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POLIOENCEFALOMALACIA EM RUMINANTES

Sampaio et. al., 2015. Rev. Investigação Medicina Veterinária.

A polioencefalomalacia (PEM) e uma desordem neurológica que afeta ruminantes, significando o amolecimento
(malacia) da massa cinzenta (polio) do encéfalo. É uma enfermidade degenerativa, correlacionada em ruminantes ao
distúrbio no metabolismo da tiamina. No entanto, já se conhece múltiplos fatores, sendo o excesso de enxofre (S)
apontado como uma das possíveis causas.

O uso de alguns fármacos como amprólio, um coccidiostático, vem sendo utilizado para induzir esta enfermidade
experimentalmente, uma vez ser análogo a tiamina, competindo com a mesma. Enquanto outros fármacos, como
Levamizole atuam como cofator da tiaminase, potencializando sua ação.

A doença tem aparecimento esporádico e geralmente afeta bezerros desmamados e novilhos mantidos em
confinamento. A taxa de morbidade e mortalidade oscilaram entre 0,04% a 6,66 % e letalidade podendo chegar a
100%.

Disfunções neurológicas são os principais sintomas associados a esta enfermidade. O diagnostico pode ser clínico,
terapêutico ou anatomopatológico, mas sempre levando em conta dados epidemiológicos para assim reconhecer o
fator causal e se possível eliminá-lo.

O tratamento pode ser feito pela administração de tiamina, associada a corticóides, porém, pode ser falho, sendo os
melhores resultados alcançados se for adotado logo no início, quando ainda não há necrose neuronal.

A prevenção pode ser embasada no controle dos alimentos e água fornecidos, sendo que o alto teor de S devem ser
evitados. Antes de utilizar dietas baseadas em altos teores de concentrados deve-se passar os animais por um período
de adaptação adequado. Além de atentar-se as pastagens, a respeito de presença de plantas que possam levar a
doença, por serem acumuladoras de tiaminase ou possuírem alto teor de enxofre.

Etiogenia

Ruminantes adultos são capazes de sintetizar a tiamina, devido à presença de bactérias ruminais produtoras desta
vitamina, sendo mais comum a deficiência em bezerros devido à incapacidade destes em sintetizá-la. Animais adultos
também podem apresentar deficiência, devido a redução da síntese ruminal, degradação por tiaminases ou a presença
de agentes análogos desta vitamina.

A inativação desta vitamina pode ocorrer devido a tiaminase tipo I, produzida por bactérias ruminais; também pode
ser encontrada em plantas, como no rizoma da samambaia, assim como Amaranthus blitoides (erva-aranha).

Bactérias ruminais, especificamente Bacillus thiaminolyticus e Clostridium sporogenes produzem tiaminase tipo I,
podendo levar a deficiência de tiamina. Ainda existem bactérias que produzem tiaminase tipo II, como Bacillus
aneurinolyticus.

O excesso de S na dieta também vem sendo incriminado na etiologia desta enfermidade, visto que nesta condição, a
quantidade de tiamina se apresenta dentro dos padrões de normalidade. Há relatos de PEM associanda ao consumo
de melaço, o qual apresenta altas concentrações de S. Rebanhos alimentados por longo período com broto de cevada
também apresentaram esta enfermidade, sendo que a concentração de S se apresentava mais alta que o recomendado
para bovinos.

Há relato de alta ingestão de sulfato de sódio pela água, como desencadeante de PEM em bovinos. O alto teor de grãos
presentes na dieta proporciona um acréscimo da concentração de S, o qual levará a formação de H2S (peróxido de
hidrogênio), um provável agente desencadeante de PEM.

A acidose metabólica associada à alta ingestão de grãos tem sido relatada como desencadeadora de PEM, já que esta
dieta leva ao desequilíbrio do pH ruminal, acidificando-o, favorecendo o crescimento de bactérias produtoras de
tiaminases, e aumento da população de bactérias dissimilatórias, as quais produzem H2S, que ao ser eructado é
absorvido pelas vias aéreas levando a intoxicação por sulfeto.

Intoxicação por sódio, devido privação de água, e intoxicação por chumbo também tem sido indicadas como fatores
causais de PEM. Mesmo após ingestão de água o sódio permanece em altas concentrações no encéfalo. Como o
transporte ativo está deficitário devido à falta de energia, predispõe a ocorrência de edema cerebral.

A infecção por Herpesvirus bovino tipo 5 também deve ser mencionada na etiogenia desta doença, pois este vírus vem
sendo relatado em diversas ocasiões como agente etiológico de PEM.

Análogos da tiamina, tais como piritiamina, oxitiamina e amprólio, bem como, anti-helmínticos como levamisole e
tiabendazole podem induzir esta enfermidade, estes últimos, devido serem co-substratos de tiaminase. Alteração da
microflora, devido utilização de antimicrobianos inibe a síntese de certas vitaminas podendo levar a deficiência de
tiamina.

Patogenia

A tiamina em ruminantes é sintetizada no rúmen sendo absorvida e fosforilada em pirofosfato de tiamina. Este, é
necessário para o funcionamento das enzimas piruvato descarboxilase, piruvato desidrogenase, α-cetoglutarato
desidrogenase, transcetolase e acetolactato sintetase, as quais estão integradas no metabolismo energético. O
trifosfato de tiamina (TT), coenzima oriunda da tiamina predomina em tecidos nervosos onde está envolvido no fluxo
de sódio através da membrana neuronal.

A via pentose fosfato é uma grande fornecedora de energia, sendo a transcetolase, presente nas células gliais e
eritrócitos um limitante desta via, e a tiamina um cofator necessário a esta enzima. Como o cérebro é dependente de
glicose, esta enzima tem papel ímpar no metabolismo encefálico.

Tiaminases podem levar a uma depleção da tiamina. Com a destruição da tiamina ruminal o organismo recorre às
reservas, tão logo as reservas hepáticas se exaurem fazendo com que apareçam as manifestações clínicas da PEM.

A tiaminase I tem um efeito mais deletério para o metabolismo da tiamina, pois além de destruir, leva a formação de
análogos (sem ação biológica), logo terá uma inibição das reações dependentes de tiamina (p.x. ciclo do ácido cítrico)
comprometendo a produção de ATP. Após a redução na síntese de ATP, há uma deficiência da bomba de Na/K, levando
a retenção de sódio e aumento da pressão osmótica na célula.

Em casos de intoxicação por sódio, devido privação de água, acumulará altas concentrações de sódio sanguíneo e no
encéfalo, inibindo a glicólise. Mesmo após ingestão de água o sódio permanece em altas concentrações no encéfalo.
Como o transporte ativo está deficitário, devido à falta de energia, ocorrerá edema cerebral.

Em situações de alta ingestão de S, acidose ruminal pode ocorrer, ocorrendo um aumento da produção de sulfeto e
devido parte da eructação ser inalada e absorvida pela via respiratória pode este composto atingir o sistema nervoso
e provocar as lesões de PEM.

O sulfeto de hidrogênio é normalmente produzido pelo biofilme ruminal, tendo sua capacidade de produção
maximizada em situações de alta ingestão de S, então anions tóxicos derivados deste gás inibem a função da enzima
citocromo oxidase, acarretando um déficit na produção de ATP, além do S poder se ligar a hemoglobina formando
sulfahemoglobina, dificultando a condução de oxigênio. Não é o próprio H2S o causador das lesões neuronais, mas sim
a hipotensão desencadeada por ele, levando assim a uma isquemia.

Quando se trata de S na causa de PEM, não está em sua maioria relacionado ao status de tiamina. No caso em que
observaram redução do nível de tiamina em associação com dieta altamente concentrada de S, pode este achado estar
ligado ao fato de favorecer proliferação de bactérias produtoras de tiaminases, além de ter ocorrido excreção de
tiamina via urina.
Quando se trata de amprólio como causador da PEM, constatou-se que esta droga reduz a quantidade de influxo de
tiamina para o SNC devido uma inibição competitiva, já que esta se liga aos transportadores da vitamina, em
consequência ocorre uma deficiência do tecido nervoso em produzir energia, o que desencadeia as alterações
neuronais observadas micro e macroscopicamente.

Em casos de intoxicação por chumbo as lesões de PEM ocorrem devido ao edema cerebral iniciado em função do
depósito deste metal no endotélio capilar. Já na PEM provocada por Herpesvirus bovino tipo 5 as lesões do sistema
nervoso são em virtude do vírus, podendo ser encontrados inclusões intranucleares eosinofílicas em astrócitos.

Sinais clínicos

A sintomatologia pode se manifestar aguda ou cronicamente. A causa primária da são lesões primárias presentes no
telencéfalo, e secundárias no cerebelo e tronco encefálico.

Os sinais clínicos são a priori envolvidos com o SN, sendo evidenciado ataxia, cegueira, disfagia, depressão, decúbito,
apatia, anorexia, incoordenação motora, posição de cavalete, hiperexcitabilidade, pressão da cabeça contra objetos,
bruxismo, nistagmo, tremores musculares, decúbito esternal e lateral, movimentos de pedalagem, opistótono e coma.

Convulsões e movimentos involuntários podem ser encontrados; os movimentos ruminais se encontram normais.
Ausência de reflexo de ameaça é frequente no estágio agudo, porém o reflexo de proteção palpebral esta presente.

No caso de intoxicação por sal devido privação de água, o quadro clínico terá sintomas como, vômito, atonia ruminal,
diarreia e dor abdominal. No caso de animais intoxicados por chumbo pode ocorrer atonia ruminal, cólica e diarreia
fétida, anemia, melena e dor abdominal.

O curso clínico pode perdurar de dois a quatro dias caso este animal não seja tratado. Bezerros não tratados podem ir
a óbito em 24 a 48hs.

Alterações bioquímicas

Na deficiência de tiamina pode se observar aumento de piruvato na circulação, assim como de lactato, também há um
declínio da atividade da transcetolase (AT) e demais enzimas dependentes de tiamina, em contrapartida observa um
aumento do efeito de trifosfato de tiamina (ETT).

O hemograma estará normal ou com presença de leucograma de estresse. A pressão do LCR está além da variação da
normalidade (entre 120 e 160 mm) de salina, sendo comum animais com PEM entre 200 e 350 mm.

O H2S pode estar até 100 vezes mais elevado em animais com PEM induzida por excesso de S em comparação com os
animais controles.

Diagnóstico

O diagnóstico pode ser feito terapeuticamente, ocorrendo à recuperação do animal após a administração de tiamina.
Entretanto em alguns casos só é possível realizar o diagnóstico anatomopatológico, pois o animal vem a óbito por
ausência de tratamento ou não responsividade a este.

Macroscopicamente observa-se no encéfalo achatamento das circunvoluções cerebrais, e uma coloração amarelada.
O cerebelo pode estar herniado, em casos de edema cerebral grave, podendo ser em consequência da deficitária
função da bomba Na/K, que promove um desequilíbrio iônico e edemaciação celular. Microscopicamente pode se
verificar necrose laminar do córtex cerebral, edema perivascular e perineuronal, neurônios vacuolizados, enrugados e
com citoplasma eosinofílico.

Em situações onde a PEM foi induzida por amprólio observou-se necrose neuronal com concomitante edema e
hemorragia, porém sem observar neuronofagia. As alterações mais acentuadas ocorreram nos lobos frontal, parietal
e occipital por outro lado o bulbo, ponte e o complexo GRH se eximiram de alterações.
Em ocasiões onde o Herpesvirus tipo 5 é o agente envolvido na patogênese pode se evidenciar encefalite e meningite
não supurativa e corpúsculos de inclusão intranucleares eosinofílicos em astrócitos.

A detecção de H2S na porção gasosa do rúmen pode ser utilizada, pois o início de elevação deste gás, a nível ruminal,
é coincidente com o inicio dos sinais clínicos de PEM.

O diagnostico diferencial deve ser realizado para intoxicação por chumbo, hipovitaminose A, meningoencefalite pelo
Haemophilus, meningoencefalite por Listeria spp., raiva, encefalopatia espongiforme bovina, pseudo raiva, tetania por
hipomagnesemia, acetonemia nervosa entre outras enfermidades que levam a sintomatologia neurológica.

Tratamento

Para o tratamento desta enfermidade recomenda-se a administração IM ou EV lenta de 10-20mg de tiamina/kg e


0,2mg de dexametasona/kg. Ainda pode-se administrar manitol, em uma solução a 20% via IV, pois assim como a
dexametasona, irá auxiliar na redução do edema cerebral. As doses de tiamina devem ser repetidas a cada 3 horas
totalizando cinco aplicações.

No entanto em casos onde a doença foi associada à ingestão de melaço, a administração de tiamina não é resolutiva.
Sendo o uso de glicose ou de algum precursor de glicose por via parenteral, a melhor opção.

Prevenção

Dietas com no mínimo de 50% constituída por forrageira fibrosa auxiliam na prevenção de PEM, pois a inclusão de
forragens na dieta atenua a redução do pH ruminal, devido o efeito tamponante da saliva, contribuindo assim para
prevenção de PEM.

A administração de tiamina profilática ainda não esta bem esclarecida. Ionóforos reduzem a liberação de H+ devido
sua ação sob bactérias cetogênicas, podendo prevenir uma acidose ruminal, a qual já é relatada como uma das causas
de PEM em ruminantes.

Considerações finais

A polioencefalomalacia é uma enfermidade metabólica, que causa um conjunto de alterações na estrutura do SNC,
podendo estas ser observadas macro e microscopicamente. Em ruminantes, está correlacionada especialmente ao
distúrbio no metabolismo da tiamina, havendo outros múltiplos fatores, sendo que disfunções neurológicas são os
principais sinais clínicos observados.

O diagnóstico normalmente é realizado terapeuticamente, ocorrendo à recuperação do animal após a administração


de tiamina.

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