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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I

Prof. Durval Carneiro Neto

SERVIÇO PÚBLICO

Sumário: 1) Serviço público. 1.1) Sentidos da terminologia “serviço público”. 1.2) Serviço público como um
conceito jurídico. 1.3) Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas estatais. 1.4) O "Código de
Defesa do Usuário do Serviço Público" (Lei 13.460/2017): o Quadro Geral dos Serviços Públicos Prestados;
os princípios e diretrizes do serviço público; atualidade e continuidade dos serviços públicos; os direitos
básicos e deveres do usuário; a Carta de Serviços ao Usuário; as manifestações dos usuários de serviços
públicos e as ouvidorias; os Conselhos de Usuários; a avaliação continuada dos serviços públicos. 1.5)
Classificação dos serviços públicos: 1.5.1) Quanto à entidade a quem foram atribuídos; 1.5.2) Quanto ao
objeto; 1.5.3) Quanto à essencialidade; 1.5.4) Quanto aos usuários; 1.5.5) Quanto à obrigatoriedade da
utilização; 1.5.6) Quanto à forma de execução. 1.6) Princípios e diretrizes dos serviços públicos. 1.7)
Titularidade e prestação dos serviços públicos. 1.8) Formas associadas de gestão de serviços e de
governança interfederativa. 1.9) Formas de delegação de serviços públicos. 1.9.1) Concessão de serviço
público. 1.9.2) Parcerias público-privadas: Concessão especial. 1.9.3) Permissão de serviço público. 1.9.4)
Autorização de serviço público. 1.10) Distinção entre delegação de serviço público e terceirização
administrativa. 1.11) Divergências sobre outras espécies de delegação de serviços públicos. 1.12) Aplicação
do CDC aos usuários de serviços públicos. 1.13) Fomento Público e os "serviços públicos impróprios".
1.13.1) Distinção entre serviços públicos e serviços privados de interesse público; 1.13.2) Serviços Sociais
Autônomos; 1.13.3) Fundações de apoio; 1.13.4) Organizações Sociais (OS); 1.13.5) Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); 1.13.6) Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014).

1.1) Sentidos da terminologia “serviço público”

Inicialmente, cumpre examinar os sentidos que costumam ser atribuídos à expressão


“serviço público”. O substantivo serviço indica uma prestação, um ato ou o efeito de servir.
O adjetivo público, por sua vez, leva a entender que se trate de uma prestação dirigida a
toda a comunidade.

Na França, desde a gênese do Direito Administrativo e ao longo do século XIX, prevaleceu


como fundamento da atuação da Administração Pública a ideia do poder soberano
(puissance publique). Contudo, levando em conta que no Estado de Direito esse poder
somente encontra justificativa na satisfação do interesse público, no final do século XIX
uma corrente doutrinária passou a defender que o verdadeiro fundamento do Direito
Administrativo haveria de estar não propriamente no poder, mas, sim, no serviço público
prestado pelo Estado (service publique). Clássicos foram os debates travados em torno
dos pensamentos de Hauriou e Duguit, o primeiro centrado na noção de poder público e o
segundo na de serviço público.

Adveio daí a escola francesa clássica, também chamada Escola do Serviço Público ou
Escola de Bordeaux, na qual a noção de serviço público foi tomada num sentido amplo,
“para abranger toda e qualquer atividade realizada pela Administração pública” 1, época em que
“não haveria como distinguir os serviços públicos das atividades legislativas e judiciárias, nem,
tampouco, das demais atividades administrativas, como as de polícia, de ordenamento econômico,
de ordenamento social e de fomento público”.2

1
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
2
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense.

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Para Gaston Jéze, a prestação de serviço público era a única atividade do Estado, ao
passo que Léon Duguit dizia tratar-se da atividade primordial do Estado. “Outros, com o
mesmo entendimento, passaram a dizer que a presença do Estado não se justificaria senão para
prestá-los. Assim, o oferecimento de serviços públicos seria a única razão a justificar a existência do
Estado”.3

Por outro lado, este sentido amplo não mais se adequa à atual realidade, eis que, como diz
Odete Medauar, “se esta fosse a concepção adequada, todo o direito administrativo conteria um
único capítulo, denominado „serviço público‟, pois todas as atividades da Administração aí se
incluiriam”4. Hodiernamente, portanto, é preciso apontar de forma precisa um sentido
estrito, “que discrimine satisfatoriamente as atividades prestadoras de serviços públicos de todas as
atividades jurídicas, que cumpre ao Estado desempenhar, na expressão do poder, que lhe é imanente,
de instituir, preservar e aprimorar sua ordem jurídica, bem como das atividades sociais”5. Vale
dizer, serviço público é uma espécie dentro do gênero atividade administrativa.

Na busca desse sentido estrito, para que se pudesse enquadrar determinados serviços
como sendo serviços públicos, passou-se inicialmente a apontar três elementos ou critérios
de identificação: o critério orgânico, o critério material e o critério formal.

Tais critérios serviam para qualificar o serviço público no primeiro momento do Estado
liberal, em que “o serviço público abrangia as atividades de interesse geral, prestadas pelo Estado
sob regime publicístico”.6

Pelo elemento orgânico (também chamado de subjetivo), era considerado serviço


público todo aquele prestado diretamente pelo Estado. Este critério mostrou-se falho ao
longo do tempo, porquanto nem todo serviço hoje prestado pelo Estado é serviço público,
como ocorre quando o Estado explora atividades econômicas em concorrência com os
particulares ou sob regime de monopólio, atividades estas que, apesar de serem serviços
governamentais, sujeitam-se predominantemente a regras do Direito Privado. De outra
parte, há serviços que, mesmo não sendo prestados diretamente pelo Estado, são
considerados serviços públicos e, como tal, sujeitos ao regime jurídico administrativo, como
ocorre, por exemplo, com as empresas concessionárias e permissionárias que prestam
serviços públicos por delegação do Estado.

Pelo elemento material (também chamado de objetivo), levava-se em conta o


beneficiário do serviço, quando prestado em prol da coletividade e de acordo com o
interesse geral dos administrados. Aqui igualmente surgiu uma imprecisão, pois há
atualmente serviços que, mesmo sendo de alcance coletivo, não são propriamente
serviços públicos. Assim, v. g., quando o Estado exerce uma atividade econômica, ainda
que a considere de “relevante interesse coletivo” (CF, art.173), não estará desempenhando
tecnicamente um serviço público. Ademais, há inúmeros serviços de interesse geral que
são autorizados à iniciativa privada sem que sejam qualificados como serviços públicos, tal
como ocorre nas áreas de saúde e educação.

3
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
4
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
5
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
6
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Em suma, serviço público não depende apenas do que é prestado (elemento objetivo) ou
de quem presta (elemento subjetivo). Objetivamente, nem tudo que os órgãos ou as
entidades da Administração Pública desempenham é serviço público. E, subjetivamente,
até entidades privadas podem vir a prestar serviços públicos.

Por fim, pelo elemento formal, a atividade administrativa se qualificaria como serviço
público quando prestada sob regime jurídico de Direito Público. Ocorre que nem todas as
atividades administrativas sujeitas a este regime são serviços públicos. Ademais, há
serviços públicos prestados sob os mais diversos regimes publicistas, isto é, não existe
formalmente um único regime de Direito Público aplicável a todos eles, mas, sim, regimes
em que pode variar o grau de incidência de normas de Direito Público e de Direito Privado,
a depender do tipo de serviço.

Como dito, o regime predominantemente público não é exclusivo apenas dos serviços
públicos, alcançando outras espécies de atividades administrativas, v.g., quando o Estado
constrói uma obra pública ou exercita o seu poder de polícia. Os regimes de todas estas
atividades administrativas são marcados pela presença das normas de Direito Público, mas
elas tem peculiaridades que as distinguem dos serviços públicos.

Celso Antônio assim aponta a diferença entre essas categorias do Direito Administrativo:

“Em linguagem leiga, costuma-se designar como „serviço‟ tudo aquilo que o Estado faz ou, pelo
menos, toda atividade administrativa por ele desempenhada. Assim, por exemplo, a construção de
uma estrada, de uma ponte, de um túnel, de um viaduto, de uma escola, de um hospital, ou a
pavimentação de uma rua podem aparecer, na linguagem corrente, como sendo um „serviço‟ que o
Estado desempenhou. Juridicamente, entretanto, são obras públicas. Assim também, eventualmente,
serão designadas como „serviços‟, ou mesmo, „serviços públicos‟, atividades típicas de „polícia
administrativa‟. Do mesmo modo, o rótulo „serviço público‟, ainda que acrescido do qualificativo
„industrial‟, ou „comercial‟ ou „econômico‟, algumas vezes é adotado para referir atividades estatais
regidas fundamentalmente pelo Direito Privado, isto é, as concernentes à exploração estatal de
atividade econômica. Para o Direito, entretanto, estes vários tipos de atividades são perfeitamente
distintos entre si, pois cada qual está sujeito a um regime diverso. (...) De fato, serviço público e obra
pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da seguinte comparação: a) a obra é, em si
mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico; b) a obra é uma coisa: o
produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute;
c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo
quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição
da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela; d) a obra, para ser executada, não
presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado,
pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.(...) Enquanto o serviço público visa a
ofertar ao administrado uma utilidade, ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante
prestações feitas em prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção
do interesse de todos), visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua atuação livre,
exatamente para que seja possível um bom convívio social. Então, a polícia administrativa constitui-
se em uma atividade orientada para a contenção dos comportamentos dos administrados, ao passo
que o serviço público, muito ao contrário, orienta-se para a atribuição aos administrados de
comodidades e utilidades materiais”.7

7
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Não se podendo mais recorrer isoladamente aos critérios orgânico (quem presta), material
(o que presta) ou formal (sob que regime presta) na categorização do serviço público,
chega-se a conclusão de que o conceito não pode ser construído com base apenas nas
características intrínsecas ou extrínsecas do serviço, senão levando em conta o que dispõe
a Constituição acerca da sua titularidade. Vale dizer, serviço público é um conceito
estritamente jurídico.

1.2) Serviço público como um conceito jurídico

Do que foi dito no tópico anterior, tem-se que, como assevera Maria Sylvia Di Pietro, “os
três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são
essenciais, porque às vezes falta um dos elementos ou até mesmo dois”, daí a sua definição de
serviço público como sendo “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para a exerça
diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às
necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.8

Deveras, serviço público é um conceito jurídico porque é o ordenamento constitucional


que indica quais atividades devem ser assim qualificadas, atribuindo a sua titularidade ao
Estado e, com isso, excluindo-as total ou parcialmente do regime de mercado típico da
iniciativa privada. Como dispõe o art. 175, caput, da Carta Magna de 1988: “Incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Ao dizer "incumbe ao Poder Público", a Constituição deixa claro que o conceito jurídico de
serviço público pressupõe tão somente que a lei atribua a titularidade do serviço ao
Estado, que o assume como próprio, ainda que a sua prestação possa eventualmente ser
delegada a terceiros.

“É o Estado, por meio da lei, que escolhe quais as atividades que, em determinado momento,
são consideradas serviços públicos; no direito brasileiro, a própria Constituição faz essa indicação
nos artigos 21, incisos X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, §2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas
Constitucionais 8 e 5, de 1995; isto exclui a possibilidade de distinguir, mediante critérios objetivos,
o serviço público da atividade privada; esta permanecerá como tal enquanto o Estado não a assumir
como própria”; “daí outra conclusão: o serviço público varia não só no tempo, como também no
espaço, pois depende da legislação de cada país a maior ou menor abrangência das atividades
definidas como serviços públicos”.9

Há sempre uma decisão política do legislador constitucional ao eleger quais atividades


devem ser tratadas como serviços públicos, atribuindo a elas um regime exorbitante do
regime comum das relações privadas.

Nas palavras de Celso Antônio, isso acontece “quando, em dado tempo e lugar, o Estado reputa
que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável
fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades
privadas (fiscalização e controles estes que se constituem no chamado „poder de polícia‟”.10

8
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
9
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
10
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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“Justamente pelo relevo que lhes atribui, o Estado considera de seu dever assumi-las como
pertinentes a si próprio (mesmo que sem exclusividade) e, em consequência, exatamente por isto as
coloca sob uma disciplina peculiar instaurada para resguardo dos interesses nelas encartados: aquela
disciplina que naturalmente corresponde ao próprio Estado, isto é, uma disciplina de Direito Público.
(...) Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada
à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado
assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um
regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições
especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”.11

Dito aspecto político na escolha dos serviços públicos é ressaltado por Odete Medauar,
apontando, inclusive, a existência de um núcleo pacífico dos serviços públicos:

“Então como se pode caracterizar o serviço público? Saber quando e por que uma atividade é
considerada serviço público remete ao plano da concepção política dominante, ao plano da
concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na
Constituição do país, na lei e na tradição. A Constituição pátria considera como serviços públicos,
por exemplo: o transporte coletivo, no art.30, V; serviços telefônicos, telegráficos, no art.21, XI;
energia elétrica, no art.21, XII, a. Por sua vez, a Lei federal 9074, de 07.07.1995, indica os serviços
federais de barragens, contenção, eclusas, diques e irrigações como serviços públicos.
Tradicionalmente existe o chamado „núcleo pacífico dos serviços públicos‟: água, luz, iluminação
pública, coleta de lixo, limpeza de ruas, correio. Finalidades diversas levam a considerar certa
atividade como serviço público, dentre as quais: retirar da especulação privada setores delicados;
propiciar o benefício do serviço aos menos favorecidos; suprir carência da iniciativa privada;
favorecer o progresso técnico”.12

Neste mesmo sentido a lição de Toshio Mukai:

“O conceito de serviço público é variável e flutua ao sabor das necessidades e contingências


políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade, em cada momento histórico, como
acentuam os modernos publicistas”. “Pode-se dizer que o serviço público decorre de uma
necessidade pública, que é por sua natureza essencial, indispensável e, em decorrência, erigida pelo
legislador como tal. O serviço público, no sentido jurídico da expressão, só aparece quando o
legislador o eleva a tal condição; até então, o que há é tão somente um serviço público potencial.
Portanto, todas as atividades – as tradicionalmente reservadas ao Estado e as de natureza industrial
ou comercial – de interesse geral e que visem suprir necessidades essenciais da coletividade,
assumidas legalmente pela Administração devem ser consideradas serviços públicos (serviços
públicos administrativos ou serviços públicos industriais ou comerciais)”.13

Conclui-se que o serviço público “só existirá se o regime de sua prestação for o regime
administrativo, ou seja, se a prestação em causa configurar atividade administrativa pública, em uma
palavra, atividade prestada sob o regime de Direito Público”.14 Assim, o legislador, com vistas a
um serviço potencialmente público, isto é, que por sua natureza seja de interesse geral da
coletividade, resolve regulá-lo sob um regime jurídico próprio, exorbitante do regime

11
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
12
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
13
MUKAI, Toshio. Concessões, permissões e privatizações de serviços públicos. São Paulo: Saraiva.
14
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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privado, observados os ditames constitucionais. Com isso, podemos dizer que quanto
maior for o número de serviços considerados pelo legislador como serviços públicos, maior
será a abrangência do Direito Administrativo e menor será o alcance do Direito Privado.

Existem serviços que, por opção do legislador constituinte, já foram qualificados como
serviços públicos, não havendo como o Estado se esquivar de assegurar a sua adequada
prestação, seja por ele próprio (diretamente), seja por um outro ente ao qual ele delegue a
execução (indiretamente). Nesse caso, a própria Constituição já cria parâmetros
publicísticos para a tais serviços, não podendo o legislador dispor de modo diverso. Vale
dizer, qualquer lei infraconstitucional que trate destes serviços deve prever um regime
predominante público.

Acerca disso, Celso Antônio fala em serviços públicos por determinação


constitucional:

“A Carta Magna do País já indica, expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como
da alçada do Poder Público federal. Serão, pois, obrigatoriamente serviços públicos (obviamente
quando volvidos à satisfação da coletividade em geral) os arrolados como de competência das
entidades públicas. No que concerne à esfera federal, é o que se passa com o serviço postal e o
Correio Aéreo Nacional (art.21, X, da Constituição), com os serviços de telecomunicações, serviços
de radiodifusão sonora – isto é, rádio – e de sons e imagens – ou seja, televisão, serviços e
instalações de energia elétrica e aproveitamento energético dos cursos d‟água, navegação aérea,
aeroespacial, infraestrutura aeroportuária, transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros
e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de mais de um Estado ou Território, transporte
rodoviário interestadual e internacional de passageiros, exploração de portos marítimos, fluviais e
lacustres (art.21, XII, letras „a‟ a „f‟), seguridade social (art.194), serviços de saúde (art.196),
assistência social (art.203) e educação (arts. 205 e 208). A enumeração dos serviços que o Texto
Constitucional considera públicos não é exaustiva. Ademais, muitos serviços públicos serão da
alçada exclusiva de Estados, Distrito Federal ou dos Municípios, assim como outros serão comuns à
União e estas diversas pessoas”.15

Além dos serviços públicos já definidos antecipadamente na Constituição, poderá o


legislador ainda criar outros que repute convenientes na sua respectiva esfera de
atuação política (federal, estadual ou municipal). Por exemplo, lei municipal poderá
qualificar juridicamente como serviço público o serviço funerário numa determinada cidade,
afastando tal atividade do regime privado e submetendo a sua prestação
predominantemente a normas de Direito Público. Assim ocorre na cidade de São Paulo.

Tradicionalmente, por razões religiosas, os serviços funerários eram considerados de


atribuição da Administração Pública e, portanto, tratados como serviços públicos
municipais. A atual Carta Magna remete aos municípios deliberarem a respeito, dentre os
assuntos de interesse local, de modo que a depender do tratamento dado pela lei
municipal, o serviço funerário será público ou privado.

O STF já se posicionou sobre o tema, como se infere do seguinte aresto:

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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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"Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no
art. 30, V, da Constituição: aos municípios compete 'organizar e prestar, diretamente ou sob o
regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo,
que tem caráter essencial'. Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as
necessidades imediatas do município. Leciona Hely Lopes Meirelles que 'o serviço funerário é da
competência municipal, por dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a
confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de
cemitérios' (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 10ª edição, 1998, atualizada por
Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse
entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do decidido no RE
49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim ementado: 'EMENTA:
Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os
municípios podem, por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos
serviços funerários do comércio comum.' (RTJ 30/155)"16.

Por outro lado, é importante destacar que o legislador não estará livre para qualificar
qualquer atividade como serviço público. Como adverte, há limites constitucionais para
a caracterização de um serviço como público: “é realmente o Estado, por meio do Poder
Legislativo, que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade, desde que respeito os limites
constitucionais. Afora os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser
assim qualificados, contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas
relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa”.17

Lúcia Valle Figueiredo também salienta haver “serviços que não podem ser públicos por
expressa proibição constitucional. É o que se verifica do art. 173 da Constituição Federal. São
reservados à iniciativa privada, a quem compete a atividade econômica”.18

1.3) Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas estatais

Em tópico posterior, quando será abordada a classificação dos serviços públicos, veremos
que, ao lado dos serviços públicos administrativos e sociais, existem também alguns
serviços públicos comerciais ou industriais assumidos pelo Estado.

Estes, contudo, não devem ser confundidos com outros serviços similares eventualmente
desempenhados pelo Estado a título de intervenção no domínio econômico.

Tem-se aí, em sentido amplo, duas categorias de atividades econômicas atribuídas ao


Estado, mas com distintos fundamentos na Constituição: a) serviços públicos comerciais e
industriais (CF, art. 175); b) atividades econômicas estatais em sentido estrito (CF, artigos
173 e 177). Apesar de ambas se situarem no terreno das relações econômicas, são
distintas as razões que levam o Estado a atuar em cada uma dessas áreas.

Nos serviços públicos industriais e comerciais, assim qualificados pelo legislador


constitucional, o Estado tomou para si a responsabilidade de sua efetivação (titularidade),
tendo em mira o destinatário do serviço, buscando com isso assegurar a sua prestação
adequada e eficiente em prol da sociedade.

16
STF, ADI 1221, rel. Min. Carlos Velloso, julg. em 09/10/2003.
17
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
18
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Já quanto às atividades econômicas industriais e comerciais, o Estado apenas busca


intervir no domínio econômico por razão de imperativos da segurança nacional ou
relevante interesse coletivo (CF, art. 173), ou, ainda, porque a Constituição institui alguma
espécie de monopólio por razões análogas (CF, art. 177). Não são “serviços públicos” no
sentido jurídico do termo, de modo que a sua prestação submete-se predominantemente a
normas do Direito Privado, ainda que sob influxo de algumas normas publicísticas.

A respeito desta distinção, Maria Sylvia Di Pietro salienta que os serviços comerciais e
industriais “podem ser prestados pelo Estado sob dois títulos: como serviços públicos que lhe são
atribuídos por lei e que ele pode desempenhar diretamente ou por meio de concessão ou permissão,
com base no art. 175 da Constituição; como atividade econômica própria da iniciativa privada e
que o Estado ou assume em caráter de monopólio, com base no art. 177, ou exerce em caráter de
competição com a iniciativa privada, quando necessário aos imperativos de segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo definido em lei, conforme previsto no art. 173 da Constituição”.19

Bazilli aponta que “o serviço industrial ou comercial apresenta um interesse público objetivo, na
medida em que a atividade prestada pelo Estado contém em si mesma, pelas suas próprias
características, claro interesse público, ou seja, é de necessidade coletiva. Já atividade econômica
desenvolvida pelo Estado também apresenta interesse público, só que subjetivo, na medida em que
depende da valorização da Administração; não traz em si mesma o interesse público; mas se lhe
atribui um interesse público”.20

Pertinente também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “a distinção entre
uma coisa e outra é óbvia. Se está em pauta atividade que o Texto Constitucional atribuiu aos
particulares e não atribuiu ao Poder Público, admitindo, apenas, que este, excepcionalmente, possa
empresá-la quando movido por „imperativos da segurança nacional‟ ou acicatado por „relevante
interesse coletivo‟, como tais „definidos em lei‟ (tudo consoante dispõe o art.173 da Lei Magna),
casos em que operará, basicamente, na conformidade do regime de Direito Privado, é evidente que
em hipóteses quejandas não se estará perante atividade pública, e, portanto, não se estará perante
serviços públicos”.21

Por derradeiro, cumpre assinalar que existem ainda determinados serviços de natureza
privada, cuja prestação não cabe ao Estado, direta ou indiretamente, mas para os quais a
lei prevê autorização pelo Poder Público, como disposto no art. 170, parágrafo único, da
Constituição Federal: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Nesses casos, as regras do Direito Administrativo somente atuam no que concerne à


licença ou autorização e à eventual fiscalização pelo Poder Público, no exercício do seu
poder de polícia. No mais, o desempenho da atividade pelo particular segue as regras do
Direito Privado. É o que ocorre, por exemplo, com os serviços das autoescolas para fins de
habilitação de motoristas, bem como os serviços prestados pelas empresas de vigilância.
Trata-se de atividades privadas cujo exercício, todavia, depende de consentimento do
Estado por razões de segurança. Não são serviços públicos no sentido próprio da palavra.

19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceiras na administração pública. São Paulo: Atlas.
20
BAZILLI, Roberto Ribeiro. Serviços públicos e atividades econômicas na Constituição de 1988. RDA, 197:15-6.
21
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Em suma, com amparo na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello 22, para se saber se
determinada atividade de alcance coletivo é ou não um “serviço público” (no sentido
jurídico do termo), deve-se ter em mente as seguintes situações sujeitas a regimes
jurídicos distintos:

SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS:

1) Serviços públicos por determinação constitucional – previstos nos arts. 21, 26, 30, 194, 196, 203, 205,
dentre outros, da Constituição Federal de 1988.

1.1) de titularidade exclusiva do Estado, mas cuja prestação pode ser delegada à iniciativa privada na forma do
art.175 da Carta Magna (concessões ou permissões), porque a própria CF assim o prevê. Exemplos:
telecomunicações e energia elétrica (art.21, XI e XII).

1.2) de titularidade exclusiva do Estado e cuja prestação não pode ser delegada à iniciativa privada (só pode
ser prestado por ente estatal), porque a CF silenciou a respeito. Exemplos: serviço postal e correio aéreo
nacional (art.21, X).

1.3) de titularidade não exclusiva do Estado, isto é, a Carta Magna admite a existência de serviços privados da
mesma natureza, podendo os particulares prestá-los independentemente de concessão. São os chamados
serviços sociais. Exemplos: serviços de saúde, educação, previdência e assistência social (CF/88, arts. 196 a
213).

2) Serviços públicos previstos em leis ordinárias, federais, estaduais ou municipais (desde que de acordo
com a Constituição). São de titularidade exclusiva do Estado e podem eventualmente ter a prestação delegada
à iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos.

NÃO SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS:

3) Serviços prestados por entes estatais na área econômica, por imperativo de segurança nacional ou
relevante interesse coletivo (CF/88, art. 173), ou em razão de monopólio estatal (CF/88, art. 177).

4) Serviços prestados pela iniciativa privada na área econômica, apenas sujeitos ao poder de polícia do
Estado (licenças e autorizações) – CF/88, art. 170.

5) Serviços privados prestados por entidades paraestatais e particulares em colaboração, de caráter


assistencial e sem fins lucrativos, mediante simples incentivos dados pelo Estado (fomento público). São os
chamados entes de colaboração ou entes do “terceiro setor”. Advirta-se, contudo, haver casos específicos em
que tais entes atuam como delegatários de serviços públicos, assumindo atividades administrativas que lhes
são transferidas pelo Poder Público.

22
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

9
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1.4) O "Código de Defesa do Usuário do Serviço Público" (Lei 13.460/2017)

A Lei 8.987/95 há muito já dispõe sobre parâmetros a serem observados na prestação de


serviços públicos. Mais recentemente, isso foi reforçado e ampliado pelo Código de
Defesa do Usuário do Serviço Público, editado por meio da Lei 13.460/2017, que trata
da participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos.

Essa nova legislação, que veio em cumprimento ao disposto no art. 37, §3º, da CF/88 (com
a redação dada pela EC 19/98), estabelece um microssistema normativo similar ao Código
de Defesa do Consumidor, porém, especificamente voltado para a seara dos serviços
públicos.

Dentre outros pontos, a Lei 13.460/2017 cuidou de indicar os princípios jurídicos e as


diretrizes dos serviços públicos, os direitos básicos e os deveres dos usuários de serviços
públicos, instituindo novas figuras tais como o quadro geral de serviços prestados, a carta
de serviços ao usuário, os conselhos de usuários e a avaliação continuada dos serviços
públicos.

Ficou estabelecido que, com periodicidade mínima anual, cada Poder e esfera de Governo
publicará quadro geral dos serviços públicos prestados, que especificará os órgãos ou
entidades responsáveis por sua realização e a autoridade administrativa a quem estão
subordinados ou vinculados (art. 3o).

Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada,


observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança,
atualidade, generalidade, transparência e cortesia (art. 4o).

Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,


segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

A atualidade do serviço público compreende a modernidade das técnicas, do equipamento


e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

A continuidade do serviço público impede que a atividade administrativa cesse por


completo.

Contudo, conforme já disposto desde a Lei 8.987/95, não se caracteriza como


descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após
prévio aviso, quando:

I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações;

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Nesse caso,


porém, a interrupção do serviço não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no
domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado (alteração dada pela Lei
14.015/2020)

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Ainda conforme o novo Código, devem os agentes públicos e prestadores de serviços


públicos observar as seguintes diretrizes previstas no art. 5o: I - urbanidade, respeito,
acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários; II - presunção de boa-fé do
usuário; III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles
em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às
pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas
acompanhadas por crianças de colo; IV - adequação entre meios e fins, vedada a
imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação; V -
igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação; VI -
cumprimento de prazos e normas procedimentais; VII - definição, publicidade e
observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário; VIII -
adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários; IX -
autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais
apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso
de dúvida de autenticidade; X - manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas,
acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento; XI - eliminação de formalidades e de
exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido; XII -
observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes
públicos; XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e
procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o
compartilhamento das informações; XIV - utilização de linguagem simples e compreensível,
evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e XV - vedação da exigência de nova
prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.

Nos termos do art. 6o da Lei 13.460/2017, são direitos básicos do usuário: I -


participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços; II - obtenção
e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem
discriminação; III - acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de
registros ou bancos de dados, observado o disposto no art. 5º, X, da CF/88 e na Lei
12.527/2011; IV - proteção de suas informações pessoais, nos termos da Lei
12.527/2011; V - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e
documentos comprobatórios de regularidade; e VI - obtenção de informações precisas e de
fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na
internet, especialmente sobre: a) horário de funcionamento das unidades
administrativas; b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a
indicação do setor responsável pelo atendimento ao público; c) acesso ao agente público
ou ao órgão encarregado de receber manifestações; d) situação da tramitação dos
processos administrativos em que figure como interessado; e e) valor das taxas e tarifas
cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata
da extensão do serviço prestado.

Ao lado dos direitos, a Lei 13.460/2017 estabeleceu também os deveres do usuário (art.
8o): I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo com urbanidade e boa-fé; II -
prestar as informações pertinentes ao serviço prestado quando solicitadas; III - colaborar
para a adequada prestação do serviço; e IV - preservar as condições dos bens públicos
por meio dos quais lhe são prestados os serviços de que trata esta Lei.

O art. 7o cuidou de dispor que os órgãos e entidades abrangidos pela Lei 13.460/2017
divulgarão Carta de Serviços ao Usuário. Este documento tem por objetivo informar o

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usuário sobre os serviços prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a esses
serviços e seus compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público. Deverá
trazer informações claras e precisas em relação a cada um dos serviços prestados,
apresentando, no mínimo, informações relacionadas a: I - serviços oferecidos; II -
requisitos, documentos, formas e informações necessárias para acessar o serviço; III -
principais etapas para processamento do serviço; IV - previsão do prazo máximo para a
prestação do serviço; V - forma de prestação do serviço; e VI - locais e formas para o
usuário apresentar eventual manifestação sobre a prestação do serviço.

Esta Carta de Serviços ao Usuário deverá detalhar os compromissos e padrões de


qualidade do atendimento relativos, no mínimo, aos seguintes aspectos: I - prioridades de
atendimento; II - previsão de tempo de espera para atendimento; III - mecanismos de
comunicação com os usuários; IV - procedimentos para receber e responder as
manifestações dos usuários; e V - mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acerca
do andamento do serviço solicitado e de eventual manifestação.

Ainda nos termos do art. 7o, a Carta de Serviços ao Usuário será objeto de atualização
periódica e de permanente divulgação mediante publicação em sítio eletrônico do órgão ou
entidade na internet, sendo que regulamento específico de cada Poder e esfera de
Governo disporá sobre a sua operacionalização.

Outrossim, a Lei 13.460/2017 cuidou de estabelecer normas sobre as manifestações dos


usuários de serviços públicos (artigos 9o a 12) e sobre as ouvidorias (artigos 13 a 17).

No que tange à participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na


avaliação dos serviços públicos, o art. 18 previu a instituição de Conselhos de Usuários,
como órgãos consultivos dotados das seguintes atribuições: I - acompanhar a prestação
dos serviços; II - participar na avaliação dos serviços; III - propor melhorias na prestação
dos serviços; IV - contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao
usuário; e V - acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.

A organização e funcionamento dos conselhos de usuários dependerá do que for disposto


em regulamento específico de cada Poder e esfera de Governo (art. 22). A composição
dos conselhos deve observar os critérios de representatividade e pluralidade das partes
interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação, sendo que a escolha dos
representantes será feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário
a ser representado (art.19). A participação do usuário no conselho será considerada
serviço relevante e sem remuneração (art. 21). O conselho de usuários poderá ser
consultado quanto à indicação do ouvidor (art. 20).

Outra inovação trazida pela Lei 13.460/2017 foi a avaliação continuada dos serviços
públicos, a ser implementada pelos órgãos e entidades públicos quanto aos seguintes
aspectos (art. 23): I - satisfação do usuário com o serviço prestado; II - qualidade do
atendimento prestado ao usuário; III - cumprimento dos compromissos e prazos definidos
para a prestação dos serviços; IV - quantidade de manifestações de usuários; e V -
medidas adotadas pela administração pública para melhoria e aperfeiçoamento da
prestação do serviço.

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A avaliação será realizada por pesquisa de satisfação feita, no mínimo, a cada um ano, ou
por qualquer outro meio que garanta significância estatística aos resultados. O resultado
da avaliação deverá ser integralmente publicado no sítio do órgão ou entidade, incluindo
o ranking das entidades com maior incidência de reclamação dos usuários, servindo de
subsídio para reorientar e ajustar os serviços prestados, em especial quanto ao
cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento divulgados
na Carta de Serviços ao Usuário.

Regulamento específico de cada Poder e esfera de Governo disporá sobre a avaliação da


efetividade e dos níveis de satisfação dos usuários (art. 24).

Por fim, saliente-se que a vigência da Lei 13.460/2017 não foi imediata a contar da
publicação em 26 de junho de 2017. Conforme previsto em seu art. 25, a sua entrada em
vigor ficou prevista para: I) trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes (portanto, com vigência a
partir de 21/06/2018); II) quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre cem mil e
quinhentos mil habitantes (portanto, com vigência a partir de 21/12/2018); e III) setecentos
e vinte dias para os Municípios com menos de cem mil habitantes (portanto, com vigência
a partir de 21/06/2019).

1.5) Classificação dos serviços públicos

Reportando-nos às lições de Diógenes Gasparini, os serviços públicos podem ser


classificados sob os seguintes critérios: a entidade a quem foram atribuídos, a
essencialidade, os usuários, a obrigatoriedade da utilização e a execução.23

1.5.1) Quanto à entidade a quem foram atribuídos

Sob esse critério, típico do nosso pacto federalista, tem-se os serviços a) federais; b)
estaduais; c) distritais; d) municipais.

Alguns deles são privativos; outros são comuns.

“A competência para a prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências prevista


na Constituição Federal. Além dos serviços públicos de competência exclusiva, há serviços
concorrentes (por exemplo: assistência médica) e serviços passíveis de delegação”.24

Os serviços públicos federais são aqueles de competência da União, conforme a


Constituição Federal, como, por exemplo, o serviço postal (art. 21, X); os serviços de
telecomunicações (art. 21, XI); radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 21, XII, a);
serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento energético de cursos de água
(art. 21, XII, b); a navegação aérea, aerospacial e infraestrutura portuária (art. 21, XII, c); os
serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território (art. 21, XII, d); os
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (art. 21, XII,
e); os portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21, XII, f); os serviços nucleares de
qualquer natureza (art. 21, XXIII).
23
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
24
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

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Os serviços públicos estaduais decorrem da competência remanescente dos Estados para


instituir modalidades de serviços que não lhes sejam, explicita ou implicitamente, vedados
(CF, art. 25, §1º). Além disso, cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante
concessão, os serviços locais de gás canalizado (art. 25, §2º), bem como, mediante lei
complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,
constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF, art. 25, §3º).

Os serviços públicos municipais são genericamente considerados aqueles de interesse


local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (CF, art. 30, V).

“O „interesse local‟ deve ser considerado como o predominante e não exclusivo, para efeito de
caracterização da competência em cada caso, máxime ao se contar com as constantes alterações
tecnológicas, sempre incidentes na evolução dos serviços públicos, que podem alterar escalas
econômicas e transformar, em pouco tempo, um serviço tipicamente local num serviço que só poderá
vir a ser prestado eficientemente com extensão regional ou, mesmo, nacional”.25

Deve-se observar, contudo, que a partilha constitucional dos serviços públicos não se deu
de uma única forma, porquanto, além das hipóteses acima referidas em que o serviço é
atribuído a uma só esfera da Federação (serviços privativos), a Constituição prevê uma
gama de serviços públicos que podem ser executados por mais de uma entidade federada
(serviços comuns).

Acerca disso, escreve Carvalho Filho:

"A vigente Constituição adotou, dessa feita, o sistema de apontar expressamente alguns serviços
como sendo comuns a todas as pessoas federativas, continuando, porém, a haver algumas atividades
situadas na competência privativa de algumas esferas. Desse modo, parece-nos pertinente registrar
que, quanto a esse aspecto, podemos defrontar-nos com serviços comuns e serviços privativos.
Serviços privativos são aqueles atribuídos a apenas uma das esferas da federação. Como exemplo,
temos a emissão de moeda, serviço postal e polícia marítima e aérea, privativos da União (art. 21,
VII, X e XXII, CF); o serviço de distribuição de gás canalizado, privativo dos Estados (art. 25, §2º,
CF); a arrecadação de tributos municipais e o transporte coletivo intramunicipal, conferidos aos
Municípios (art. 30, III e V, CF). (...) Serviços comuns, ao contrário, são os que podem ser prestados
por pessoas de mais de uma esfera federativa. A Constituição enumerou vários serviços comuns no
art. 23, referindo expressamente a competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Entre eles estão os serviços de saúde pública (inciso II); promoção de programas de construção de
moradias (inciso IX); proteção do meio ambiente e preservação das florestas, fauna e flora (inciso VI
e VII), entre outros. Em relação a tais serviços, dificilmente haverá, em nosso entender, absoluta
coincidência quanto aos aspectos da prestação, dadas as peculiaridades de cada pessoa federativa e os
interesses que protege. Apesar disso, há entendimento em sentido contrário: no caso de coincidência,
prevalecerá a competência da esfera superior por ser excludente"26.

Ressalte-se, ainda, que o art. 241 da Constituição prevê a possibilidade de os entes


federados promoverem a gestão associada de seus serviços públicos, utilizando-se para
tanto de diversos instrumentos.
25
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense.
26
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Existe, ainda, previsão constitucional de que, por lei complementar estadual, sejam
instituídas regiões metropolitanas (CF, art. 25, §3º). A matéria veio a ser regulamentada
pela Lei 13.089/2015, que instituiu o chamado Estatuto da Metrópole, tratando da
governança interfederativa. Retornaremos a esse tema em tópico específico.

1.5.2) Quanto ao objeto

A depender do objeto, os serviços públicos poderão ser: a) administrativos; b)


comerciais e industriais; c) sociais.

“Serviços administrativos „são os que a Administração Pública executa para atender às suas
necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como os da
imprensa oficial, das estações experimentais e outros dessa natureza‟ (...) Serviço público comercial
ou industrial é aquele que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender a
necessidades coletivas de ordem econômica. (...) não se confundem com a atividade econômica que
só pode ser prestada pelo Estado em caráter suplementar da iniciativa privada. (...) Serviço público
social é o que atende a necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que
convivem com a iniciativa privada, tal como ocorre com os serviços de saúde, educação, previdência
social, cultura, meio ambiente; são tratados na Constituição no capítulo da ordem social e objetivam
atender aos direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo artigo 6º da
Constituição”.27

1.5.3) Quanto à essencialidade

Diz-se que os serviços públicos podem ser a) essenciais e b) não essenciais.

A distinção entre uma e outra categoria não é tão nítida, haja vista a própria natureza dos
serviços. Afinal de contas, a princípio a essencialidade parece ser a marca característica
de todo e qualquer serviço público, razão pela qual, inclusive, o Estado tomou para si a sua
titularidade. Vale dizer, se é serviço público, deve-se ao fato de o legislador já o haver
considerado essencial para o bem estar da coletividade.

Não obstante, as distinções apontadas pela doutrina levam em conta o grau de


essencialidade, que, de fato, é bem alto em determinados serviços públicos e não tanto em
outros. Quanto a estes últimos se diz serem não essenciais.

Uma das utilidades desta classificação diz respeito aos parâmetros do direito de greve no
serviço público, tendo em mira o atendimento de necessidades inadiáveis da população,
consoante destaca Diógenes Gasparini:

“São essenciais os assim considerados por lei ou os que pela própria natureza são tidos como de
necessidade pública, e, em princípio, de execução privativa da Administração Pública. São exemplos
os serviços de segurança nacional, de segurança pública e os judiciários. Os Municípios, cremos, não
têm serviços que, pela própria natureza, possam ser considerados de necessidade pública e, como tal,
em tese, de execução exclusiva da Administração municipal, mas têm o serviço de transporte
coletivo, que, nos termos do art. 30, V, da Constituição da República, é de caráter essencial. São não

27
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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essenciais os assim considerados por lei ou os que, pela própria natureza, são havidos de utilidade
pública, cuja execução é facultada aos particulares. Se preferir, são os que não são de execução
privativa da Administração Pública, por exemplo, os serviços funerários. Os essenciais, em princípio,
não podem ser executados por terceiros. O mesmo não ocorre com os não essenciais, cuja execução
não só pode como, em alguns casos, é até permitida e desejada. Essenciais, por fim, diga-se, são os
serviços que não podem faltar. A natureza do serviço os indica e a lei os considera como
indispensáveis à vida e à convivência dos administrados na sociedade, como são os serviços de
segurança externa, de segurança pública e os judiciários. Para fins do exercício do direito de greve,
outros serviços e atividades são considerados essenciais, consoante estabelece o art.10 da Lei federal
n. 7783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as
atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.28

1.5.4) Quanto aos usuários

Tem-se aqui uma das mais importantes classificações. Levando em conta o número de
usuários, os serviços públicos são classificados em a) gerais e b) individuais.

Os serviços públicos gerais, também chamados de uti universi, são indivisíveis, na


medida em que atendem a toda a população de forma indeterminada (ex.: segurança
pública, limpeza de ruas, iluminação pública etc.).

"Os serviços uti universi são prestados à coletividade, mas usufruídos apenas indiretamente pelos
indivíduos. É o caso dos serviços de defesa do país contra o inimigo externo, dos serviços
diplomáticos, dos serviços administrativos prestados internamente pela Administração, dos trabalhos
de pesquisa científica, de iluminação pública, de saneamento”.29

Os serviços públicos individuais, também chamados de uti singuli, são divisíveis, pois
satisfazem usuários determinados que os fruem individualmente (ex.: telefonia, serviço
postal, água, gás canalizado, coleta de lixo residencial etc.).

“Serviços uti singuli são aqueles que têm por finalidade a satisfação individual e direta das
necessidades dos cidadãos. Pelo conceito restrito de serviço público adotado por Celso Antônio
Bandeira de Mello, só esta categoria constitui serviço público: prestação de utilidade ou comodidade
fruível diretamente pela comunidade. Entram nessa categoria determinados serviços comerciais e
industriais do Estado (energia elétrica, luz, gás, transportes) e de serviços sociais (ensino, assistência
e previdência social)"30.

Destaque-se que a coleta de lixo já foi considerada pela doutrina como serviço uti universi.
Porém, esse entendimento mudou no momento em que vieram sendo instituídas, por
diversos municípios, taxas para coleta residencial. Isso fez com que o serviço público
mudasse de configuração, passando a ser considerado uti singuli, posição que prevalece
na jurisprudência (Súmula Vinculante 19 do STF). Portanto, atualmente, considera-se que
o serviço público de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos
provenientes de imóveis são específicos e divisíveis (uti singuli), ao passo que é uti
universi o serviço público de limpeza urbana realizado em benefício da população em

28
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
29
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
30
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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geral e de forma indivisível, envolvendo conservação e limpeza de logradouros e bens


públicos (praças, calçadas, vias, ruas, bueiros).

1.5.5) Quanto à obrigatoriedade da utilização

Sob este critério, classifica-se os serviços públicos em a) compulsórios e b) facultativos.

Tem sido uma classificação muita analisada na seara do Direito Tributário, haja vista as
distintas receitas tributárias (impostos, taxas e contribuições) e não tributárias (tarifas ou
preços públicos) arrecadadas para custear tais serviços, a depender da situação.

Os serviços públicos compulsórios são aqueles impostos por lei e cuja disponibilidade aos
administrados não depende da sua vontade em usufruir ou não do serviço (ex.: coleta de
lixo, saneamento urbano, segurança pública etc.). Já os facultativos são colocados à
disposição dos usuários, que podem ou não optar por utilizar o serviço (ex.: transporte
coletivo, telefonia, energia, serviço postal etc.).

“Compulsórios são os impingidos aos administrados, nas condições estabelecidas em lei, a exemplo
dos serviços de coleta de lixo, de esgoto, de vacinação obrigatória, de internação de doentes
portadores de doenças de caráter infectocontagioso. Facultativos são os colocados à disposição dos
usuários sem lhes impor a utilização, a exemplo do serviço de transporte coletivo. Os compulsórios,
quando remunerados, o são por taxa, enquanto os facultativos o são por tarifa ou preço. O
fornecimento dos compulsórios não pode ser interrompido, mesmo que não ocorra o oportuno
pagamento, enquanto o fornecimento dos serviços facultativos, ante a falta do pagamento
correspondente, pode ser interrompido”.31

Regra geral, diz-se que haverá compulsoriedade nos serviços públicos gerais
(remunerados por tributos) e facultatividade nos serviços públicos singulares (remunerados
por tarifas ou preços públicos). Por isso, classicamente muitos tributaristas fincaram o
entendimento de que “o que caracteriza a remuneração de um serviço público como taxa ou preço
público é a compulsoriedade, para a taxa, e a facultatividade, para o preço” 32. Contudo, já se
apontam exceções a essa regra, sobressaindo divergência doutrinária e jurisprudencial
quanto ao critério distintivo com base no tipo de receita no custeio do serviço, notadamente
porque já se observa o emprego de tarifas mesmo em situações de serviços públicos tidos
como compulsórios, como é o caso do saneamento urbano e da limpeza pública33.

1.5.6) Quanto à forma de execução

Trata-se de classificação que leva em conta um critério utilizado pela Lei de Licitações e
Contratos Administrativos (Lei 8.666/93), cujo art. 6o faz alusão a serviços de: a) execução
direta e de b) execução indireta.

Os serviços públicos são de execução direta quando prestados pelos órgãos e entidades
do Estado, empregando seus próprios meios.

31
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
32
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros.
33
O tema está sendo apreciado pelo STF no RE 847429 RG/SC (rel. Min. Dias Toffoli), com repercussão geral já reconhecida.

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São de execução indireta os serviços públicos prestados por terceiros contratados pelo
Estado, como acontece, por exemplo, com os concessionários.

“São de execução direta os oferecidos pela Administração Pública por seus órgãos e agentes; são de
execução indireta os prestados por terceiros. Assim, se prestados pelo Poder Público, são de
execução direta; se oferecidos por estranhos (concessionários, permissionários) aos administrados,
são de execução indireta. Qualquer serviço, salvo, em tese, os essenciais, pode ser objeto de
execução indireta. Sobre os essenciais ou indisponíveis, assegurou José Cretella Júnior que: „A
declaração do direito, a manutenção da ordem interna, a defesa do Estado contra inimigo externo e a
distribuição de justiça são serviços públicos que a nenhum particular podem ser outorgados‟”.34

1.6) Princípios e diretrizes dos serviços públicos

Os serviços públicos devem ser prestados aos usuários com a observância dos princípios
da regularidade (padrões de quantidade e qualidade), da continuidade (sucessivo e
habitual, sem interrupções), da eficiência (bom resultado prático e satisfação do usuário),
da segurança (sem riscos para os usuários), da atualidade (equipamentos modernos e
conservados, adaptados aos avanços tecnológicos da modernidade), da generalidade
(serviço igual para todos), da cortesia (bom tratamento) e da modicidade (baixo custo,
compatível com o serviço).

Estes requisitos estão enumerados no art. 6º, §1º, da Lei 8.987/95, que trata das
concessões e permissões comuns de serviços públicos. Ao lado disso, como já vimos em
tópico anterior, os princípios do serviço público também foram objeto da recente Lei
13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário do Serviço Público), cujo art. 4o enumera os
princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade,
generalidade, transparência e cortesia, além das diretrizes fixadas no seu art. 5o.

Na doutrina, convém transcrever a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos
princípios do serviço público, que se constituem no aspecto formal do conceito e compõe o
seu regime jurídico:

“1) dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação, seja diretamente, nos casos em que é
prevista a prestação direta, seja indiretamente mediante autorização, concessão ou permissão, nos
casos em que permitida tal modalidade, que, de resto, é a regra geral. Segue-se que, se o Estado
omitir-se, cabe, dependendo da hipótese, ação judicial, para compeli-lo agir ou responsabilidade por
danos que tal omissão haja causado. 2) princípio da supremacia do interesse público, em razão do
que, tanto no concernente à sua organização quanto no relativo ao seu funcionamento, o norte
obrigatório de quaisquer decisões atinentes ao serviço serão as conveniências da coletividade, jamais
os interesses secundários do Estado ou os dos que hajam sido investidos no direito de prestá-los, daí
advindo, consequentemente, o 3) princípio da adaptabilidade, ou seja sua atualização e
modernização, conquanto, como é lógico, dentro das possibilidades econômicas do Poder Público; 4)
princípio da universalidade, por força do qual o serviço é indistintamente aberto à generalidade do
público; 5) princípio da impessoalidade, do que decorre a inadmissibilidade de discriminações entre
os usuários; 6) princípio da continuidade, significando isto a impossibilidade de sua interrupção e o
pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido; 7) princípio da
transparência, impositivo da liberação a mais ampla possível ao público em geral do conhecimento

34
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

18
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de tudo o que concerne ao serviço e à sua prestação, aí estando implicado o 8) princípio da


motivação, isto é, o dever de fundamentar com largueza todas as decisões atinentes ao serviço; 9)
princípio da modicidade das tarifas; deveras, se o Estado atribui tão assinalado relevo à atividade a
que conferiu tal qualificação, por considerá-lo importante para o conjunto de membros do corpo
social, seria rematado dislate que os integrantes desta coletividade a que se destinam devessem, para
desfrutá-lo, pagar importâncias que os onerassem excessivamente e, pior que isto, que os
marginalizassem (...) 10) princípio do controle (interno e externo) sobre as condições de sua
prestação”.35

Observe-se que a gratuidade não é considerada um princípio do serviço público. Significa


dizer que, salvo os casos em que a própria Constituição ou a lei disponha em sentido
contrário, o serviço público divisível poderá ser oneroso para o usuário, mediante a
cobrança de taxas ou tarifas.

"Às vezes o ordenamento determina a gratuidade; por exemplo, a Constituição Federal de 1988
assegurou a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (art. 206, IV); fixou, como
dever do Estado, a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208, I) e determinou a
gratuidade dos transportes coletivos urbanos a maiores de 65 anos (art. 230, §2º)”.36

Contudo, o fato de um serviço público ser oneroso não justifica que por razões
exclusivamente econômicas se dificulte o acesso ao usuário. Por isso, o seu preço deve
ser compatível com a capacidade contributiva dos usuários em geral, daí o requisito da
modicidade das tarifas.

“A essencialidade dos serviços e seu vínculo imediato com direitos fundamentais não acarretam sua
gratuidade. Isso não significa afirmar que a fruição do serviço público dependa de condições
econômicas, mas consiste em reconhecer um princípio geral da capacidade contributiva. Todo
usuário deve contribuir para os serviços, na medida de suas possibilidades, tomando em vista a
intensidade dos benefícios auferidos e da própria riqueza individual. Por isso, os indivíduos carentes
terão acesso aos serviços públicos, mas o custeio das prestações realizadas em proveito deles deverá
ser arcado por outrem. Isso significa a existência de subsídios (provenientes dos cofres públicos ou
da remuneração exigida dos demais usuários). (...) A modicidade tarifária significa a menor tarifa
possível, em vista dos custos necessários à oferta do serviço. A modicidade tarifária pode afetar a
própria decisão quanto à concepção do serviço público. Não terá cabimento conceber um serviço tão
sofisticado que o custo torne inviável aos usuários fruir dos benefícios”.37

1.7) Titularidade e prestação dos serviços públicos

Fixados os parâmetros de identificação dos serviços públicos, cumpre agora examinar


como a Administração Pública se organiza para prestá-los, seja direta ou indiretamente.

O tema já foi abordado no capítulo da organização da Administração Pública. Mas vale à


pena aqui reforçá-lo. O emprego do termo titularidade no presente contexto serve para
identificar qual o ente político (entidade federada) constitucionalmente encarregado de
deliberar sobre a forma de execução do serviço público, de modo que, com tal significação,
somente tem a titularidade de serviços públicos a União, os Estados, o DF e os Municípios.

35
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
36
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
37
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva.

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De fato, “deve-se distinguir, ao tratar da execução de serviços públicos, a titularidade da prestação.


A titularidade é exclusiva do ente político ao qual a Constituição haja cometido, explícita ou
implicitamente, a competência específica. Quanto à prestação, tanto poderá ela caber ao titular,
dizendo-se direta, como pode ser por ele delegada a terceiros, denominando-se indireta”.38

Registre-se que alguns autores entendem que a titularidade poderia ser transferida para
entes meramente administrativos, criados por lei pelo ente político, como é o caso das
autarquias. Pensamos ser equivocada está assertiva, pois entendemos que a titularidade é
reservada à pessoa política que tomou para si a responsabilidade constitucional ou legal
pela efetivação do serviço público, conservando sempre este liame, tanto assim que pode
a qualquer momento extinguir a autarquia e retomar a execução direta da atividade.

Uma vez definido o ente federado ao qual se atribui a titularidade do serviço público, cabe
a este definir a forma mais adequada para a sua prestação. Com isso, os serviços públicos
podem ser prestados ou executados de duas formas: execução centralizada e execução
descentralizada.

Na execução centralizada, como já vimos ao tratar da organização administrativa, o ente


político que detém a titularidade do serviço público responsabiliza-se diretamente pela sua
prestação, por meio de seu próprio aparato de órgãos e agentes.

Já na execução descentralizada, o ente federado titular do serviço transfere a sua


prestação para uma entidade administrativa, seja uma entidade criada pelo próprio Estado
e integrante da Administração Pública Indireta (descentralização administrativa funcional),
seja uma entidade da iniciativa privada à qual se delega o serviço público
(descentralização administrativa por colaboração).

1.8) Formas associadas de gestão de serviços públicos e de governança


interfederativa

O tema tem relação com a chamada gestão associada entre entes federativos
(“cooperação federativa” ou “federalismo de cooperação”), tal como prevista no art. 241
da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional
n.19/98.

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de leis os


consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão
associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”.

José dos Santos Carvalho Filho assim discorre sobre a gestão associada:

“Como o regime adotado em nossa Constituição é o federativo, que se caracteriza pelos círculos
especiais de competência outorgados às entidades federativas, faz-se necessário estabelecer
mecanismos de vinculação entre elas, de modo a que os serviços públicos, sejam eles privativos,
sejam concorrentes, possam ser executados com maior celeridade e eficiência em prol da

38
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense.

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coletividade, em coerência com o princípio reitor de colaboração recíproca, que deve nortear o
moderno federalismo de cooperação. A Constituição, para deixar claro esse intento, previu, ao
instituir a reforma administrativa do Estado (EC 19/98), a gestão associada na prestação de serviços
públicos a ser implementada, através de lei, por convênios de cooperação e consórcios públicos
celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Trata-se, como já tivemos a
oportunidade de examinar, de instrumentos de cooperação de atividades visando a alcançar objetivos
de interesses comuns dos pactuantes. Tanto os convênios de cooperação como os consórcios públicos
tradicionais são espécies do gênero convênios administrativos e retratam idêntico conteúdo
negocial, qual seja, o de associação entre pessoas para interesses de todos, nunca perdendo de vista, é
claro, o interesse público”.39

Tradicionalmente, os principais instrumentos de gestão associada de serviços públicos


eram os convênios e consórcios administrativos firmados há décadas entre órgãos e
entidades estatais em todos os níveis da federação. A Lei 11.107/2005 criou uma nova
figura, que denominou de consórcio público. Essa figura já foi mencionada no capítulo da
organização administrativa e será ainda estudada com mais detalhes no capítulo dos
acordos de vontade da Administração Pública.

Ao lado da gestão associada de serviços público por decisão voluntária dos entes
federados, o art. 25, §3º da Constituição Federal de 1988 prevê ainda a possibilidade de os
Estados-membros instituírem, mediante lei complementar estadual, regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a
execução de funções públicas de interesse comum. Nesse caso, os municípios envolvidos
serão obrigados a submeter-se às regras de interesse regional no tocante a prestação de
alguns serviços públicos.

Com base neste dispositivo constitucional, foi editada a Lei 13.089/2015, que instituiu o
chamado Estatuto da Metrópole. Esta legislação cuidou de estabelecer diretrizes gerais
para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em
regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados.

A nova lei trata, dentre outros aspectos, da governança interfederativa, como sendo o
compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de
organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum (art. 2o,
IV). Dispõe ainda sobre o apoio da União ao desenvolvimento urbano integrado,
estabelecendo que a União apoiará as iniciativas dos Estados e dos Municípios voltadas à
governança interfederativa, observados as diretrizes e os objetivos do plano plurianual, as
metas e as prioridades fixadas pelas leis de diretrizes orçamentárias e o limite das
disponibilidades propiciadas pelas leis orçamentárias anuais (art.13).

No art. 9o, enumerou-se instrumentos que podem vir a ser utilizados no desenvolvimento
urbano integrado de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas, dentre eles: I)
plano de desenvolvimento urbano integrado; II) planos setoriais interfederativos; III) fundos
públicos; IV) operações urbanas consorciadas interfederativas; V) zonas para aplicação
compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades; VI)
consórcios públicos - Lei 11.107/2005; VII) convênios de cooperação; VIII) contratos de

39
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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gestão; IX) compensação por serviços ambientais ou outros serviços prestados pelo
Município à unidade territorial urbana; X) parcerias público-privadas interfederativas.

Analisaremos posteriormente os instrumentos de gestão associada de serviços públicos e


de governança interfederativa, no capítulo dos acordos de vontade da Administração.

Ressalte-se que, antes mesmo do advento da citada Lei 13.089/2015, o tema da


governança interfederativa já vinha sendo debatido, questionando-se a suposta violação à
autonomia dos municípios que se viam obrigados, por lei complementar estadual, a
submeter-se a restrições de interesse regional.

Acerca desse assunto, escreve Carvalho Filho:

"Na verdade, os Estados podem estabelecer restrições relativas ao interesse regional ou prestar
serviços que ultrapassem os limites de um Município. Veda-se-lhes, todavia, que interfiram nos
serviços de interesse local, de que é exemplo o serviço de saneamento básico - serviço da
competência privativa do município. Lei complementar estadual, que institua região metropolitana,
será inconstitucional se conferir ao Estado monopólio na coordenação e organização dos serviços de
interesse local, de evidente interesse dos Municípios. Reclama-se, ao contrário, a presença de
representantes municipais no órgão gestor da região metropolitana"40.

O STF enfrentou a questão, especificamente no que tange a normas de saneamento


básico impostas por lei estadual, entendendo não haver violação à autonomia municipal,
desde quando evidenciado tratar-se de assunto que extrapola o interesse local de cada
municipalidade. Vejamos o teor de trechos do julgado:

"(...) 3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constituição Federal conferiu ênfase à


autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da
CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da
autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade
decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno,
que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. (...) O
interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com
a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios
envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da
participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido
pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min.
Néri da Silveira, DJ 17.12.1999). O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam
a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum
modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços
supramunicipais. (...) O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União,
aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada
obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o
alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação,
tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de
esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de
interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico

40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso
de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do
art. 25, § 3º, da Constituição Federal. Para o adequado atendimento do interesse comum, a
integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por
meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante
o arts. 3º, II, e 24 da Lei Federal 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como
compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as
aglomerações urbanas. A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou
microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e
planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de
higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos
favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a
autonomia municipal"41.

1.9) Formas de delegação de serviços públicos

O tema em epígrafe tem relação com a já aludida descentralização administrativa por


colaboração, que é implementada quando o ente federado titular do serviço público toma a
decisão política de delegá-lo a uma entidade da iniciativa privada que não faz parte da
Administração Pública Direta ou Indireta.

Tradicionalmente as formas de delegação de serviços públicos são a concessão e a


permissão, figuras mencionadas, inclusive, no texto do art. 175 da CF/88. Mas é possível
ainda a delegação por meio de autorização em situações específicas indicadas em outros
dispositivos da Carta Magna. Além disso, foi criada a parceria público-privada, que é uma
modalidade de concessão especial.

Vejamos cada qual destas modalidades de delegação.

1.9.1) Concessão de serviço público

Consoante será examinado no capítulo dos contratos da Administração Pública, a


concessão está relacionada com a delegação de atividades administrativas a particulares,
como forma de aliviar o Estado do desempenho de tarefas que se considere possam ser
prestadas com maior eficiência pelo setor privado, atendidos os requisitos do interesse
público

A razão primordial desta delegação não haverá de ser a de propiciar lucro às empresas
privadas ou de apenas assegurar economia de custos para Estado, mas, sim,
precipuamente a de propiciar a adequada satisfação dos interesses da coletividade
beneficiada pelos serviços e obras públicas objeto da delegação. Este é motivo pelo qual a
Constituição brasileira permite o instituto, em seu artigo 175, caput:

"Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".

41
STF, ADI 1842, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 16/09/2013.

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O regime de concessões predominou num primeiro momento da organização estatal, sob o


modelo liberal (fase do liberalismo clássico). Com o transição para o modelo burocrático
(fase do estatismo ou Estado Social), as concessões tiveram a sua importância reduzida,
eis que o Estado passou a intervir diretamente, por meio de seus entes, em diversos
setores que antes eram delegados ou sequer eram titularizados como serviços públicos.

Com o desenvolvimento do modelo gerencial (fase da democracia), inspirado pelo ideal de


eficiência administrativa, as concessões voltaram a ter destaque no cenário da
Administração Pública, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime sistematizado de
regulação (intervenção estatal indireta por meio de agências reguladoras).

Diogo de Figueiredo enfoca bem este aspecto histórico:

“As concessões tiveram seu momento histórico de preeminência no final do século XIX e no início
do século XX, época em que os capitais à disposição do Governo eram reduzidos e a modalidade era
largamente utilizada para atendimento dos mais importantes e dispendiosos serviços públicos, como
luz, gás, telefone, água, esgotos, transportes urbanos e ferroviários, todos, em regra, interessando o
investimento no País de vultosos capitais externos. Com a hipertrofia econômica do Estado,
experimentada a partir da Primeira Guerra Mundial, e com a mudança de concepção política,
notadamente quanto à obsessiva preocupação com a segurança nacional, típica do período da
chamada Guerra Fria, as concessões foram perdendo sua importância nesses setores tradicionais e os
serviços públicos passaram a ser executados, preferente quando não exclusivamente, por empresas
estatais. Nem por isso o instituto chegou a desaparecer totalmente, sem bem que tivesse remanescido
com expressão bem mais reduzida, quase que concentrada no ramo dos transportes públicos. Mas,
quando já se prenunciava o ocaso da concessão, eis que o término da tensão armamentista e o
esgotamento das possibilidades de capitalização pública, por via tributária, para investimentos, e os
cada vez mais necessários reinvestimentos em serviços públicos determinaram o seu retorno,
renovada e robustecida. Este reaparecimento, que se deu em diversos países, como solução para a
exploração de vários serviços públicos, que, reconhecidamente, poderiam ser entregues, com
vantagem e sem comprometimento de seus princípios regedores, à execução das empresas privadas,
foi o exemplo exitoso para reentronizar o instituto, rapidamente e em escala global. Afinal, passava-
se a reconhecer, depois de um longo período hegemônico do pesado Estado-Providência, que a
iniciativa privada apresenta maior capacidade de imprimir um alto grau de eficiência e economia às
suas atividades, dispensando – e isto é que é mais importante – o Poder Público, de preocupações
secundárias, de modo a liberá-lo para concentrar-se em suas atividades primárias, na solução de
problemas de maior premência e envergadura, como são hoje os da segurança, da educação e da
saúde e, em escala crescente, no desenvolvimento do fomento público”.42

A outorga de serviço público ao concessionário depende sempre de previsão em lei. Não


se admite a concessão de determinado serviço público sem que o legislador ao menos
sinalize essa possibilidade.

Deveras, se a própria criação de órgãos ou entidades estatais depende necessariamente


de lei (CF, art. 48, XI) - e todo órgão e entidade é criado para prestar algum serviço público
- a mesma lógica impõe que quando essa prestação seja transferida à iniciativa privada
haja também autorização legal.

42
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.

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Sendo o serviço público uma atividade titularizada por um dos entes políticos (União,
Estados, DF e Municípios), caberá a estes deliberar, por lei, acerca do seu regime de
execução, seja mediante a criação de um órgão da Administração direta destinado a
prestá-lo (execução centralizada), seja criando uma entidade da Administração indireta
com essa finalidade específica (execução descentralizada funcional) ou, ainda, seja
delegando tal serviço público a uma entidade do setor privado (execução descentralizada
por colaboração). Em qualquer destas três modalidades de gestão de serviços públicos,
faz-se necessário que haja lei dispondo a respeito.

“Não pode o Executivo, por simples decisão sua, entender de transferir a terceiros o exercício de
atividade havida como peculiar ao Estado. É que, se se trata de um serviço próprio dele, quem deve,
em princípio, prestá-lo é a Administração Pública. Para isto existe. (...) Assim, cumpre que a lei
fundamente o ato administrativo da concessão, outorgando ao Executivo competência para adoção
desta técnica de prestação de serviço. Nada impede, todavia, que a lei faculte, genericamente, a
adoção de tal medida em relação a uma série de serviços que indique. A Lei 8987, de 13.2.95, não
menciona a necessidade de lei autorizadora; nem por isto poder-se-ia prescindir de tal exigência”.43

Importante registrar que não é qualquer serviço público que pode ser objeto de
concessão ou permissão.

Primeiramente é preciso lembrar o que já se disse em tópico anterior acerca de serviços


públicos que, por determinação constitucional, somente podem ser prestados por entidade
estatal (administração direta ou indireta) e, portanto, não podem ser delegados à iniciativa
privada. Nas palavras de Celso Antônio, “é necessário que sua prestação não haja sido reservada
exclusivamente ao próprio Poder Público”, assinalando o autor que não houve previsão de
transferência do serviço postal e do correio aéreo nacional (CF/88, art.21, X), ao contrário
do que ocorreu quanto aos serviços de telecomunicações, de radiodifusão, de energia
elétrica e outros citados nos incisos XI e XII da Lei Maior, estes sim passíveis de
concessão.44

Outrossim, ainda quando não haja impedimento constitucional à delegação, veremos ao


tratarmos dos contratos administrativos que os serviços públicos suscetíveis de concessão
ou permissão somente podem ser aqueles de natureza comercial ou industrial que
propiciem a exploração econômica pelos concessionários, em nome próprio e à sua conta
e risco, daí advindo a sua remuneração geralmente por meio de tarifas pagas pelos
usuários.

No capítulo em que trataremos dos contratos da Administração Pública, serão estudados


os parâmetros contratuais das concessões de serviços públicos.

1.9.2) Parceria público-privada (PPP): concessão especial

Dentro do contexto do modelo administrativo gerencial e da descentralização de atividades


estatais feita com a colaboração da iniciativa privada, surgiram recentemente no Brasil
normas jurídicas tratando da parceria público-privada, modalidade de concessão que teve
origem na Inglaterra há cerca de trinta anos.
43
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
44
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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O instituto também foi adotado com sucesso em países como Portugal, Irlanda e Espanha,
consoante aponta José dos Santos Carvalho Filho:

“As parcerias público-privadas têm sido adotadas com sucesso em diversos ordenamentos jurídicos,
como, entre outros, os de Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda, e apresentam como justificativa
dois pontos fundamentais: a falta de disponibilidade de recursos financeiros e a eficiência de gestão
do setor privado. Se semelhante modelo será frutífero ou não, só o tempo dirá – o tempo e também a
forma como irá conduzir-se a Administração na aplicação do instituto. De qualquer modo, apesar de
alguns aspectos confusos na disciplina jurídica, é mais uma das tentativas que ultimamente se têm
apresentado para que o Poder Público obtenha do setor privado parcerias, recursos e formas de
gestão no intuito de executar atividades estatais e prestar serviços públicos, tarefas nas quais o
Estado, sozinho, tem fracassado”.45

O legislador brasileiro conceituou a parceria público-privada como um contrato


administrativo de concessão, que pode ocorrer sob as modalidades de concessão
patrocinada ou de concessão administrativa (Lei 11.079/2004):

"Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade


patrocinada ou administrativa. §1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de
obras públicas de que trata a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente
à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. §2º
Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública
seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de
bens".

Segundo Diógenes Gasparini, “o objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma
de parcerias com o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras seguras e
melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação dos agentes privados
e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na consecução do interesse público que, em termos
de eficiência, com raras exceções, carece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração
Pública deseja aproveitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez
contratada, pois livre de certas peias burocráticas”.46

Nas PPPs na modalidade de concessão patrocinada haverá necessária contraprestação


pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, daí porque costumam ser destinadas a
áreas de atuação estatal em que não seja viável a exploração econômica remunerada por
meio de tarifas pagas pelos usuários. Já na modalidade de concessão administrativa,
haverá altos investimentos feitos pelo parceiro privado e que serão amortizados ao longo
do contrato, mediante pagamentos pelo parceiro público.

Abordaremos melhor o tema quando tratarmos dos contratos administrativos.

1.9.3) Permissão de serviço público

Ao lado das concessões comuns e especiais, o ordenamento brasileiro prevê também a


permissão de serviço público, figura expressamente mencionada no art.175 da CF/88. O
45
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
46
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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objetivo é o mesmo: delegação de serviços públicos. A diferença está apenas no regime


jurídico incidente sobre o objeto da delegação.

Regulamentando o dispositivo constitucional, o art. 40 da Lei 8.987/95 cuidou de tratar da


permissão de serviço público, especificando-a em relação à concessão basicamente em
razão do seu menor prazo de duração, sua precariedade, o pouco grau de investimento e,
com isso, a possibilidade de revogação unilateral pela Administração Pública sem maiores
garantias ao permissionário.

Daí porque Alexandre Santos de Aragão considera que a permissão se revela “apropriada
quando os bens empregados na prestação do serviço público forem de valor diminuto, ou se, ainda
que possuam um valor considerável, tenham uma vida útil curta ou possam ser empregados pelo
particular em outras atividades econômicas que não constituam serviços públicos”.47

Não obstante o conceito doutrinário, o que se tem visto é que o emprego generalizado da
permissão de serviços públicos vem seguindo praticamente os mesmos parâmetros da
concessão. Com efeito, não raro já se encontram, na dinâmica administrativa brasileira,
permissões de serviço público com prazo longo e determinado (o que, a princípio, poderia
dar direito ao permissionário ao cumprimento do prazo pela Administração, obstando a
simples revogação a qualquer tempo), permissões em que são investidos grandes valores
pelo permissionário (o que acaba demandando maior prazo para amortização) e até
mesmo permissões em que são fixadas condições à revogação pela Administração.

Tais permissões acabam se revelando como típicos contratos de concessão, o que levou
Maria Sylvia Di Pietro a advertir que “a forma pela qual foi disciplinada a permissão (se é que se
pode dizer que ela foi disciplinada) pode tornar bastante problemática a utilização do instituto ou,
pelo menos, possibilitar abusos, por ensejar o uso de meios outros de licitação, que não a
concorrência, sob pretexto de precariedade da delegação, em situações em que essa precariedade não
se justifique”.48 Na mesma linha, Alexandre de Aragão fala que “independentemente da
nomenclatura adotada, se houver bens reversíveis a delegação não será uma permissão, mas sim
materialmente uma concessão”.49

Retornaremos ao tema quando tratarmos dos contratos administrativos.

Por fim, ressalve-se que, no tocante às permissões de uso de bem público, inexiste
controvérsia de que são atos unilaterais e precários, e assim continuam sendo tratados
pela doutrina, conforme já vimos quando estudamos o tema da outorga de uso exclusivo
de bens do domínio público.

1.9.4) Autorização de serviço público

Do que foi dito acima, segundo alguns doutrinadores, as características de ato unilateral e
precário, que tradicionalmente sempre foram atribuídas às permissões, servem melhor às
autorizações de serviço público, figuras semelhantes às autorizações discricionárias
inerentes ao poder de polícia administrativo.

47
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.
48
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
49
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.

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Ocorre que o legislador constituinte, ao tratar da delegação de serviços públicos na regra


geral do art.175, somente fez referência às concessões e permissões. A menção a
autorizações somente se deu em alguns dispositivos que tratam especificamente de certos
serviços públicos, a exemplo do art. 21, incisos XI (telecomunicações) e XII (radiodifusão,
energia elétrica, navegação aérea, transporte coletivo). Também aparece em dispositivos
infraconstitucionais, a exemplo do art. 7º da Lei 9.074/95.

Conciliando estes dispositivos constitucionais, Celso Antônio os interpreta considerando


que a regra geral do art.175 há de ser aplicada à normalidade da prestação de serviços
públicos, ao passo que a autorização tratada nos incisos XI e XII do art. 21 diz respeito a
duas espécies de situações:

“a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de telecomunicação, como o
de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de fibras óticas, mas não propriamente
serviço público, mas serviço de interesse privado delas próprias. Aí, então, a palavra „autorização‟
foi usada no sentido corrente em Direito Administrativo para exprimir o ato de „polícia
administrativa‟, que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depende de
manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não haverá gravames ao
interesse público; b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço
público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos
convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão”.50

Vê-se que esta segunda hipótese mencionada pelo autor é, na verdade, a única que ele
considera referente a serviço público, já que na primeira, como deixou claro, não são
propriamente serviços públicos, mas sim serviços privados apenas materialmente
semelhantes àqueles serviços públicos também tratados no art.21, XI e XII, porque não
são desempenhados no interesse da coletividade.

Logo, seu pensamento coincide com o de Hely Lopes Meirelles quando este se reporta aos
serviços públicos autorizados tão-somente “para atender interesses coletivos instáveis ou
emergência transitória”.51

Alexandre Santos de Aragão segue opinião semelhante, porém inova ao considerar a


existência de uma espécie de autorização contratual, isto é, uma “autorização” apenas no
nome, porque na verdade se trata substancialmente de concessão ou permissão:

“Quando leis que regulam setores de serviços públicos se referem à autorização administrativa pode
haver duas circunstâncias: ou a atividade em questão integra o setor, mas não é serviço público (ex.:
serviços de telefonia móvel, autogeração de energia), e a autorização será então um ato do poder de
polícia; ou, caso verse realmente sobre serviço público, recebendo inclusive uma estrutura contratual
em razão da titularidade estatal da atividade, estaremos materialmente diante não de uma
autorização, mas sim de uma delegação de serviço público (concessão caso haja bens reversíveis, e,
caso não os haja, em princípio permissão). Teremos, portanto, uma autorização em sentido apenas
nominal; teremos uma „autorização‟ contratual”.52

50
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
51
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
52
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.

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Apesar de entender que a autorização é um instituto próprio para as atividades privadas,


Marçal Justen Filho também reconhece haver “autorização de serviços públicos” em
hipóteses excepcionais, respaldando-se nas lições de Lúcia Valle Figueiredo e Carmen
Lúcia Antunes Rocha:

“Há hipótese excepcional em que a autorização pode ser aplicada a propósito de serviço público. A
situação é apontada por Lúcia Valle Figueiredo, nos casos de serviços públicos „emergenciais‟, „não
constantes‟, e cita como exemplo „a autorização que vier a ser dada para, durante greves, empresas
de turismo prestarem serviços de transporte à população‟, demonstrando que a autorização requer um
acontecimento relevante, „sem natureza constante, cuja necessidade absolutamente aleatória ou
passageira‟. Carmen Lúcia Antunes Rocha adota entendimento similar, fundando-se no Decreto n.
952/93, que prevê a autorização como instrumento de delegação ocasional, com prazo limitado e,
usualmente, curto, para prestação de serviços em situação de emergência ou especialidade”.53

Outros autores, porém, recusam veementemente a existência da autorização de serviço


público, reservando a figura da autorização apenas para o campo do poder de polícia. Para
estes, a delegação de serviço público somente pode ser feita por concessão ou por
permissão. Assim pensa José dos Santos Carvalho Filho:

“A conclusão, desse modo, é a de considerar inaceitável a noção dos denominados serviços públicos
autorizados. A atividade, quando for autorizada, há de refletir interesse exclusivo ou predominante
de seu titular, ou seja, haverá na atividade autorizada interesse meramente privado, ainda que traga
alguma comodidade a um grupo de pessoas. Na prática, existem certas atividades que encerram
alguma dúvida sobre se devem ser consideradas serviços de utilidade pública ou atividades de mero
interesse privado, dada a dificuldade em se apontar a linha demarcatória entre ambos. Há mesmo
atividades que nascem como de interesse privado e, ao desenvolver-se, passam a caracterizar-se
como serviços públicos. A atividade de transporte de passageiros, por exemplo, às vezes suscita
dúvida, e isso porque há serviços públicos e serviços privados de transporte de pessoas. É o caso das
vans que conduzem moradores para residências situadas em local de mais difícil acesso em morros.
Ou ainda o serviço de táxis. Trata-se, em nosso entender, de atividades privadas e, por isso mesmo,
suscetíveis de autorização. E, sendo autorização, não será realmente para nenhum serviço público, já
que este se configura com objeto de permissão”.54

1.10) Distinção entre delegação de serviço público e terceirização administrativa

Conforme também será estudado ao tratarmos dos contratos administrativos, a


Administração Pública costuma recorrer a terceiros para executar tarefas necessárias ao
funcionamento da máquina administrativa. Figuram aí os mais diversos contratos visando a
“execução indireta” de tarefas administrativas, o que genericamente recebe o nome de
"terceirização".

Contudo, é preciso advertir que o vocábulo não deve ser aplicado às modalidades de
delegação de serviços públicos aqui estudadas (concessão, permissão e autorização).

A rigor, terceirização de serviços não se confunde com delegação de serviços públicos.

53
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviço público. São Paulo: Dialética.
54
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Apesar de não se tratar de tema uniformemente colocado pela doutrina (sobretudo no atual
contexto do modelo gerencial de administração pública em que uma série novas figuras
foram criadas sob diversos regimes jurídicos), convém por alguma ordem na abordagem
dessas situações em que o particular atua no desempenho de atividades administrativas.

Tornou-se muito comum que o Estado transfira para a iniciativa privada a execução de
certas atividades que lhe são afetas, mas nem toda transferência há de ser considerada
uma terceirização.

O entendimento que tem prevalecido é o de que na típica terceirização ocorre a


transferência de atividade-meio, ou seja, a Administração Pública transfere tão somente
uma parcela da atividade, mantendo, todavia, sob seu nome, o desempenho do serviço
quando visto em sua totalidade. Vale dizer, na terceirização quem está atuando é o Poder
Público (atividade-fim), que apenas conta com o auxílio de um particular que lhe presta o
serviço (atividade-meio).

Já nas hipóteses de delegação de serviço público, conforme visto, a transferência do


serviço é quase que total e não apenas de mera atividade-meio, daí porque o particular
contratado atua em nome próprio e por sua conta e risco.

Em outras palavras, na delegação há a transferência de toda a gestão de um serviço


público e não apenas da execução material de certas tarefas de apoio a ele relacionadas.
E isso tem implicações em diversos aspectos jurídicos, sobretudo em tema de
responsabilidade por danos causados em decorrência dos serviços.

Nessa linha de entendimento, Alexandre Santos de Aragão assinala que a delegação de


serviços públicos não pode ser confundida “com a mera terceirização de atividades pela
Administração Pública, que constitui apenas uma forma de gestão, ainda centralizada, da atividade
pública, ou seja, é ainda uma gestão pelo próprio Estado, através de meios materiais e humanos de
terceiros”, enfatizando que “a distinção não é meramente teórica. A responsabilidade objetiva do
Estado, prevista no art. 37, §6º, CF, por exemplo, se estende apenas às delegatárias de serviços
públicos”.55

Da mesma forma, Antônio Carlos Cintra do Amaral aponta que “na concessão há duas
relações jurídico-contratuais, uma entre o poder concedente e a concessionária e outra entre esta e o
usuário, que paga à concessionária, em contrapartida pelo serviço público a ele prestado, uma tarifa
(preço público). Na terceirização há uma relação jurídico-contratual (de prestação de serviços) entre
o Poder Público e a contratada, que recebe do contratante (e não do usuário), em contrapartida pelos
serviços prestados, um preço privado”.56

Celso Antônio Bandeira de Mello também cuida de explicar esta diferença:

“Nos simples contratos de prestação de serviço o prestador do serviço é simples executor material
para o Poder Público contratante. Daí que não lhe são transferidos poderes públicos. Persiste sempre
o Poder Público como o sujeito diretamente relacionado com os usuários e, de conseguinte, como
responsável direto pelos serviços. O usuário não entretém relação jurídica alguma com o contratado-
executor material, mas com a entidade pública à qual o serviço está afeto. Por isto, quem cobra pelo
55
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.
56
AMARAL, Antônio Carlos Cintra. Concessão de serviço público. São Paulo: Malheiros.

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serviço prestado – e o faz para si próprio – é o Poder Público. O contratado não é remunerado por
tarifas, mas pelo valor avençado com o contratante governamental. Em suma: o serviço continua a
ser prestado diretamente pela entidade pública a que está afeto, a qual apenas se serve de um agente
material. Já, na concessão, tal como se passa igualmente na permissão – e em contraste com o que
ocorre nos meros contratos administrativos de prestação de serviços, ainda que públicos –, o
concedente se retira do encargo de prestar diretamente o serviço e transfere para o concessionário a
qualidade, o título jurídico, de prestador do serviço ao usuário, isto é, o de pessoa interposta entre o
Poder Público e a coletividade”.57

A título de exemplo, Maria Sylvia Di Pietro cita a distinção entre o contrato de empreitada
de serviço (modalidade de terceirização) e a concessão de serviço público:

“Algumas distinções merecem ser realçadas entre os contratos de empreitada de serviço e a


concessão de serviço público. O contrato de empreitada tem por objeto a execução de uma atividade
material (limpeza, vigilância, projeto, parecer etc.) dentre as elencadas nos artigos 6º, II, 13, da Lei
8666/93, sem transferir a gestão do serviço público; a concessão de serviço público, como o próprio
nome indica, tem por objeto a execução de um serviço público em sua integralidade, como todo o
complexo de atividades materiais a ele inerente, como ocorre com o serviço de energia elétrica,
telecomunicações, navegação aérea etc. Na empreitada, a remuneração é paga pelo poder público,
enquanto na concessão a remuneração é paga pelo usuário ou outras fontes de receita decorrentes da
exploração do serviço. Essa distinção poderá ser abrandada ou até desaparecer em algumas formas de
concessão outorgadas sob a forma de parceria público-privada, em que a remuneração pode decorrer
de dotações orçamentárias, títulos da dívida pública, cessão de direitos oponíveis ao poder público,
transferência de bens públicos. Outra diferença diz respeito à responsabilidade perante terceiros:
enquanto na empreitada a responsabilidade é objetiva do Estado, porque ele é o gestor, exercendo a
atividade por meio da chamada execução indireta prevista nos artigos 6º, VIII, e 10, II, da Lei
8666/93, na concessão de serviço público, a responsabilidade objetiva é da concessionária, consoante
decorre do art.37, §6º, da Constituição, respondendo o Estado apenas subsidiariamente ou
solidariamente, neste último caso se houver má escolha da concessionária ou omissão do poder de
fiscalização sobre o serviço concedido. A empreitada produz efeitos bilaterais entre poder público e
empreiteira, enquanto a concessão produz efeitos trilaterais, porque alcança o usuário do serviço
público, que, embora não sendo parte no contrato, assume direitos e obrigações, conforme artigos 7º
e 7ºA, da Lei 8.987/95. Finalmente, o empreiteiro atua como particular, sem qualquer prerrogativa
pública, enquanto o concessionário recebe prerrogativas próprias do poder público (como a de
instituir servidão, promover desapropriação, fazer subconcessão) e sujeita-se a algumas restrições
também próprias do poder concedente, como a submissão aos princípios inerentes à prestação de
serviços públicos (mutabilidade, continuidade, universalidade, igualdade entre usuários etc.) e
inserção de alguns de seus bens na categoria de bens extra commercium, por estarem vinculados à
prestação de serviço público”.58

Na verdade, já ressaltamos, o tema da delegação de serviços públicos não tem sido


abordado de modo uniforme pela doutrina. Contradições reinam nesta seara, inclusive
entre renomados juristas. O que alguns consideram delegação de serviço público, outros
entendem se tratar de mero contrato de prestação de serviços, tratando-os como
terceirização.

57
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
58
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

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Ademais, alguns autores incluem, na aludida categoria de delegação de serviços, institutos


que, para outros, não se referem a serviços públicos, mas sim a serviços privados de
utilidade pública, o que é juridicamente diferente. Tudo isso tem levado parte da doutrina a
falar até mesmo numa “crise” no conceito tradicional de serviço público.

E a crise conceitual se agrava ainda mais quando, como também será adiante estudado, o
Decreto 9.507/2018 passou a admitir, no âmbito do Executivo federal (Administração
Direta, autárquica e fundacional da União), a ampla terceirização de atividades na
Administração Pública, de modo que o tradicional critério de distinção baseado na
dicotomia atividade-meio / atividade-fim não se mostra mais totalmente seguro. Vale dizer:
a transferência de atividades-fim da Administração Pública para pessoas privadas pode
ocorrer tanto por delegação quanto por terceirização, ainda que neste último caso haja
certas vedações previstas na referida legislação.

Nos termos do art. 3º do Decreto federal 9.507/2018, não serão objeto de execução
indireta (terceirização) na administração pública federal direta, autárquica e fundacional,
os serviços: I) que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas
áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; II) que sejam considerados
estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o
controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; III) que estejam relacionados
ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de
sanção; e IV) que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de
cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar
de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal

Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios poderão ser terceirizados, vedada


contudo a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou
a tomada de decisão para o contratado. Ademais, o aludido decreto não admite que
sejam terceirizados serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e
consentimento relacionados ao exercício do poder de polícia.

1.11) Divergências sobre outras espécies de delegação de serviços públicos

No atual contexto do modelo gerencial de administração pública, o Estado passou a contar


com a colaboração da iniciativa privada em uma série de atividades das quais, antes, só
ele cuidava diretamente por meio de seus órgãos ou entes da Administração Indireta.

Algumas destas atividades, com destaque para os serviços públicos comerciais e


industriais, foram delegadas para a iniciativa privada por meio de concessões ou
permissões, como reza o art. 175 da CF/88, tal como ocorreu com os serviços de telefonia
e energia elétrica.

Ocorre que, ao lado das tradicionais concessões e permissões – típicas figuras de


delegação de serviços públicos – foram surgindo, no Direito Administrativo, outros institutos
por meio dos quais se buscou a atuação da iniciativa privada em atividades ligadas à
Administração Pública, sobretudo na área social. São exemplos destas novas figuras:
credenciamentos, convênios, arrendamentos, franquias, gerência privada de
estabelecimentos públicos, contratos de gestão, termos de parceria etc.

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Com isso, foram crescendo as divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica desta
transferência, isto é, se tal envolvia delegação de serviços públicos ou simples
terceirização de atividade material de suporte à atuação estatal, ou, ainda, mero
desempenho de atividade privada de interesse público.

Para os que defendem um conceito mais restrito de delegação serviço público, o principal
argumento é o de que o art. 175 da Constituição Federal apenas previu duas formas de
delegação, quais sejam a concessão e a permissão de serviços públicos. Logo, qualquer
outra modalidade criada por lei, fora destes moldes constitucionais, não seria propriamente
delegação de serviço público.

Assim parece pensar Marçal Justen Filho ao salientar que “os serviços públicos ou são
prestáveis diretamente pela pessoa política ou podem ser transferidos aos particulares por via de
concessão ou permissão”59. Argumenta, assim, que a franquia comercial, tal como prevista
na Lei 8.955/94, não pode ser utilizada para delegação de serviços públicos a particulares,
a não ser que se entenda tratar-se substancialmente de uma concessão ou permissão
submetida a regime administrativo especial:

“A franquia é contrato de direito privado, apto a instrumentalizar relações jurídicas entre particulares,
cujo objeto não envolva serviços submetidos ao regime de direito público. É que o franqueador não
dispõe da faculdade de interferir sobre a órbita interna do franqueado, sendo impossível a adoção das
chamadas cláusulas exorbitantes, características da permissão e da concessão. Franquia de serviço
público é uma contradição em termos. Somente existiria franquia se não houvesse serviço público.
Em havendo, seria descabido promover sua franquia. A denominação formal do contrato, como já
afirmado, é irrelevante. Pode produzir-se uma concessão ou permissão de serviço público,
atribuindo-lhe a denominação de franquia, sem que isso afete sua real natureza jurídica. Aplicar-se-
ia, então, o regime próprio dos serviços públicos e das concessões e permissões”.60

Por isso, entende o referido autor, o contrato de franquia, hoje amplamente utilizado nas
agências dos Correios, não seria propriamente a franquia comercial típica do Direito
Privado, mas, sim, um contrato administrativo impropriamente denominado de “franquia”,
mas com natureza jurídica de concessão de serviço público:

“A entrega da correspondência num posto de correios (franqueado ou não) envolve a imediata


submissão da atividade a um regime jurídico de direito público. Perante o usuário, é irrelevante a
existência de uma franquia, na exata medida em que o Estado responde por todo e qualquer evento
ocorrido com a correspondência postada na agência franqueada. Uma agência de correios não é algo
equivalente a uma lanchonete integrante de uma franquia. A franquia de agência de correios
subordina-se a regime jurídico de uma concessão de serviço público, no sentido de que as atividades
delegadas ao particular permanecem subordinadas ao regime próprio. Não há fragmentação do
serviço público. Mais ainda, não se subordina uma parcela das atividades ao regime jurídico próprio
das atividades econômicas em sentido restrito. Em síntese, a franquia é uma denominação incorreta e
inadequada para qualificar o vínculo jurídico de direito público existente”.61

O Tribunal de Contas da União, apesar de inicialmente acatar o entendimento de que a


franquia não seria modalidade de delegação de serviços públicos, modificou o

59
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviço público. São Paulo: Dialética.
60
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviço público. São Paulo: Dialética.
61
JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviço público. São Paulo: Dialética.

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posicionamento majoritário, passando a identificá-la como uma forma especial de


concessão de serviço público. Sobre o tema, comenta Dinorá Grotti:

“A ECT, em função da alta demanda de usuários, socorreu-se da franquia, possibilitando o


surgimento de inúmeros postos de atendimento com imóveis, móveis e pessoal inteiramente
custeados pela empresa privada franqueada, que ainda paga uma contrapartida ao franqueador. Dessa
forma, ocorre o repasse da execução dos serviços às empresas particulares. Marcos Juruena Villela
Souto diz que „o contrato de franquia submete-se, predominantemente, à legislação de direito
privado, não sendo um contrato de concessão de marca pública, pelo qual o particular remunera-se
pela exploração do negócio. Não se trata nem de concessão de serviço público nem de concessão de
marca pública, eis que o serviço continua a ser explorado pela entidade da Administração, que se
vale da infraestrutura e do pessoal da iniciativa privada para ampliar postos de atendimento; é o caso
de lojas de vendas de selos, cartões telefônicos, passagens de trem ou bonde. Nessa linha de
entendimento também se manifestou o Tribunal de Contas da União, reconhecendo que os contratos
de franquia celebrados com a ECT são de natureza estritamente comercial, rejeitando expressamente
a tese de que tais ajustes constituem verdadeira concessão (ou subconcessão) de serviço público.
Reafirma tratar-se de contrato de „franquia empresarial, regido pelas normas de direito privado‟. (...)
Em sentido contrário, o mesmo Tribunal de Contas da União, no relatório de tomada de contas
especial, publicado na Revista TCU 68, „designou o contrato de franquia como modalidade sui
generis de desestatização e meio de afastamento do Estado da execução direta dos serviços públicos‟
e, além disso, confirmou que se trata de forma especial de concessão de serviço público‟. Tal
contrato, identificado como uma forma especial de concessão de serviço público, corresponde, na
verdade, a uma prestação suplementar de serviço”.62

Em sentido contrário, Celso Antônio adverte que o serviço postal seria uma atividade
indelegável a particulares, ou seja, não poderia ser delegado sequer por concessão ou
permissão, por falta de específica previsão constitucional, conforme já apontado em tópico
anterior.

Alexandre Aragão considera que a Administração Pública pode utilizar a franquia tanto na
sua feição privada prevista na Lei 8.955/94 (quando envolver apenas atividades materiais
acessórias ao serviço), quanto para delegar serviços públicos, mas neste último caso a
franquia estará sujeita a um influxo maior de normas de Direito Público e, portanto, “se
aproximará da concessão ou da permissão de serviço público, inclusive com a eventual
reversibilidade dos bens utilizados na prestação do serviço”.63

Em suma, se a Administração Pública utilizar a franquia para terceirizar certas medidas


materiais acessórias, valer-se-á da modalidade contratual predominantemente privada
(contrato de serviço), submetida a alguns aspectos do regime público nos moldes do
art.62, §3º, da Lei 8.666/93. Já se se tratar de franquia voltada para a própria prestação do
serviço público, será uma modalidade especial de concessão, como tal submetida às
regras da Lei 8.987/95.

Registre-se que, com o advento da Lei 11.668/2008, a legislação passou a prever


expressamente a possibilidade de a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT
utilizar o instituto da franquia para o desempenho de atividades auxiliares relativas ao
serviço postal (franquia postal).
62
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
63
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.

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Para Maria Sylvia Di Pietro a utilização da franquia como uma forma de concessão de
serviço público, “não traz prejuízo para a Administração Pública, mesmo porque nela as exigências
para o franqueado (ou concessionário) são maiores do que na própria concessão em sua forma
tradicional, uma vez que este último é obrigado a atuar segundo técnicas de organização e trabalho
próprias do concedente, o que não ocorre na concessão”.64

A figura do credenciamento, por sua vez, há muito já é prevista na legislação brasileira


como forma de terceirização de atividades materiais de apoio ao exercício do poder de
polícia administrativo, como explica Dinorá Grotti:

“O credenciamento configura uma modalidade de transferência, a particulares, da prerrogativa de


executar trabalhos inerentes ao Poder Público. Consiste na execução de trabalhos técnicos,
necessários e preliminares ao exercício da polícia administrativa, mas que com esta não se confunde,
nem, tampouco, com a delegação de serviço público. No caso das vistorias e inspeções de segurança
veicular, disciplinadas pela legislação do trânsito, atribui-se a particulares a realização das atividades
técnicas, instrumentais, de mera verificação, com base nas quais a entidade pública emitirá a
declaração de conformidade (habilitando ao exercício de um direito) ou aplicará alguma sanção, no
caso de desconformidade”.65

Também se tem utilizado o credenciamento para a aquisição de bens ou serviços junto à


iniciativa privada sem que haja necessidade de licitação (hipótese de inexigibilidade
construída pela doutrina), credenciando-se de modo isonômico todos aqueles que queiram
contratar com a Administração.

Vejamos o comentário de Joel de Menezes, citado por Alexandre de Aragão:

“Hipótese de inexigibilidade de licitação pública, que é cada vez mais frequente, relaciona-se ao
denominado credenciamento, porquanto todos os interessados em contratar com a Administração
Pública são efetivamente contratados, sem que haja relação de exclusão. Como todos os interessados
são contratados, não há que se competir por nada, forçando-se a reconhecer, por dedução, a
inviabilidade de competição e a inexigibilidade de licitação pública”.66

Nesses casos, como aponta Alexandre Aragão, o objeto do credenciamento “não é a


prestação de serviço público, mas sim, respectivamente, a aquisição de bem/serviço para a
Administração ou o exercício do seu poder de polícia”.67 Logo, apesar das divergências,
predomina na doutrina o entendimento de que o credenciamento não é propriamente
modalidade de delegação de serviços públicos.

Cita-se, ainda, como modalidades específicas de delegação de serviços públicos, as


figuras previstas na Lei 12.815/2013 (nova Lei dos Portos), que regula a exploração pela
União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias e as atividades
desempenhadas pelos operadores portuários.

64
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.
65
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
66
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.
67
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.

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A referida lei prevê que a exploração indireta do porto organizado e das instalações
portuárias nele localizadas ocorrerá não apenas sob a forma tradicional de concessão,
mas, também, mediante arrendamento de bem público, por cessão onerosa de área e
infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo
determinado.

Além disso, a exploração indireta das instalações portuárias localizadas fora da área do
porto organizado poderá ser dar mediante autorização, com a outorga de direito à
exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado e
formalizada mediante contrato de adesão. A nova Lei dos Portos admite também a
delegação do serviço portuário a entes federados, por transferência, mediante convênio,
da administração e da exploração do porto organizado para Municípios ou Estados, ou a
consórcio público.

O serviço portuário, a teor do art. 22, XII, c e f, da CF/88, é serviço público titularizado pela
União. Daí porque, no entender de Alexandre Aragão, “o arrendamento passou, no setor de
serviços portuários, a ter acepção de delegação de serviço público”. 68 Seria mais uma espécie de
concessão sui generis de serviço público. Dinorá Grossi assim também pensa a respeito
do tema:

“O exame das disposições constantes da nova legislação portuária demonstra que o arrendamento ali
disciplinado – perquirindo-se a sua verdadeira essência, independentemente da nomenclatura que se
lhe venha a atribuir – corresponde a uma forma contratual administrativa, mista, híbrida, que
conjuga, em sua estrutura, a um só tempo, as naturezas jurídicas de concessão remunerada de uso de
bem público; de concessão de serviço público, pertinente às operações portuárias; de concessão de
obra pública (esta última denominada pela Lei 8.987/95, de concessão de serviço precedida da
construção de obra pública) e, em parte de delegação de exercício de poder de polícia”.69

Outra figura que alimenta polêmicas é a do convênio firmado entre entes públicos e
particulares.

No caso do convênio firmado entre entes públicos, já foram abordados anteriormente como
instrumento de gestão associada de serviço público, como reza o art.241 da CF/88.
Quanto a estes não se tem dúvidas de que o seu objeto são efetivamente serviços
públicos.

O convênio ora tratado não diz respeito a gestão associada entre entes públicos
igualmente competentes, mas, sim, entre um ente público e um ente particular que com ele
queira colaborar. Neste caso, surgem divergências doutrinárias sobre a natureza do ajuste,
mais especificamente se há ou não delegação de serviço público à iniciativa privada.

Maria Sylvia Di Pietro assevera que, ao contrário do que acontece com o convênio de
gestão associada entre entes públicos, no convênio entre entes públicos e particulares não
há delegação de serviço público, mas sim um mero incentivo que o Estado dá à iniciativa
privada para que esta preste serviços privados que sejam do interesse da coletividade
(fomento público):

68
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.
69
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.

36
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“Quanto ao convênio entre entidades públicas e particulares, ele não é possível como forma de
delegação de serviços públicos, mas como modalidade de fomento. É normalmente utilizado quando
o Poder Público quer incentivar a iniciativa privada de interesse público. Ao invés de o Estado
desempenhar, ele mesmo, determinada atividade, opta por incentivar ou auxiliar o particular que
queira fazê-lo, por meio de auxílios financeiros ou subvenções, financiamentos, favores fiscais etc. A
forma usual de concretizar esse incentivo é o convênio. O convênio não se presta à delegação de
serviço público ao particular, porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do ajuste;
na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a possui; no
convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências comuns e vão prestar mútua
colaboração para atingir seus objetivos”.70

Quando tratarmos do fomento público em tópico posterior deste estudo, falaremos da


distinção doutrinariamente entre os serviços públicos e os serviços privados de interesse
público (que alguns chamam de serviços públicos impróprios).

Admitindo a participação inclusive de entes da iniciativa privada, esta concepção de


convênio é bem mais ampla do que aquela tratada no art. 241 da Carta Magna, que
apenas mencionou o convênio de cooperação entre entes federados (União, Estados, DF e
Municípios).

Ocorre que o art.199, §1º, da CF/88 também mencionou os convênios como uma das
formas de gestão associada na participação de instituições privadas, de forma
complementar, no sistema único de saúde (SUS). Nesse caso, a questão de haver ou não
delegação de serviço público não parece tão fácil de discernir.

Consoante já estudado, a saúde é um serviço público social não exclusivo do Estado,


porquanto atividades nesta área são liberadas à iniciativa privada (art.199, caput). Significa
dizer que se for prestado pelo Estado será serviço público (saúde pública), mas se for
prestado pela iniciativa privada será atividade econômica em sentido estrito, voltada para
obtenção de lucro pelo particular.

Mas mesmo na área da saúde pública (serviço público, portanto), a Constituição permite
que as instituições privadas possam participar de forma complementar do sistema único de
saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo
preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (CF, art.199, §1º,
regulamentado pela Lei 8.080/90). E no art.198, a Carta define o SUS com uma rede
regionalizada e hierarquizada que integra as ações e serviços públicos de saúde.

Significa dizer que, segundo nos parece, entidades privadas poderão atuar na área da
saúde não apenas desenvolvendo atividades econômicas, mas, também, desempenhando
serviço público delegado pelo Estado. É o que acontece com as clínicas particulares
conveniadas do SUS, que atendem a população, recebendo do Estado o pagamento pelos
serviços prestados.

Muitos doutrinadores entendem haver aí uma mera terceirização de serviços, já que a


atividade não é remunerada diretamente pelos usuários. De fato, este argumento é
consistente. Porém, o que dizer da natureza da atividade prestada pelo médico particular
70
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

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que atende a população numa unidade conveniada do SUS? Pode-se dizer que haveria aí
uma mera atividade material acessória ao serviço (atividade-meio)? Entendemos que não.

No mesmo diapasão, Floriano de Azevedo Marques Neto defende que “não seria de todo
despropositado sustentar que nesta seara estamos diante da delegação de serviço público não
exclusivo, tendo a Constituição previsto para os serviços de saúde instrumentos de delegação
específicos (convênios ou contratos de direito público) distintos daqueles instrumentos gerais
referidos no seu art.175 (concessão ou permissão)”.71

O tema, como reiteradamente temos dito aqui, é muito controverso, tanto na doutrina
quanto na jurisprudência, reflexo de um momento por que passa o Direito Administrativo
brasileiro em que muitos conceitos clássicos, apesar de perdurarem na dogmática jurídica,
estão sofrendo constante mudança de paradigmas (daí porque alguns entendem haver
uma “crise” no conceito de serviço público). Cabe ao estudioso do Direito Administrativo
refletir sobre o assunto.

1.12) Aplicação do CDC aos usuários de serviços públicos

Questão de grande interesse para a proteção dos usuários dos serviços públicos diz
respeito à aplicabilidade das normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)
nesta seara.

A Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95), ao enumerar os direitos e obrigações dos
usuários de serviços públicos em seu art. 7º, deixou claro que tal se dava “sem prejuízo do
disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990”. O mesmo ficou estabelecido com a
edição da recente Lei 13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário do Serviço Público), que
também fez alusão ao CDC nos casos em que a prestação do serviço público caracterizar
relação de consumo.

Não bastasse isso, o próprio CDC, em seu art.6º, X, contemplou, com direito básico do
consumidor, “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.

Contudo, a questão não é tão simples de ser examinada, pois, assinala Dinorá Grotti,
impõe-se “verificar em que medida, extensão e profundidade os serviços públicos encontram-se sob
a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, deve-se analisar quais as espécies de
serviços públicos que se submetem à lei consumerista e quais normas desse diploma legal se aplicam
a esses serviços”.72

Dinorá Grotti demonstra que os doutrinadores divergem quanto ao alcance desta proteção.

Uns defendem uma ampla aplicação do CDC a qualquer espécie de serviço público:

“Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, que foi um dos membros da comissão que elaborou o
anteprojeto da lei em questão, entende que „qualquer serviço público – seja público stricto sensu ou
de utilidade pública, seja uti universi ou uti singuli – deve ser prestado de forma adequada, eficiente
e segura. Em outras palavras: os serviços públicos simplesmente não podem portar vícios de
qualidade (insegurança e inadequação) ou de quantidade. Essa a norma geral. Obrigação
71
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Público e privado no setor de saúde. RDPE, vol.09.
72
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.

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complementar é a da continuidade. Só que não exigível com tanta generalidade. Diz a lei que só os
serviços essenciais devem ser prestados continuamente. Vê-se que é um dever jurídico não imposto
ao fornecedor privado (art.20)‟. Defende o autor nesse texto uma interpretação extensiva do art. 22
do CDC; assume uma posição maximalista, ao dizer que o dispositivo se aplica a todo e qualquer
serviço público indistintamente”.73

Outros, numa visão mais restritiva, posicionam-se pela aplicação do CDC apenas aos
serviços divisíveis remunerados pelos usuários (uti singuli), excluindo daí os serviços
gerais prestados pelo Estado gratuitamente (uti universi):

“Adalberto Pasqualotto, diante da relação obtida entre remuneração e profissionalidade do


fornecedor conclui – buscando subsídios na classificação dos serviços públicos de Hely Lopes
Meirelles e na repartição constitucional de competências – que os serviços públicos próprios,
prestados uti universi diretamente pelo Estado, mantidos pelos tributos gerais, não são abrangidos
pelo CDC, eis que lhe falta, sob a ótica daquele diploma legal, o requisito da remuneração específica.
Daí que somente a prestação de serviços públicos impróprios uti singuli, prestados direta ou
indiretamente pelo Estado, ou, ainda, por meio de concessão, autorização ou permissão, estão sob a
tutela do CDC, porque remunerados pelo pagamento específico de taxas ou tarifas”.74

Grotti se filia a esta segunda corrente, apresentando as suas conclusões:

“Prescreveu o art.175, parágrafo único, II, da Constituição Federal, que a disciplina legal dos
serviços públicos disporá sobre a fixação dos direitos dos usuários. E a Lei 8987, de 13.2.1995, ao
enunciá-los no artigo 7º, acrescido do art.7º-A pela Lei 9795, de 24.3.1999, reconhece a extensão do
regime do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90 e respectivas alterações) à prestação de
serviços públicos. Da definição constante do referido Código, em seu art.3º, §2º, extrai-se que
somente os serviços públicos prestados individualmente e remunerados por taxa ou tarifa se
subsumem à lei consumerista. Os serviços públicos uti universi e os gratuitos estão excluídos das
regras codificadas para o consumidor”.75

O Superior Tribunal de Justiça vem acolhendo a aplicação do CDC apenas no tocante a


serviços públicos individuais e remunerados, como se infere do seguinte trecho de julgado:

"A relação entre a concessionária de serviço público e o usuário final, para o fornecimento de
serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor"76.

Não obstante reconhecer a correção deste entendimento, salientando serem, de fato,


relações de consumo aquelas das quais participam usuários de serviços públicos
específicos e remunerados, Alexandre de Aragão chama a atenção para um outro aspecto
do problema.

Assevera que a proteção conferida pelo CDC aos usuários dos serviços públicos uti singuli
remunerados não significa que a sua incidência deva se dar segundo os mesmos
parâmetros aplicados aos consumidores privados. Pondera Aragão que “o CDC não pode ser

73
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
74
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
75
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
76
STJ, AgRg no AREsp 354.991/RJ, rel. Min. Mauro Campell Marques, DJ de 11/09/2013.

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aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que eles não são atividades econômicas
comuns, sujeitas à liberdade de empresa e desconectadas da preocupação de manutenção de um
sistema prestacional coletivo”.77

Com efeito, a incidência das regras do CDC nesta seara deve dar-se de modo sistemático
em atenção aos princípios e regras administrativas igualmente aplicáveis aos serviços
públicos.

“Os serviços públicos constituem atividades de prestação de bens e serviços muitas vezes
titularizadas pelo Estado com exclusividade, só podendo ser prestados por particulares enquanto
delegatários (res extra commercium). A razão para tais atividades econômicas serem retiradas da
livre iniciativa e submetidas a um regime jurídico tão especial se explica pelo fato de visarem a
assegurar os interesses dos cidadãos enquanto integrantes de uma mesma sociedade, não como
pessoas individualmente consideradas. (...) Os serviços públicos têm uma conotação coletiva muito
mais ampla que as atividades econômicas privadas. Visam à coesão social, sendo muitas vezes um
instrumento técnico de distribuição de renda e realização da dignidade da pessoa humana (art.1º, III,
CF), com o financiamento, através das tarifas dos usuários que já têm o serviço, da sua expansão aos
que ainda não têm acesso a ele. Se fosse apenas pelo sistema privatista do CDC, essas tarifas teriam
que ser consideradas abusivas (arts. 39, V; e art. 51, IV, CDC), eis que superam o valor que seria
decorrente apenas da utilidade individualmente fruída. (...) A tarifa de serviço público não pode,
portanto, ser considerada abusiva ou não apenas diante da prestação que determinado usuário recebe,
mas sim em face do complexo equilíbrio de despesas e receitas envolvidas no contrato de concessão,
que normalmente tem o prazo de décadas e visa ao bem-estar das pessoas como um todo (inclusive
usuários em potencial, até mesmo ainda não nascidos, usuários que têm acesso ao serviço, mas não
teriam como pagar uma „tarifa cheia‟ etc.)”.78

Saliente-se que, como dito em tópico anterior, foi recentemente editada a Lei 13.460/2017,
que instituiu o chamado Código de Defesa do Usuário do Serviço Público. Com isso, a
defesa dos usuários de serviços públicos passou a contar com uma legislação especial,
abarcando não apenas as situações alcançadas pelo Código de Defesa do Consumidor,
mas todo e qualquer tipo de serviço público.

Outrossim, a incidência da Lei 13.460/2017, consoante seu art.1o, §2o, não afasta a
aplicação de normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço público
sujeito a regulação ou supervisão, bem como do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90), quando a prestação de serviço público caracterizar uma relação de consumo,
conforme os parâmetros acima estudados.

1.13) Fomento público e os "serviços públicos impróprios"

O tema em epígrafe está relacionado à atuação das chamadas entidades paraestatais e


entidades de colaboração do terceiro setor, que prestam serviços de utilidade pública, mas
que não enquadram propriamente no regime jurídico dos serviços públicos.

Ao examinarmos a terminologia serviço público, vimos que o elemento material, que leva
em consideração o alcance coletivo e interesse geral de determinada atividade, revela-se
insuficiente para a identificação do serviço público.
77
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.
78
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense.

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Há serviços que, ainda que beneficiem toda a coletividade, não são juridicamente serviços
públicos, sendo liberados à iniciativa privada independentemente de delegação estatal,
inclusive para fins de exploração econômica. Tal ocorre, v.g., com as atividades prestadas
pelos supermercados, farmácias, escolas e hospitais privados etc. Sua execução é livre,
dependendo apenas, em alguns casos, de autorização do Estado, na forma do art.170, p.
único, da Carta de 1988. A atuação estatal, nestas searas, restringe-se ao exercício do
poder de polícia.

Interessa ao Estado que alguns destes serviços liberados à iniciativa privada, sobretudo
quando prestados na área social (saúde, educação, assistência social), não sejam
prestados para fins de exploração econômica, mas, sim, postos à disposição da
coletividade de modo filantrópico, propiciando o acesso a toda a população. De fato,
existem entidades privadas que, sob a forma de associações civis ou fundações, querem
colaborar com o Poder Público sem qualquer intuito de obter lucro, buscando apenas
contribuir para a melhoria da qualidade de vida na sociedade. Assim o fazendo, agem ao
lado do Estado (são paraestatais), desempenhando serviços que, apesar de não serem
públicos (no sentido jurídico de serviço público), são de utilidade pública.

Diógenes Gasparini discorre sobre este fenômeno:

“Sabendo da existência de associações civis e de fundações constituídas, organizadas e dirigidas por


particulares segundo as regras do Direito Privado que, sem fins lucrativos, estão voltadas ao
desempenho de atividades de interesse público, como são as de saúde e educação, o Estado dispôs-se
a aproveitá-las visando diminuir sua atuação nesse setor em que não age com exclusividade e, com
isso, melhorar a prestação desses serviços, já que a Constituição Federal faculta essa parceria em
mais de um de seus dispositivos, a exemplo dos arts. 199, §1º, 204, I, 205, 216, §1º, e 227”.79

Ditas entidades privadas, que colaboram com o Estado desempenhando atividades sem
fins lucrativos, integram o chamado “terceiro setor”, sendo também denominadas de
entes paraestatais, entes de colaboração, entes de cooperação, entes intermédios ou
organizações não governamentais (ONGs). Alguns ainda as chamam de entidades quase-
públicas ou públicas não-estatais. A nomenclatura não importa muito, salvo quando a lei a
utiliza para diferenciar os regimes jurídicos dessas entidades, pois, de fato, há distintas
espécies de entidades paraestatais, como será abordado.

Maria Sylvia Di Pietro explica a razão da expressão terceiro setor, “assim entendido aquele
que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor
coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado”.80

É claro que, na medida em que interessa ao Estado a proliferação desses entes privados
que, sem intuito de lucro, comprometem-se a auxiliá-lo na busca por melhores condições
de vida para a população, deverá de alguma forma buscar incentivá-los. E esta atuação
estatal de incentivo à prestação de serviços privados de utilidade pública recebe o nome
de fomento público.

79
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
80
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

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“Na realidade, ele (o terceiro setor) caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por
iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe
proteção e, em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento; para receber
essa ajuda, tem que atender a determinados requisitos impostos por lei que variam de um caso para
outro. (...) Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade privada
de interesse público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são incentivadas pelo
Poder Público. A atuação estatal, no caso, é de fomento e não de prestação de serviço público. (...)
Não se trata de atividade que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para
outra pessoa jurídica, por meio do instrumento da descentralização. Trata-se, isto sim, de atividade
privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar”.81

Em suma, as entidades paraestatais e de colaboração são pessoas jurídicas de direito


privado, não integrantes da Administração Pública Direta ou Indireta, mas que atuam ao
lado do Estado executando atividades, obras e serviços de interesse coletivo e recebendo
algum tipo de incentivo do Poder Público.

Tais entidades “integram o terceiro setor, porque nem se enquadram inteiramente como entidades
privadas, nem integram a Administração Pública, direta ou indireta”.82 Atuam na área dos
serviços privados de interesse público que, portanto, não são exclusivos do Estado, a
exemplo da saúde, ensino, cultura, pesquisa científica, preservação do meio ambiente,
desenvolvimento tecnológico etc. São serviços que quando prestados pelo Estado são
públicos, mas podem também ser prestados pela iniciativa privada, daí porque Maria Sylvia
Di Pietro adverte ser “nítida a intenção do legislador de instituir um mecanismo de fugir ao regime
jurídico de direito público a que se submete a Administração Pública”.83

1.13.1) Distinção entre serviços públicos e serviços privados de interesse público

Em matéria de serviços públicos, vimos que o ordenamento jurídico já contempla a gestão


associada entre os entes da federação. Nesse caso, os dois entes públicos têm
competência para desempenhar determinado serviço público e, por isso, unem as suas
forças para prestá-lo de modo mais eficiente.

Aqui, a situação é diferente. O apoio que a Administração Pública busca não é de outro
ente estatal igualmente competente, mas, sim, de um ente localizado fora da estrutura da
Administração direta ou indireta, gerido pelo setor privado, que, apesar de não ter o dever
de atuar nessa área, o faz espontaneamente por razões filantrópicas, sem intento de lucro,
sendo incentivadas pelo Estado para tanto. O objeto da atividade, neste caso, não é
propriamente um serviço público, mas uma atividade privada de utilidade pública.

Para tanto, existem acordos firmados entre o Poder Público e tais entidades privadas
(entes do terceiro setor), em regime de parceria. Não se deve confundir esta parceria, fruto
de fomento público, com as figuras já estudadas da delegação de serviços públicos (dentre
elas as parcerias público-privadas, que são modalidades de concessão).

81
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.
82
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.
83
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

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Porém, a categorização do assunto, como se disse, não é pacífica.

José dos Santos Carvalho, por exemplo, considera que esta parceria seria também um
novo meio de delegação de serviços públicos, sob a forma de gestão associada:

“Além da associação de pessoas exclusivamente da Administração Pública, o Estado pretende


modernizar-se através da possibilidade de executar os serviços públicos pelos regimes de parceria,
caracterizados pela aliança entre o Poder Público e entidades privadas, sempre com o objetivo de
fazer chegar aos mais diversos segmentos da população os serviços de que esta necessita e que, por
várias razões, não lhes são prestados. O ponto característico nuclear desses regimes consiste em que
a parceria do Estado é formalizada junto com pessoas de direito privado e da iniciativa privada,
ou seja, aquelas que, reguladas pelo direito privado, não sofrem ingerência estatal em sua estrutura
orgânica. A elas incumbirá a execução de serviços e atividades que beneficiem a coletividade, de
modo que tal atuação se revestirá de qualificação de função delegada do Poder Público. Referidas
entidades que, sem dúvida, se apresentam com certo hibridismo, na medida em que, sendo privadas,
desempenham função pública, têm sido denominadas de entidades do terceiro setor, a indicar que
não se trata nem de entes federativos nem das pessoas que executam a administração indireta e
descentralizada, mas simplesmente compõe um tertium genus, ou seja, um agrupamento de entidades
responsáveis pelo desenvolvimento de novas formas de prestação dos serviços públicos”.84

Não concordamos com esse entendimento, preferindo nos filiar à posição dogmática de
Maria Sylvia Di Pietro, segundo a qual as entidades do terceiro setor não desempenham
serviço público, mas, sim, serviços privados de interesse público. Os regimes jurídicos
aplicados, num e noutro caso, diferem substancialmente.

A confusão ocorre porque tais áreas de atuação (saúde, educação, assistência social) são
as mesmas daqueles serviços públicos prestados pelo Estado no campo social, razão pela
qual alguns autores os denominam de serviços públicos impróprios:

“Na realidade, essa categoria de atividade denominada de serviço público impróprio não é serviço
público em sentido jurídico, porque a lei não a atribui ao Estado como incumbência sua ou, pelo
menos, não a atribui com exclusividade; deixou-a nas mãos do particular, apenas submetendo-a a
especial regime jurídico, tendo em conta a sua relevância. (...) Com relação a esses serviços não
exclusivos do Estado, pode-se dizer que são considerados serviços públicos próprios, quando
prestados pelo Estado; e podem ser considerados serviços públicos impróprios, quando prestados
por particulares, porque, neste caso, ficam sujeitos a autorização e controle do Estado, com base em
seu poder de polícia. São considerados serviços públicos, porque atendem a necessidades coletivas,
mas impropriamente públicos, porque falta um dos elementos do conceito de serviço público, que é a
gestão, direta ou indireta, pelo Estado”.85

Conforme assinala Celso Antônio Bandeira de Mello, “como os serviços em questão não são
privativos do Estado, não entra em pauta o tema da concessão de serviços públicos, que só tem lugar
nas hipóteses em que a atividade não é livre aos particulares, mas exclusiva do Estado”.86

84
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
85
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.
86
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Todavia, o fato de não prestarem serviços públicos não significa que não estejam
submetidas a normas do Direito Público. Apesar de, em regra, submeterem-se a regime
jurídico predominantemente de Direito Privado, este é parcialmente derrogado por algumas
normas de Direito Público, já que recebem incentivos do Poder Público. Este influxo de
normas do Direito Público varia a depender da espécie de ente. Vejamos, então, quais são
as principais entidades de cooperação no ordenamento brasileiro da atualidade:

1.13.2) Serviços Sociais Autônomos

São entidades privadas criadas pela Administração Pública, mediante autorização legal,
dotadas de patrimônio próprio, para prestar assistência social, médica ou de ensino
profissional, geralmente sob a forma de associações civis ou fundações.

Muitos serviços sociais autônomos foram criados há mais de meio século, ainda sob a
égide da Constituição de 1946, quando legislações específicas autorizaram a sua criação a
cargo de confederações nacionais de determinados setores da economia. Cite-se o
Serviço Social da Industria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI),
o Serviço Social do Comércio (SESC). Já na vigência da CF/88, mais serviços sociais
autônomos foram criados, a exemplo do Serviço Nacional do Transporte (SEST), o Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), o Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural (SENAR), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
Todos eles integram o chamado “Sistema S”, termo utilizado para se referir ao conjunto
dos sistemas sociais autônomos.

Pela própria designação de cada um desses serviços sociais autônomos, fica evidente que
as atividades assistenciais e educacionais por eles prestadas se dão em benefício de
certos setores empresariais ou categorias profissionais, como aponta Marçal Justen Filho:

“Outro dado fundamental reside na vinculação da atuação a um setor empresarial ou a uma categoria
profissional. Trata-se de uma espécie de autogoverno privado. Esses setores ou segmentos
profissionais apresentam interesses comuns e homogêneos. Parte-se do pressuposto de que a solução
mais satisfatória reside não na intromissão estatal, o que demandaria a estruturação de organizações
burocráticas e a aplicação de recursos relevantes para atividades-meio. Assegura-se à própria
categoria o poder de promover a gestão de organizações criadas por lei para a satisfação de interesses
comuns”.87

Repetindo as palavras de Maria Sylvia, “essas entidades não prestam serviço público delegado
pelo Estado, mas atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado);
exatamente por isso, são incentivadas pelo Poder Público. A atuação estatal, no caso, é de fomento e
não de prestação de serviço público”.88 Na mesma linha, Diógenes Gasparini salienta que,
apesar de terem sido criadas mediante autorização legislativa, os serviços sociais
autônomos “não prestam serviços públicos, nem integram a Administração Pública federal direta ou
indireta, ainda que dela recebam reconhecimento e amparo financeiro. Exercem, isto sim, atividades
privadas de interesse público”.89

87
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
88
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
89
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Para melhor desempenharem as suas atividades, alguns serviços sociais autônomos são
beneficiados por recursos públicos provenientes de contribuições sociais previstas no
art.149 da Constituição Federal de 1988 (contribuições parafiscais). Esses recursos são
arrecadados pelo INSS (atribuição que atualmente está centralizada na Receita Federal do
Brasil) que, por sua vez, as repassa para tais entidades.

“Outra característica essencial reside na percepção de contribuições obrigatórias, incidentes sobre os


exercentes das atividades ou das categorias profissionais abrangidas. Os serviços sociais são
mantidos mediante contribuições instituídas no interesse de categorias profissionais ou de
intervenção no domínio econômico, de natureza tributária. Há autogestão dos contribuintes
relativamente ao destino e à aplicação dos recursos, o que amplia tanto a legitimidade da atividade
quanto (presume-se) sua eficácia social. Esses recursos não são apropriados pelos cofres públicos
para posterior (e incerta) aplicação na satisfação dos interesses das categorias profissionais dos
contribuintes”.90

Como estas entidades são financiadas por tributos (contribuições parafiscais) e usufruem
de privilégios próprios dos entes públicos, os serviços sociais autônomos estão submetidos
à fiscalização do Tribunal de Contas e seus dirigentes podem praticar atos administrativos
passíveis de mandado de segurança, ação popular ou ação de improbidade administrativa.
Submetem-se às regras de licitação e de concurso público para admissão de pessoal,
sendo os seus empregados considerados funcionários públicos para fins penais (CP,
art.327). Os litígios envolvendo os serviços sociais autônomos são da competência da
Justiça Comum, conforme previsto na Súmula 516 do STF.

José dos Santos Carvalho Filho tece as seguintes considerações acerca do regime jurídico
dos serviços sociais autônomos:

“Por serem pessoas de direito privado, as pessoas de cooperação governamental sujeitam-se


basicamente às regras de direito privado. Todavia, o elo de vinculação que as deixa atreladas ao
Poder Público resulta na emanação de normas de direito público, sobretudo no que toca à utilização
dos recursos, à prestação de contas e aos fins institucionais. Praticam atos de direito privado, mas se
algum ato for produzido em decorrência do exercício de função delegada estará ele equiparado aos
atos administrativos e, por conseguinte, sujeito a controle pelas vias especiais, como a do mandado
de segurança. Por outro lado, estão obrigadas a realizar licitação antes de suas contratações, como o
exige a Lei 8666/93, que, de forma clara, consigna que se subordinam a seu regime jurídico, além
das pessoas da Administração Indireta, 'as demais entidades controladas direta ou indiretamente
pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios'”.91

Especificamente em relação à obrigação de licitar, o autor critica o recente posicionamento


adotado em algumas decisões do TCU que, modificando entendimento anterior, passaram
a considerar inaplicáveis as regras da Lei 8666/93 aos serviços sociais autônomos.
Pondera que “se uma entidade aufere recursos pagos obrigatoriamente por terceiros, é de se esperar
que seja fiscalizada pelo Poder Público. Esse é um postulado antigo e inafastável do regime
democrático. Daí nenhuma estranheza pode causar o fato de a lei submetê-la também a controle em
sede de contratos e licitações”.92

90
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
91
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
92
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Por fim, registre-se que, mais recentemente, foram editadas leis criando novos serviços
sociais autônomos que, todavia, acabaram se afastando da natureza dos acima citados,
como observa Maria Sylvia Di Pietro:

"Ocorre que tem havido hipóteses de entidades criadas com a denominação de serviços sociais
autônomos, porém com características diferenciadas, por serem criadas diretamente por lei. São
exemplos: o Serviço Social Autônomo Agência de Promoção de Exportações do Brasil (APEX-
Brasil), criado pela Medida Provisória n. 106, de 22-1-02, convertida na Lei n. 10.668, de 14-5-03, e
regulamentada pelo Decreto n. 4.584, de 5-2-03; o Serviço Social Autônomo Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI), criado pela Lei n. 11.880, de 30-12-04, regulamentada pelo
Decreto n. 5352, de 24-1-05; o Serviço Social Autônomo Associação Pioneiras Sociais (APS),
mantenedor da Rede Sarah, criado pela Lei 8.246, de 22-10-91, regulamentada pelo Decreto n. 371,
de 20-12-91. Tais entidades, embora criadas com a denominação de serviço social autônomo, fogem
inteiramente às características dos modelos anteriores. É como se a simples denominação fosse
suficiente para definir a natureza da pessoa jurídica. O real objetivo foi o de fugir ao regime jurídico
próprio das entidades da Administração Pública Indireta"93.

1.13.3) Fundações de apoio

A doutrina define as entidades de apoio como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, instituídas por servidores públicos, porém em nome próprio, sob a forma de fundação,
associação ou cooperativa, para a prestação, em caráter privado, de serviços sociais não exclusivos
do Estado, mantendo vínculo jurídico com entidades da administração direta ou indireta, em regra
por meio de convênio”.94 O mais comum é encontrá-las sob a forma de fundação de apoio.

Diógenes Gasparini assinala que tais entidades de apoio costumam manter,


“relacionamento com as universidades federais, faculdades, faculdades integradas, escolas superiores
e centros federais de educação tecnológica”.95

O tema já encontra disciplina na Lei 8.958/94, que dispõe sobre as relações entre as
instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as
fundações de apoio. Com as alterações que lhe foram traçadas por legislação
superveniente, a Lei 8.958/94 dispõe que as Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES) e as demais Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) poderão celebrar
convênios e contratos, por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade
de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico
e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira
necessária à execução desses projetos. Prevê também a referida legislação a contratação
de fundações de apoio por parte da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de
agências financeiras oficiais de fomento e empresas públicas ou sociedades de economia
mista, suas subsidiárias ou controladas.

Alguns autores criticam esse tipo de gestão de atividades de utilidade pública, tendo em
vista que “o serviço é prestado por servidores públicos, na própria sede da entidade pública, com
equipamentos pertencentes ao patrimônio desta última; só que quem arrecada toda a receita e a

93
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
94
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
95
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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administra é a entidade de apoio. E o faz sob as regras das entidades privadas, sem a observância das
exigências de licitação (nem mesmo os princípios da licitação) e sem a realização de qualquer tipo de
processo seletivo para a contratação de empregados. Essa é a grande vantagem dessas entidades: elas
são a roupagem com que se reveste a entidade pública para escapar às normas do regime jurídico de
direito público”.96

A crítica tem alguma pertinência, porém é preciso reconhecer que o advento das Leis
12.349/2010, 12.863/2013, alterando dispositivos da Lei 8.958/94, impuseram uma série de
requisitos e vedações que propiciaram um maior controle das fundações de apoio.
Vejamos a seguir alguns pontos dispostos na legislação vigente.

As fundações de apoio deverão estar regularmente constituídas na forma de fundações de


direito privado, sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil e por estatutos cujas normas
expressamente disponham sobre a observância dos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência, e sujeitas, em
especial: I) a fiscalização pelo Ministério Público; II) à legislação trabalhista; III) ao prévio
registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da
Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente.

As fundações de apoio não poderão: I) contratar cônjuge, companheiro ou parente, em


linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau, de: a)
servidor das IFES e demais ICTs que atue na direção das respectivas fundações; e b)
ocupantes de cargos de direção superior das IFES e demais ICTs por elas apoiadas; II)
contratar, sem licitação, pessoa jurídica que tenha como proprietário, sócio ou cotista: a)
seu dirigente; b) servidor das IFES e demais ICTs; e c) cônjuge, companheiro ou parente
em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau de seu
dirigente ou de servidor das IFES e demais ICTs por elas apoiadas; e III) utilizar recursos
em finalidade diversa da prevista nos projetos de ensino, pesquisa e extensão e de
desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação.

As fundações de apoio deverão: I) prestar contas dos recursos aplicados aos entes
financiadores; II) submeter-se ao controle de gestão pelo órgão máximo da Instituição
Federal de Ensino ou similar da entidade contratante; e III) submeter-se ao controle
finalístico pelo órgão de controle governamental competente.

A participação de servidores das IFES e demais ICTs contratantes nas atividades das
fundações de apoio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, podendo as
fundações contratadas, para sua execução, conceder bolsas de ensino, de pesquisa e de
extensão.

É vedada aos servidores públicos federais a participação nas atividades das fundações de
apoio durante a jornada de trabalho a que estão sujeitos, excetuada a colaboração
esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade.

As fundações de apoio poderão conceder bolsas de ensino, pesquisa e extensão e de


estímulo à inovação aos estudantes de cursos técnicos, de graduação e pós-graduação e
aos servidores vinculados a projetos institucionais, inclusive em rede, das IFES e demais
96
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

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ICTs apoiadas, observados os princípios legalidade, impessoalidade, moralidade,


publicidade, economicidade e eficiência.

É assegurado o acesso dos órgãos e das entidades públicas concedentes ou contratantes


e do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo federal aos processos, aos
documentos e às informações referentes aos recursos públicos recebidos pelas fundações
de apoio e aos locais de execução do objeto do contrato ou convênio.

Por fim, registre-se que já existem inúmeras fundações de apoio que firmaram convênios
com universidades públicas brasileiras. Como exemplos, cite-se a Fundação de Apoio à
Universidade de São Paulo (FUSP) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas –
FIPE, ambas credenciadas perante a USP, dentre outras. Na Bahia, credenciadas à UFBA,
podemos citar a Fundação Faculdade de Direito da Bahia (FFDB), a Fundação de Apoio à
Pesquisa e Extensão (FAPEX), a Fundação Escola Politécnica da Bahia (FEP), a
Fundação Educacional de Tecnologia em Administração (FETEAD), a Fundação Bahiana
de Cardiologia (FBC) e a Fundação Escola de Administração da Universidade Federal da
Bahia (FEA).

1.13.4) Organizações Sociais (OS)

Dentre as chamadas entidades paraestatais ou de colaboração do terceiro setor, as


organizações sociais vem disciplinadas na Lei 9.637/98, tratando-se de “pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar
serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante
vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão”.97

O art. 2o da Lei 9.637/98 enumera os requisitos específicos para que as entidades privadas
sem fins lucrativos sejam qualificadas como OS, dentre eles o registro de ato constitutivo
prevendo a participação, no seu órgão colegiado de deliberação superior, de
representantes do Poder Público e de membros da comunidade, bem como haver
aprovação ministerial quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação.

A referida lei dispôs sobre o então denominado “Programa Nacional de Publicização”,


tratando da absorção de atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da
União, por organizações sociais, levantando dúvidas sobre a sua constitucionalidade, eis
que os serviços sociais não poderiam deixar de ser prestados também pela Administração
Pública. Por isso, Maria Sylvia Di Pietro tece severas críticas ao modelo das organizações
sociais tal como previsto nesta legislação:

“Aparentemente, a organização social vai exercer atividade de natureza privada, com incentivo do
Poder Público, dentro da atividade de fomento. Mas, na verdade, o real objetivo parece ser o de
privatizar a forma de gestão de serviço público delegado pelo Estado. A própria lei, em pelo
menos um caso, está prevendo a prestação de serviço público pela organização social; quando a
entidade absorver atividades de entidade federal extinta no âmbito da área da saúde, deverá
considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da comunidade, os princípios do Sistema
Único de Saúde, expressos no art.198 da Constituição Federal e no art.7º da Lei 8080, de 19-9-90.
Vale dizer que prestará serviço público e não atividade privada; em consequência, estará sujeita a

97
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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todas as normas constitucionais e legais que regem esse serviço, até porque não poderia a lei
ordinária derrogar dispositivos constitucionais. Embora a Lei 9637/98 não diga expressamente, é
evidente e resulta nela implícito que as organizações sociais vão absorver atividades hoje
desempenhadas por órgãos ou entidades estatais. (...) fica muito nítida a intenção do legislador de
instituir um mecanismo de fuga ao regime jurídico de direito público a que se submete a
Administração Pública. O fato de a organização social absorver atividade exercida por ente estatal e
utilizar o patrimônio público e os servidores públicos antes a serviço desse mesmo ente, que resulta
extinto, não deixa dúvida de que, sob a roupagem de entidade privada, o real objetivo é o de
mascarar uma situação que, sob todos os aspectos, estaria sujeita ao direito público”.98

Nesse mesmo diapasão, Celso Antônio Bandeira de Mello considera que a qualificação
das organizações sociais não pode significar a extinção de serviços públicos, asseverando
que “como sua prestação se constitui em „dever do Estado‟, conforme os artigos citados (arts. 205,
206 e 208 da CF/88), este tem que prestá-los diretamente. Não pode eximir-se de desempenhá-los,
motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela via
transversa de „adjudicá-los‟ a organizações sociais. Segue-se que estas só poderiam existir
complementarmente, ou seja, sem que o Estado se demita de encargos que a Constituição lhe
irrogou”.99

Tais considerações doutrinárias caíram por terra diante do posicionamento tomado pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1923/DF, quando ficou assentada a
constitucionalidade das organizações sociais. Deliberou o STF que a CF/88 não impôs ao
Estado o dever de prestar todas as atividades de utilidade pública por meio de órgãos ou
entidades públicas, nem impediu que elas fossem desempenhadas por entidades por ele
constituídas para isso, como são as organizações sociais100.

O Supremo, por maioria, considerou que a Lei 9.637/98 institui um programa de


publicização de atividades e serviços não exclusivos do Estado, transferindo-os para a
gestão desburocratizada a cargo de entidades de caráter privado e, portanto, submetendo-
os a um regime mais flexível, dinâmico e eficiente. Ressaltou-se que a busca da eficiência
dos resultados, mediante a flexibilização de procedimentos, justifica a implementação de
um regime especial, regido por regras que respondem a racionalidades próprias do direito
público e do direito privado. Registrou-se, ademais, que esse modelo de gestão pública
tem sido adotado por diversos Estados-membros e que as experiências demonstram que a
Reforma da Administração Pública tem avançado de forma promissora101.

A entidade não nasce organização social; ela se torna organização social. Na verdade,
“organização social” é uma qualificação que pode ser atribuída a algumas entidades
privadas que preencherem os requisitos da Lei 9.637/98, firmando contratos de gestão
com o Poder Público, tal como ocorre, conforme vimos anteriormente, com as agências
executivas no âmbito interno da Administração Direta ou Indireta.

Ressalte-se que a Lei 9.637/98 foi editada pela União, o que não impede que Estados e
Municípios também editem legislações próprias para regulamentares as organizações

98
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
99
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
100
STF, ADI 1923 MC/DF, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, julg. 1º/08/2007.
101
Na linha do voto-vista do Min. Gilmar Mendes. Cf. Informativo 474 do STF.

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sociais no âmbito de suas respectivas competências. No Estado da Bahia, v.g., tem-se a


Lei estadual 8.647/2003, que dispõe sobre o Programa Estadual de Organizações Sociais.

Como exemplos de entidades já qualificadas como organizações sociais, tem-se a


Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – ACERP e a Associação Brasileira
de Tecnologia de Luz Síncroton – ABTLuS. Já se qualificaram também como organizações
sociais algumas das Santas Casas de Misericórdia, além de outras instituições atuantes na
área da saúde pública (SUS).

No Estado da Bahia, conforme publicado no site do governo estadual, já há várias


unidades hospitalares sob gestão de organizações social102, já tendo sido qualificadas
como organizações sociais, por exemplo, a Fundação José Silveira (FJS), a Santa Casa de
Misericórdia da Bahia (SCMBA), a Associação Obras Sociais Irmã Dulce (Aosid), o Monte
Tabor - Centro Ítalo Brasileiro de Promoção Sanitária, dentre outros. Na área cultural, foi
qualificada Associação Amigos das Orquestras Infantis e Juvenis do Projeto Neojibá
(Aojin), que é a organização social que atualmente administra os Núcleos de Orquestras
Juvenis e Infantis da Bahia - Neojibá. Cite-se, ainda, a Fundação Luís Eduardo Magalhães
(FLEM), organização social que administra programas de capacitação de servidores
públicos103.

Trata-se de uma qualificação discricionária dada por aprovação ministerial. Com efeito,
Diógenes Gasparini ressalta que “o ato de qualificação é discricionário, pois cabe ao Ministro ou
titular do órgão superior ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto social da
entidade privada passível de ser organização social e da autoridade indicada em substituição ao
Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado, sua indicação”.104

Nos termos do art. 3º da Lei 9.637/98, as organizações sociais devem ter um órgão de
deliberação superior, composto por representantes do Poder Público e membros da
comunidade. Acerca do contrato de gestão firmado com o Poder Público, a lei estabeleceu,
dentre outros aspectos, a fixação de programa de trabalho, de metas a serem atingidas,
prazos de execução, critérios objetivos de avaliação e limites de despesa de pessoal (art.
7º). Há ainda previsão de supervisão pelo Poder Público (art. 8º), controle pelo TCU, MP e
AGU (arts. 9º e 10). A lei dispõe ainda sobre o possível emprego de recursos
orçamentários e bens públicos (art.12), bem como a permissão de uso, com dispensa de
licitação (art.12, §3º) e a cessão de especial de servidor, com ônus para o Poder Público
(art.14).

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão eventualmente qualificar


organizações sociais no âmbito de suas competências. No Estado da Bahia, a Lei 7.027/97
instituiu o Programa Estadual de Incentivo às Organizações Sociais.

Em regra, os contratos firmados pelas organizações sociais não dependem de prévia


licitação, salvo aqueles relacionados a recursos oriundos de repasse do Poder Público em
face do contrato de gestão, caso em que também deve haver a prestação de contas
perante o Tribunal de Contas.

102
Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/novoportal/index.php?option=com_content&view=article&id=8938&catid=43&Itemid=37
103
Disponível em: http://www.saeb.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=59
104
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Para o desempenho de suas atividades, restritas aos objetos elencados no art. 1º da Lei
9.637/98 (ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e
preservação do meio ambiente, cultura e saúde), as entidades qualificadas poderão
receber recursos públicos, a cessão de servidores públicos e até mesmo a permissão de
uso de bens públicos. São também beneficiadas com a hipótese de dispensa de licitação
prevista no art. 24, XXIV, da Lei 8.666/93.

As organizações sociais podem ser desqualificadas a qualquer tempo em razão do


descumprimento das cláusulas do contrato de gestão, ou quando a qualificação não seja
mais conveniente à Administração Pública com vistas ao interesse público (art.16). Sendo
um ato restritivo de direito, faz-se necessário um prévio processo administrativo no qual se
dê oportunidade de defesa à entidade.

Conforme veremos no capítulo dos acordos de vontade da Administração, apesar do nome


“contrato”, o contrato de gestão não é propriamente um contrato, mas, sim, um acordo não-
contratual que a Administração firma com outro órgão ou ente administrativo (agência
executiva) ou com um ente privado (organização social), em mútua cooperação e sem
interesses contrapostos.

1.13.5) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs)

Tal como ocorre com as organizações sociais, a organização da sociedade civil de


interesse público (OSCIP) é uma qualificação atribuída a certas entidades que se
encontrem em funcionamento regular há no mínimo três anos e que preencham os
requisitos previstos na Lei 9.790/99, firmando termos de parceria com o Estado.

A doutrina observa que, enquanto nas organizações sociais o intuito evidente é o de que
elas assumam determinadas atividades hoje desempenhadas, como serviço público, por
entidades da Administração Pública, resultando na extinção destas últimas, nas
organizações da sociedade civil de interesse público não existe essa intenção, pois a
qualificação da entidade como tal não afeta em nada a existência ou as atribuições de
entidades ou órgãos integrantes da Administração Pública.

Nas organizações da sociedade civil de interesse público “o Estado não está abrindo mão de
serviço público (tal como ocorre com a organização social) para transferi-lo à iniciativa privada, mas
fazendo parceria, ajudando, cooperando com entidades privadas que, observados os requisitos legais,
se disponham a exercer as atividades indicadas no art. 3o (da Lei 9.790/99), por se tratar de
atividades que, mesmo sem a natureza de serviços públicos, atendem a necessidades coletivas”.105

Celso Antônio indica diversos aspectos relevantes que distinguem as organizações sociais
previstas na Lei 9.637/98, das organizações da sociedade civil de interesse público
previstas na Lei 9.790/99:

“a) a atribuição do qualificativo não é, como naquelas, discricionária, mas vinculada e aberta a
qualquer sujeito que preencha os requisitos indicados; não prevê o trespasse de servidores públicos
para nelas prestar serviço; b) não celebram „contratos de gestão‟ com o Poder Público, mas „termos
de parceria‟, conquanto, tal como neles, seja especificado um programa a cumprir, com metas e

105
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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prazos fiscalizados, além da obrigação de um relatório final, o que os faz mais distintos, entre si, pelo
nome que pelo regime; c) os vínculos em questão não são condicionantes para a qualificação da
entidade como tal, ao contrário do que ocorre com as „organizações sociais‟; d) o Poder Público não
participa de seus quadros diretivos, ao contrário do que ocorre naquelas; e e) o objeto da atividade
delas é muito mais amplo, compreendendo, inclusive, finalidades de benemerência social, ao passo
que as „organizações sociais‟ prosseguem apenas atividades de ensino, pesquisa científica,
desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde”.106

Dentre os principais aspectos ventilados na Lei 9.790/99, consta a proibição de


qualificação para certas entidades (art. 2º), as finalidades a serem perseguidas (art. 3º), os
critérios a serem previstos nos estatutos (art. 4º), a permissão para a participação de
servidores públicos na composição do conselho ou diretoria da OSCIP (art. 4º, p. único), a
necessidade de requerimento de qualificação ao Ministro da Justiça (art. 5º), a natureza de
ato vinculado da qualificação (art. 1º, §2º), a necessidade de motivação no deferimento ou
indeferimento do requerimento (art.6º) e de processo administrativo ou judicial para perda
de qualificação (art. 7º), as cláusulas essenciais dos termos de parceria (art. 10, §2º), o
acompanhamento e fiscalização pelo Poder Público (art. 11), o controle pelo Tribunal de
Contas e MP (arts. 12 e 13), a publicação de regulamento (art. 14) e a vedação de
participação da OSCIP em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob
quaisquer meios ou formas (art. 16).

Diógenes Gasparini aponta as notas de distinção das organizações da sociedade civil de


interesse público, em relação às organizações sociais: “a outorga do status é vinculada; não
celebram contratos de gestão; o Poder Público outorgante da qualificação não participa da sua
direção ou administração; seus objetivos são mais amplos, não se destinam a substituir o Poder
Público na prestação de certos serviços públicos”.107

A vedação à cumulação de títulos de OSCIP – Organizações da Sociedade Civil de


Interesse Público e OS – Organizações Sociais depende de lei expressa de cada ente
federado, consoante restou destacado na I Jornada de Direito Administrativo, promovida
pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 9 – Em respeito ao princípio da autonomia federativa (art. 18 da CF), a vedação ao


acúmulo dos títulos de OSCIP e OS prevista no art. 2º, inc. IX, c/c art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei n.
9.790/1999 apenas se refere à esfera federal, não abrangendo a qualificação como OS nos Estados,
no Distrito Federal e nos Municípios.

Em âmbito federal, centenas de organizações da sociedade civil de interesse público já


foram qualificadas pelo Ministério da Justiça para atuar em áreas tais como ambiental,
cultural, de pesquisa, assistencial, educacional etc. Cite-se, por exemplo, a Associação de
Proteção aos Direitos dos Deficientes Físicos do Brasil, a Associação de Proteção aos
Consumidores de Energia Elétrica de MG, o Centro de Estudos Avançados da
Conservação Integrada, o Instituto da Advocacia Social, a Agência de Desenvolvimento
Sustentável da Região Lago de Tucuruí, a Amar - Amparo Às Mães De Alto Risco, a
Associação Artística de Concertos do Ceará, o Instituto Brasileiro de Educação e Meio

106
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
107
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Ambiente, dentre muitos outros. A relação atualizada das OSCIPs atualmente qualificadas
pode ser encontrada no site do Ministério da Justiça108.

1.13.6) Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014)

A Lei 13.019/2014, com a redação dada pela Lei 13.204/2015, instituiu o novo marco
regulatório do Terceiro Setor, passando a atribuir a qualificação geral de organização da
sociedade civil a todas as entidades privadas sem fins lucrativos que até então não tinham
uma qualificação específica, salvo as já referidas nos tópicos anteriores (OS e OSCIP).

Essa nova lei estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de
finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de
projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de
colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação. Além disso, define
diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações
da sociedade civil.

Antes do advento da Lei 13.019/2014, os três instrumentos utilizados nas parcerias sem
fins lucrativos entre setor público e privado eram o convênio (mais tradicional e de alcance
geral), o contrato de gestão (para a OS) e o termo de parceria (para a OSCIP). A nova lei
criou mais três instrumentos: termo de colaboração, termo de fomento e acordo de
cooperação.

Organização da sociedade civil é um conceito amplo empregado para designar uma


gama de entidades privadas sem fins lucrativos, sociedades cooperativas e organizações
religiosas, como se infere do próprio texto do art. 2o, I, da referida lei: "a) entidade privada
sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros,
diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes
operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações
ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os
aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por
meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; b) as sociedades
cooperativas previstas na Lei 9.867/99; as integradas por pessoas em situação de risco
ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à
pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e
capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e
extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse
público e de cunho social; c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou
a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins
exclusivamente religiosos".

O art. 3o, por sua vez, elencou as situações específicas que escapam do âmbito de
incidência da lei, de modo que as entidades privadas aí envolvidas não serão tratadas
como organizações da sociedade civil. Portanto, não se aplica a Lei 13.019/2014 nos
seguintes casos: a) entidades beneficiadas por transferências de recursos homologadas
pelo Congresso Nacional ou autorizadas pelo Senado Federal, conforme tratados, acordos
108
Disponível em: http://portal.mj.gov.br/SistemaOscip/resultadoconsulta.asp

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e convenções internacionais; b) contratos de gestão celebrados com organizações sociais


(Lei 9.637/98); c) convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem fins
lucrativos para serviços no âmbito do sistema único de saúde - SUS (art. 199, §1o, da CF);
d) termos de compromisso cultural (Lei 13.018/2014); e) termos de parceria celebrados
com organizações da sociedade civil de interesse público (Lei 9.790/98); f) transferências
para entidades privadas sem fins lucrativos que atuem na educação especial de
deficientes, incluindo os repasses de recursos para a alimentação escolar (Leis
10.845/2004 e 11.947/2009); g) pagamentos realizados a título de anuidades,
contribuições ou taxas associativas em favor de organismos internacionais ou entidades
obrigatoriamente constituídas por membros de Poder ou do Ministério Público; dirigentes
de órgão ou de entidade da administração pública; pessoas jurídicas de direito público
interno; pessoas jurídicas integrantes da administração pública; h) parcerias entre a
administração pública e os serviços sociais autônomos.

Vê-se, assim, que as qualificações previstas na Lei 9.637/98 (organizações sociais) e na


Lei 9.790/99 (organização da sociedade civil de interesse público) foram mantidas. Além
disso, foram mantidos os convênios e outras parcerias nos demais casos acima
especificados, que também escapam à qualificação de organização da sociedade civil.

Conforme as conclusões da I Jornada de Direito Administrativo, promovida pelo Centro de


Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, deve-se delimitar o conceito legal de
dirigente de organização da sociedade civil, afastando os equívocos da extensão
indevida da definição a outras pessoas:

Enunciado 5 . O conceito de dirigentes de organização da sociedade civil estabelecido no art. 2º, inc.
IV, da Lei n. 13.019/2014 contempla profissionais com a atuação efetiva na gestão executiva da
entidade, por meio do exercício de funções de administração, gestão, controle e representação da
pessoa jurídica, e, por isso, não se estende aos membros de órgãos colegiados não executivos,
independentemente da nomenclatura adotada pelo estatuto social.

Voltaremos ao tema das organizações da sociedade civil no capítulo dos acordos de


vontade da Administração, quando serão estudados o termo de colaboração, o termo de
fomento e o acordo de cooperação.

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