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ANAMNESE
ALESSANDRO FINKELSZTEJN
MAX BRENNER
BEATRIZ DE M. ALBUQUERQUE
GALTON DE C. ALBUQUERQUE
pondida positivamente por pacientes com muitas outras patologias (como bron-
quite crônica, pneumonia, embolia pulmonar e insuficiência cardíaca conges-
tiva).
Perguntas com alta sensibilidade são especialmente úteis quando negativas,
pois permitem reduzir consideravelmente a chance de determinado diagnóstico.
Por exemplo, um paciente que nunca tem dor articular possui uma probabilidade
mínima de ter artrite reumatóide. Observações de alta especificidade são mais
úteis quando estão presentes, como as manchas de Koplik no sarampo e a erupção
da face em forma de asa de borboleta do lúpus eritematoso.
Como regra, as perguntas e/ou observações altamente sensíveis para deter-
minado diagnóstico são úteis para a exclusão do mesmo quando ausentes. Já as
perguntas e/ou observações altamente específicas são úteis para a confirmação
do diagnóstico quando presentes.
Cada resposta do paciente ou observação no exame físico permite ao médico/
estudante não apenas estimar a probabilidade de determinado diagnóstico, mas
também escolher que outras perguntas e manobras deve priorizar ou deixar em
segundo plano.
O contato com o paciente é repleto de informações visuais, auditivas e táteis
que são fundamentais para o raciocínio diagnóstico.
Sackett e colaboradores ensinam que, na prática, são utilizadas quatro estra-
tégias diagnósticas. A primeira, muito comum, é a de reconhecimento de um
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padrão. É o reconhecimento instantâneo de que o paciente apresenta-se de acordo
com um padrão conhecido e previamente aprendido. O diagnóstico é geralmente
visual, mas pode ser reconhecido por qualquer outra ferramenta diagnóstica.
Exemplos não faltam: o diagnóstico visual da doença de Graves ou da síndrome
de Down; o diagnóstico auditivo de fenda palatina ou o diagnóstico por telefone
de hipotireoidismo pelo reconhecimento da voz rouca do mixedematoso; o diag-
nóstico de abuso de álcool ou de cetoacidose diabética pelo hálito com odor
característico. O diagnóstico pode também ser pelo tato, como quando se palpa
um gânglio pétreo e se reconhece o padrão de uma metástase.
A segunda estratégia é a da ramificação múltipla (algoritmo). O processo
evolui de acordo com caminhos preestabelecidos dependendo das respostas obti-
das até chegar-se ao diagnóstico. Em geral, o objetivo dos algoritmos é a triagem,
não o diagnóstico. É muito utilizado por paramédicos, mas muito pouco usado por
médicos, particularmente em situações de problemas incomuns.
A terceira, a história completa, é a técnica da exaustão, que muitos estudantes
imaginam ser o caminho correto para o diagnóstico, infelizmente, por ser uma
idéia difundida por muitos professores. É a estratégia dos novatos logo abandona-
da pelos mais experientes. Nas histórias completas costuma-se agrupar um grande
volume de dados, coletados seguindo-se modelos preestabelecidos, que geralmen-
te não representam informações clínicas relevantes.
Nesse ponto, é importante explicar a diferença entre dado e informação. Os
dados são apenas fatos, ou conjuntos de fatos, enquanto que as informações
implicam conhecimentos que dão aos primeiros um significado diferente de acordo
com a situação e com o conhecimento que se tem. Exemplificando: a pressão
arterial de 110/70 é um dado que, freqüentemente, traz consigo a informação
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“pressão arterial normal”. Em outro contexto, no entanto, como no caso em que
o paciente relata ser hipertenso com pressão arterial habitualmente em torno de
160/100 e que vem à consulta por estar há uma semana evacuando fezes pretas,
brilhantes e malcheirosas, o dado pode ser o mesmo – PA de 110/70, mas a
informação contida é outra: “hipovolemia por hemorragia digestiva alta”.
Na estratégia da exaustão, o processo diagnóstico ocorre em duas etapas. Na
primeira, o médico/estudante reúne um amontoado de dados geralmente com
poucas informações clínicas. Na segunda, passa a peneirar os dados tentando
obter informações clínicas e um diagnóstico. A estratégia da exaustão é trágica
para as finanças do paciente, de seu plano de saúde ou do governo, quando
aplicada na solicitação de exames complementares. A chamada anamnese comple-
ta, a técnica da exaustão, não existe na prática diária. Os alunos de semiologia
devem aprendê-la e, depois, nunca mais utilizá-la.
Finalmente, a estratégia hipotético-dedutiva é a utilizada por quase todos os
clínicos na obtenção do diagnóstico.
Imagine a situação em que você é o plantonista do setor de emergência do
hospital, está no quarto dos médicos e atende o telefone. É a enfermeira quem
diz: “Chegou um homem de 56 anos com dor no peito e falta de ar”. Como é
relatado por Sackett e colaboradores, essa situação foi apresentada para cente-
nas de médicos e estudantes, e a reação foi uniforme. Logo após ouvir esse
fragmento de informação, reagiram praticamente de um mesmo modo. Primeiro,
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estabeleceram um diagnóstico, começando com infarto do miocárdio e embolia
pulmonar e continuando com pneumotórax e outras situações de catástrofe in-
tratorácica. Alternativamente, iniciaram com opções de conduta: “baixe na UTI”,
“monitorize o paciente” e assim por diante.
A estratégia hipotético-dedutiva é a formulação que inicia com as primeiras
pistas sobre o problema do paciente e que inclui uma pequena lista de possibilida-
des diagnósticas. É seguida pela execução de ações clínicas (história e exame
físico) e paraclínicas (p. ex., raio X e laboratório) dirigidas pelas hipóteses levanta-
das, e que irão reduzir a lista de possibilidades e, finalmente, levar ao diagnóstico.
De onde surgem as hipóteses diagnósticas?
A melhor explicação é a de que as hipóteses vêm do reconhecimento de um
padrão que, ao invés de suscitar uma única possibilidade, propicia que se pense
em alguns diagnósticos com probabilidade muito alta.
Um grupo de investigadores gravou fitas de vídeo, ao acaso, de internistas e
médicos de família executando o exame clínico de pacientes programados com
diagnósticos de pericardite, úlcera duodenal, neuropatia periférica ou esclerose
múltipla. Os investigadores documentaram que a primeira hipótese diagnóstica
foi levantada pelos médicos em média 28 segundos após ouvirem a queixa princi-
pal (com variação de 11 segundos para o paciente com esclerose múltipla e de
até 55 segundos no caso de neuropatia periférica). A hipótese correta foi levantada
em uma média de seis minutos (menos de um minuto para esclerose múltipla e
menos de 90 segundos para o paciente com úlcera duodenal). Nesse estudo, os
clínicos acertaram o diagnóstico em 75% dos casos, tendo levantado uma média
de 5,5 hipóteses para cada exame clínico. Ao mesmo tempo em que pensaram
em uma curta lista de diagnósticos, os clínicos foram perguntando ou examinando
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Para que se possa avançar no aperfeiçoamento dessa estratégia, é preciso
estudar dois aspectos do problema. Primeiro, é necessário estudar os modelos
que permitem reconhecer os padrões que fazem levantar as poucas hipóteses e
que dão início ao processo diagnóstico. Segundo, deve-se aperfeiçoar a seleção,
aquisição e interpretação das informações clínicas e paraclínicas que melhor levarão
ao diagnóstico correto.
ROTEIRO DA ANAMNESE
O roteiro da anamnese é uma forma padronizada de registrar a entrevista. No
entanto, não convém segui-lo exatamente na ordem proposta, uma vez que a
mesma não só é desnecessária para se atingir o objetivo (o diagnóstico correto),
como também prejudica a qualidade da entrevista e a relação médico/estudante-
paciente.
Acima de tudo, é indispensável saber ouvir. Deixar o paciente contar sua
história, da sua maneira. Uma boa anamnese inicia com a apresentação e o propó-
sito do entrevistador – por exemplo: “– Bom dia. Meu nome é Miguel, sou estu-
dante de medicina e atualmente estou acompanhando a equipe da Dra. Ângela.
Gostaria de conversar com o senhor durante uns 20 minutos para entender seus
problemas”. Nesse momento, pode-se falar qualquer coisa que sirva para des-
contrair o início da entrevista e deve-se observar se o paciente está confortável.
Inicie a entrevista propriamente dita com uma pergunta aberta. Dê tempo
para o paciente responder e assuma uma atitude de quem está ali para ouvir. Se
o paciente for reticente ou mesmo prolixo, não desista antes de umas quatro ou
cinco perguntas abertas. Passe a empregar perguntas mais focadas somente quan-
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do você já tiver ouvido do paciente o suficiente para ter alguma idéia diagnóstica.
A anamnese (Quadro 1.1) deve identificar o paciente, definir claramente sua
queixa principal, detalhar como a queixa principal ocorreu e como evoluiu até o
momento da entrevista, e revisar outros sintomas que possam ter significância
clínica mas que, eventualmente, tenham sido esquecidos ou menos valorizados
(Quadro 1.2). Deve também revisar como foi o desenvolvimento, a ocorrência
de patologias prévias e o seu manejo; pesquisar a presença de sintomas ou
diagnósticos significativos na família ou no círculo social próximo; definir as condi-
ções sociais que favorecem ou desfavorecem o paciente ou modificam o risco e
o prognóstico das patologias em questão.
A queixa principal, formulada a partir das palavras da pessoa, indica quais os
motivos do paciente para a busca de auxílio médico, melhor respondendo à per-
gunta “por quê?”. Já o estímulo iatrotrópico consiste na razão pela qual o paciente
decidiu procurar o médico neste momento específico, respondendo melhor à
pergunta “por que agora?”.
DICAS DE SEMIOTÉCNICA
Q A anamnese ideal é aquela em que se faz uma pergunta e o paciente discorre
livremente sobre seus sintomas.
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Quadro 1.1 Elementos básicos da anamnese
Q Identificação: nome, leito, registro, idade, estado civil, cor/grupo étnico, pro-
cedência, naturalidade (nacionalidade), profissão e religião.
Q Queixa principal (ou motivo da internação).
Q Estímulo iatrotrópico.
Q História da doença atual (tudo o que estiver relacionado à queixa principal):
características específicas da queixa, início e evolução, duração, localização dos
sintomas (e irradiações), relação com outros sintomas, relação com outros órgãos,
situações que aliviam os sintomas e situações que exacerbam os sintomas.
Q Revisão de sintomas (ver Quadro 1.2): geral e nutrição, pele, cabeça, olhos,
ouvidos, nariz e seios paranasais, boca e orofaringe, pescoço, mamas, sistemas
respiratório, circulatório, digestório, geniturinário, endócrino, musculoesque-
lético, nervoso e psiquismo.
Q História médica pregressa: doenças prévias, cirurgias e internações prévias, imuni-
zações, uso de drogas, alcoolismo, tabagismo, alergias, transfusões de sangue.
Q História familiar: perguntar, no mínimo, a respeito de diabete melito, hiperten-
são arterial sistêmica, tuberculose, câncer, asma, cardiopatia, morte súbita.
Q Perfil psicossocial: educação, estilo de vida, com quem mora, história sexual,
trabalho, condições de habitação, tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas.
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Quadro 1.2 Revisão de sintomas agrupados em sistemas
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de laxantes, vômitos, hematêmese, náuseas, pirose, hábito intestinal normal e
alterações, hematoquezia, enterorragia, melena, fezes em fita, acolia.
Q Sistema geniturinário: noctúria, polaciúria, urgência, incontinência, ardência
miccional, hematúria, colúria, eliminação de cálculos, dor no flanco, lesões
genitais, infertilidade, história de DST. No homem: impotência, massas na
bolsa escrotal, diminuição da força do jato urinário. Na mulher: prurido vaginal,
corrimento, dispareunia, anticoncepção, menorragia, metrorragia, amenorréia,
gestações e abortamentos, menarca e menopausa.
Q Sistema endócrino: intolerância ao calor ou ao frio, alterações da espessura
dos cabelos, mixedema, retardo psicomotor (ou aceleração), polifagia, polidip-
sia, poliúria, retardo do crescimento, hirsutismo, virilização (mulheres).
Q Sistema musculoesquelético: fraqueza, artralgia, mialgia, dor à mobilização,
limitação do movimento, deformidades, traumatismos, cãibra.
Q Sistema nervoso e psiquismo: paralisia, parestesias, síncope, história de transtor-
nos circulatórios encefálicos, movimentos involuntários, amnésia, disfasia, alte-
ração da marcha, funções do ego (Quadro 1.3).
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Quadro 1.3 Funções do ego (CASOMIAPeJuCoL)*
*As funções CASOMI estão mais associadas a síndromes cerebrais orgânicas, enquanto
as APeJuCoL estão mais relacionadas a transtornos psiquiátricos primários.
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dor. Logo, seu objetivo principal não é receber um diagnóstico brilhante. Sob o
ponto de vista do médico, não há muita diferença: em primeiro lugar, o alívio da
dor; em segundo, a procura de sinais e sintomas de gravidade e/ou de alerta.
Nesse caso, o médico deve excluir patologias potencialmente letais e de rápida
evolução se não-tratadas adequadamente, como infarto do miocárdio, embolia
pulmonar e pneumonia. Ele irá pesquisar, portanto, a presença ou ausência de
sinais e sintomas sugestivos de tais patologias. No exemplo descrito, o médico
deverá pesquisar se há instabilidade hemodinâmica, febre ou alterações da ausculta
cardíaca ou respiratória. Em seguida, deverá solicitar os exames complementares
que auxiliam em alguns diagnósticos e na exclusão de patologias graves: raios X
de tórax, eletrocardiograma e hemograma. Confirmada alguma das patologias,
o médico iniciará o tratamento específico e julgará a necessidade de o paciente
permanecer internado. Deve-se enfatizar que é ideal que todo esse atendimento
ocorra em aproximadamente 20 minutos na primeira fase (antes da solicitação
de exames complementares) e em menos tempo ainda na segunda fase (interpre-
tação dos exames e tomada de decisão). Com a limitação de tempo, o médico de
serviços de emergência tem que focar sua atenção nas patologias graves e delegar
investigações mais demoradas para o atendimento ambulatorial ou hospitalar.
Com relação ao atendimento ambulatorial e ao atendimento do paciente inter-
nado, o médico dispõe de mais tempo para a tomada de decisões. Contudo, à
medida que o tempo disponível aumenta, cresce também a responsabilidade de
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Quadro 1.4 Princípios éticos para o contato com o paciente
Fonte: Porto(1).
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ambiente que se concentram os pacientes com maior número de sinais e sintomas,
pré-requisitos para a formação médica.
Assim, ficam demonstradas as principais diferenças entre os três modelos des-
critos. Portanto, o estudante de medicina precisa saber desde cedo que o tempo
de atendimento deve ser cada vez melhor aproveitado, tendo já em mente as
perguntas mais importantes em cada caso e os sinais que mais o ajudarão a
excluir os diagnósticos possíveis e, até mesmo, a diagnosticar a causa exata da
queixa do paciente. À medida que vão sendo atingindos níveis progressivamente
maiores de conhecimento teórico e prático, sempre respeitando os princípios
éticos (Quadro 1.4), deve-se buscar um atendimento cada vez mais dinâmico,
ágil e objetivo, dispensando perguntas e a procura de sinais clínicos que de nada
ajudarão no diagnóstico nem no tratamento em questão.
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