgar a qualidade da cidadania
em cada país e em cada momento histórico.
No cenário atual da educação física nos interessa pensar se existe relação possível
entre o jogo, a educação integral e a cidadania, porque, respeitadas a complexidade e
as limitações do nosso campo de atuação (componente curricular), definimos como sua
finalidade ou objetivo “maior” de aprendizagem a aquisição por parte das crianças
de conhecimentos que favoreçam uma vida de melhor qualidade, de direitos civis
e sociais, de autonomia, ética e responsabilidade para consigo e para com os
outros. Buscamos amparo em marcos legais como a Lei de Diretrizes e Bases, LDB
(Artigo 26, parágrafo 3º) e a Base Nacional Comum Curricular, BNCC, e encontramos
referências que definem a educação física como um dever da escola, um direito de todos
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e todas as crianças e jovens brasileiros e uma área (componente curricular) cuja prática
pedagógica tem a finalidade de promover o desenvolvimento integral e o consequente
exercício da cidadania.
A LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9694/96), no artigo 26, parágrafo
3°, coloca a Educação Física como disciplina integrada a proposta pedagógica da escola. Va-
loriza a Educação Física como área do conhecimento e disciplina importante para formação
do aluno.
A BNCC, Base Nacional Comum Curricular, Ministério da Educação – Brasília, 2018, indica
a Educação Física como um dos componentes curriculares da área de linguagens. O docu-
mento sugere competências, objetos de conhecimento e habilidades para a educação bási-
ca, nos ciclos do ensino fundamental e ensino médio.
A professora Nilda Teves Ferreira (1993), aprofunda essa reflexão quando nos chama
a atenção para a necessidade de que educar para a cidadania não é somente questão
de conhecimento, mas, também, de vontade política e de ter clareza de quais são os
pressupostos e as bases que orientam o processo educativo. Como disse a professora,
ainda no final do século XX, “Educar o homem para a cidadania continua sendo, por-
tanto, um problema central, que traz para a arena das discussões a questão dos valores
subjacentes a essa formação” (FERREIRA, 1993, p. 3). Educar para a cidadania através
da educação física não admite reduzir sua prática aos conhecimentos técnicos e restritos
a cada modalidade ou ao discurso de que ela educa per se. Sobre isso, a autora adverte,
“Como um fim educacional, por si só, ela (a cidadania) não diz nada. É necessário que
se explicitem os fundamentos desse conceito de cidadão, os valores que o suportam e as
condições objetivas necessárias para efetivá-lo” (FERREIRA, 1993, p. 6).
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Princípios da Educação Física Escolar que serão abordados com mais profundidade posteriormente.
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UNIDADE Jogar e Aprender
Não basta ir para a escola ou praticar esporte, ginásticas, lutas, danças, brincadeiras
ou outras manifestações do jogo para ser ou se tornar um cidadão. Para Ferreira (1993,
p. 12), “A cidadania vai além da aquisição do conhecimento de conteúdos sistematiza-
dos”. Se na escola a educação para a cidadania não reduz os objetivos dos componentes
curriculares ao domínio de seus conteúdos, fazendo-os repercutir em outras esferas, es-
pecialmente na vida em sociedade, o mesmo se pode dizer do jogo: o jogo não pode ter
fim nele mesmo; não se deve ensinar o jogo pelo jogo, mas ensiná-lo incluindo elemen-
tos que sugiram possibilidades de transcendência, da educação que possa ultrapassar os
muros da quadra.
Quando o assunto é educação para a cidadania, como não cair na armadilha de uma
pedagogia da educação física que carrega consigo a visão mecanicista, mera reproduto-
ra da discriminação, da seletividade e de modelos pautados pela exclusão e marginaliza-
ção dos sujeitos? Por outro lado, como não fazer predominar a visão messiânica, que vê
a educação física como salvadora da pátria e redentora de todos os males da sociedade?
A resposta está na compreensão de que não basta inserir as pessoas no mundo das le-
tras, das ciências, das artes ou da educação física (o mundo do Se Movimentar). O modo
como se dá esse ensino, o seu efeito e poder de transformação é o que vai decidir a
formação para a cidadania.
Por que ensinar jogos na escola? Porque o jogo se constitui, na nossa visão, no conte-
údo mais adequado ao conceito e a oportunidade de aprender a Se Movimentar, ou seja,
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oportunizar o movimento é favorecer uma educação que integra o corpo e a mente, o
fazer e o compreender e o sensível e o inteligível.
Importante!
Vocês estão lembrados do conceito de Se Movimentar apresentado anteriormente? O Se
Movimentar expressa uma pedagogia do movimento que se faz coerente com os fun-
damentos e os conceitos de corpo-sujeito e corpo-vivido, onde aprender é viver as expe-
riências mais positivas com o movimento. O Se-movimentar é interpretado como uma
conduta humana, onde a Pessoa do “Se movimentar” não pode simplesmente ser vista
de forma isolada e abstrata, mas inserida numa rede complexa de relações e significados
para o Mundo, que configura aquele “acontecimento relacional”, onde se dá o diálogo
entre Homem e o Mundo” (KUNZ, 2001, p. 174).
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UNIDADE Jogar e Aprender
Esta ideia de olhar para o fenômeno jogo como gerador de movimento e aprendi-
zagem é, para nós muito importante, pois nos faz olhar para o futuro, em direção dos
adultos e da sociedade que queremos formar. Porém, como olhar para a futuro, sem
esquecer o presente. Vamos nos aproximar um pouco mais do chão da escola, ou me-
lhor, da quadra? Como fazer uma conexão entre os fundamentos da pedagogia até aqui
sugerida com os desejos e as necessidades presentes das crianças e jovens que estudam
nas nossas escolas?
Na nossa trajetória de professor, nunca vimos um aluno ou uma aluna chegar até
nós, e falar: “Professor, você me ensina a jogar futebol, porque jogando futebol eu vou
me tornar uma criança mais cooperativa, participativa, crítica e consciente dos meus
direitos e deveres”. Estranho, não é mesmo? Difícil até de entender que este “discurso”
não esteja na “boca” da gurizada, afinal, fomos, todos nós professores, educados para
reproduzir e ensinar o modelo de que nossas aulas vão salvar vidas por aí, não é mesmo?
A verdade é que as “coisas” não são tão “simples” assim!
Nas aulas, ao longo de quase trinta anos como professor, o que mais escutamos,
principalmente no início das classes foi: “Professor, hoje vai ter jogo?” No início de
toda esta história como educadores, confessamos uma grande uma dificuldade para
lidar com esta pergunta. Por muito tempo, a nossa resposta foi: “Primeiro vamos fazer
alguns exercícios, treinar nossas habilidades e, depois, no final da aulas, se vocês não
fizerem bagunça, jogamos um pouquinho”. O que fazíamos era lembrar do nosso tempo
de menino e das horas e horas que passamos, nas aulas de educação física e esportes,
correndo em círculo para aquecer o corpo, chutando a bola na parede para aprimorar
o passe e o chute, contornando os cones para melhorar o drible etc. Parece que esta
experiência ficou tatuada no nosso corpo e os anos de estudos na faculdade não foram
suficientes para romper com este modelo cartesiano onde prevalece a visão de que se o
sujeito souber as partes, ele vai saber o todo. Por isso, não nos culpem! O que fizemos
foi apenas repetir o que vivemos como criança e estudante universitário.
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O que aprendemos com tudo isso? Aprendemos que quando os meninos e as meninas
vêm para a nossa aula para jogar futebol, vôlei, queimada, pique à bandeira, pega-pega
ou qualquer outro jogo, eles precisam ser satisfeitos quanto a isso. Nesta perspectiva,
eles precisam aprender para jogar, ou seja, precisam desenvolver competências mínimas
para conseguir participar dos espaços de prática do jogo e suas manifestações, sejam
eles formais (escola) ou informais. Lembrem-se do seu tempo de criança ou até mesmo
das suas experiências como educador. Quantas vezes sentimos na pele ou já vimos
crianças serem excluídas por não conseguirem dar um “trato” refinado para a bola, um
dos brinquedos mais queridos da cultura infantil? Quem nunca escutou nos campinhos
de terra ou nos recreios escolares algo do tipo: “Sai daí seu perna de pau”, “Sai fora seu
grosso”, “Como você é ruim”. Por isso, defendemos uma educação corporal, a educação
do Se Movimentar que nos ensina a se comunicar corporalmente nos esportes, nas
brincadeiras, nas danças ou em qualquer manifestação do jogar.
A lógica das crianças, às vezes, é mais ou menos assim, quem não sabe ou não apren-
deu, não joga. A criança real é amável, sensível e tolerante, mas em alguns momentos
também é cruel, impaciente e egocêntrica. Aprender para jogar, neste sentido, quer
dizer inserir-se socialmente, sentir-se incluído e com a sensação de que “sou capaz”, de
que “consigo jogar”. Vejam que a palavra aprender é realçada e valorizada. Isto porque
acreditamos que ninguém nasce mais ou menos educado na sua corporeidade e na
expressão do Se Movimentar. Assim, se tem alguém que aprende, existe alguém que
ensina, alguém que pode contribuir para que todos tenham a oportunidade de exercer
seu direito ao Se Movimentar, seja como lazer, educação, rendimento ou trabalho.
Bem, mas se é preciso ensinar bem o jogo para todos, não podemos esquecer que
o nosso compromisso é com a educação para além dos muros da quadra. Como pro-
fessor, nos permitimos olhar para o futuro e ver no jogo o princípio de que as crianças
também jogam para aprender. Imaginamos que esta ideia do jogar para aprender vai
de encontro à proposta de que o jogo, na sua dimensão educacional, não tem fim nele
mesmo. A nossa missão é potencializar valores como a criatividade, a cooperação, o
protagonismo, o respeito etc.; todos muito presentes no momento do jogo e da prática
do Se Movimentar. A isso damos o nome de cidadania, um conjunto de aprendizagens
e conhecimentos que servem não só para os tempos em que a bola rola na quadra, mas
principalmente para as situações de vida que acontecem fora do jogo. Quando nos per-
guntam se é possível educar para a cidadania através do jogo, respondemos que sim.
Porém, fazemos uma ressalva: tudo é uma questão de método.
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UNIDADE Jogar e Aprender
Neste aspecto Jogar para Aprender e Aprender para Jogar são como duas faces
de uma mesma moeda, ou seja, complementares, irredutíveis e indissociáveis. O fim
deste processo está em acreditar numa pedagogia do jogo que integra o fazer e o com-
preender, que fomenta a tomada de consciência através do conflito, da contradição,
algo que o Professor João Batista Freire (2012), descreve como “voar sobre a ação, ver
dentro de nós o que a gente viu ou fez fora de nós, olhar para dentro e ver com clareza
a própria ação realizada”. Todas as vezes que nas aulas diversificamos, fazemos uma
variação ou criamos um obstáculo para os alunos, provocamos uma contradição entre o
velho e o novo, entre aquilo que já sabemos e aquilo que devemos aprender. Aí os alunos
ficam com dúvidas. Essas dúvidas geram reflexões, compreensões e obrigam a todos a
olhar para dentro de si. Olhar para dentro é tomar consciência, é mais ou menos como
saber o que se faz, saber o que se sabe.
E o que isso tudo tem a ver com cidadania? A resposta é simples, simples no sentido
de simplicidade e não de facilidade. Crianças e jovens que nas experiências de jogar
tomam consciência e sabem o que sabem e o que fazem, fortalecem o seu pensamento.
O pensamento fortalecido é o primeiro passo para o exercício da cidadania. Sabem
por que? Quando eu tenho o pensamento fortalecido, tenho mais condições de fazer as
boas escolhas, sem que os outros o façam por mim. Isso quer dizer autonomia, atitude
essencial para a formação da cidadania.
Na obra de Freire (1998), encontramos alguns princípios pedagógicos que podem nos
ajudar a alicerçar a nossa prática. Por seu caráter bem objetivo e com foco na ação dos
professores, nos permitimos dizer que esses princípios se configuram como objetivos
de ensino. Eles nos orientam a como caminhar das belas intenções para a uma prática
mais coerente e consistente, quando a nossa atenção deve estar voltada para a constru-
ção de uma pedagogia do jogo que seja universal e inclusiva. Não podemos esquecer de
dizer que esses objetivos foram pensados para o ensino do esporte, mas permanecem
coerentes com a pedagogia do jogo; isso porque durante todo o nosso percurso, temos
defendido a ideia de que o esporte é uma manifestação do jogar.
Jogo e jogar, nos próximos parágrafos, podem ser substituídos pelas práticas conhecidas
como brincadeiras, esportes, danças, lutas etc.
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nossas práticas pedagógicas e aulas, não há seleção ou exclusão. Não nos furtamos
à responsabilidade de que o jogo, como nosso objeto de ensino, deve ser ensinado
com competência e qualidade. Porém, quando partimos do pressuposto de que o
jogo é conteúdo a ser aprendido, devemos assumir o compromisso de ensiná-lo a
todos e todas. O desafio está em romper com modelos de ensino que, muitas vezes,
acabam por dar atenção somente àqueles ou àquelas que, por algum motivo, gené-
tico ou ambiental, apresentam maiores habilidades. Entendemos a importância de
ampliar a educação cultural de um povo, porém, o que está ao nosso alcance tem
limites. Não podemos dar conta de todo o leque de necessidades educacionais das
crianças e dos jovens. Lidamos com o jogo, ele é o nosso principal conteúdo, o
tema gerador de uma pedagogia que pretende ser forte. Mesmo considerando os li-
mites de nossa atuação, naquilo que nos toca, o jogo será ensinado a todos e todas,
independentemente de credos religiosos, de cor da pele, de gênero, de opção sexu-
al, de idade, de constituição física, ou qualquer outra característica. O compromisso
é com a inclusão, a participação e a nossa premissa está em acreditar que qualquer
pessoa, dentro das suas potencialidades e limitações, pode aprender a jogar;
• Ensinar bem o jogo a todos e todas: nas aulas de educação física o jogo é tra-
tado como um direito de todos e todas, mas não basta que o cidadão (crianças e
jovens) tenha esse direito reconhecido apenas como uma vivência. Ele deve ter o
direito de aprender o jogo para poder praticá-lo e, assim, usufruir das coisas boas
da vida. O reconhecimento desse direito, porém, para nós vai mais longe, além de
aprendê-lo e praticá-lo, o cidadão tem o direito de aprendê-lo bem, para praticá-lo
com qualidade. Não importa se em menor ou maior tempo, é preciso ter paciência
e conhecer cada aluno e cada aluna, acreditando que todos e todas, dentro de suas
limitações e das suas potencialidades motoras, cognitivas e socioafetivas, podem
jogar com qualidade e bom desempenho;
• Ensinar mais do que o jogo: de modo geral, onde quer que se ensine o jogo, dá-
-se por cumprida a missão quando as crianças mostram boas habilidades na prática
das brincadeiras, esportes, danças, ginásticas, lutas etc. Entretanto, trata-se, ainda,
apenas de um bem fazer, um fazer com êxito, um exercício de habilidades que não
ultrapassa os limites da própria prática. Cada aula de educação física ministrada
na escola deve ir além, deve deixar uma herança para a vida dos alunos. O papel
do jogo e suas manifestações ultrapassam o ensino dos fundamentos e técnicas e
incluem os seus valores subjacentes, ou seja, conteúdos relacionados às dimensões
atitudinal e conceitual. A questão que se coloca é a seguinte: Que conhecimentos
os alunos deverão adquirir a respeito do jogo e suas manifestações, a fim de se tor-
narem cada vez mais competentes para enfrentar as exigências da vida social, exer-
citar a cidadania e melhorar sua condição humana? Cada aula deverá deixar uma
herança para a vida dos alunos. Quando um jovem aprende, por exemplo, o jogo
da queimada, por melhor que o aprenda, caso seu conhecimento seja exclusiva-
mente técnico, nada restará após o jogo. O conhecimento apenas técnico, prático,
tornará o aluno prisioneiro dessa técnica, sem condições de ir além dela. Porém,
se, ao aprender o jogo da queimada, ele puder compreender o que ocorre no jogo,
talvez, como já mencionamos, saia do jogo com uma herança de conhecimentos
aplicáveis a outras circunstâncias de vida;
• Ensinar a gostar do jogo: o jogo possui componentes que por si só encantam.
O esporte, por exemplo, é um jogo, um tipo de brincadeira de gente grande, um faz
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UNIDADE Jogar e Aprender
A síntese
As palavras do sociólogo e professor Miguel Arroyo, especialista no tema da educa-
ção integral, nos ajudam a realizar uma síntese da reflexão proposta até aqui. Qual a
importância do Se Movimentar na educação integral e na vida das crianças e dos jovens?
Por que argumentar a favor do jogo como um conteúdo privilegiado na educação do Se
Movimentar? Por que ensinar jogos na escola e nas aulas de educação física?
As escolas, que objetivam a educação integral, deveriam ter como núcleo central po-
líticas afirmativas do direito da infância-adolescência à vida, corpos, tempos-espaços de
um digno e justo viver (ARROYO, 2012, p. 41). Se é pelo jogo que nos comunicamos
corporalmente, deveríamos ir para a escola para aprendermos a ser corpo, aprender-
mos a Se Movimentar e, mais do que isso, para construirmos a nossa identidade corpo-
ral e cultural. Todas as vezes que temos esse direito negado, a tendência é a exclusão, a
marginalização e a supressão da nossa identidade, daquilo que é o mais importante para
cada um de nós, ou seja, a nossa individualidade.
O que fazemos quando levamos a referência do jogo para as escolas e seus currí-
culos é defender a ruptura com aquilo que o professor Arroyo (2012, p. 42), chama de
moralismo e intelectualismo pedagógico, aquilo que “reduziu as aprendizagens e secun-
darizou a vida, os corpos, os espaços-tempos do viver e aprender, como se fôssemos
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mentes, vontades abstratas incorpóreas, aespaciais, atemporais que pouco relacionam
as possibilidades de aprender com as possibilidades do viver”.
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UNIDADE Jogar e Aprender
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
O Jogo dentro e fora da Escola
FREIRE, J. B.; VENÂNCIO, S. O jogo dentro e fora da escola. Editora Autores Associa-
dos. Campinas, 2005.
Vídeos
Canal João Batista Freire
https://bit.ly/3iNxsKa
A Importância do Brincar | Renata Meirelles e Severino Antônio
Assista ao documentário A importância do brincar, com Renata Meirelles e Severino
Antônio. Uma produção do Instituto CPFL.
https://youtu.be/tc136kE-bQc
Leitura
Os Jogos e sua Importância na Escola
https://bit.ly/2S2AJKL
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Referências
ARROYO, M. G. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In.: MOLL, J.
et al. Caminhos da educação integral no Brasil: direito e outros tempos e espaços
educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.
CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 18. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2014.
________. Métodos de confinamento e engorda (como fazer render mais porcos, gali-
nhas, crianças...). In.: MOREIRA, W. W. (org.). Educação Física e esportes: perspecti-
vas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.
MACEDO, L. de. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos? Porto
Alegre: Artmed, 2005.
MAURI, T. O que faz com que o aluno e a aluna aprendam os conteúdos escolares? In.:
COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1998.
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UNIDADE Jogar e Aprender
VIARO, M. E. Por trás das palavras: manual de etimologia do português. São Paulo:
Editora Globo, 2004.
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