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ANAMNESE
ALESSANDRO FINKELSZTEJN
MAX BRENNER
BEATRIZ DE M. ALBUQUERQUE
GALTON DE C. ALBUQUERQUE

No seu dia-a-dia, o médico deve responder a três perguntas básicas:


1. Qual é o problema do paciente?
2. O que posso fazer por ele?
3. Qual será o resultado?
A resposta da primeira pergunta envolve todo o processo de diagnóstico e é
essencial para as respostas das demais. Saber o que fazer pelo paciente implica
conhecer as possibilidades terapêuticas. Finalmente, a resposta da terceira per-
gunta revela o prognóstico.
Uma quarta pergunta – Por que isso aconteceu? – também costuma vir à
mente do médico preocupado com o melhor entendimento das causas e com a
prevenção dos problemas.
Cada questão corresponde a um dos quatro tópicos fundamentais da clínica
médica: (a) diagnóstico; (b) tratamento; (c) prognóstico e (d) prevenção. O mais
importante dos tópicos é o diagnóstico, pois, se ele estiver errado, como se po-
derá tratar ou prevenir adequadamente?
Para responder à primeira pergunta, o médico conta com diversas fontes de
informação clínica, que podem ser resumidas em três grupos: diálogo (anamnese),
observação (exame físico) e exames complementares (análises clínicas, estudos
de imagem e outros).

A ANAMNESE E O RACIOCÍNIO DIAGNÓSTICO


Dentre os instrumentos diagnósticos, a anamnese é a principal ferramenta dispo-
nível. O resultado de uma pesquisa revela que a hipótese diagnóstica, levantada
com base exclusivamente na anamnese, está correta em 56% dos casos de clínica
médica. Tal valor é elevado a 73% se juntarmos o exame físico. Outros estudos
fornecem percentuais de acerto, ainda maiores, da anamnese e do exame físico
no estabelecimento do diagnóstico definitivo.
Esse enorme poder diagnóstico da anamnese precisa ser bem-entendido para
que se possa otimizar sua utilização.
Os três instrumentos diagnósticos (anamnese, exame físico e exames comple-
mentares) têm importância variável de caso para caso. A simples observação de
um paciente com síndrome de Down permite que se estabeleça o diagnóstico
sem que se troque qualquer palavra com o doente e sem a necessidade de um
cariótipo para confirmar a trissomia do cromossomo 21. O diagnóstico de angina
do peito é em geral estabelecido com base exclusivamente na anamnese, enquanto
a anemia é diagnosticada por exame complementar.
Independentemente da fonte da informação (diálogo, observação ou laborató-
rio), a coleta de dados é uma aplicação do método científico, processo pelo qual
a experimentação leva ao descobrimento de novo conhecimento. Partindo de
uma hipótese, realiza-se um experimento. A análise do resultado permite confirmar
ou rejeitar a hipótese. No caso da clínica, esse processo repete-se múltiplas vezes
por meio de algumas perguntas, e o novo conhecimento é o diagnóstico.
Como quase tudo em medicina, a anamnese precisa ser adaptada a cada
paciente. É preciso sempre ter em mente que ela é um instrumento diagnóstico e
que o diagnóstico é uma abstração, uma classificação que, quando correta, pos-
sibilita ao médico escolher a melhor opção terapêutica para cada caso. Permite,
ainda, saber a sua prevenção e as probabilidades de evolução para cada paciente.
A anamnese, entendida como uma ferramenta que auxilia na formulação
diagnóstica, deve ser utilizada dando-se o peso apropriado às informações obtidas.
Cada elemento da anamnese serve como um teste diagnóstico, assim como a
palpação do baço ou um exame de imagem. Desse modo, as questões da anam-
nese possuem maior ou menor sensibilidade e especificidade para cada patologia.
Um exemplo é a pergunta “Você tem tosse?”, que possui uma sensibilidade
apreciável para a tuberculose pulmonar, mas baixa especificidade, pois é res-
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pondida positivamente por pacientes com muitas outras patologias (como bron-
quite crônica, pneumonia, embolia pulmonar e insuficiência cardíaca conges-
tiva).
Perguntas com alta sensibilidade são especialmente úteis quando negativas,
pois permitem reduzir consideravelmente a chance de determinado diagnóstico.
Por exemplo, um paciente que nunca tem dor articular possui uma probabilidade
mínima de ter artrite reumatóide. Observações de alta especificidade são mais
úteis quando estão presentes, como as manchas de Koplik no sarampo e a erupção
da face em forma de asa de borboleta do lúpus eritematoso.
Como regra, as perguntas e/ou observações altamente sensíveis para deter-
minado diagnóstico são úteis para a exclusão do mesmo quando ausentes. Já as
perguntas e/ou observações altamente específicas são úteis para a confirmação
do diagnóstico quando presentes.
Cada resposta do paciente ou observação no exame físico permite ao médico/
estudante não apenas estimar a probabilidade de determinado diagnóstico, mas
também escolher que outras perguntas e manobras deve priorizar ou deixar em
segundo plano.
O contato com o paciente é repleto de informações visuais, auditivas e táteis
que são fundamentais para o raciocínio diagnóstico.
Sackett e colaboradores ensinam que, na prática, são utilizadas quatro estra-
tégias diagnósticas. A primeira, muito comum, é a de reconhecimento de um

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padrão. É o reconhecimento instantâneo de que o paciente apresenta-se de acordo
com um padrão conhecido e previamente aprendido. O diagnóstico é geralmente
visual, mas pode ser reconhecido por qualquer outra ferramenta diagnóstica.
Exemplos não faltam: o diagnóstico visual da doença de Graves ou da síndrome
de Down; o diagnóstico auditivo de fenda palatina ou o diagnóstico por telefone
de hipotireoidismo pelo reconhecimento da voz rouca do mixedematoso; o diag-
nóstico de abuso de álcool ou de cetoacidose diabética pelo hálito com odor
característico. O diagnóstico pode também ser pelo tato, como quando se palpa
um gânglio pétreo e se reconhece o padrão de uma metástase.
A segunda estratégia é a da ramificação múltipla (algoritmo). O processo
evolui de acordo com caminhos preestabelecidos dependendo das respostas obti-
das até chegar-se ao diagnóstico. Em geral, o objetivo dos algoritmos é a triagem,
não o diagnóstico. É muito utilizado por paramédicos, mas muito pouco usado por
médicos, particularmente em situações de problemas incomuns.
A terceira, a história completa, é a técnica da exaustão, que muitos estudantes
imaginam ser o caminho correto para o diagnóstico, infelizmente, por ser uma
idéia difundida por muitos professores. É a estratégia dos novatos logo abandona-
da pelos mais experientes. Nas histórias completas costuma-se agrupar um grande
volume de dados, coletados seguindo-se modelos preestabelecidos, que geralmen-
te não representam informações clínicas relevantes.
Nesse ponto, é importante explicar a diferença entre dado e informação. Os
dados são apenas fatos, ou conjuntos de fatos, enquanto que as informações
implicam conhecimentos que dão aos primeiros um significado diferente de acordo
com a situação e com o conhecimento que se tem. Exemplificando: a pressão
arterial de 110/70 é um dado que, freqüentemente, traz consigo a informação

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“pressão arterial normal”. Em outro contexto, no entanto, como no caso em que
o paciente relata ser hipertenso com pressão arterial habitualmente em torno de
160/100 e que vem à consulta por estar há uma semana evacuando fezes pretas,
brilhantes e malcheirosas, o dado pode ser o mesmo – PA de 110/70, mas a
informação contida é outra: “hipovolemia por hemorragia digestiva alta”.
Na estratégia da exaustão, o processo diagnóstico ocorre em duas etapas. Na
primeira, o médico/estudante reúne um amontoado de dados geralmente com
poucas informações clínicas. Na segunda, passa a peneirar os dados tentando
obter informações clínicas e um diagnóstico. A estratégia da exaustão é trágica
para as finanças do paciente, de seu plano de saúde ou do governo, quando
aplicada na solicitação de exames complementares. A chamada anamnese comple-
ta, a técnica da exaustão, não existe na prática diária. Os alunos de semiologia
devem aprendê-la e, depois, nunca mais utilizá-la.
Finalmente, a estratégia hipotético-dedutiva é a utilizada por quase todos os
clínicos na obtenção do diagnóstico.
Imagine a situação em que você é o plantonista do setor de emergência do
hospital, está no quarto dos médicos e atende o telefone. É a enfermeira quem
diz: “Chegou um homem de 56 anos com dor no peito e falta de ar”. Como é
relatado por Sackett e colaboradores, essa situação foi apresentada para cente-
nas de médicos e estudantes, e a reação foi uniforme. Logo após ouvir esse
fragmento de informação, reagiram praticamente de um mesmo modo. Primeiro,

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estabeleceram um diagnóstico, começando com infarto do miocárdio e embolia
pulmonar e continuando com pneumotórax e outras situações de catástrofe in-
tratorácica. Alternativamente, iniciaram com opções de conduta: “baixe na UTI”,
“monitorize o paciente” e assim por diante.
A estratégia hipotético-dedutiva é a formulação que inicia com as primeiras
pistas sobre o problema do paciente e que inclui uma pequena lista de possibilida-
des diagnósticas. É seguida pela execução de ações clínicas (história e exame
físico) e paraclínicas (p. ex., raio X e laboratório) dirigidas pelas hipóteses levanta-
das, e que irão reduzir a lista de possibilidades e, finalmente, levar ao diagnóstico.
De onde surgem as hipóteses diagnósticas?
A melhor explicação é a de que as hipóteses vêm do reconhecimento de um
padrão que, ao invés de suscitar uma única possibilidade, propicia que se pense
em alguns diagnósticos com probabilidade muito alta.
Um grupo de investigadores gravou fitas de vídeo, ao acaso, de internistas e
médicos de família executando o exame clínico de pacientes programados com
diagnósticos de pericardite, úlcera duodenal, neuropatia periférica ou esclerose
múltipla. Os investigadores documentaram que a primeira hipótese diagnóstica
foi levantada pelos médicos em média 28 segundos após ouvirem a queixa princi-
pal (com variação de 11 segundos para o paciente com esclerose múltipla e de
até 55 segundos no caso de neuropatia periférica). A hipótese correta foi levantada
em uma média de seis minutos (menos de um minuto para esclerose múltipla e
menos de 90 segundos para o paciente com úlcera duodenal). Nesse estudo, os
clínicos acertaram o diagnóstico em 75% dos casos, tendo levantado uma média
de 5,5 hipóteses para cada exame clínico. Ao mesmo tempo em que pensaram
em uma curta lista de diagnósticos, os clínicos foram perguntando ou examinando
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os pacientes, especificamente para confirmar ou rejeitar suas hipóteses e, com as


respostas obtidas, foram encurtando as listas até chegarem ao diagnóstico.
Entretanto, quando os estudantes e os médicos jovens passam a adotar essa
estratégia?
Os autores do estudo anteriormente descrito aplicaram a mesma técnica com
estudantes de medicina, e os resultados foram dramáticos. Eles empregam a
estratégia hipotético-dedutiva ao chegarem na faculdade de medicina! Indepen-
dentemente do tempo de faculdade, os estudantes levantaram a primeira hipótese
diagnóstica entre 20 e 50 segundos após ouvirem a queixa principal, pensaram
em seis hipóteses e, seletivamente, seguiram executando a história e o exame
físico para confirmá-las.
As diferenças entre os estudantes novatos e os doutorandos (e entre os estu-
dantes de medicina e os clínicos experientes) foi quantitativa, não qualitativa. O
tempo de estudo adicional e a experiência fizeram com que os clínicos tivessem
uma maior probabilidade de chegar ao diagnóstico correto em menos tempo e
com perguntas e dados do exame físico mais pertinentes em relação à hipótese
diagnóstica.
Com base nesses estudos e em outros similares, conclui-se que a estratégia
hipotético-dedutiva é a descrição mais apropriada de como o processo diagnóstico
é executado por estudantes e médicos experientes.

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Para que se possa avançar no aperfeiçoamento dessa estratégia, é preciso
estudar dois aspectos do problema. Primeiro, é necessário estudar os modelos
que permitem reconhecer os padrões que fazem levantar as poucas hipóteses e
que dão início ao processo diagnóstico. Segundo, deve-se aperfeiçoar a seleção,
aquisição e interpretação das informações clínicas e paraclínicas que melhor levarão
ao diagnóstico correto.

ROTEIRO DA ANAMNESE
O roteiro da anamnese é uma forma padronizada de registrar a entrevista. No
entanto, não convém segui-lo exatamente na ordem proposta, uma vez que a
mesma não só é desnecessária para se atingir o objetivo (o diagnóstico correto),
como também prejudica a qualidade da entrevista e a relação médico/estudante-
paciente.
Acima de tudo, é indispensável saber ouvir. Deixar o paciente contar sua
história, da sua maneira. Uma boa anamnese inicia com a apresentação e o propó-
sito do entrevistador – por exemplo: “– Bom dia. Meu nome é Miguel, sou estu-
dante de medicina e atualmente estou acompanhando a equipe da Dra. Ângela.
Gostaria de conversar com o senhor durante uns 20 minutos para entender seus
problemas”. Nesse momento, pode-se falar qualquer coisa que sirva para des-
contrair o início da entrevista e deve-se observar se o paciente está confortável.
Inicie a entrevista propriamente dita com uma pergunta aberta. Dê tempo
para o paciente responder e assuma uma atitude de quem está ali para ouvir. Se
o paciente for reticente ou mesmo prolixo, não desista antes de umas quatro ou
cinco perguntas abertas. Passe a empregar perguntas mais focadas somente quan-

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do você já tiver ouvido do paciente o suficiente para ter alguma idéia diagnóstica.
A anamnese (Quadro 1.1) deve identificar o paciente, definir claramente sua
queixa principal, detalhar como a queixa principal ocorreu e como evoluiu até o
momento da entrevista, e revisar outros sintomas que possam ter significância
clínica mas que, eventualmente, tenham sido esquecidos ou menos valorizados
(Quadro 1.2). Deve também revisar como foi o desenvolvimento, a ocorrência
de patologias prévias e o seu manejo; pesquisar a presença de sintomas ou
diagnósticos significativos na família ou no círculo social próximo; definir as condi-
ções sociais que favorecem ou desfavorecem o paciente ou modificam o risco e
o prognóstico das patologias em questão.
A queixa principal, formulada a partir das palavras da pessoa, indica quais os
motivos do paciente para a busca de auxílio médico, melhor respondendo à per-
gunta “por quê?”. Já o estímulo iatrotrópico consiste na razão pela qual o paciente
decidiu procurar o médico neste momento específico, respondendo melhor à
pergunta “por que agora?”.

DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Q A anamnese ideal é aquela em que se faz uma pergunta e o paciente discorre
livremente sobre seus sintomas.

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Quadro 1.1 Elementos básicos da anamnese

Q Identificação: nome, leito, registro, idade, estado civil, cor/grupo étnico, pro-
cedência, naturalidade (nacionalidade), profissão e religião.
Q Queixa principal (ou motivo da internação).
Q Estímulo iatrotrópico.
Q História da doença atual (tudo o que estiver relacionado à queixa principal):
características específicas da queixa, início e evolução, duração, localização dos
sintomas (e irradiações), relação com outros sintomas, relação com outros órgãos,
situações que aliviam os sintomas e situações que exacerbam os sintomas.
Q Revisão de sintomas (ver Quadro 1.2): geral e nutrição, pele, cabeça, olhos,
ouvidos, nariz e seios paranasais, boca e orofaringe, pescoço, mamas, sistemas
respiratório, circulatório, digestório, geniturinário, endócrino, musculoesque-
lético, nervoso e psiquismo.
Q História médica pregressa: doenças prévias, cirurgias e internações prévias, imuni-
zações, uso de drogas, alcoolismo, tabagismo, alergias, transfusões de sangue.
Q História familiar: perguntar, no mínimo, a respeito de diabete melito, hiperten-
são arterial sistêmica, tuberculose, câncer, asma, cardiopatia, morte súbita.
Q Perfil psicossocial: educação, estilo de vida, com quem mora, história sexual,
trabalho, condições de habitação, tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas.

Q Os sintomas do paciente devem ser definidos claramente antes de o médico


prosseguir a anamnese (p. ex., se a queixa é de cansaço, definir se há
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perda da força, dispnéia, perda da vontade ou fatigabilidade).


Q O médico deve olhar nos olhos do paciente e transmitir interesse e atenção.
Q O paciente deve ser avisado pelo médico, próximo do término da entrevista,
de que ele pretende encerrá-la em cerca de cinco minutos, permitindo,
assim, que surjam tópicos ainda não-abordados.
Q As funções do ego (Quadro 1.3) devem ser observadas durante a anamnese.

O FOCO DA ATENÇÃO: A CONSULTA AMBULATORIAL,


A CONSULTA EM SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA E O
PACIENTE INTERNADO
A formação médica, principalmente o início da experiência clínica, desenvolve-
se fundamentada no atendimento ao paciente internado. Para muitos, contudo,
não é claro que há dois outros modelos de atendimento igualmente importantes:
o atendimento ambulatorial e o atendimento em serviços de emergência. São
justamente esses dois modelos de atendimento que a maioria dos futuros médicos
irá executar. Daí a necessidade de maior treinamento do aluno sob esse enfoque.
O que muda entre esses três modelos de atendimento? Genericamente, pode-
se dizer que eles diferem em três aspectos fundamentais: (a) objetivo do paciente;
(b) objetivo do médico e (c) o tempo disponível para o diagnóstico e a resolução
do problema.

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Quadro 1.2 Revisão de sintomas agrupados em sistemas

Q Geral e nutrição: febre, calafrios, peso e variações, fraqueza, fadiga, sudorese,


história prévia de anemia, predisposição a sangramentos.
Q Pele: icterícia, lesões, prurido, alopecia, hirsutismo, lesões ungueais.
Q Cabeça: tontura, cefaléia, dor facial.
Q Aparelho ocular: alteração da visão, prurido, secreção, lacrimejamento, sensa-
ção de corpo estranho, fotofobia, diplopia, dor ocular, catarata, glaucoma
(também história familiar).
Q Aparelho auditivo: deficiência auditiva, vertigem, dor, secreção, zumbido, sen-
sação de pressão.
Q Nariz e seios paranasais: epistaxe, secreção, prurido, crises de espirro, história
de pólipo (“carne esponjosa”).
Q Boca e orofaringe: lesões da mucosa, alterações nos dentes, estomatorragia,
gota pós-nasal.
Q Pescoço: disfonia, protuberâncias, dor ao movimento, disfagia, odinofagia,
doença da tireóide.
Q Mamas: nódulos, secreção, dor, relação dos sintomas com o ciclo menstrual,
auto-exame, história familiar de mastopatia.
Q Sistema respiratório: dor torácica, tosse, dispnéia, expectoração, hemoptise,
sibilância (“chiado”).
Q Sistema circulatório: dor torácica, hipertensão arterial, palpitações, dispnéia
aos esforços, dispnéia paroxística noturna, ortopnéia, história de infarto do
miocárdio ou febre reumática, sopro, claudicação intermitente, edema de extre-
midades, varizes, tromboflebite, alterações tróficas.
Q Sistema digestório: apetite, dor abdominal, distensão abdominal, uso crônico

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de laxantes, vômitos, hematêmese, náuseas, pirose, hábito intestinal normal e
alterações, hematoquezia, enterorragia, melena, fezes em fita, acolia.
Q Sistema geniturinário: noctúria, polaciúria, urgência, incontinência, ardência
miccional, hematúria, colúria, eliminação de cálculos, dor no flanco, lesões
genitais, infertilidade, história de DST. No homem: impotência, massas na
bolsa escrotal, diminuição da força do jato urinário. Na mulher: prurido vaginal,
corrimento, dispareunia, anticoncepção, menorragia, metrorragia, amenorréia,
gestações e abortamentos, menarca e menopausa.
Q Sistema endócrino: intolerância ao calor ou ao frio, alterações da espessura
dos cabelos, mixedema, retardo psicomotor (ou aceleração), polifagia, polidip-
sia, poliúria, retardo do crescimento, hirsutismo, virilização (mulheres).
Q Sistema musculoesquelético: fraqueza, artralgia, mialgia, dor à mobilização,
limitação do movimento, deformidades, traumatismos, cãibra.
Q Sistema nervoso e psiquismo: paralisia, parestesias, síncope, história de transtor-
nos circulatórios encefálicos, movimentos involuntários, amnésia, disfasia, alte-
ração da marcha, funções do ego (Quadro 1.3).

Por exemplo, um paciente com dor no peito procura o serviço de emergência


para obter alívio imediato da dor. Em segundo lugar, ele deseja saber a causa da

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Quadro 1.3 Funções do ego (CASOMIAPeJuCoL)*

Q Consciência (alerta, sonolência, confusão, obnubilação, torpor, delírio, coma).


Q Atenção (hipovigilância, hipervigilância, hipertenacidade, hipotenacidade).
Q Sensopercepção (alucinação, apraxia, anestesia histérica, delírio).
Q Orientação (autopsíquica, alopsíquica).
Q Memória (amnésia, déjà vu, jamais vu).
Q Inteligência (retardo mental, demência, pensamento concreto, pensamento
abstrato).
Q Afeto (afeto adequado, inadequado, embotado ou lábil; disforia, irritabilidade,
euforia, depressão, anedonia, ansiedade, medo, tensão, pânico, ambivalência).
Q Pensamento (tangencialidade, incoerência, perseveração, pensamento mágico,
autismo, idéias supervalorizadas, delírios, hipocondria, obsessão, compulsão,
fobia).
Q Julgamento (crítico, automático, prejudicado) e insight (intelectual, verdadeiro,
prejudicado).
Q Conduta (catatonia, negativismo, cataplexia, estereotipia, mutismo, hiperati-
vidade, compulsão, drogadição).
Q Linguagem (normolalia, neologismo, taquilalia, gagueira, logorréia, afasias).

*As funções CASOMI estão mais associadas a síndromes cerebrais orgânicas, enquanto
as APeJuCoL estão mais relacionadas a transtornos psiquiátricos primários.
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dor. Logo, seu objetivo principal não é receber um diagnóstico brilhante. Sob o
ponto de vista do médico, não há muita diferença: em primeiro lugar, o alívio da
dor; em segundo, a procura de sinais e sintomas de gravidade e/ou de alerta.
Nesse caso, o médico deve excluir patologias potencialmente letais e de rápida
evolução se não-tratadas adequadamente, como infarto do miocárdio, embolia
pulmonar e pneumonia. Ele irá pesquisar, portanto, a presença ou ausência de
sinais e sintomas sugestivos de tais patologias. No exemplo descrito, o médico
deverá pesquisar se há instabilidade hemodinâmica, febre ou alterações da ausculta
cardíaca ou respiratória. Em seguida, deverá solicitar os exames complementares
que auxiliam em alguns diagnósticos e na exclusão de patologias graves: raios X
de tórax, eletrocardiograma e hemograma. Confirmada alguma das patologias,
o médico iniciará o tratamento específico e julgará a necessidade de o paciente
permanecer internado. Deve-se enfatizar que é ideal que todo esse atendimento
ocorra em aproximadamente 20 minutos na primeira fase (antes da solicitação
de exames complementares) e em menos tempo ainda na segunda fase (interpre-
tação dos exames e tomada de decisão). Com a limitação de tempo, o médico de
serviços de emergência tem que focar sua atenção nas patologias graves e delegar
investigações mais demoradas para o atendimento ambulatorial ou hospitalar.
Com relação ao atendimento ambulatorial e ao atendimento do paciente inter-
nado, o médico dispõe de mais tempo para a tomada de decisões. Contudo, à
medida que o tempo disponível aumenta, cresce também a responsabilidade de

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Quadro 1.4 Princípios éticos para o contato com o paciente

Q Abster-se de praticar quaisquer atos desnecessários que possam significar risco


para a vida, assim como não permitir que outro membro da equipe de saúde
da qual participe os pratique.
Q Jamais participar de procedimentos desumanos e/ou cruéis contra pessoas ou
fornecer informações ou meios que permitam a outros realizá-los.
Q Não executar atos médicos sem treinamento prévio, supervisão médica e ca-
pacitação legal e profissional.
Q Guardar segredo sobre fatos de seu conhecimento por tê-los visto, ouvido ou
deduzido no exercício de sua atividade junto aos pacientes (desde que o segre-
do não interfira na segurança ou integridade de outrem).
Q Tratar o paciente como sujeito e não como objeto de estudo.
Q Demonstrar simpatia e respeito.
Q Ter calma e prudência.
Q Jamais hostilizar o paciente ou familiares (mesmo quando observar nesses um
comportamento hostil).
Q Compreender e tolerar manifestações agressivas exibidas pelo paciente.

Fonte: Porto(1).

se estabelecer um diagnóstico específico. Apesar de o atendimento ao paciente


internado não ser a situação mais freqüente na prática médica diária, é nesse

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ambiente que se concentram os pacientes com maior número de sinais e sintomas,
pré-requisitos para a formação médica.
Assim, ficam demonstradas as principais diferenças entre os três modelos des-
critos. Portanto, o estudante de medicina precisa saber desde cedo que o tempo
de atendimento deve ser cada vez melhor aproveitado, tendo já em mente as
perguntas mais importantes em cada caso e os sinais que mais o ajudarão a
excluir os diagnósticos possíveis e, até mesmo, a diagnosticar a causa exata da
queixa do paciente. À medida que vão sendo atingindos níveis progressivamente
maiores de conhecimento teórico e prático, sempre respeitando os princípios
éticos (Quadro 1.4), deve-se buscar um atendimento cada vez mais dinâmico,
ágil e objetivo, dispensando perguntas e a procura de sinais clínicos que de nada
ajudarão no diagnóstico nem no tratamento em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS


1. Porto CC. Código de ética do estudante de medicina. IV Conferência Pan-Americana de
Educação Médica e XIV Congr. Bras. Educ. Méd. Rio de Janeiro:[s.n]; 1976.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS


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27
Coulehan J, Block M. A entrevista médica. Porto Alegre: Artmed; 1989.

Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 3. ed.
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