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Arte e literatura na Antiguidade Clássica


Prof. Milca Tscherne

Descrição

Expressões da arte na Antiguidade Clássica e manifestações literárias,


como Ilíada, Odisseia, Eneida e Metamorfoses.

Propósito

Reconhecer as principais manifestações e características da arte e da


literatura greco-latinas na Antiguidade Clássica para ampliar o domínio
das diferentes linguagens e seus contextos.

Preparação

Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o


vocabulário específico da área. Na internet, você acessa gratuitamente o
E-dicionário de termos literários, de Carlos Ceia, e o Dicionário de cultura
básica, de Salvatore D’Onofrio.

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Objetivos

Módulo 1

Arte na Antiguidade Clássica


Reconhecer as manifestações artísticas da Antiguidade Clássica.

Módulo 2

A Ilíada e a Odisseia de Homero


Identificar os aspectos culturais e literários da Ilíada e da Odisseia.

Módulo 3

Eneida, de Virgílio, e Metamorfoses, de Ovídio


Identificar o contexto e os aspectos literários de Eneida e
Metamorfoses.

Introdução
O que há em comum entre as cerâmicas gregas, as colunas dos
templos romanos, a Odisseia, de Homero, e a Eneida, de Virgílio?
Resposta: todos são expressões da arte na Antiguidade Clássica
greco-latina.

A Grécia e a Roma antigas são importante berço da cultura e da


arte ocidentais, com ricas expressões estéticas na pintura, na

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escultura, na música, no teatro e na literatura. Por isso, você está


convidado a conhecer, neste conteúdo, o maravilhoso mundo da
arte e da literatura na Antiguidade Clássica.

1 - Arte na Antiguidade Clássica


Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as manifestações artísticas da
Antiguidade Clássica.

Contexto das expressões artísticas na


Antiguidade Clássica
A Antiguidade Clássica tem início no século VIII a.C., quando a Ilíada e a
Odisseia recebem as suas versões escritas, e termina no século V, com
a queda do Império Romano, que sela o fim da Idade Antiga e marca o
início da Idade Média. É um período extenso e, por isso, um tanto difícil
de sintetizar em suas várias manifestações artísticas.

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A Apoteose de Homero, por Jean Auguste Dominique Ingres (1827).

A favor dessa sintetização, no entanto, está certa familiaridade com os


valores estéticos e as regras de composição dos antigos, pois muito do
que produziram consolidou-se como tradição artística sob diversas
linguagens – até mesmo as mais recentes, como a do cinema e a dos
jogos digitais.

Além disso, faz parte do conhecimento escolar a história antiga,


sobretudo a da Grécia e de Roma, e suas influências na cultura
ocidental, que vão desde o sistema político e legislativo a modelos
canônicos de arte e de literatura até hoje estudados, valorizados e
contemplados museus afora.

Ao se entrar em contato com a literatura no ensino médio, ainda que se


negligencie a leitura integral de obras literárias antigas que impactaram
toda a civilização do Ocidente, estuda-se a chamada Era Clássica, que
abrange os séculos XVI, XVII e XVIII, representados respectivamente
pelo Classicismo da Renascença, pelo Barroco e pelo Neoclassicismo
árcade.

Nesse período, valores clássicos, como os de proporção, regularidade,


clareza e unidade, orientam a composição das obras. Mesmo que o
Barroco tensione alguns deles, ainda assim reforça o imitatio
antiquorum (o modo de imitação dos antigos). É contando com tal
repertório que as manifestações artísticas da Antiguidade Clássica
serão brevemente abordadas aqui.

A Última Ceia, por Leonardo da Vinci (1945), obra do Renascentismo, que retoma e valoriza
referências culturais da Antiguidade Clássica.

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Os gregos e os romanos
A civilização grega antecede à romana, mas algo as conecta de modo
indissociável, pois, quando Roma domina a Grécia, os romanos passam
a assimilar a sua cultura.

Como profundos apreciadores dos gregos, os romanos


constroem um fecundo diálogo estético com eles.
Embora seja possível verificar claramente os traços
peculiares de cada civilização em suas manifestações
artísticas, não seria exagero afirmar que os gregos
imitaram a arte dos egípcios e que os romanos
imitaram a dos gregos, todos eles condicionados a
uma lógica de admiração.

Eneias foge de Troia em chamas, por Federico Barocci (1598).

Poeta latino do século I a.C. e autor da epopeia romana Eneida, Virgílio


buscou nas epopeias gregas do século VIII a.C. o modelo a ser imitado.
No entanto, inseriu elementos novos, como o próprio imperador Otávio
Augusto, contemporâneo do poeta, como personagem.

A peculiaridade, nesse caso, além de conferir à Eneida os valores


augustanos, foi usar referências do tempo presente como matéria épica,
e não só recorrer a um passado remoto, como era próprio das epopeias.

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A diversidade de manifestações
artísticas
Em princípio, são consideradas manifestações artísticas a literatura, a
música, a escultura, a pintura, a dança e o teatro, porém convém
reconhecer o valor estético que inúmeros objetos com finalidades mais
utilitárias ostentavam.

As joias, a tecelagem, os talheres, os escudos de guerra, a tapeçaria, os


túmulos, as cerâmicas: tudo recebia cuidadosa e preciosa
ornamentação, uma vez que as classes abastadas de nobres, reis,
imperadores e aristocratas se destacavam por se cercarem de um
ambiente e de objetos absolutamente exclusivos. Se arte (ars, em latim)
significa habilidade, não seria equivocado atribuir a um conjunto amplo
de objetos o apelo artístico.

Ânfora grega do século VI a.C.

Tendo isso em vista, apresentaremos a seguir algumas expressões


artísticas do mundo antigo greco-romano em três agrupamentos:

A música, a poesia (literatura), a dança e


o teatro

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A arquitetura e a escultura

A pintura e a cerâmica

A música, a poesia (literatura), a


dança e o teatro na Antiguidade
Clássica

O grande teatro de Epidauro, construído no século IV a.C., no Santuário de Asclépio, na ilha de


Epidauro, na Grécia.

A poesia nasce identificada com a música. Tal característica não é uma


particularidade da cultura grega, pois a poesia e a música ligam-se a
manifestações primordiais do ser humano dirigidas a divindades e
reservadas a momentos coletivos de rituais.

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Páris e Helena, por Jacques-Louis David (1788).

Não somente a poesia lírica, cuja etimologia advém da lira, instrumento


que acompanhava o ato de recitar ou cantar os versos, está associada à
música, como também a poesia dramática, com a qual o teatro antigo
se realizava, e a épica, cujos cantos ou parte deles eram entoadas pelos
aedos, isto é, os poetas-cantores.

Desse modo, no contexto antigo, não é simples dissociar a música da


poesia e até mesmo da dança. Embora Aristóteles tenha separado as
artes miméticas segundo os meios e os objetos próprios pelos quais
cada uma se realizava, a sua apreciação no mundo antigo se dava, em
geral, em conjunto.

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Quanto aos meios, Aristóteles


opõe (e aproxima) a
manifestação literária à
música, à dança, à pintura, ao
mesmo tempo que
estabelece distinções
internas à própria literatura.
Com exceção da pintura, que
se serve das cores e do
desenho, os meios das outras
formas de arte mimética são
o ritmo, a linguagem e a
harmonia, ora reunidos ora
separados.
(BRANDÃO, 1976, p. 46)

A música emprega, portanto, a harmonia e o ritmo; a dança, apenas o


ritmo. Já a literatura pode empregar até mesmo os três meios juntos,
como no teatro antigo, por exemplo.

A propósito, quando se busca a origem do teatro grego, cujo ápice se dá


no séc. IV a.C. com o florescimento das tragédias e comédias, o que se
encontra são os cantos ditirâmbicos, canto em louvor ao deus Dioniso
(Baco para os romanos), entoados em festividades em seu louvor. Aos
poucos, foram acrescidos a esse tipo de canto primitivo instrumentos
musicais e dança, sendo instituído ainda um coro de cinquenta
integrantes do qual se destacava um solista, chamado de corifeu, com o
qual o coro passou a dialogar.

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A partir desse diálogo, estabeleceu-se a base do gênero dramático, que,


no século IV a.C., passou a contar com a introdução gradativa de atores
e de temas de origem profana. O coro permaneceu no teatro com
função mais lírica do que dramática, pois não participava da ação dos
personagens: ele apenas as comentava como uma voz coletiva em
uníssono, representando a origem coletiva do teatro quando ainda não
era composto por atores individualizados.

O teatro antigo, portanto, não se dissocia da religião nem da vida social.


Por isso, ele sempre foi acompanhado de música e dança.

O Teatro de Dionísio em reconstituição do século XIX.

Sobre os instrumentos musicais, muito do que se sabe se dá por meio


das artes visuais. Os romanos, por exemplo, se valiam de uma variedade
cuja origem era grega, etrusca, africana:

Cordofones (lira, cítara e alaúde)

Membranofones (sinos, chocalhos,


sistros, címbalos, tímpanos, tambores,

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órgãos)

Aerofones (bucina e corno, tuba, tíbia,


ascaule e �autas)
A associação entre ética e música, tão marcada na cultura grega, não se
repetia na romana. A música estava em todas as ocasiões: do contexto
público de manobras militares com cítaras de tamanho de carruagens a
usos privados na educação musical, considerada uma distinção social.

Outro momento em que as artes se misturavam era durante os


tradicionais jogos píticos. Iniciados no século VI a.C., eles incluíam
competições de música, poesia e canto realizadas no teatro, enquanto
os jogos ginásticos ocorriam no estádio.

A arquitetura e a escultura

O Parthenon, templo dedicado à deusa Atena, padroeira da cidade, construído na Acrópole de Atenas
no século V a.C.

Há uma discussão acerca da natureza da Arquitetura sobre ser ou não


arte, dada a sua filiação com a engenharia e outras ciências, como a
Física e a Matemática. No entanto, ela conta a história da arte de todos
os períodos, sendo possível contemplar na arquitetura a sensibilidade
estética e os valores cultivados por cada civilização nas construções de
suas cidades.

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É o que pode ser visto nas edificações públicas que restaram do mundo
antigo, como:

Templos

Arenas e estádios

Termas

Teatros

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Senados

Praças
A arquitetura também acolhe elementos escultóricos que, no caso
greco-romano, são muito evidenciados por colunas e seus variados
estilos. Além de, claro, ela também ser um receptáculo de outras artes,
como a escultura e a pintura.

A escultura e a arquitetura na Antiguidade Clássica se expressam


segundo as leis de:

Harmonia
Equilíbrio
Simetria das formas
Ambas são atravessadas pelo racionalismo clássico, como é possível
observar nas linhas retas das edificações gregas e na regularidade do
espaço intervalar das colunas. Já a arquitetura romana, além de
reproduzir substancialmente a grega, ainda desenvolveu um estilo
próprio marcado não só pela beleza, mas também pela rigorosa
funcionalidade.

Suas diferenças em relação à arquitetura grega advêm sobretudo do uso


de materiais mais leves, como o tijolo, o concreto armado e o ladrilho,
que favoreceram a criação dos arcos, das abóbadas e dos domos tão
característicos das construções romanas. As edificações mais leves
dos romanos permitiram uma maior versatilidade na criação de espaços
mais amplos, circulares e sem a necessidade de apoios intermediários.

Três ordens clássicas norteavam a arquitetura grega, que, por sua vez,
foram revisitadas pela romana:

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Ordem dórica
A mais antiga e simples de todas, esta ordem remonta ao século
VIII a.C. As colunas em estilo dórico não tinham base. O capitel
era despojado e o friso, liso, porém elas eram sólidas, esbeltas e
elegantes, sendo muito usadas na parte externa de templos de
divindades masculinas. O Império Romano adaptou o dórico,
tornando-o mais leve e constituindo, assim, o estilo toscano.

Ordem jônica
Surgida por volta de 450 a.C. As colunas são mais leves e fluidas
que as dóricas, com capitel ornamentado em duas volutas e base
larga. Elas eram muito adotadas em templos que abrigavam as
divindades masculinas. O templo de Atena Niké é um exemplo do
estilo dórico.

Ordem coríntia
Típica do final do século V a.C., ela surge como uma versão mais

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ornamentada da ordem dórica. O capitel apresenta decoração


exuberante com folhas de acanto. Outros elementos constitutivos
da coluna também são decorados, como o entablamento e o
frontão. As colunas coríntias eram muito usadas no interior dos
templos. Os romanos expandiram o estilo coríntio por todo o
império e o mesclaram com o jônico, dando origem ao estilo
compósito, considerado uma versão tardia do estilo coríntio.

Quanto à escultura, o modelo grego seguia o princípio do ideal, ou seja,


ao esculpir um corpo humano, um rosto, o escultor não se atinha a
traços de um indivíduo em particular, ainda que fosse uma homenagem
a uma personalidade conhecida, como um político, um governante ou
um vencedor dos Jogos Olímpicos.

Assim, na representação visual grega, como a pintura e


a escultura, não se encontra a arte do retrato até o
período helenístico (323 a.C.–33 a.C.), momento que,
sob o domínio da Macedônia, a cultura e a língua
gregas se espalharam dentro dos limites do vasto
império de Alexandre, o Grande, cujo intuito era
introduzir elementos gregos na cultura persa.

Esse contato provocou uma fusão da cultura ocidental com a oriental,


uma vez que as fronteiras do império de Alexandre, um dos maiores do
mundo, estendiam-se até a Ásia. Provavelmente foi a arte helenística
com sua expressividade que levou os romanos a desenvolver a
escultura retratística.

Embora com oscilações entre retratos mais idealizantes e de grande


realismo, havia uma predileção na escultura romana pelo busto e pela
cabeça avulsa. Além de ambos serem mais acessíveis que o corpo
inteiro, criou-se um gosto na cultura romana pela contemplação de
formas fisionômicas fiéis ao modelo muito superior à do próprio corpo,
das vestimentas ou de qualquer outro acessório

Quanto aos materiais utilizados nas esculturas, era comum aos gregos
o uso de metais, como o bronze, e rara a manipulação do mármore, o
que talvez explique a escassez de esculturas gregas originais. É muito
provável que elas tenham sido transformadas em outros objetos, como
armas e outros aparatos bélicos.

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Busto do Imperador Marco Aurélio, século II d.C.

Já os romanos, hábeis no manejo do mármore, elegeram-no como o


material predileto tanto para a infinidade de réplicas gregas que fizeram
quanto para a elaboração das próprias esculturas.

A pintura e a cerâmica
Os gregos apreciavam as cores: a ideia de que eles não as usavam é um
erro. Pouco restou, porém, dessa arte tão prestigiada por eles – e muito
do que se sabe vem das fontes literárias, como as descrições de Plínio e
Pausânias, e das cópias romanas. O maior acervo que permaneceu até
os dias de hoje sobre a arte pictórica grega é o encontrado na cerâmica.

Acredita-se que este afresco de Pompeia seja baseado em uma Afrodite pintada por Apeles.

Os gregos conseguiram ultrapassar o desenho plano e linear com


técnicas de sombreado, produzindo, com isso, a ilusão de
tridimensionalidade. Elementos de perspectiva também foram
introduzidos a partir do século V a.C., enquanto a paleta de cores foi
ampliada.

As pinturas murais, por exemplo, eram realizadas com diversas


técnicas. Elencaremos três delas a seguir:

Técnica de afresco

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Utiliza pigmentos diluídos em água que penetram no revestimento ainda


fresco da parede em argamassa de cal.

Técnica de têmpera
Emprega uma mistura de corantes e pigmentos com um aglutinante,
como a água ou o ovo, por exemplo.

Técnica de encáustica
Usa pigmentos misturados à cera ou a algum tipo de resina, que,
aquecida, era aplicada à pintura com o pincel ou à espátula também
quente.

Um dos belos afrescos são os da Pinacoteca da Acrópole de Atenas.


Estudos recentes mostram que até as esculturas gregas, quando feitas
em mármore, recebiam uma camada de tinta.

Os romanos também se valiam das mesmas técnicas de pintura. Eles,


de igual modo, apreciavam as cores.

Pinacoteca
Coleção de quadros de diferentes épocas.

Saiba mais

As escavações em Pompeia e Herculano, cidades próximas a Nápoles e


soterradas pelas cinzas do vulcão Vesúvio em 79 d.C., têm revelado,
graças às pinturas em murais e em porcelanas lá encontradas, um
colorido intenso de verdes, amarelos, pretos e principalmente
vermelhos. Trata-se, aliás, do vermelho Pompeia, que se tornou uma
tonalidade “oficial”. A pintura Os suplícios de Penteo (séc. I) é uma das
preciosidades encontradas em Pompeia na qual pode ser contemplada
a beleza do verde.

As duas cidades ficaram soterradas por cerca de 1600 anos e


começaram a ser escavadas no final do século XVIII. Até hoje, as artes e
os modos de vida dos romanos antigos não cessam de ser descobertos
graças a tais localidades conservadas por sólidas camadas de cinzas e
lama.

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Embora subsidiária em parte da pintura grega, a


romana abandona a pintura de cavalete praticada pelos
gregos em benefício quase absoluto da mural,
privilegiando as pinturas triunfais e o retrato de corte
com traços naturalistas, cultivando com abundância a
paisagem e a natureza morta.

Quanto à arte em cerâmica, os vasos foram o suporte mais utilizado


pelos gregos. Neles, é possível distinguir:

• Uma variedade de estilos: Do abstrato ao mais realista.

• O motivo: Representações de figuras divinas, de figuras humanas


em cenas do cotidiano e de cenas épicas e mitológicas, além de um
conjunto de cenas eróticas.

Já seus estilos são:

Pyxis com um cavalo como tampa da alça.

Protogeométrico e geométrico (1050 a.C.-900 a.C.)

Compunham-se de elementos mais abstratos e de padrões


geométricos.

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Ânfora de Dipylon.

Arcaico (750 a.C.)

Possuía figuras que lembravam as pinturas egípcias, com os


pés posicionados sempre de lado, os rostos de perfil e o olho
voltado para frente. O estilo arcaico retratava tanto cenas do
cotidiano quanto mitológicas e heroicas, como as sequências
de cenas da Ilíada e da Odisseia.

Niobid Painter, ânfora do século V a.C.

Pinturas negras (700-600 a.C.) e vermelhas (530 a.C.)

Trata-se dos estilos mais conhecidos. Nas cerâmicas em preto,


o fundo permanecia em argila, enquanto as figuras eram
pintadas em preto e os detalhes, realizados com uma
ferramenta pontiaguda que riscava e retirava a tinta preta. Nas
cerâmicas em vermelho, a técnica foi invertida: o fundo era
preto, e as figuras assumiam o tom vermelho da terracota
(barro cozido).

Para concluir a rápida passagem por algumas das manifestações


artísticas da Antiguidade Clássica e preparar o estudo dos módulos
seguintes, convém ter em mente a constatação de Arnold Hauser (1994,
p. 58). O historiador de arte afirma que, “em uma certa medida, toda a
arte antiga é uma resposta ao desejo de fama e de consagração aos
olhos dos contemporâneos e da posteridade”. Como vimos, de fato, os
antigos conseguiram.

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Arte greco-latina
Assista agora ao vídeo que traz uma conversa sobre algumas das
manifestações artísticas da Antiguidade Clássica, destacando as
pinturas nos vasos de cerâmica.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Deve-se reconhecer que as manifestações da arte na Antiguidade


Clássica

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eram diversas e incluíam desde a música, a


A literatura, o teatro e a escultura até as
ornamentações em objetos utilitários.

eram expressões da linguagem que se


B
circunscreveram à literatura e ao teatro.

representavam a expressão do talento individual


C
restrito a determinado conjunto de objetos.

evidenciavam a habilidade dos artistas expressada


D
nos objetos e nas práticas apenas populares.

limitavam-se à arte do teatro, prática artística


E
influenciada pela mitologia.

Parabéns! A alternativa A está correta.

As expressões artísticas greco-latinas se deram em diversos


suportes materiais e por meio de diferentes linguagens, sendo
marcadas pela diversidade. Até as peças utilitárias poderiam contar
manifestações artísticas em suas ornamentações ou seus
adereços.

Questão 2

Como expressões de arte antiga, as cerâmicas

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têm nas pinturas negras e vermelhas os estilos mais


A
conhecidos.

em seu estilo arcaico, retratam cenas do cotidiano


B
apenas.

em todos os estilos, trabalham com formas


C
geométricas e definidas.

destacam-se pelo estilo abstrato e pela ausência de


D
motivos eróticos.

destacam-se pelas narrativas bíblicas em forma de


E
pinturas.

Parabéns! A alternativa A está correta.

Há uma diversidade de estilos nas cerâmicas (alguns mais


abstratos e outros mais figurativos), destacando-se as pinturas
negras e vermelhas. Os temas ou motivos também são diversos,
incluindo cenas cotidianas, narrativas míticas e até cenas eróticas.

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2 - A Ilíada e a Odisseia de Homero


Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os aspectos culturais e literários da
Ilíada e da Odisseia.

A Ilíada e a Odisseia no contexto da


Antiguidade Clássica
A Ilíada e a Odisseia são extensos poemas épicos atribuídos ao poeta
grego Homero, que teria existido por volta do séc. VIII a.C. Ambos são
poemas narrativos de caráter heroico que eternizaram, na cultura do
Ocidente, os grandes heróis de uma guerra remota e muito questionada
como acontecimento histórico, ainda que ela fosse aceita como fato
pelos gregos antigos.

Repleta de ornamentos lendários e míticos, a Ilíada trata dos últimos


momentos da Guerra de Troia, conflito que teria ocorrido entre 1300 a.C.
e 1400 a.C., o que corresponde à Idade do Bronze. Já a Odisseia centra-
se nas aventuras do retorno para casa de Ulisses (ou Odisseu), um dos
grandes heróis da Guerra de Troia.

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O Cavalo de Troia, por Henri Motte (1874).

Nas duas obras, figuram alguns elementos comuns:

• O universo heroico e bélico dos aqueus (gregos) e dos dárdanos


(troianos).

• O universo maravilhoso dos deuses e das divindades do panteão


grego.

Essas obras permaneceram como expressão oral por alguns séculos até
serem registradas em versos escritos em finais do século IX e/ou início
do século VIII a.C. Por essa razão, as epopeias homéricas são
consideradas epopeias primitivas, estando ligadas a uma tradição de
poesia oral da Era Micênica, que corresponde à última fase da Idade do
Bronze.

Epopeias primitivas
As epopeias primitivas são aquelas gestadas e nutridas pela oralidade
durante a formação cultural de um povo a ponto de ser difícil estabelecer o
momento exato de seu surgimento ou origem – e, por consequência, a sua
autoria.

A tradição oral dessas obras não é suficiente para


torná-las composições populares, elaboradas e
entoadas pelo próprio povo, pois elas foram cantadas
por poetas considerados semelhantes a sacerdotes,
isto é, portadores de uma verdade soprada por
divindades.

Os poetas primitivos responsáveis por cantar as epopeias e as


composições líricas eram os aedos. Nas epopeias, os aedos
resgatavam o passado e o perpetuavam costurando elementos míticos,
históricos e lendários.

A Ilíada e a Odisseia não só cantavam e eternizavam os grandes feitos


heroicos dos gregos, como também possuíam um caráter religioso e
pedagógico ao ensinar crenças e valores que, no juízo grego, os

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distinguiam de outros povos. Entre esses valores, destacamos a


rigorosa ética guerreira baseada em dois elementos:

A honra
(timé)
A excelência
(areté)
O filósofo grego Platão (428/427 a.C. -348/347 a.C.), em sua obra A
República (séc. IV a.C.), defende o valor da poesia épica justamente
como potência formadora, auxiliando no encorajamento da classe dos
guerreiros, embora condene as artes que imitam ou representam por
meio da linguagem.

Homero

Dante Alighieri, Homero e Virgílio, em detalhe da pintura O Parnaso de Rafael Sanzio (1511).

A Ilíada e a Odisseia são tradicionalmente atribuídas ao poeta grego


Homero, cujo nome marcou um modo de pensar, uma visão de mundo e
um período glorioso da produção cultural da Grécia Antiga. Os séculos
XII ao VIII a.C. são conhecidos como período homérico; os séculos
anteriores, por sua vez, são tidos como pré-homéricos.

Essa marcação temporal sugere a complexidade da


origem tanto das narrativas presentes na Ilíada, que é a
composição mais antiga da literatura ocidental, e da
Odisseia quanto a do próprio Homero. Atualmente,
historiadores e estudiosos raramente defendem que
ele tenha sido um homem histórico em função da

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escassez e das controvérsias de dados acerca de seu


nascimento e de sua biografia.

No entanto, isso em nada reduz a grandiosidade dos textos que


sintetizam e dão unidade a toda a memória grega antiga da qual a figura
de Homero seria, então, a personificação de uma voz coletiva,
possivelmente de vários aedos, a serviço da celebração épica.

A epopeia

Andrômaca lamentando Heitor, por Jacques-Louis David (1783).

A epopeia é uma composição de caráter grandioso tanto pelas ações


narradas quanto pela extensão da narração. Ela lida com heróis,
semideuses, reis e outros homens ilustres. O herói épico é virtuoso, e
sua superioridade é exaltada.

Os episódios épicos desdobram-se ao longo de tempos e espaços


variados, assim como possuem muitas ações e um número extenso de
personagens. Não à toa, os adjetivos “épico” e “homérico” passaram a
qualificar aquilo que é grandioso.

Resumindo

Em síntese, o épico (épos = palavra ou narração) é o gênero da palavra


narrada . O narrador da epopeia não expressa valores ou juízos
subjetivos, não se ocupa dos próprios pensamentos, não faz confissões
e não se impõe sobre a narrativa.

Quando a epopeia se ocupa de modo mais detido de algum evento


particular e íntimo de um herói, que é um homem afeito à guerra, mas
também ao amor, ela o faz com vistas a monumentalizar o seu caráter.

Exemplo

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A tocante despedida do herói Heitor de sua esposa Andrômaca e de seu


filho ao saber que iria duelar e ser morto por Aquiles. Ela tem poucas e
longas falas que são suficientes para caracterizar a coragem de Heitor.

É nesses momentos que os traços do lírico explodem no interior do


épico. Todos os elementos de uma epopeia estão a serviço de eternizar
os grandes feitos de uma coletividade na figura dos seus heróis a partir
de um passado glorioso que mereça ser cantado.

Estrutura de uma epopeia


A epopeia possui uma estrutura fixa composta por:

Introdução 

Apresenta-se o que será cantado.

Dedicatória 

Explicita-se a quem é oferecida a epopeia.

Invocação 

Conclamam-se as divindades a fim de inspirar o poeta.

Narração 

Apresentam-se todas as aventuras heroicas.

Epílogo 

Tem-se o encerramento.

Como é um extenso poema narrativo, a sua organização se dá por

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cantos. Os cantos ou livros são as estruturas maiores das epopeias, as


quais, por sua vez, subdividem-se em episódios.

A Ilíada
A Ilíada (do grego Ilias, relativo a Ílion ou Troia) narra a cólera de Aquiles,
filho do mortal Peleu e da ninfa Tétis. A ambientação é a lendária Guerra
de Troia em seus últimos momentos.

O herói Aquiles

A Educação de Aquiles, por James Barry (1772).

Príncipe dos mirmidões e um dos aliados reais de Agamêmnon (o


Átrida) no cerco a Troia, Aquiles demonstrou a sua ira em vários
momentos. Em todos eles, a consequência foi a seguinte: muitas
mortes.

Reuniremos a seguir alguns momentos em que ele se irou:

• Contra o próprio Agamêmnon, comandante do exército dos aqueus,


recusando-se a lutar.

• Quando perdeu o melhor amigo Pátroclo, que, a seu mando, foi


proteger os aqueus da ofensiva troiana e morreu pelas mãos de
Heitor. A morte de Pátroclo provoca-lhe tamanha fúria que o faz
voltar à luta.

• Quando arrastou o corpo de Heitor com seus cavalos e se recusou

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a devolver o cadáver para que os rituais fúnebres fossem


cumpridos, levando os deuses a intervir ao reconhecer a loucura do
seu coração.

A ira é um elemento importante do ethos (caráter) de Aquiles e


precipitará um conjunto de ações na Ilíada. Na Invocação, logo nos
primeiros versos, tanto o motivo do canto épico, que é a cólera de
Aquiles, quanto os seus efeitos já são revelados.

Canta, ó deusa, a cólera de


Aquiles, o Pelida (mortífera!,
que tantas dores trouxe aos
aqueus e tantas almas
valentes de heróis lançou no
Hades, �cando seus corpos
como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se
cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que
primeiro se desentenderam o
Átrida, soberano dos homens,
e o divino Aquiles.
(HOMERO. Ilíada. São Paulo: Companhia das Letras,
2013. Canto I, versos 1-7)

Aquiles, referenciado como o de pés velozes, tem um destino ao qual


estava fadado e que conhecera desde cedo. Entre as duas opções que
lhe foram dadas, uma vida longa e sem glória ou uma vida breve e
gloriosa, a bela morte é a que o seduzia.

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De todas as personagens da Ilíada, Aquiles é o único que pratica o canto


poético. Acompanhado da cítara em sua tenda, o herói canta para
Pátroclo justamente o que Homero canta na Ilíada: os grandes feitos
heroicos e a elevada honra que é escolher a vida breve.
Comentário

Escapar da velhice é uma forma de ultrapassar a morte para os gregos,


uma vez que a morte e a idade avançada equiparam-se para eles.

A morte heroica, ou seja, a bela morte, acontece na integridade da


potência vital do herói, de sua força física, da leveza do corpo e da
agilidade e segurança nos movimentos. Ela contém todos os valores
que compõem a areté viril ainda no seu auge, antes de ele vivenciar
qualquer decrepitude.

Algumas ações da Ilíada


A Ilíada abarca os acontecimentos do último ano do conflito entre os
gregos e os troianos. Ela começa in media res (do latim “no meio das
coisas”), ou seja, pelo meio. Os antecedentes da guerra, como o rapto de
Helena por Páris, não estão no início da Ilíada.

O Julgamento de Páris, por Peter Paul Rubens (1639).

No conto, que já era conhecido pelos gregos, a deusa da discórdia Éris,


enfurecida por não ter sido convidada para o banquete de casamento
que Zeus ofereceu aos pais de Aquiles, chega à festa com uma maçã de
ouro em cuja inscrição havia uma provocação: “Para a mais bela”. Foi
dada a Páris, filho de Príamo, rei de Troia, a tarefa de escolher entre
Hera, Atena e Afrodite quem era a deusa mais bela.

Cada uma lhe ofereceu um suborno. Páris escolhe a

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tentadora oferta de Afrodite: a mulher mais bela do


mundo. Nesse momento, ele se torna vítima da deusa
do amor e se apaixona por Helena, esposa de Menelau,
rei dos aqueus (gregos).
Sem alternativa, Páris a rapta. Tal injúria exige uma retaliação por parte
dos gregos. Comandado pelo supremo da Grécia (Acaia como Homero a
chama), o rei Agamêmnon, irmão do rei de Esparta, Menelau, e esposo
de Helena, convoca os príncipes que deviam lealdade à Grécia para se
unirem contra Troia. Em seguida, eles partem em uma numerosa
expedição.

Príamo suplica a Aquiles pelo corpo de Heitor, por Gavin Hamilton (1775).

A seu favor, os gregos têm Hera e Atena. Afrodite, por sua vez, está do
lado de Páris. Desde o início da viagem, tensões sérias entre
Agamêmnon e Aquiles se instalam a ponto de o grande herói se rebelar
e desistir da luta.

No trecho da Invocação, Aquiles é tratado não só como divino, mas


também como causador de muitas dores aos aqueus. Algumas de suas
ações trouxeram inúmeras mortes de grandes heróis pelas quais
Aquiles é responsabilizado por lançar no Hades.

Entre essas ações, temos:

• Sua insurgência contra Agamêmnon, comandante do exército


grego.

• Sua rejeição à proposta de reconciliação feita por Agamêmnon.

• Seu abandono das lutas.

A partir do Canto XIV, há uma crescente concentração na figura de


Aquiles à medida que as suas tragédias pessoais começam a tomar
vulto. A morte do amado Pátroclo no canto XVI, que o faz retornar à
batalha, é uma delas.

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Nesse momento da epopeia, já se conhece a fundo o inimigo troiano


(chamado também de dárdano, dardânida ou dardânio) e o motivo da
guerra, ambos explicitados no Canto III, bem como Heitor, o maior
guerreiro troiano, que é analisado em minúcias no Canto VI.

Em seguida, em uma adaptação agora em prosa da Ilíada, a morte de


Pátroclo é narrada e descrita. Aquiles, embora ausente, é referenciado
pelo discurso provocativo de Heitor e pela ameaça de Pátroclo.

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Quando Heitor viu o


magnânimo Pátroclo recuar,
ferido pelo bronze a�ado, ele
se atirou, [...] golpeou-o no
lado com uma lança que o
atravessou. [...]
Vangloriando-se, Heitor,
insultou-o com estas
palavras: “Pátroclo, você
estava esperando, sem
dúvida, para saquear nossa
cidade e levar nossas
esposas cativas em seus
navios para sua amada terra
natal? Louco! É para protegê-
las que os cavalos rápidos de
Heitor o levaram a lutar [...].
Os abutres comerão você,
desventurado, e nem Aquiles
com todo seu valor, ajudará
você [...].” E Pátroclo, mal
respirando, respondeu:
“Heitor, agora você se
vangloria, porque Zeus, o �lho
de Cronos, e Apolo lhe deram
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de Cronos, e Apolo lhe deram


a vitória, foram eles que
facilmente me mataram. Eles
próprios arrancaram a
armadura de meus ombros.
[...] Você não vai viver muito
e sua morte está bem perto
de você, e seu inexorável
destino é morrer nas mãos de
Aquiles”. Tendo dito essas
palavras, a morte envolveu-o
[...].
(HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Ediouro, 1996, Canto
XVI)

Outro trecho que vale a leitura e se relaciona com o retorno de Ulisses à


luta é o seu encontro com o fantasma de Pátroclo em sonho. Aquiles
retoma os combates, cumpre as exigências feitas por Pátroclo, como os
devidos rituais fúnebres, e, por fim, enfrenta e mata Heitor, filho mais
velho do rei Príamo, irmão de Páris e o principal guerreiro troiano.

Em um belíssimo embate entre dois grandes heróis, é possível


contemplar quão potente cada um é. Eis uma característica da glória
épica: nunca aceitar acordos covardes. O duelo entre os dois grandes
heróis se dá, e Aquiles vence.

Para triunfar completamente e fazer jus à sua ira, Aquiles perpassa o


tornozelo de Heitor com fibra bovina e arrasta seu corpo em uma
quadriga, ostentando-o como um troféu. Não só ultraja o cadáver,
transgredindo os princípios da virtude grega, como também o toma para
si e leva ao acampamento dos gregos.

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Aquiles abate Heitor, por Peter Paul Rubens (1635).

Quadriga
Carro antigo puxado por quatro cavalos.

Para convencer Aquiles a devolver o corpo do herói troiano, os deuses


interferem. Zeus convoca a deusa Tétis ao Olimpo e ordena que ela vá
ao acampamento do seu filho Aquiles e lhe diga que os deuses estão
irados com ele por causa da loucura de seu coração.

Ao mesmo tempo, Zeus envia Íris, a mensageira dos deuses do Olimpo,


para aconselhar o rei Príamo a resgatar o corpo do filho no
acampamento dos aqueus, levando presentes como compensação. A
conversa entre Aquiles e Príamo é comovente.

O rei dos troianos faz referência ao pai de Aquiles, lamenta que já


perdeu os seus cinquenta filhos na guerra, dezenove do mesmo ventre,
que são os filhos de sua esposa Hécuba. Aquiles se comove e chora
pela má sorte de Príamo e pela perda de Pátroclo, aceita os presentes e
devolve o corpo, comprometendo-se a não atacar Troia durante os ritos
fúnebres.

Príamo estabelece nove dias de choro por Heitor, com o funeral no


décimo dia, o sepultamento no décimo primeiro dia e, se necessário, a
retomada do combate no décimo segundo dia. Aquiles aceita.

A Ilíada termina com o funeral de Heitor. O povo chora


nos portões da cidade. Em uma sequência de
lamentações proferidas pelas mulheres, a mãe Hécuba,
a esposa Andrômaca e a cunhada Helena enaltecem a
grandeza de Heitor.

Essa obra tem uma forte presença do elemento trágico, culminando na


morte de Heitor. Seu encerramento não se dá exaltando a vitória dos
gregos, até porque ela não alcança o desfecho da guerra, e sim com o
ritual fúnebre do admirável Heitor, considerado o maior dos troianos.

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A Odisseia

Ulisses na caverna de Polifemo, por Jacob Jordaens (século XVII).

Se nos 24 livros da Ilíada a ira de Aquiles é cantada, nos 24 da Odisseia


canta-se a astúcia de Ulisses, rei de Ítaca, uma ilha grega do Mar Jônio.
Após o término da Guerra de Troia, vencida pelos gregos graças à
inteligência de Ulisses, inicia-se a sua longa viagem de regresso ao lar,
que durará dez anos.

Ao todo, Ulisses se ausenta por duas décadas da sua rochosa Ítaca, da


sua amada Penélope e do seu filho Telêmaco, de quem se despediu
quando ele acabara de nascer. Nesse trajeto repleto de aventuras e de
obstáculos, Ulisses precisa a todo tempo dar provas de sua
competência, virtude e excelência (areté), uma vez que o seu regresso
se dá sem o socorro dos homens ou dos deuses.

Os primeiros versos da Odisseia anunciam o tema como é de praxe:


falar do homem astuto que muito vagueou após o fim da guerra e o
esforço para retornar à pátria.

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Fala-me, Musa, do homem


astuto que tanto vagueou
Depois que de Troia destruiu
a cidadela sagrada, Muitos
foram os povos cujas cidades
observou, cujos espíritos
conheceu, e foram muitos no
mar os sofrimentos por que
passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos
companheiros a suas casas.
(HOMERO. Odisseia. Trad. Frederico Lourenço.
Lisboa: Livros Cotovia, 2010, Canto I, versos 1-6)

Dos dez anos de regresso, sete deles Ulisses passa isolado na ilha da
ninfa Calipso. No início do oitavo, após o Concílio dos deuses se reunir,
a deusa Atena determina que Hermes vá à ilha da ninfa Calipso, Ogígia,
e anuncie que é vontade dos deuses que Ulisses regresse à sua casa.

No entanto, nos próximos 2 mil versos da Odisseia, as aventuras de


Ulisses cedem lugar às de seu filho, Telêmaco.

A estrutura da Odisseia
É possível dividir a Odisseia em três partes:

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Penélope e os pretendentes, por John William Waterhouse (1912).

Cantos de I a IV (Telemaquia)

Expõem a situação de Penélope e os esforços de Telêmaco


para assegurar o trono do pai durante a sua ausência. Com o
conselho e a proteção da deusa Atena, Telêmaco sai em
viagem em busca do pai e encontra vários combatentes de
Troia que lhe dão notícias da guerra e da possibilidade de
Ulisses estar em uma ilha.

• Atena e Telêmaco viajam para Pilo, cidade onde governa o


ancião Nestor, e, em seguida, para a Lacedemônia, onde
reinam Menelau e Helena, recebendo honrarias e
presentes de hospitalidade.

• Os deuses em assembleia se posicionam favoravelmente


ao regresso de Ulisses, e Hermes transmite à ninfa Calipso
a ordem de Zeus para libertar o herói.

Esboço de Circe, por John William Waterhouse (1914).

Cantos de V a XIII (Apólogos)

Eles contêm os relatos de Ulisses. Nesses cantos, são


narradas, entre outras aventuras, as seguintes ações:

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• O doce e amargo cárcere na ilha de Calipso seguido de


sua despedida.

• O naufrágio próximo à ilha de Esquéria e o encontro com


os feácios.

• A advertência da feiticeira Circe quanto ao canto das


sereias. Com cera nos ouvidos, Ulisses pede para ser
amarrado ao mastro como medida de segurança.

• Os perigos na ilha dos Ciclopes, onde Ulisses consegue,


com seus ardis, embebedar, cegar e fugir disfarçado de
ovelha do gigante Polifemo.

A partida de Odisseu da Terra dos Feácios, por Claude Lorrain (1646).

Cantos de XIV a XXIV (Mnesterofonia)

Narram as seguintes ações:

• A chegada de Ulisses à sua pátria.

• O reencontro com a esposa, o filho e o pai.

• A vingança contra os pretendentes de Penélope.

Nessa última parte, Ulisses chega oculto à Ítaca sob o risco de


ser morto. Encontra o seu palácio tomado por exploradores
que se instalaram junto de Penélope, vivendo de festas e
banquetes e dissipando a sua fortuna, enquanto Penélope,
astuta como Ulisses, tecia e desfazia o sudário do sogro para
adiar a escolha do pretendente.

Finalmente, após todas essas tribulações, os deuses decidem, em

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Concílio, que chegou a hora de Ulisses finalmente seguir viagem.


Hermes é enviado para anunciar à Calipso que Ulisses precisa ser
libertado e que chegará à terra dos feácios, parentes dos deuses, na
fértil Esquéria, e que lá será recebido como um deus e ganhará um
tesouro superior ao espólio de Troia.

A despedida de Ulisses da ilha de


Calipso

Hermes ordena a Calipso que liberte Odisseu, por Gerard de Lairesse (1670).

Ao partir, Ulisses faz Calipso prometer que não preparará para ele
nenhum sofrimento. O caráter heroico da sua partida é caracterizado
pela jangada na qual viajará. Segundo o próprio Ulisses, nem as velozes
naus conseguiam atravessar o abismo dos mares sem o vento favorável
de Zeus.

Calipso, então, lamenta a partida dele e diz que não é inferior a


Penélope, pontuando que não é possível às mulheres mortais competir
em beleza e corpo com as deusas.

Ulisses cuidadosamente a acalma, dizendo:

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Deusa sublime, não te


encolerizes contra mim. Eu
próprio Sei bem que,
comparada contigo, a
sensata Penélope É inferior
em beleza e estatura quando
se olha para ela. Ela é uma
mulher mortal; tu és divina e
nunca envelheces, Mas
mesmo assim quero e desejo
todos os dias Voltar para
casa e ver �nalmente o dia
no meu regresso. [...]
(HOMERO. Odisseia. Trad. Frederico Lourenço.
Lisboa: Livros Cotovia, 2010, Canto V, versos
215-224)

Após se despedir de Calipso, que o vestiu com roupas imortais e


abasteceu a sua jangada com suprimentos em abundância, Ulisses
parte. Chegando ao país dos feácios, é recebido com muitas honrarias e
põe-se a contar a sua história após a rainha Arete lhe perguntar quem
era ele.

Por meio de analepse, recurso também conhecido


como flashback, Ulisses recorda e conta tudo o que se
passou. Tal procedimento das narrativas épicas
subverte radicalmente a ordem cronológica dos
acontecimentos ao mesmo tempo que causa

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surpresas e acrescenta elementos até então


sonegados ao leitor pelo narrador.

É revelado, por exemplo, como Ulisses, ao perder todos os seus


companheiros, ficou agarrado à nau e foi resgatado e alimentado por
Calipso, com quem ficou por sete anos completos. Por meio da
analepse, ele também conta como foi a derrota dos troianos por conta
do envio do cavalo de madeira repleto de gregos prontos a incendiar e
saquear Troia, a rica cidade de comerciantes.

A chegada de Ulisses a Ítaca

A vingança de Ulisses sobre os pretendentes de Penélope, por Christoffer Wilhelm Eckersberg (1814).

Quando Ulisses finalmente chega a Ítaca, mata todos os pretendentes


de Penélope em uma verdadeira carnificina. Até mesmo o aedo Fêmio,
responsável por alegrar os banquetes durante a sua ausência, quase foi
degolado.

Além de suplicar pela vida, Fêmio usa um argumento baseado na sua


condição de aedo, o que indica a distinção social, no contexto no mundo
grego, de que desfrutava um poeta-cantor. Por fim, a pedido de Ulisses,
ele ajuda com a sua música a abafar o barulho provocado pelo
morticínio, entoando canções de noivado.

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Ulisses
Após erestabelecer
Euricleia, por Christian
a suaGottlob
honra,Heyne.
Ulisses vai até seu pai, Laertes,
informando-lhe que matara todos os pretendentes ao palácio. No
entanto, Laertes, muito idoso, não reconhece o filho e pede um sinal
inconfundível.

Ulisses mostra-lhe a cicatriz na coxa causada por um javali em sua


juventude durante uma caçada. Ambos se abraçam a ponto de os
joelhos e o coração do pai se enfraquecerem e de Ulisses quase
desmaiar.

Após a matança de tantos homens ilustres, as famílias resgatam os


corpos e, revoltadas, querem causar uma nova guerra, agora contra
Ulisses, pois, além da matança do palácio, ele é acusado de levar os
mais valentes homens a Troia e perdê-los todos.

A Odisseia chega ao fim sob a intervenção da deusa Atena dissuadindo


Ulisses em relação à guerra. Ele obedece, alegrando-se no coração.

Últimas palavras
As grandes narrativas épicas apresentadas são fundamentais para a
compreensão dos valores sociais gregos, como a ética e a virtude, bem
como suscitam reflexões mais amplas, como a tensão entre sacrificar o
privado em prol do coletivo ou vice-versa.

Mesmo com a consciência da subjetividade que se tem


hoje, muito diferente da visão de mundo homérica,
sempre voltada para o coletivo, tais textos continuam a
ecoar profundamente no leitor contemporâneo.

Não é à toa que a Ilíada e a Odisseia moldaram a sociedade ocidental,


exercendo, em todos os tempos, forte influência sobre a literatura e as
artes. Isso se deu não somente por ambas iluminarem a compreensão
da história, do pensamento, da religiosidade e dos afetos do homem da
Grécia Antiga, como também por elas suscitarem reflexões da
psicologia e da antropologia contemporâneas a partir das imagens e
das narrativas simbólicas das quais o mito é o seu núcleo irradiador.

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Ilíada e Odisseia
Assista agora a um vídeo que aborda o texto épico na Grécia Antiga,
destacando a Ilíada e a Odisseia, de Homero, com seus heróis e mitos.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Assinale a alternativa que permite identificar um aspecto cultural


comum à Ilíada e à Odisseia.

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São tragédias que eternizavam ações heroicas e


A dissociavam elementos históricos dos aspectos
míticos ou lendários.

Destoavam da tradição dos aedos e do resgate de


B acontecimentos passados por meio elementos
míticos.

São cantos épicos que celebravam feitos heroicos e


C
possuíam função religiosa e pedagógica.

Eram fonte de educação para os latinos e de


D exaltação de crenças e valores da mitologia
romana.

Possuíam valor estritamente literário, sem


E implicações na preservação de crenças e valores
gregos.

Parabéns! A alternativa C está correta.

As obras atribuídas a Homero dentro da tradição lírica e épica dos


aedos exaltavam os feitos heroicos e possuíam um caráter
pedagógico e religioso, contribuindo para a preservação dos valores
da cultura grega.

Questão 2

Sobressaem na Ilíada

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A a cólera de Aquiles e a chegada de Ulisses a Ítaca.

B a cólera de Aquiles e a Guerra de Troia.

C a morte de Aquiles e o retorno de Ulisses.

D a paz e a aliança entre gregos e troianos.

E a Guerra de Troia e a viagem de Ulisses.

Parabéns! A alternativa B está correta.

A Guerra de Troia, em seu nono ano, marca o início da narrativa do


poema épico Ilíada. Aquiles é o herói que retorna à guerra depois de
a ter abandonado por um tempo movido pela ira diante da morte de
seu amigo Pátroclo – a tal ponto que consegue matar Heitor, o
comandante dos troianos.

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3 - Eneida, de Virgílio, e Metamorfoses, de Ovídio


Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car o contexto e os aspectos literários de
Eneida e Metamorfoses.

Contexto da expressão literária da


Roma Antiga
Como a matriz da cultura ocidental é a Antiguidade Clássica greco-
romana, neste terceiro módulo apresentaremos duas grandes
expressões da literatura latina:

Eneida (19 a.C.)

Metamorfoses (8 d.C.)
Os poetas Públio Virgílio Marão (70 a.C.-19 a.C.), autor de Eneida, e
Públio Ovídio Naso (43 a.C.-17 d.C.), de Metamorfoses, viveram em um
período de construção de um novo regime político em Roma. Ambos
nasceram nos últimos anos da República Romana (507 a.C.-27 a.C.),
momento em que houve uma acentuada expansão das fronteiras,
embora Roma ainda não estivesse no apogeu de suas conquistas.

Primeiramente como um dos cônsules da República Romana e, em


seguida, como ditador absoluto, Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) participou
da transformação do regime de República para o de Império. Em

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testamento, ele deixou registrada a adoção de Gaius Iulius Caesar


Octavianus Augustus (63 a.C.–14 d.C.), que, sob o título de Augusto, se
tornou o primeiro imperador romano.

O regime recém-nascido experimenta então a chamada


Pax Romana, período de pacificação interna que se
estendeu até 180 d.C., já que as guerras externas eram
consideradas uma atividade econômica.

Sem conflitos civis (a não ser um de curta duração), a cultura em Roma


vive um momento de ebulição. A literatura conhece o seu auge na prosa
e na poesia com poetas como Virgílio, Horácio e Ovídio.

Os poetas e a política
Nesse contexto de novo regime político, o poeta Virgílio, nascido em
Mântua, deixa o norte da Itália e se associa ao poder do imperador
Otávio Augusto, tornando-se, em certa medida, corresponsável pela
nova Roma que surge no período pós-republicano. O poeta estava
inserido no círculo poético do rico e influente Caio Mecenas, conselheiro
do imperador, em cujo grupo a posição de Virgílio era a de maior
destaque.

Entusiastas do novo sistema político, os poetas desempenhavam uma


função publicitária em seu favor. Ovídio, por sua vez, participava do
círculo de Messala Corvino, político que havia sido cônsul na República
Romana. No círculo intelectual do refinado Mecenas, os poetas se
reuniam, liam para o imperador e a corte, conheciam a produção literária
uns dos outros e recebiam o apoio de Mecenas.

Recepção na casa de Mecenas, por Stefan Bakałowicz (1860).

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Mecenas
Nome do qual deriva o termo “mecenato”, que indica justamente o
patrocínio e o incentivo a artistas e a atividades culturais de forma geral.

Virgílio desfruta até o fim de grande admiração do imperador. Isso,


porém, não acontece com Ovídio.

Em 8 d.C., Ovídio é banido de Roma por Otávio Augusto e exilado em


Tomis, atual cidade de Constança, na Romênia, por razões nunca
totalmente explicitadas. Contudo, ele supunha que o banimento se deu
por imoralidade em razão do conteúdo de A arte de amar e por um erro
que teria cometido, uma vez que o imperador Otávio Augusto defendia
os “valores da família”.

Eneida – uma epopeia para Roma

Eneias na corte de Latino, por Ferdinand Bol (1663).

Para os antigos, a arte era uma manifestação estética, sem dúvida, para
a fruição, porém também tinha um compromisso com a instrução e as
funções rituais e políticas. A poesia, por exemplo, era uma forma
sagrada de expressão. A poesia épica, aliás, era considerada perfeita
para eternizar as origens de um povo.

Roma, como um império jovem, reivindicava uma


epopeia que lhe desse um passado grandioso no qual
pudesse espelhar o presente e celebrar o governo de
Augusto. Como estratégia, Virgílio projetou
mitologicamente Roma e o imperador na Eneida. Por
buscar refletir o modelo homérico, a epopeia romana é

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considerada uma epopeia reflexa.

Bem diferente das epopeias gregas, Eneida nasce escrita com data e
autoria definidas, pois foi sugerida (ou encomendada) por Otávio
Augusto e planejada e escrita por Virgílio no final da sua vida. Trata-se
de uma história mítica criada para a Roma Imperial, a qual, aliás, é
chamada por Virgílio de Eneida, que significa “de Eneias”.

Eneias, o herói da epopeia romana


Eneias, príncipe e herói sobrevivente de Troia, era casado com Creúsa,
irmã de Heitor e filha do rei Príamo. Ele fugiu de Troia em chamas com a
missão de reconstruí-la em outro lugar.

Na Eneida, revela-se que Eneias não viu quando os gregos saíram de


dentro do cavalo de madeira e invadiram Troia. Por isso, Heitor lhe
aparece em sonho e lhe dá os comandos da fuga: confia-lhe os objetos
sagrados, os deuses-lares (penates) e os troianos (os sócios),
orientando que Eneias busque um lugar para os sobreviventes no além-
mar.

Com o velho pai, Anquises, nas costas, o filho e os sobreviventes


troianos, ele deixa Troia. Uma das fontes para conhecer Eneias é, sem
dúvida, a Ilíada, que traz, nos versos de 208 a 241 do Canto XX, um
embate com Aquiles, no qual Eneias detalha a sua linhagem e se
apresenta como filho do mortal Anquises e da deusa Afrodite (Vênus
para os romanos).

Embora mortal como o pai, Eneias aponta a sua ascendência divina não
apenas por parte de mãe, como também revela Zeus como ancestral
distante, além do seu parentesco com o rei troiano Príamo.

Fuga de Eneias de Troia, por Federico Barocci (1598).

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Com tal origem, Eneias, ao ser escolhido por Virgílio para ser o fundador
mítico de Roma, dá sustentação ao passado distante, mítico e
aristocrático que todo universo épico precisa evocar.

A lenda de Eneias tinha o


mérito de dar a Roma títulos
de nobreza, fazendo
remontar a estirpe dos seus
fundadores às origens dos
tempos históricos,
atribuindo-lhes antepassados
divinos: Zeus e Afrodite. Além
disso, a grandeza de Roma
parecia ter sido predita pelo
próprio Homero. Roma
parecia realizar, no seio do
seu império, a reconciliação
das duas raças inimigas, os
troianos e os gregos.
(GRIMAL, 1993, p. 136)

Ornamentar as façanhas guerreiras com lendas e mitos revela o


engenho do poeta épico, tarefa que Virgílio cumpriu à risca ao conceber
os ancestrais míticos de Roma até chegar a Otávio Augusto. Doze
gerações separam Eneias de Rômulo e Remo, gêmeos nascidos em
Alba Longa, cidade fundada por Ascânio, um dos filhos de Eneias.

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Comentário

Há outras versões consideradas obscuras que relatam ser Eneias o


fundador de Roma ou que Rômulo e Remo eram dois de seus quatro
filhos. No entanto, a versão virgiliana é a que se impôs e sobreviveu a
partir do século I d.C.

Eneida e sua estrutura


A Eneida apresenta 9.826 versos distribuídos em 12 cantos, ao longo
dos quais é possível perceber a evolução do príncipe troiano Eneias.
Apesar de começar com certa fragilidade, ele, aos poucos, demonstra
toda a sua virtude guerreira.

Veja os versos iniciais de Eneida nos quais se anuncia o que será


cantado, seguido de uma breve síntese da história de Eneias:

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As armas canto e o varão


que, fugindo das plagas de
Troia por injunções do
Destino, instalou-se na Itália
primeiro e de Lavínio nas
praias. A impulso dos deuses
por muito tempo nos mares e
em terras vagou sob as iras
de Juno, guerras sem �m
sustentou para as bases
lançar da Cidade e ao Lácio
os deuses trazer— o começo
da gente latina, dos pais
albanos primevos e os muros
de Roma altanados. Musa!
recorda-me as causas da
guerra, a deidade agravada;
por qual ofensa a rainha dos
deuses levou um guerreiro
tão religioso a enfrentar sem
descanso esses duros
trabalhos?
(VIRGÍLIO, Eneida. Trad. Carlos Alberto Nunes.
Brasília: Editora da UNB, 1981, Canto I, v 1-10)

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Eneida, como prevê a tradição épica, começa in media res. Até o Canto
VI, temos o relato da longa viagem de Eneias até a Península Itálica, a
sua nova pátria; do Canto VII ao XII, as ações bélicas para conquistá-la:

Do Canto I ao V

Vênus aplica um bálsamo na ferida de Eneias, por Giovanni Francesco Romanelli (1650).

Eneias está navegando, fugindo de Troia. Juno (Hera) intervém e sempre


se coloca em posição contrária aos intentos dele. Ela representa o
símbolo de obstrução às ações do herói. Sua missão é sobreviver e
fundar uma nova Troia, que será Roma.

Apesar da tempestade, sua tropa sobrevive e Eneias chega a Cartago


(cidade que será muito inimiga de Roma no futuro). Encontra Dido
(rainha de Cartago), e eles se apaixonam. Eneias narra a sua história a
Dido (valendo-se da analepse, assim como visto na Odisseia).

Esse amor, entretanto, é um problema. Eneias, afinal, precisa cumprir o


seu destino:

• Predito por sua mãe, Vênus (Afrodite).

• Reiterado por Júpiter (Zeus).

• Retardado por Juno (Hera).

• Lembrado por Mercúrio (Hermes), deus mensageiro.

Eneias despede-se de Cartago. Em seguida, Dido se mata.

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Do Canto VI ao XII

A morte de Dido, por Heinrich Füger (1792).

Eneias chega a Cumas, onde encontra uma sibila (sacerdotisa) do


Templo de Apolo, deus caro aos troianos. Ele pede à sibila que o leve ao
mundo dos mortos para ver o pai.

Eneias se encontra com Anquises, que lhe mostra os Campos Elíseos.


Aponta para Otávio Augusto e anuncia que aquele será o descendente
de ambos e faz profecias sobre o futuro glorioso de Roma.

Após ter certeza de que a descendência deu certo, Eneias se fortalece.


A partir desse momento, ele é um herói completo e está pronto para
disputar o território onde Roma será fundada. Chega ao Lácio e pede
abrigo ao rei Latino.

Ele lutará contra um grande inimigo instigado por Juno: Turno, rei dos
rútilos (povo itálico antigo) e prometido de Lavínia, filha do rei Latino,
com quem Eneias se casará. A luta será pela região do Lácio, região
central da Itália, onde Roma se erguerá.

Eneias fundará a cidade lendária de Lavínio em homenagem à sua


esposa e cujos habitantes serão chamados de latinos. Já o filho de
Eneias fundará Alba Longa; dessa linhagem, surgirão Rômulo e Remo,
fundadores de Roma.

Se a Ilíada é a narração de uma guerra e a Odisseia, a volta de um de


seus heróis para a pátria, Eneida consegue ser uma síntese de ambas ao
trazê-las à memória do leitor – só que na ordem inversa.

O tema da fuga como transgressão ao


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épico
Trabalhar com a perspectiva dos vencidos da Guerra de Troia não foi
uma novidade, pois Eurípides já o fizera no teatro, como nas tragédias
As troianas e Hécuba. Entretanto, apresentá-la em uma epopeia foi algo
inusitado.

Virgílio conseguiu um grande feito com Eneida, pois o tema da fuga no


universo épico está associado à covardia, e é difícil incorporá-lo como
parte de um ato heroico. Ademais, a fuga não se dá de modo periférico;
pelo contrário, ela constitui o cerne da obra, pois é dela que Roma
nasce.

No entanto, mesmo sendo difícil enquadrar a fuga como um valor


positivo no épico, ela acentuou a força e a grandeza de Eneias, herói
impregnado de altos valores morais, fiel à família e aos deuses e bom
amigo e virtuoso guerreiro. Ele é considerado, em suma, o melhor depois
de Heitor.

Eneias e Turnus, por Luca Giordano (século XVII).

Após os troianos aportarem em Cartago, Ilioneu, mensageiro de Eneias,


dirige-se à rainha Dido e apresenta o herói. Destaca suas virtudes
guerreiras e relata tanto a fuga de Troia quanto a tempestade que os
seus sete navios acabaram de enfrentar, pedindo e recebendo acolhida.

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Eneias foi nosso rei, o mais


justo e piedoso dos homens,
De comprovado valor nos
combates; em tudo, o
primeiro. Se os fados ainda o
conservam e as auras vitais
ele aspira, Sem para as
trevas terríveis haver até
agora baixado, Não tem medo
de nada nem tu de nos teres
salvado.
(VIRGÍLIO, Eneida. Trad. Carlos Alberto Nunes.
Brasília: Editora da UNB, 1981, Canto I, v. 544-548)

Ao contar a saída de Troia, Ilioneu diz que Eneias “foi nosso rei”. Em
outro trecho, exalta sua excelência como pai dos teucros (troianos),
reconhecendo, desse modo, que Eneias já era o pai da pátria. Ainda que
seu povo estivesse sem território fixo, Eneias, cumprindo as profecias de
Afrodite sobre o destino grandioso que o filho teria, liderava os troianos
rumo à nova Troia.

Tal construção de herói aderiu-se aos ideais augustanos a ponto de


Virgílio ter sido considerado o seu melhor intérprete, uma vez que o
poeta se esmerou em reproduzir os valores filosóficos, morais,
religiosos e políticos de Otávio Augusto. Ao mesmo tempo, ele
conseguiu evocar toda a tradição épica de Homero em Eneida.

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Eneias e Dido, por Pompeo Batoni (1747).

Além da desejável leitura integral de Eneida, vale também ver e ouvir a


ópera em três atos Dido e Eneias (1689), de Henry Purcell (1659-1695),
com libreto de Nahum Tate (1652-1715). A ópera apresenta o Canto IV
de Eneida, que narra o mito do amor trágico entre Eneias e a rainha de
Cartago, Dido, que se imola após saber que ele partirá para cumprir o
destino que os deuses lhe haviam traçado.

Dido tem uma importante simbologia na Eneida. Ela, afinal, simboliza:

• O poder de Cartago, uma das maiores potências militares e


comerciais de seu tempo, destruída pelo exército romano em 146
a.C., no desfecho da Terceira Guerra Púnica.

• A mulher do Oriente na figura de Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.), rainha


do Egito, a qual, em vão, se uniu ao general romano Marco Antonio
(83 a.C.-30 a.C.) para se proteger de Roma. Ela teria se suicidado,
tal como Dido, por não aceitar ser levada e exibida em procissão
triunfal como uma das glórias da vitória romana.

Comentário

Ovídio, o próximo poeta a ser estudado, também revisitou o mito de Dido


n’As heroínas (Heroides).

Metamorfoses de Ovídio
A obra intitulada Metamorfoses (8 d.C.), de Ovídio (47-17 d.C.), é um
longo poema épico-mitológico. Ele está dividido em 15 livros escritos
em versos em hexâmetros dactílicos, ou seja, no padrão do metro épico,
do qual fazem parte cerca de 250 pequenas narrativas poéticas.

Ovídio recupera toda a tradição épica de Homero e


Hesíodo (séc. VIII-VII a.C.), Apolônio de Rodes (295
a.C.-215 a.C.) e Virgílio, seu contemporâneo, e
consegue produzir uma verdadeira bíblia da mitologia

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dada a riqueza do repertório que reúne: dos primórdios,


como os mitos cosmogônicos do poema Teogonia, de
Hesíodo, até as fábulas romanas.

Nos primeiros versos do Livro I, o poeta revela o seu intento: contar


como os seres assumiram novas formas. Atribui a transformação aos
deuses, a quem ele pede um favorecimento na condução do poema para
que, de modo ininterrupto, consiga narrar da origem do mundo até o seu
tempo.

Apolo e Dafne, por Piero del Pollaiolo (1480).

Dessa forma, o poeta latino expõe, de modo poético, um número grande


de micronarrativas com enfoque nas mutatas formas in noua corpora
(“formas em outros corpos mudadas”), algo muito presente nos mitos
em que deuses e homens transfiguram-se em plantas, animais, pedras e
rios.

Do ponto de vista formal, Ovídio também operou uma metamorfose no


gênero literário, pois existe uma mistura do lírico, do trágico, do cômico
e do épico em Metamorfoses, algo incomum nas literaturas de índole
clássica. Embora essa obra contenha muitas narrativas míticas, elas
não se sucedem sem um encadeamento narrativo. É evidente que o
tema da transformação já constitui um elo entre essas narrativas, mas
Ovídio mostra o seu engenho com mais refinamento ainda.

Uma sequência interessante é aquela na qual o poeta narra o


nascimento dos seres e das feras pós-dilúvio, criando um fio condutor
para a história de Píton, a serpente aniquilada por Apolo. Tal episódio,
por sua vez, suscita um comentário sobre os jogos píticos feito
exclusivamente para mencionar que ainda não existia a coroa de louros
como prêmio a ser colocado na cabeça do vencedor, preparando, dessa
forma, o encadeamento com o mito de Dafne e Apolo/Febo.

Para que o contato com o texto de Ovídio, ainda que traduzido, possa
ser estabelecido, apresentaremos adiante a metamorfose da ninfa

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Dafne em loureiro durante a sua fuga de Apolo.


Atenção!

Habilmente descrito por Ovídio, esse movimento da metamorfose foi


capturado em mármore pelo artista barroco Gian Lorenzo Bernini
(1598-1680), que, em tamanho natural, esculpiu Apolo e Dafne
(1622-1625).

Confira alguns versos:

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Dafne foi o primeiro amor de


Apolo,
A ninfa �lha de Peneu, a
quem
O dirigiu não a Fortuna
incerta,
Mas sim a cruel ira de Cupido.

Febo, soberbo da recém


vencida
Píton, viu o menino com seu
arco,
Fletindo as pontas pelo �o
teso,
E lhe falou: “A que te irão
servir,
Menino lépido, tais graves
armas?
[...]

Cupido então: “A tudo ferem,


Febo,
Tuas �echas, e a ti ferem as
minhas,
[...]
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Disse e, fendendo o ar co’


agudas penas,
Pousou alígero ao frondoso
alcácer
De Parnaso, tirou de sua
aljava
Duas �echas de efeitos
diferentes:
Aquela faz, esta repele amor:
Áurea a que faz luzindo à
ponta �na
[...]

Assim assente o pai, mas o


que queres,
Dafne, tua beleza veda a ti,
E tua forma nega o que
suplicas:
Apolo a ama e à vista dela
anseia
Pela união conubial, e espera
Por aquilo que tanto anseia,
assim
O iludem suas próprias
predições.
[...]

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Apolo vê os cabelos de Dafne


soltos ao pescoço e
Diz: e se os penteasse? Vê
seus olhos
Vibrarem �amejantes como
os astros,
Observa os lábios, cuja vista
apenas
Não lhe é bastante; louva os
dedos, mãos,
Os braços que se estendem
nus aos ombros,
“Talvez melhores se
cobertos?”, pensa…
E ela foge, mais célere que o
ar,
Nem se detém às súplicas de
Apolo:
“Ó ninfa, para! rogo-te, não
sigo
Como inimigo! ninfa, para!
Assim
A ovelha foge ao lobo, assim o
cervo
Foge ao leão, assim as
pombas à águia,

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Assim qualquer um foge ao


inimigo:
Amor é a causa que me faz
seguir!
Ai de mim se caíres inclinada,
Indigna de feridas, se teus
pés
Encontrarem espinhos ao
caminho
E eu te causar imerecidas
dores!
[...]

Querendo dizer mais o deus


Apolo,
Foge-lhe a ninfa em passo
trepidante,
Deixando ao curso esclusa a
sua fala.
O corpo dela se desnuda ao
vento,
Vibram-lhe as vestes e a
suave brisa
Impele para trás os seus
cabelos:
Tão bela Dafne lhe parece em
fuga…

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Porém o deus não se contém


ao zelo,
E enquanto lhe aconselha
amor loquaz,
Apressa o passo impetuoso a
ela.
[...]

Assim vão Febo e Dafne:


àquele move
Sua esperança e a esta o seu
temor.
Porém o que a persegue,
guarnecido
Pelas asas do amor, é mais
veloz,
Não para e, estando na
iminência dela,
Chega a soprar-lhe a coma
solta atrás.

Findada a força, a ninfa


empalidece.
Vencida pelo esforço de
escapar,
Dirige o olhar às ondas do
riacho:
“Ó pai, se tens mesmo o
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“Ó pai, se tens mesmo o


poder dos rios,
Concede ajuda àquela cuja
forma
Por ser tão bela não pode ser
vista,
E faz perder-se en�m a
transformando!”

Assim mal Dafne �nda sua


prece
E súbito um torpor lhe invade
os membros:
Fina casca lhe cinge o seio
ameno,
Se faz em folhas seu cabelo e
em ramos
Os seus braços; seus pés,
antes velozes,
Se �xam lentamente ao solo
em rígidas
Raízes e ao seu rosto todo
envolto
Nada resta senão um brilho
escuso.

Ainda Apolo a ama e põe a


mão
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mão
Direita sobre o tronco: lhe é
possível
Sentir pulsar o coração de
Dafne.
E envolvendo as ramagens
com seus braços,
Be�a a madeira, que recusa
os be�os.

Diz-lhe o deus então: “Já que


não podes
Ser minha esposa, tu serás
minha árvore.
Te portarei, ó louro, para
sempre
Na lira, nos cabelos e na
aljava.
Estarás entre os líderes do
Lácio,
Com leda voz a modular
vitórias
E a ver do Capitólio imensos
faustos.
Disposta à entrada do palácio
augusto,
Serás �el vigia dos portões
E, ao centro, irás velar pelo
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E, ao centro, irás velar pelo


carvalho.
Sobre meus cachos tenros
não cortados,
Tu portarás da fronde eterna
glória.”

Calou-se en�m; e, com


aqueles ramos,
Pareceu-lhe o laurel ter
assentido,
Meneando no topo as suas
folhas.
(OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. Domingos Lucas
Dias. São Paulo: Editora 34, 2017, 452-567)

É importante saber que cada mito possui muitas tradições e versões


diferentes. Há certamente as mais consagradas, que se tornam fontes
de referência para escritores e artistas das gerações seguintes, como
aconteceu com Teogonia, de Hesíodo, e Metamorfoses.

Ovídio tinha como intento superar a tradição e, em


certa medida, conseguiu. Uma das mais admiradas
sínteses cosmogônicas encontrava-se em Teogonia,
obra na qual Hesíodo não associou a ideia do deus
primordial Caos à confusão e à desordem.

Pelo contrário: esse deus se associava à ideia de separação, amplidão e


espaço vazio primordial. Ovídio recobriu Caos com as figuras da
desordem. Tal versão se consolidou como uma nova tradição na
literatura, nas artes e até nos dicionários.

Para finalizar, em um amplo arco que começa com o Caos e termina

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com o destino de Júlio César, Metamorfoses atende a todos os


pressupostos de uma obra clássica (entre elas, a universalidade e a
temporalidade), conseguindo ultrapassar mais de dois milênios com o
vigor e a atualidade que somente os grandes clássicos conseguem
manter.


Eneida e Metamorfoses
Assista agora a um vídeo que trata de algumas das principais
contribuições literárias da Roma Antiga: Eneida, de Virgílio, e
Metamorfoses, de Ovídio.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Eneida pode ser considerada uma epopeia para Roma, porque

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reflete os valores da cultura grega no contexto latino


A a partir da exaltação da democracia e da rejeição ao
imperador.

foi escrita em latim por poetas romanos


B contratados pelo imperador com a finalidade de
rejeitar a mitologia grega.

apresenta temáticas relacionadas com


C acontecimentos históricos ocorridos
exclusivamente na cidade.

foi concebida e escrita por Remo e Rômulo,


D
fundadores da cidade de Roma.

espelha, por meio de recursos literários e de figuras


E míticas, a cidade romana e seu imperador Otávio
Augusto.

Parabéns! A alternativa E está correta.

Eneida, seguindo o modelo homérico de epopeia, representa


mitologicamente a cidade romana e seu imperador. A obra foi
escrita pelo poeta latino Virgílio para contar a saga de Eneias.

Questão 2

A obra Metamorfoses pode ter seu título justificado, pois

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narra poeticamente as transformações pelas quais


A
passa seu autor, Ovídio.

conta poeticamente as transformações dos seres,


B
mudança atribuída aos deuses.

conta poeticamente as mudanças dos deuses da


C
mitologia romana em divindades da mitologia grega.

desenvolve um poema em que o lírico, épico, o


D trágico e o cômico se mantêm inalterados e não se
misturam.

narra, de forma histórica e documental, as


E
transformações por que passaram os romanos.

Parabéns! A alternativa B está correta.

Ovídio conta, por intermédio de mitos e linguagem poética, além de


misturar diferentes gêneros literários, o modo como os serem
passam por mudanças e assumem novas formas. Essas
metamorfoses são atribuídas às divindades da mitologia romana.

Considerações �nais
Conhecer a arte e a literatura da Antiguidade Clássica é uma condição
para se compreender bem o que se produziu depois dela, seja na
literatura, no teatro, na pintura, na escultura, na música ou, mais

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recentemente, no cinema, nos jogos digitais, na psicanálise e até


mesmo na publicidade.

Por isso, você estudou neste conteúdo diferentes manifestações


artísticas da Grécia e da Roma antigas ao verificar as características e
as dimensões estéticas dessa riquíssima produção. Nela, podemos
encontrar clássicos, entre outras criações artísticas e literárias, como a
Ilíada e a Odisseia, de Homero; Eneida, de Virgílio; e Metamorfoses, de
Ovídio.

Esperamos que esses estudos sejam um fator de motivação para você


ler alguns desses clássicos da cultura ocidental!


Podcast
Para encerrar, ouça sobre os principais aspectos relacionados com a
arte e a literatura na Antiguidade Clássica.

Referências
BRANDÃO, R. O. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976.

GRIMAL, P. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro:


Bertrand, 1993.

HAUSER, A. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins

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Fontes, 1994.

Explore +
Leia este artigo para aprofundar seus estudos sobre a Ilíada:

VERNANT, J.P. A bela morte e o cadáver ultrajado. Discurso. n. 9. USP.


1978.

Assista ao filme sobre a guerra de Troia em que Brad Pitt interpreta


Aquiles e Orlando Bloom, Páris:

TROIA. Direção de Wolfgang Petersen. EUA: Warner Bros., 2004. 163


min.

Veja os seguintes vídeos (no formato de entrevista) disponibilizados


pela Univesp em seu canal no YouTube:

• Literatura universal – Odisseia (Homero) - André Malta - Pgm 02.

• Literatura fundamental 12 – Eneida – Paulo Martins.

• Literatura fundamental 35 – Metamorfoses, de Ovídio, com


Alexandre Hasegawa.

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