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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CONNIE FRANCIS ANDRADE CASTELO BRANCO

O DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL À LUZ DO


CÓDIGO CIVIL DE 2002

Fortaleza - Ceará
2007
CONNIE FRANCIS ANDRADE CASTELO BRANCO

O DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL À LUZ DO


CÓDIGO CIVIL DE 2002

Monografia apresentada
como exigência parcial para
a obtenção do grau de
bacharel em Direito, sob a
orientação de conteúdo e
metodológica da Professora
Lilia Maia de Morais Sales.

Fortaleza – Ceará
2007
- -

CONNIE FRANCIS ANDRADE CASTELO BRANCO

O DIREITO SUCESSÓRIO NA UNIÃO ESTÁVEL À LUZ DO


CÓDIGO CIVIL DE 2002

Monografia apresentada à
banca examinadora da
Universidade Federal do
Ceará, adequada e
aprovada para suprir
exigência parcial inerente à
obtenção do grau de
bacharel em Direito, em
conformidade com os atos
normativos do MEC,
regulamentada pela
Resolução nº 028/99 da
Universidade de Fortaleza.

Aprovada em 17 de janeiro de 2007.

Lília Maia de Morais Sales


Professora Orientadora da Universidade Federal do Ceará

Marcelo Lopes Barroso


Professor da Universidade de Fortaleza

Érica Maria Araújo Sabóia Leitão


Bacharel em Direito
RESUMO

O Direito Sucessório Na União Estável À Luz Do Código Civil de 2002. O


presente trabalho aborda o tema dos direitos sucessórios decorrentes da união
estável, analisados sob a ótica do código civil de 2002. Apresentam-se noções
gerais a respeito da união estável, diferenciando-a do concubinato. Discute-se o
assunto sob a ótica constitucional, para que se possam compreender os
caminhos tomados pelo legislador infraconstitucional, haja vista caber a análise
da ocorrência ou não da equiparação da união estável ao casamento em seus
efeitos patrimoniais. Apresenta-se a legislação anterior ao código civil de 2002
que tratava da união estável e da sucessão dos companheiros, em suma, o
Código Civil de 1916 e as Leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996. Procede-se, então,
à análise do Código Civil de 2002, no que se refere à sucessão. Confronta-se o
tratamento dispensado ao cônjuge e ao companheiro sobrevivente quando da
sucessão, verificando as disparidades que há entre as duas situações. Com
relação à sucessão do companheiro, analisa-se se há retrocesso na legislação
infraconstitucional no que tange à sucessão do companheiro, focando-se o
paralelo entre o Código Civil e as leis vigentes anteriores a eles, além das
dúvidas provocadas pela lei atual. Mostram-se as diversas visões dos
doutrinadores a respeito do tema, com propostas de alterações. Finalmente,
percebe-se que, nesse contexto, não ocorreu a equiparação entre o casamento e
a união estável em todos os seus efeitos patrimoniais, haja vista que, quando da
sucessão, essa equiparação nitidamente não ocorre, tendo a nova lei colocado o
cônjuge em posição privilegiada, na qualidade de herdeiro necessário. Além
disso, conclui-se que notório é o retrocesso ocorrido com o Código Civil de 2002,
em muitos pontos, com relação à vocação hereditária do companheiro, haja vista
as inúmeras restrições com relação aos seus direitos.

Palavras Chave: direitos sucessórios. união estável. código civil de 2002.


5

ABSTRACT

The successoral law in the stable union on the light of the Civil Code of 2002. The
present paper approaches the theme of successoral rights derived from the stable
union,analyzed under the view of the Civil Code of 2002. General notions are
presented about the stable union, making it different from concubinage. The
subject is discussed under the constitutional view,so that the measures taken by
the infraconstitutional legislator may be understood,even because it is appropriate
to analyze the existence or not of an equality between the stable union and the
marriage in its patrimonial effects. The paper presents the legislation previous to
the Civil Code of 2002,which discussed the stable union as well as the succession
of partners; to sum up, the Civil Code of 1916 and the laws 8.971/1994 and
9.278/1996. Then,an analysis of the Civil Code of 2002 is performed,concerning
succesion. The treatment given to the spouse is compared to the treatment given
to the surviver partner when there is succession,verifying the disparities between
the two situations. Concerning the partner's succession, any retrocession in the
infraconstitutional legislation is analyzed, referring to the partner's succession,
focusing the parallel between the Civil Code and the laws in use before it, as well
as the doubts caused by the present law. This paper also presents the several
views of doctrinaires about the subject, with proposals of changes. Finally, it is
noticed that, in this context, an equality between the marriage and the stable
union in all its patrimonial effects did not occur, due to the fact that when there is
succession, this equality does not clearly happen, having the new law placed the
spouse in a privileged position, in the condition of a necessary heir. Besides this,
it is concluded that notorious is the retrocession occurred with the Civil Code of
2002, in many aspects, concerning its rights.

Key Words: successoral law. stable union. Civil Code of 2002.


6

Meus agradecimentos sinceros a Deus e


aos meus pais, Paulo e Clarice, que,
mostrando-me os caminhos, apoiaram-
me durante toda a minha árdua, porém
gratificante jornada.
7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................08
1 UNIÃO ESTÁVEL..............................................................................................12
1.1 União Estável e Concubinato..........................................................................16
2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL AO
CASAMENTO.......................................................................................................19
3 LEGISLAÇÃO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002.................................25
3.1 Código Civil de 1916.......................................................................................25
3.2 Leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996.................................................................28
4 O DIREITO SUCESSÓRIO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002.................................32
4.1 Disparidade no Tratamento entre Cônjuge e Companheiro Sobrevivente......33
4.1.1 Sucessão do Cônjuge.............................................................................33
4.1.2 Sucessão do Companheiro.....................................................................37
4.2 Retrocesso na Legislação Infraconstitucional.................................................47
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................53
6 REFERÊNCIAS..................................................................................................55
INTRODUÇÃO

Para se ter uma compreensão melhor embasada de qualquer assunto

inserido no ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária uma análise do

instituto sob a ótica constitucional, para que se possa compreender os caminhos

tomados pelo legislador infraconstitucional.

Assim, tem-se que a ordem constitucional garante proteção do

Estado à família, como base da sociedade. A família, obviamente, é não só

aquela decorrente do casamento, mas também, para efeito da referida proteção,

a decorrente de união estável, como estabelece a Constituição Federal, em seu

art. 226, §3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável

entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua

conversão em casamento”.

Dessa maneira, não deve ser outra a postura do legislador

infraconstitucional ao tratar a união estável que não a de equiparação ao

casamento quanto à proteção conferida pelo Estado.

Percebe-se, entretanto, que não se atribuiu igual regime patrimonial

para o casamento e para a união estável, pois a equiparação feita pela Carta

Magna entre união estável e casamento ocorreu, tratando-se da assistência


9

material (alimentos) em caso de rescisão da união estável, e da garantia do

condomínio (meação) dos bens adquiridos na constância da união e a título

oneroso (salvo estipulação contratual em contrário), além de seus efeitos não

patrimoniais - em face do Estado e da sociedade – porém tal não aconteceu da

mesma maneira quando da sucessão.

Quanto ao Direito Sucessório, verifica-se que este se constitui em

verdadeiro corolário do direito de propriedade. Assim, o legislador foi rigoroso

com relação aos sucessores do de cujus.

No Direito das Sucessões, a nova legislação civil é mais exigente nos

requisitos para a sucessão, excluindo a (o) concubina (o) da relação dos

herdeiros, e colocando a (o) companheira (o) sobrevivente (União Estável) em

posição de extrema desvantagem em relação à do cônjuge sobrevivente, com o

óbvio intuito de proteger a instituição do casamento, colocando-o em posição

privilegiada, como herdeiro necessário do de cujus, tendo ocorrido notório

retrocesso em relação à legislação que vigia anteriormente ao Código Civil de

2002.

O tema em questão é de extrema importância prática, visto que se faz

necessário o esclarecimento de muitas questões, ainda contraditórias entre a

doutrina e a jurisprudência pátria, provenientes da nova legislação – o Código

Civil de 2002.

A metodologia utilizada no trabalho monográfico foi caracterizada

como um estudo descritivo analítico, desenvolvido por meio de pesquisa

bibliográfica, tais como livros, doutrinas, leis e artigos publicados em sítios

eletrônicos. Em relação à tipologia da pesquisa, caracterizou-se como qualitativa


10

e, segundo a utilização de resultados, pura. Quanto aos objetivos, a pesquisa

deu-se de forma descritiva e exploratória.

O presente trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos. O

primeiro deles versa sobre a união estável e sua diferenciação do concubinato. O

segundo aborda o tema sob a ótica constitucional, analisando-se se houve ou

não uma equiparação entre os institutos união estável e casamento. O terceiro

capítulo, por seu turno, trata do estudo da legislação anterior ao Código Civil atual

referente à união estável e a sucessão que decorre dela. Quanto ao quarto

capítulo, este analisa de forma mais aprofundada o Código Civil de 2002 no que

se refere ao tema em questão, verificando-se a sucessão do cônjuge e do

companheiro sobrevivente, com olhar crítico sobre as disparidades de tratamento

entre estes, além de expor o retrocesso ocorrido na legislação infraconstitucional.

No direito sucessório, com a nova legislação, o companheiro

sobrevivente, que convivia em união estável – anteriormente conhecido como

concubinato puro – foi notoriamente inferiorizado em relação à sua posição

sucessória no que tange aos direitos patrimoniais, em relação ao cônjuge

sobrevivente, que, com o novo código, passou a ser considerado herdeiro

necessário. Nesse sentido, é possível falar equiparação da união estável ao

casamento? Além disso, perquirir-se-á se a suposta equiparação da união estável

ao Casamento feita pela Constituição Federal produz efetivamente

conseqüências patrimoniais – sucessórios - para o companheiro sobrevivente

com o advento do novo Código Civil?


11

Em meio a tantas indagações, insere-se este estudo monográfico,

tendo por escopo analisar as eventuais contradições presentes quando da morte

de um dos integrantes da união estável. E, ainda, verificar, portanto, até que

ponto se pode falar em uma harmonia no ordenamento jurídico pátrio no tocante

ao assunto em tela. É na tentativa de elucidar estas questões que vai ser

desenvolvida a presente pesquisa.


1 UNIÃO ESTÁVEL

A observação da realidade social revela alterações substanciais que

foram ocorrendo ao longo das últimas décadas na estrutura familiar ocidental,

particularmente na brasileira. Essas alterações são, em especial, no sentido da

falência da família patriarcal, decorrentes da vida moderna, da evolução dos

costumes. Isso se deve principalmente à luta das mulheres pela ocupação de

condição equiparada à dos homens perante a sociedade e dentro da própria

família.

Como conseqüência desse fato, houve um alargamento no conceito

de família, haja vista não poder mais ser considerada como tal unicamente a

família oriunda do matrimônio, mas sim as que provinham de envolvimento

afetivo. Dessa maneira, com a alteração dos paradigmas de família, esta é

percebida quando há laço de afetividade que une pessoas. Para Maria Berenice

Dias, tem-se que “o amor tornou-se um fato jurídico merecedor de proteção

constitucional. A existência de um elo de afetividade é o que basta para o

reconhecimento de uma entidade familiar” 1.

Dessa maneira, foi conseguindo maior respeito social a família não

matrimonializada, culminando com a Constituição Federal de 1988, que, além de

estabelecer a família como base da sociedade, garantindo-lhe especial proteção

1
DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre Família, Sucessões e o Novo Código Civil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 67.
13

do Estado, reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade

familiar, ampliando dessa maneira o conceito de família até então vigente.

Porém, o reconhecimento dessa entidade familiar, baseada na União

Estável, conforme o Código Civil vigente, dá-se na hipótese de ocorrência de

alguns requisitos. São eles: a convivência pública, contínua e duradoura, que

objetive a constituição de uma família (requisito de ordem subjetiva), em que os

conviventes observem os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de

guarda, sustento e educação dos filhos, alicerçada, obviamente, na vontade dos

conviventes.

Deve-se rechaçar a necessidade de caracterização de outros

pressupostos que não os exigidos em lei para a tipificação da união estável,

mesmo tendo sido alguns exigidos em legislação anterior2.

Quanto à exigência de tempo mínimo para a caracterização da União

Estável, tem-se argumentado não se poder averiguar a verdadeira intenção dos

conviventes (se tencionam constituição de família) em relacionamentos que têm

breve fim, justificando que só pode a relação ser considerada estável se durar

tempo mínimo necessário para a estruturação de uma família.3 É claro que a

União Estável deve ser duradoura, devendo permanecer tempo suficiente para

caracterizar o intuito familiae, mas não se pode desejar aplicar aqui parâmetro

objetivo para mensurar a estabilidade da relação. Deve-se analisar a intenção

dos companheiros de que seja duradoura a relação, que haja a finalidade de

constituir família – como desejo (subjetivo) - tendo o próprio legislador modificado

2
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A União Estável e os Pressupostos Subjacentes In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. III, pp. 201-224.
3
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da União Estável no Novo Código Civil In O Novo Código
Civil: Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale. Coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar
Ferreira da Silva e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 2003, pp. 1281-1282.
14

a regra que fixava o prazo de cinco anos para a caracterização da União Estável,

o que afastou a exigência de tempo mínimo como conditio sine qua non para sua

tipificação. A estabilidade da união deve ser analisada caso a caso, pelas

circunstâncias do modo de convivência e pela família que daí resulte, ainda que

não dure muitos anos e mesmo que não haja filhos dessa união.4 Dessa maneira,

não há mais o critério temporal objetivo, dispensando prazo mínimo de

convivência para a configuração da referida relação.

União estável, como já distinguiu o ilustre Min. Sálvio de Figueiredo

Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, em acordo ao que se desprende do

disposto no artigo 1º da Lei 9.278/96, que regulamentou o § 3º do art. 226 da

Constituição Federal, trata-se de união livre formadora do organismo familiar

estável, derivada de relação marital prolongada, cuja estabilidade está mais

ligada à intenção do casal do que propriamente ao prazo fixado em lei. Há uniões

clandestinas que duram mais de cinco anos e uniões sinceras que não atingem o

antigo prazo legal.

Também se deve descartar a necessidade de coabitação, mesmo

como espécie de requisito implícito, conforme afirma parte da doutrina, o que,

definitivamente não faz sentido, não tendo sido exigido sequer na legislação

anterior, haja vista a modernização das relações no mundo fático, em que se tem

inclusive casamentos em que não ocorre a convivência na mesma residência,

apesar da obrigação existente na visão tradicionalista do casamento civil, quiçá

famílias de fato, constituídas através do afeto e da intenção da constituição

familiar. Assim, como a lei não menciona o dever de coabitação, mas vida em

4
OLIVEIRA, Euclides de. Distinção Jurídica entre União Estável e Concubinato In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. II, pp. 243-245.
15

comum, não necessariamente sob o mesmo teto, não se pode exigir como

pressuposto tal coabitação, desde que subsista a convivência estabelecida na lei,

pública, contínua, ou seja, atendendo aos requisitos legais. Convivem, pois, os

companheiros como se casados fossem, devendo a relação ter aparência pública

de casamento.

Por fim, quanto ao dever de fidelidade, percebe-se que este é

emanação do dever de lealdade contido na lei, que é mais amplo. Entretanto, não

se deve exigir para a caracterização da família more uxorio o que a lei não coloca

expressamente, assim como também não se atribui culpa em caso de dissolução

da união estável, por isso, não se deve falar em dever de fidelidade, mesmo

entendendo ser a fidelidade integrante do conceito de lealdade, esta, sim, exigida

pela lei.

Portanto, para a constituição da União Estável, existem certos

requisitos a ser atendidos, sendo alguns de ordem subjetiva, o que pode

confundir os que a analisam de maneira mais apressada. Obviamente, não se

pode tentar impor apenas parâmetros objetivos para o fim de regular relações

nascidas naturalmente, do afeto, sendo este o que vincula os conviventes.

Como requisito de ordem subjetiva, a União Estável exige a

existência do elemento anímico, intencional, consistente no propósito de

formação de família, como já mencionado acima.

Deve-se ressaltar que não se encaixa no modelo de união estável a

ligação adulterina de pessoa casada, sem estar separada sequer de fato de seu

cônjuge, assim como a união desleal, caracterizada pela ocorrência de pessoa


16

que vive em união estável e mantém outra ligação amorosa (ressalvada a

hipótese da ocorrência de União estável putativa) 5.

1.1 UNIÃO ESTÁVEL E CONCUBINATO

Tradicionalmente, a doutrina dominante sempre foi no sentido de

classificar a expressão concubinato como tendo um sentido lato e outro estrito.

Lato sensu, concubinato é gênero que abrange duas espécies, quais sejam: o

puro, também conhecido por stricto sensu e o impuro. Aquele se refere às

relações entre pessoas desimpedidas, que formam a chamada família de fato,

caso atendidos os outros requisitos exigidos por lei; enquanto esse é adulterino

ou incestuoso, ou seja, que ocorre entre pessoas que possuem algum

impedimento matrimonial. 6

A doutrina subdivide ainda o concubinato adulterino em duas

espécies: concubinato adulterino puro ou de boa-fé e concubinato adulterino

impuro ou de má-fé. A diferença entre os dois tipos se encontra exatamente no

fato de o companheiro ou companheira ter ou não ciência de que seu parceiro se

mantém em estado de casado ou tem outra relação concomitante. Dessa

maneira, segundo a corrente doutrinária, somente quando a companheira (o) for

“inocente”, ou seja, quando declara não ter conhecimento de que seu par tem

outra relação, há o reconhecimento de que ela está de boa-fé, e pode-se admitir

o reconhecimento da união estável, chamada união estável putativa. No entanto,

5
OLIVEIRA, Euclides de. Distinção Jurídica entre União Estável e Concubinato In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. II. p. 245.
6
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. União Estável, Concubinato e Sociedade de Fato: uma distinção
necessária In Questões Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e
Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método, 2006. v. III, p. 232.
17

se o companheiro declara que tinha ciência do duplo relacionamento, presume-se

sua má-fé, não sendo reconhecido o vínculo de União Estável, revelando aqui

postura estatal eminentemente punitiva. Quanto aos efeitos jurídicos, estes estão

presentes apenas em respeito ao princípio da vedação ao enriquecimento sem

causa, pois a situação pode beneficiar o parceiro adúltero, que não irá dividir

patrimônio amealhado com cooperação mútua 7.

Maria Berenice Dias, entretanto, entende ser errônea essa posição,

que traz conseqüência com caráter punitivo para o companheiro que sabia da

outra união de seu parceiro, quando da sucessão, conforme se observa:

A União Estável, porém, não dispõe de qualquer condicionante.


Nasce do vínculo afetivo e se tem por constituída a partir do
momento que a relação se torna ostensiva, passando a ser
reconhecida e aceita socialmente. (...) Em se tratando de
convivência pública, contínua e duradoura, impositivo o
reconhecimento de sua existência. O simples desatendimento a
alguma das vedações impeditivas do casamento não subtrai da
8
relação o objetivo de constituição de família.

Hoje não se faz mais a distinção entre as espécies de concubinato,

sendo o anteriormente chamado concubinato puro denominado agora União

Estável, atendidos, obviamente, às exigências legais, e outras formas de

convivência, denomina-se apenas concubinato, sem adjetivar, utilizando-se aqui

a terminologia adotada pelo novo Código Civil Brasileiro, que traça clara linha

divisória entre as citadas relações – ressalva feita ao concubinato (ou União

estável) putativo ou de boa-fé.

Assim, define o Código Civil, em seu artigo 1723, que a União Estável

é aquela estabelecida entre homem e mulher, configurada na convivência

7
DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. pp. 68-69.
8
DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. pp. 100-103.
18

pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de

família; enquanto seu artigo 1727, definindo o concubinato, afirma que este se

traduz em relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de

casar.
2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO

ESTÁVEL AO CASAMENTO

Em análise aos artigos 226 a 230 da Carta Magna da República,

verifica-se que o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as

relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar

proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos

valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela

essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no

que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.

A hostilidade do legislador pré-constitucional às interferências

exógenas na estrutura familiar matrimonializada e a escancarada proteção do

vínculo conjugal e da coesão formal da família, ainda que em detrimento da

realização pessoal de seus integrantes – particularmente no que se refere à

mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjuge-varão –

justificava-se em benefício da paz doméstica.

Por maioria de razão, a proteção dos filhos extraconjugais nunca

poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível, em tal perspectiva, a

aversão do Código Civil à concubina. O sacrifício individual, em todas essas

hipóteses, era largamente compensado, na ótica do sistema, pela preservação da

célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e modelada sob

o paradigma patriarcal.
20

Altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado como

aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, para um

conceito flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo

menos um dos genitores com seus filhos – tendo origem não apenas o

casamento – e inteiramente voltado para a realização emocional e o

desenvolvimento da personalidade de seus integrantes.

Portanto, notáveis mudanças no direito de família trouxe o texto

constitucional vigente que afirma a família como base da sociedade, com

proteção especial do Estado e tratando com igualdade de proteção a entidade

familiar, ou seja, a comunidade formada pela união estável ou por qualquer dos

pais e seu (s) descendente (s).

Assim, o casamento não poderia mais possuir uma posição de

primazia em detrimento de outras espécies de família, como a derivada da

convivência de fato entre homem e mulher, com intuito familiae, conhecida como

união estável ou, ainda, a comunidade considerada monoparental, todas estão

sob a proteção especial do Estado.

A Constituição brasileira, no art. 226, §§ 3º e 4º, considerou a união

estável como entidade familiar, como o fez relativamente à comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes. Assim, família continua sendo a

base da sociedade, mas independe da existência de casamento.

A Carta Política afastou a figura da União Estável do direito das

obrigações (onde ainda estão as uniões – sociedades de fato – entre pessoas do

mesmo sexo) e a competência para julgar saiu da Vara Cível – sociedades de

fato - para as Varas de Família (art. 9º da lei 9.278/96).


21

Cabe aqui perquirir se a Constituição promoveu ou não uma

equiparação entre casamento e união estável. A doutrina sobre o assunto

diverge, havendo posições diametralmente opostas no sentido de que houve

equiparação jurídica entre as duas relações e no de que não ocorreu tal

equiparação.

Defende uma corrente doutrinária que a Constituição Federal jamais

equiparou a união estável ao casamento, tanto é que a disparidade de tratamento

dispensado pelo legislador quando da sucessão dos companheiros, ao invés de

representar discriminação (como muitos afirmam), configura pleno atendimento

ao mandamento constitucional. Considera, portanto, não haver possibilidade de

um tratamento igualitário, até porque seria uma descaracterização da união

estável (que é instituição-meio), assim como o casamento (instituição fim). E

afirma que o novo Código realmente procura guindar a união estável ao patamar

do casamento civil (art. 226, §1º), ao menos nos seus dois efeitos patrimoniais,

ou seja, no que diz respeito a alimentos e no direito das sucessões. Na opinião

de Mário Luiz Delgado, igualar os institutos seria infringir o mandamento

constitucional, conforme se percebe em suas palavras:

A orientação adotada pelo legislador procurou ser coerente com


o estabelecido no §3º do art. 226 da Carta Magna, que assegura
a proteção do Estado à união estável, mas sem equipará-la ao
casamento, tanto que determina que a lei facilitará a sua
conversão em casamento, não se converte o que já é igual9.

Observa-se ainda que a união estável é instituto de natureza diversa

do casamento, pois é a própria Constituição que proclama que a facilitação da

9
DELGADO, Mário Luiz. Controvérsias na Sucessão do Cônjuge e do Convivente In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. III, pp. pp. 238.
22

conversão da união estável em casamento, e, se fossem iguais, não necessitaria

de conversão.10 Embora haja o reconhecimento constitucional, as semelhanças

entre o casamento e a união estável restringem-se apenas aos elementos

essenciais11.

Por outro lado, parte da doutrina afirma haver a Constituição

equiparado os dois institutos, devendo o aplicador da norma ter igualado inclusive

seus efeitos desde então, conforme alguns votos em decisões dos Tribunais

Pátrios, sendo alguns vencidos, e outros julgados nesse sentido, inclusive por

unanimidade12. Até porque, em muitos casos, não se tem a união estável como

instituição-meio, mas sim como fim almejado pelos companheiros, como modo de

convivência informal. A corrente critica o legislador, afirmando que o Código Civil

afronta a norma constitucional.

Destaca-se a posição de Maria Berenice Dias sobre o tema:

Em sede de direitos sucessórios na união estável é onde o Código


Civil mais escancaradamente acabou violando o cânone maior da
Constituição Federal, que impôs o reinado da igualdade e guindou
a união estável à mesma situação que o casamento. (...) O
tratamento diferenciado inegavelmente desobedeceu ao princípio
da igualdade, que tem assento constitucional, sede que consagrou
a união estável como entidade familiar e a igualou ao matrimônio,
sem distinções de ordem patrimonial. 13

No mesmo sentido argumenta José Carlos Teixeira Giorgis:

10
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6, pp. 271-
276.
11
VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Atlas, 2005.
v. 7. p.150.
12
TRJ - AC 1.280/90. TSP – Agl 194.370 – 1/3, Boletim AASP, n. 1.785. TRJ - AC 3.570/88. AC
590.069.368, Porto Alegre, AASP, n. 1.708.
13
DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p.104.
23

Os mesmos laços, motivos e efeitos que ligam os cônjuges no


matrimônio legal também agem unindo os concubinários, que
ocorre quando duas pessoas de sexo diferente vivem e habitam
juntas, sob o mesmo teto, maritalmente, sem que a união haja
14
sido legalizada com as formalidades do casamento .

Entretanto, sabe-se que para as relações interiores ou intrínsecas

entre os conviventes, relativas a direitos de um em face do outro (alimentos,

partilha), exige-se legislação própria, não podendo a norma constitucional

promover a identificação de efeitos, direitos e obrigações entre os referidos

institutos15.

Diante do que foi exposto, percebe-se que não deve haver mera

aplicação analógica para o regime patrimonial na União Estável das regras

relativas ao casamento, pois a Constituição Federal igualou os referidos institutos

de direito de família quanto aos seus efeitos externos, perante o Estado e a

Sociedade, porém, quanto aos efeitos patrimoniais, faz-se necessária uma

regulamentação da norma através de legislação infraconstitucional, como de fato

ocorreu16. Quanto à adequação da legislação ao estabelecido na Carta Magna,

analisaremos com mais detalhes abaixo.

Assim, o dispositivo estabelecido no art. 226, §3º da Constituição

Federal de 1988 ficou por um tempo sem ser regulamentado, gerando muitas

dúvidas com relação à sua auto-aplicabilidade, estendendo os efeitos do

casamento indistintamente à união estável.

Não é, portanto, o dispositivo auto-aplicável, necessitando de

regulamentação, da maneira como ocorreu com a edição de leis

14
GEORGIS, José Carlos Teixeira. Op. Cit. p. 205.
15
RODRIGUES, Sílvio. Op. Cit. p. 275.
16
SANTOS, Simone Orodeschi Ivanov dos. União Estável: Regime Patrimonial e Direito
Intertemporal. São Paulo: Atlas, 2005. pp. 74-79.
24

infraconstitucionais, devendo, porém a legislação ordinária seguir a regra superior

imposta pela Carta Política, não no sentido de igualar os institutos em todo e

qualquer efeito, mas de haver equiparação em quanto possível for, sem a

tentativa inútil de igualar o que tem essência diversa.


3 LEGISLAÇÃO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Para que se possa acompanhar a progressão do ordenamento

jurídico a respeito da união estável e seus efeitos sucessórios até culminar no

código civil de 2002, faz-se necessário um estudo do que estabeleciam as leis

anteriores à que está atualmente vigente. Em virtude disso, segue-se a análise

do Código Civil de 1916 e das leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996

3.1 CÓDIGO CIVIL DE 1916

No Código Civil de 1916, não se reconheciam direitos à família não

matrimonializada, seja através do casamento civil ou do casamento religioso com

efeitos civis. O que acontecia é que elas eram totalmente ignoradas, como se

não fizessem parte da realidade das relações que ocorriam no país, com o claro

objetivo de desestímulo a essa espécie de relacionamento (extraconjugal).

Realmente as motivações do Código de 1916 já não mais

encontravam respaldo e ressonância no Direito de Família atual. Embora os

dispositivos civis que fazem menção ao concubinato não estejam revogados

expressamente e sejam de ordem proibitiva, a jurisprudência encarregou-se de

fazer uma nova leitura para adequá-los à atual realidade.


26

As referências esparsas do texto legal à vida em concubinato, mesmo

se tratando do chamado concubinato puro (atual União Estável), eram de cunho

censitório-restritivo.

Somente com a Constituição Federal de 1988 é que houve a

juridicização das relações havidas fora do casamento. Em face do mandamento

constitucional de proteção à união estável como entidade familiar, foram

editadas, em curtíssimo tempo, duas leis regulamentadoras da matéria: a lei

8.971, de 29 e dezembro de 1994, dispondo sobre os direitos de companheiros a

alimentos, sucessão (herança e usufruto) e meação em caso de morte –

parcialmente revogada pela Lei 9.278/1996 – e a Lei 9.278 de 10 de maio de

1996, que deu nova definição à união estável, estabelecendo os direitos e

deveres dos conviventes, tratando da assistência material (alimentos) em caso de

rescisão da união estável, garantindo o condomínio (meação) dos bens

adquiridos na constância da união e a título oneroso (salvo estipulação contratual

em contrário), acrescentando o direito de habitação no plano da sucessão

hereditária, permitindo a conversão da união estável em casamento por

requerimento ao Oficial do Registro Civil e remetendo toda a matéria à


17
competência do Juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça .

Verifica-se que uma lei não revogou a outra, vez que a lei 8.971/94

contempla o direito à sucessão, matéria estranha à Lei n. 9.278/96; o que

autoriza dizer que a lei 8.971/94 continua em vigor no que tange ao direito

sucessório.

17
OLIVEIRA, Euclides de. Distinção Jurídica entre União Estável e Concubinato In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. II. pp. 239-242.
27

Observa-se, entretanto, que as leis de 1994 e 1996 que serão vistas

a seguir, que tratam especificamente sobre o assunto e o Código de 1916,

deixaram muitas lacunas e várias questões sem respostas. No entanto, são

expressas as restrições aos direitos da concubina, sobre doações e sucessões

causa mortis, a exemplo dos artigos 248, IV, 1.177, 1.719, III, bem como sobre o

concubinato como prova de investigação de paternidade, artigo 363, I.

Mesmo o Novo Código Civil, ainda deixa muito a desejar sobre este

caso, surgindo vários textos legislativos e dispositivos legais esparsas, como as

normas em matéria previdenciária ou os dispositivos na lei de locação.

Os efeitos patrimoniais dessas relações foram demarcados, em

nosso Direito, principalmente pela jurisprudência, que foi, por muito tempo,

vacilante em relação à matéria.

Houve na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal uma

evolução a respeito do tema em tela. Inicialmente, os tribunais negavam qualquer

direito à concubina. Posteriormente, passou a considerar que o concubinato, por

si só, justificava o direito da companheira à meação com base na teoria do

enriquecimento sem causa. Com a Súmula 380 do STF, temos a síntese na qual

se distinguem as relações pessoais e patrimoniais, considerando que somente a

prova da efetiva contribuição da concubina na formação do patrimônio comum

justificaria o seu direito à meação ou a outra fração do patrimônio comum.

O direito dos companheiros, para suas conseqüentes repercussões

patrimoniais, sempre teve o esteio de três Súmulas do STF, que contêm os

elementos balizadores e refletem a evolução que se vem fazendo, que são as

Súmulas 35, 380 e 382.


28

Súmula 35: “Em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a

concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não

havia impedimento para o matrimônio”.

Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os

concubinos é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio

adquirido pelo esforço comum".

Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo teto more uxório não é

indispensável à caracterização do concubinato”.

No caso da Súmula 380, ao mencionar sobre o esforço comum, o

entendimento atual é de que não é necessário que a contribuição de uma das

partes tenha sido financeira, bastando seu suporte doméstico para que a outra

pudesse construir ou realizar o patrimônio do casal, ou seja, para caracterização,

basta a contribuição indireta.

Porém, observa-se que a partir de 1988 tornou-se mais freqüente a

idéia de se presumir serem comuns os bens adquiridos na vigência da união

estável18.

3.2 Leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996

Com o advento da Lei 8.971/94, para a caracterização da união

estável, primeiramente, o seu art. 1º dispunha que:

A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente,


divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de 5 (cinco) anos, ou dele
tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de
1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

18
RODRIGUES, Sílvio. Op. Cit. p. 275.
29

Parágrafo único – Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao


companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou
viúva".

Com esta redação, procurou o legislador fornecer os elementos

necessários para comprovação da união estável, a saber: a dualidade de sexos,

o relacionamento com pessoa solteira, separada judicialmente, divorciada ou

viúva e a convivência por pelo menos cinco anos ou existência de prole.

Através da Lei 8.971/94, definiu-se a proteção legal no caso de morte

de um dos companheiros como se houvesse verdadeira comunhão parcial de

bens (art. 3º), além do que, alterou a ordem de sucessão hereditária ao deixar

a(o) companheira(o) atrás somente dos descendentes e ascendentes, como se

esposa fosse (art. 2º, inc. III). Dessa maneira, a lei inseriu o companheiro na

ordem de vocação hereditária 19.

Outrossim, instituiu o direito ao usufruto, enquanto não constituísse

nova união da quarta parte dos bens do de cujus em caso de existência

descendentes, comuns ou não (art. 2º, inc. I), ou da metade dos bens do de cujus

se não houvesse descendentes, embora ainda vivos os ascendentes (art. 2º, inc.

II) e independentemente do regime de bens adotado, diferentemente do

casamento, em que o direito ao usufruto se concede somente em caso de

adoção do regime da comunhão total de bens. Assim percebe-se que a posição

dos companheiros com a promulgação da referida lei melhorou muito, estando

em situação até privilegiada em relação aos cônjuges sobreviventes, dependendo

do regime de bens aditado.

Deve-se atentar para o direito à meação, estabelecido no art. 3º do

referido diploma legal, com relação aos bens deixados pelo autor da herança que

19
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. pp. 148-150.
30

resultarem de atividade em que haja colaboração do companheiro, este

(sobrevivente) terá direito à metade dos bens.

Além disso, o denominado usufruto vidual, estabelecido igualmente

ao cônjuge viúvo no Código Civil de 1916, foi garantido ao companheiro

sobrevivente que se preenchesse os requisitos legais. Segundo a lição do mestre

Sílvio de Salvo Venosa:

Nesse usufruto, houve equiparação significativa dos direitos do


companheiro aos do cônjuge. Trata-se de usufruto legal que independe da
situação econômica do companheiro. [...] A lei da convivência estável
reporta-se à extinção, quando o companheiro estabelece nova união. 20

Essa lei, como visto, restringiu os direitos a que alude, de alimentos,

de herança e de meação, aos companheiros com convivência de mais de cinco

anos ou prole comum. Para fins de meação, a colaboração não era presumida,

mas havia a necessidade de prova em cada caso.

Restringiu ainda sua proteção unicamente ao concubinato puro, ou

seja, aquele que não convive com o casamento. Desse modo, se o de cujus era

casado, mesmo se separado de fato, não geraria direito sucessório para o

companheiro sobrevivente. Apenas não estaria desamparado o companheiro

nessa situação, caso tivesse realmente contribuído para amealhar o patrimônio,

se pleiteasse a divisão da sociedade de fato estabelecida.

Deve-se ressaltar aqui que o artigo 2º da lei 8.971/1994 equiparou o

companheiro ao cônjuge supérstite também na ordem de vocação hereditária

estabelecida no Código Civil de 1916. Assim, na falta de ascendentes ou

descendentes e, é claro, do cônjuge, o companheiro será herdeiro da totalidade

do patrimônio do de cujus. Assim, irrelevante é se houve ou não conjugação de


20
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 151.
31

esforços para amealhar o patrimônio comum pelos companheiros. Como o

cônjuge sob a égide da legislação anterior à atual não era herdeiro necessário,

ocupavam, portanto a mesma posição o cônjuge e o companheiro.

A Lei n. 9.278/96, que regula expressamente a norma constitucional

consagradora da união estável, concedeu alimentos e direito real de habitação e

reconheceu o condomínio dos bens adquiridos em comum. Traz ainda um novo

conceito de união estável, deixando de exigir lapso temporal de convivência por

cinco anos que foi estabelecido como pressuposto na lei anterior; assim como

também não exige a existência de filhos para a tipificação do companheirismo,

além de não fazer restrições quanto ao estado civil dos parceiros21.

Quanto ao direito real de habitação, sabe-se que este passou a ter

abrangência maior em sede de união estável, pois para o casamento, no Código

anterior, está ele restrito aos enlaces sob o regime da comunhão universal de

bens, afora o fato de tratar-se de imóvel destinado à residência da família e o

único bem a inventariar 22.

Percebe-se que era plenamente possível a coexistência das duas

leis, haja vista tendo sido a lei de 1994 revogada apenas parcialmente, não

havendo grandes contradições entre os dois diplomas legais.

21
DIAS, Maria Berenice. O Direito Sucessório na União Estável. Disponível em
<www.mariaberenice.com.br>
22
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 153.
4 O DIREITO SUCESSÓRIO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O código civil constitui o cerne do ordenamento jurídico da sociedade

civil brasileira, fixando diretrizes básicas que irão reger a forma de vida da nossa

população.Segundo o professor Miguel Reale, é o código do homem comum,

pois é ele que dispõe sobre a situação social e a conduta dos seres humanos,

mesmo antes de seu nascimento e depois de sua morte, preservando a sua


23
última vontade e fixar o destino de seus bens .

Cabe aqui nesse estudo a análise a respeito da sucessão, mais

especificamente da vocação hereditária decorrente da união estável, ou seja,

como se dá a transferência do patrimônio do de cujus ao seu companheiro,

sobrevivente, em virtude da morte. Em especial, no presente tópico, o que

disposto sobre o assunto no novo Código Civil.

4.1 Disparidade no Tratamento entre Cônjuge e Companheiro Sobrevivente

A seguir, analisar-se-á com maiores detalhes a sucessão do cônjuge

e do companheiro sobrevivente, tentando-se perceber quais as principais

divergências com relação a esse assunto, e verificar até que ponto estão

equiparados os direitos patrimoniais - sucessórios - decorrentes da união estável

23
FRANCIULLI NETTO, Domingos et alii. O Novo Código Civil: Estudos em Homenagem ao
Prof. Miguel Reale. Coord. Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira da Silva e Ives Gandra da
Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 2003. p. 17.
33

e do casamento. Assim, averiguar-se-á a existência de disparidade no tratamento

dispensado às uniões de fato e às provenientes de casamento.

4.1.1 Sucessão do Cônjuge

Primeiramente, quanto à sucessão do cônjuge, percebe-se que o

novo Código Civil elevou o cônjuge à posição de herdeiro necessário. Houve,

portanto, alteração na ordem de vocação hereditária em benefício do cônjuge

sobrevivente, passando este a concorrer, simultânea e alternativamente na

primeira e na segunda classe, com descendentes e ascendentes do de cujus,

respectivamente.

No dizer de Miguel Reale:

Nesse sentido, cumpre assinalar que pelo novo código civil o


cônjuge passa a ser herdeiro, concorrendo com os descendentes
e ascendentes, salvo se casado com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no de separação de bens, conforme
interpretação que, no meu entender deve ser dada ao art. 1.829,
24
inciso I, cuja redação infeliz tem dado lugar a controvérsias .

O próprio Miguel Reale, coordenador e supervisor da comissão que

se incumbiu da elaboração do anteprojeto de Código Civil, apontou duas razões

para a alteração proposta – a nova posição do cônjuge sobrvivente como

herdeiro necessário. A primeira se trata de tentativa de se concretizar a absoluta

equiparação do homem à mulher. A segunda reside na alteração do regime legal

de bens, que deixou de ser o da comunhão universal de bens para ser, a partir da

lei do divórcio (lei n. 6.515/77), o da comunhão parcial de bens, prejudicando, na

24
REALE, Miguel. Cônjuges e Companheiros. Disponível em <www.miguelreale.com.br >.
Acesso em 28 de dezembro de 2006.
34

hora da sucessão, os cônjuges que não eram meeiros pela mera situação de

estarem casados25.

Conforme assinala o professor Miguel Reale, assim como também o

civilista Mário Luiz Delgado26, o objetivo da referida regra de concorrência da

nova ordem de vocação hereditária foi, portanto, a proteção ao cônjuge

desprovido de meação. Afinal, trata-se de uma garantia para aquele que se

casou, em regime de bens que não garante a meação, e, em virtude da morte

superveniente de um dos cônjuges, em geral inesperada, pode ficar ao

desamparo por ser excluído da sucessão através da antiga ordem de vocação

hereditária. Não se verifica mais esse problema, devido à inclusão do cônjuge

sobrevivente entre os herdeiros necessários.

Não havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge sobrevivente

herdará a totalidade da herança, pouco importando o regime de bens, ocupando,

nesse caso – e sozinho – a terceira classe dos sucessíveis. Isso significa dizer

que o cônjuge supérstite herdará sozinho, se não estava separado de fato há

mais de dois anos ou judicialmente, quando da abertura da sucessão.

Com essa nova disposição legal, também não poderá ser excluído da

sucessão o cônjuge apenas pela disposição do cônjuge em testamento, por mera

liberalidade, pois se trata de herdeiro necessário, devendo ser-lhe reservada a

legítima. Assim como não ocorre com o companheiro sobrevivente, conforme se

verá a seguir, tal não ocorria com o cônjuge anteriormente ao novo Código Civil,

ficando garantido apenas aquele cônjuge com direito à meação, que não se

confunde jamais com herança. A esse respeito, ressalta-se a diferença entre a

meação e o direito hereditário, nas palavras de Zeno Veloso:


25
REALE, Miguel. O Projeto do Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1999.
26
DELGADO, Mário Luiz. Op. Cit. pp. 430-431.
35

Não se deve confundir meação com direito hereditário. A meação


decorre de uma relação patrimonial – condomínio, comunhão –
existente em vida dos interessados, e é estabelecida por lei ou
pela vontade das partes. A sucessão hereditária tem origem na
morte, e a herança é transmitida aos sucessores conforme as
previsões legais (sucessão legítima) ou a vontade do
hereditando (sucessão testamentária) 27.

Porém, observa-se que a concorrência com descendentes na

sucessão dependerá do regime escolhido pelo cônjuge para o casamento.

Porém, o regime de bens apenas influi no direito de concorrência com os

descendentes. Os demais direitos sucessórios não possuem qualquer vinculação

ao regime de bens. 28

Nas palavras de Mário Luiz Delgado:

Em suma, o cônjuge sobrevivente só vai concorrer com os


descendentes: quando estavam casados no regime da
separação convencional; quando casados no regime da
comunhão parcial e o falecido possuía bens particulares; quando
casados no regime da participação final dos aqüestos. 29

Dessa maneira, percebe-se que, mesmo querendo, não poderá o

cônjuge excluir o outro da sucessão, seja por testamento, seja através da escolha

de um regime de bens que possibilite tal hipótese, afinal, trata-se agora de

herdeiro necessário, devendo ser-lhe resguardada a legítima, que constitui a

metade do patrimônio deixado pelo falecido.

Por exemplo, se no casamento for adotado o regime de separação de

bens, mesmo assim, terá direito à sucessão o cônjuge sobrevivente, concorrendo

27
VELOSO, Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA,
Rodrigo da Cunha. (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 286.
28
DELGADO, Mário Luiz. Op. Cit. p. 231.
29
DELGADO, Mário Luiz. Op. Cit. p. 231.
36

com descendentes, se houver. Assim, não entrarão em seu patrimônio apenas os

bens adquiridos após o casamento, mas o patrimônio amealhado mesmo antes

dele, trazendo efeitos para o cônjuge que não goza de direito à meação. Como

se verá a seguir, isso não se verifica com os companheiros 30.

O objetivo do casal, ao optar por determinado regime de bens, como

o da separação, era a não transmissão do patrimônio amealhado antes da união,

não havendo, portanto, animus para a comunicação desse patrimônio. Porém a

lei, desvirtuando essa liberdade, invadindo o campo que em tese é estritamente

privado, retira a relevância desse objetivo quando da sucessão.

No dizer de Karime Costalunga:

[...] A imposição de sucessão como herdeiro necessário àquele


matrimoniado pelo regime da separação total de bens constitui
um desrespeito para como cidadão e com o modelo de família
pelo qual optou, bem como seu desejo de não comunicar os
31
patrimônios trazidos para a união.

Observa-se, entretanto, que o objetivo que se quer alcançar com a

nova norma é a proteção ao cônjuge casado em regime de bens que não lhe

garante meação. Assim, ocorrendo a morte do cônjuge, havia a concreta

possibilidade de o cônjuge ficar desamparado, inclusive quando o de cujus

deixasse testamento, através do qual poderia simplesmente excluir da sucessão

o cônjuge sobrevivente. Com o advento do Código de 2002, não há mais esse

risco, já que o cônjuge passou a ser herdeiro necessário, independentemente do

regime de bens que rege o casamento.

30
DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. pp 120-124.
31
COSTALUNGA, Karime. O art. 1.829 do Código Civil e a Constituição In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2006. v. III. pp. 411-412.
37

Por essa razão, muitas pessoas na atualidade têm preferido optar por

constituir união estável em detrimento do casamento civil, seja com a finalidade

de resguardar o patrimônio amealhado antes da constância da união de fato,

para que não haja prejuízo aos seus filhos quando da sucessão, ou apenas por

uma questão principiológica, de ter a liberdade de optar e dispor de seu

patrimônio, quando de sua morte, através de testamento.

Percebe-se assim o grande avanço obtido através das inovações do

Código Civil de 2002 para o cônjuge supérstite, que foi elevado à categoria de

herdeiro necessário, passando a ocupar o terceiro lugar na ordem de vocação

hereditária, depois dos descendentes e ascendentes. Mesmo havendo herdeiros

de grau anterior, ainda há direito à herança, havendo concorrência em muitas

hipóteses. Analisar-se-á a seguir o que ocorreu como direito sucessório dos

companheiros com o advento do diploma legal de 2002.

4.1.2 Sucessão do Companheiro

O novo Código Civil regula a sucessão decorrente da união estável

de maneira distinta e mais desvantajosa do que a decorrente do casamento.

Inegavelmente, a exemplo do que se deu com a vocação sucessória

do cônjuge, também a do companheiro evoluiu no sentido de conferir-lhe

propriedade sobre os bens transmitidos, ao invés de meros direitos reais

ilimitados. 32

32
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. Rio de
Janeiro: Forense, 2004. v. VI. p. 154.
38

Entretanto, a herança que pode caber ao companheiro é limitada aos

bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável e, mesmo

assim, com muitas condições, como se verá logo adiante.

A transmissão apenas de bens adquiridos onerosamente durante a

união estável é uma das restrições à vocação hereditária do companheiro,

estabelecida pelo artigo 1.790, caput, do Código Civil de 2002. É aqui onde

primeiramente se percebe a discrepância entre o tratamento dispensado ao

cônjuge e o dado ao companheiro no momento da sucessão.

Os bens adquiridos onerosamente durante o laço estável, não

existindo nenhum pacto matrimonial celebrado, serão bens comuns, submetidos

à regra da comunicabilidade. Porém, apenas esses bens, comuns e

comunicáveis, é que poderão compor o acervo hereditário do companheiro,

nunca os bens particulares.

Dessa maneira, se não houve, durante a constância da união estável,

nenhum bem adquirido onerosamente, inexistirá possibilidade de o companheiro

supérstite herdar qualquer bem do patrimônio do de cujus, mesmo que tenha o

falecido deixado patrimônio, amealhado antes da constituição da união de fato. É

o imperativo da regra do artigo 1.790 do Código Civil.33

Modificou-se, portanto, substancialmente a situação do companheiro

sobrevivo, que passa a concorrer no direito de herança apenas sobre os bens

havidos onerosamente durante a vida em comum com o falecido parceiro.

Importa dizer que o companheiro não terá qualquer participação na herança

relativa a outros bens, adquiridos antes ou havidos graciosamente (herança ou

33
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2003. v. VII. pp.
118.
39

doação) pelo autor da herança, ou mesmo onerosamente, se com recursos

provenientes da venda de um bem particular.

Observa-se que, sobre os bens comuns, porque adquiridos na

vigência da união estável e a título oneroso, o companheiro já tem direito à

meação, pelo regime legal da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito

(art. 1.725 do novo CC).

Nesse sentido é a opinião de Euclides de Oliveira, juntamente com

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

Muito mais grave, ainda, a limitação do direito hereditário do


companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável, pois, como já se acentuou, o companheiro já tem
direito de meação sobre tais bens. Deveria beneficiar-se da
herança, isto sim, apenas sobre os bens particulares do falecido,
exatamente como se estabelece em favor do cônjuge
34
sobrevivente (art. 1.829) .

Portanto, ressalta-se, dos bens adquiridos onerosamente durante a

convivência estável, o companheiro supérstite já é meeiro, por força da

comunhão parcial de bens prevista no artigo 1.725 do novo Código. Assim, a

vantagem estará apenas em herdar a outra metade, em concorrência com outros

sucessíveis, como se verá adiante.

Devem-se examinar, agora, as hipóteses contidas nos quatro incisos

do artigo 1.790 do Código Civil, a fim de traçar um breve esboço das

possibilidades de concorrência hereditária estabelecidas na referida norma. Para

tanto, cabe reproduzir aqui o texto do artigo em questão, em sua literalidade.

34
OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Distinção Jurídica entre
União Estável e Concubinato In: Questões Controvertidas no Novo Código Civil. Coord. Mário
Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método, 2006. v. III. p. 249.
40

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da


sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente
na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota


equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança,
tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a
um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade
da herança 35.

O primeiro e o segundo inciso tratam da hipótese de concorrência do

companheiro supérstite com os descendentes do de cujus.

No primeiro caso, trata-se de descendência comum (não se

restringindo apenas a filhos, mas a descendentes, como o próprio inciso seguinte

demonstra), situação em que o companheiro sobrevivente tem direito de suceder

o morto, legitimamente, para receber uma quota equivalente à que foi atribuída a

cada filho, quanto aos bens que o falecido adquiriu onerosamente na vigência da

união de fato 36.

No segundo caso, não há filhos comuns dos companheiros – do autor

da herança e do sobrevivo. Este tem, portanto, direito de suceder o morto,

legitimamente, para receber uma quota equivalente à metade do que foi atribuído

ao filho. Entenda-se a metade do que couber ao descendente nos bens


37
adquiridos onerosamente durante a constância da união estável .

Surge aqui uma dúvida, portanto, quanto ao quinhão que deve

receber o convivente sobrevivo no caso de existirem tanto descendentes comuns,

35
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<www.planalto.gov.br > . Acesso em 21 set. 2006.
36
NERY, Rosa Maria Barreto Boriello de Andrade. Aspectos da Sucessão Legítima In: O Novo
Código Civil: Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale. Coord. Domingos Franciulli Netto,
Gilmar Ferreira da Silva e Ives Gandra da Silva Martins Filho. São Paulo: LTr, 2003. p. 1381.
37
RODRIGUES, Silvio. Op Cit. p. 118.
41

como exclusivamente do de cujus. É que a lei não prevê essa situação de

concorrência com filhos de híbrida origem. Deixou a desejar o legislador nesse

ponto, tendo, entretanto, a doutrina se debruçado nessa falha da norma,

esclarecendo qual deve ser a melhor alternativa a ser aplicada no caso concreto.

Também a jurisprudência tende a solucionar o problema, mas o que se deve

esperar é uma alteração legislativa, suprindo, portanto, a lacuna deixada pela

regra legal, para que se possa aplicar a lei com maior certeza em situações

fáticas.

Por ora, observa-se que a melhor indicação é no sentido de, caso

haja descendentes comuns e descendentes unilaterais do de cujus, “deve-se

dividir igualmente os quinhões hereditários, incluindo o companheiro ou

companheira, desaparecendo, pois, o direito dos descendentes unilaterais de


38
receberem o dobro do que caberia ao companheiro sobrevivo” .

Os argumentos que os renomados juristas defensores dessa posição

utilizam são os mesmos que justificam o tratamento igualitário, quando da

sucessão, que é dado a filhos e cônjuge na hipótese de ocorrer filiação híbrida.

São convergentes nessa opinião, entre outros, Mário Luiz Delgado, Francisco

José Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Sílvio de Salvo Venosa, Rolf

Madaleno e Caio Mário da Silva Pereira. Em posição oposta, entendendo que

deveria predominar nesse caso o disposto no artigo II, tem-se Zeno Veloso,

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim.

Existe ainda uma outra possibilidade, porém que causará ainda mais

confusão. É a de imaginar-se um cálculo proporcional do que caberia ao

companheiro, considerando-se quota igualitária com relação aos filhos em

38
DELGADO, Mário Luiz. Op Cit. p. 441.
42

comum e apenas a metade do que coubesse aos demais. Mas esse cálculo traria

ainda maior diferenciação dos quinhões hereditários atribuídos aos

descendentes, indo de encontro aos mandamentos constitucionais (artigo 227,

§6º da Constituição Federal).

Está claro que a questão é extremamente polêmica, posto que cada

herdeiro reclamará segundo seus interesses, alegando uma ou outra posição

doutrinária, segundo lhe favorecer. A tendência, faz-se evidente, é que apenas

contribua para o atravancamento cada vez maior dos serviços judiciários.

Deve-se ressaltar que, sendo o companheiro meeiro, e havendo bens

comuns a herdar do falecido, leva vantagem aqui o companheiro, comparando-se

com o cônjuge sobrevivente, que dependerá do regime de bens adotado no

casamento. Ou seja, na concorrência com descendentes ou outros parentes

sucessíveis, o companheiro, além de receber a metade que lhe é devida – pela

meação – ainda pode herdar, o que não acontece com cônjuges casados em

determinados regimes de bens. Restringe-se a esse ponto a vantagem do

companheiro em relação ao cônjuge quando da sucessão, e mesmo essa

vantagem não se aplica aos cônjuges em todo e qualquer regime de bens,

conforme já se analisou acima, quando comentamos a respeito da sucessão do

cônjuge.

O cônjuge sobrevivente, em sendo meeiro, não concorrerá na

herança com descendentes, sendo o objetivo da norma garantir exatamente o

cônjuge que não é meeiro pelo regime de bens adotado no casamento. Já o

companheiro supérstite, ao contrário, é meeiro, pois não se faz relevante o

regime de bens no caso da união estável. Porém, mesmo assim, concorre na


43

herança com outros sucessíveis quando houver bens adquiridos onerosamente

durante a constância da união estável.

Quanto ao terceiro inciso, trata-se da concorrência do companheiro

sobrevivente com outros parentes sucessíveis, ou seja, ascendentes e colaterais,

até o quarto grau – irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos

do falecido.

Assim, não deixando o falecido descendentes, mas sim ascendentes

ou colaterais, o companheiro sobrevivente tem direito a um terço daquilo que foi

adquirido onerosamente pelo autor da herança 39.

Terá direito o companheiro supérstite à herança em concorrência com

os demais herdeiros sucessíveis40. Na ordem de vocação hereditária, o

companheiro sobrevivente não prefere nenhum parente sucessível, nem mesmo

os colaterais, demonstrando aqui nova disparidade com relação ao tratamento

dado ao cônjuge pelo novo código 41.

Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com

descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao

cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro concorra com

os demais parentes sucessíveis, quais sejam, os colaterais até o quarto grau.

A esse respeito, merece destaque mais uma vez a posição de Zeno

Veloso:

[...] Por que privilegiar a este extremo vínculos biológicos, ainda


que remotos, em prejuízo dos vínculos do amor, da afetividade?
Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo,

39
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Op. Cit. p. 1381.
40
OLIVEIRA, Euclides de. Sucessão Legítima à Luz do Novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc.asp>. Acesso em 01 de jan. 2007.
41
NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Op. Cit. p. 1381.
44

devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é


comparável à família conjugal) do hereditando? 42

In casu, vê-se o absurdo da norma, e, como já foi acima comentado,

percebe-se a discrepância com relação ao tratamento deferido ao cônjuge

sobrevivente no Código Civil de 2002. Como o companheiro não integra a ordem

de vocação hereditária, concorre com herdeiros sucessíveis. Dois terços,

portanto, ficarão para esses e apenas um terço para aquele, ao contrário do que

ocorre quando existe casamento, pois o cônjuge antecede os colaterais na ordem

de vocação hereditária.

Sobre o tema, manifesta-se o mestre Silvio Rodrigues:

(...) Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa


posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com
quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo
uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que é
tão digna quanto a família fundada no casamento. [...] O correto,
como já dizia a lei n. 8.971/94, art. 2º, teria sido colocar o
companheiro sobrevivente à frente dos colaterais, na sucessão
do de cujus 43.

Por fim, segue-se à análise do quarto inciso, que estabelece o caso

em que o companheiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança, orem

apenas nos casos em que não haja herdeiros sucessíveis.

Observe-se que, mesmo não havendo outros herdeiros sucessíveis,

os bens particulares do de cujus, caso haja, não serão herdados pelo

companheiro supérstite – interpretação literal. Dessa maneira, nada poderá

reclamar o companheiro quanto aos bens particulares do falecido, que deverão

42
VELOSO, Zeno. Op. Cit. p. 293.
43
RODRIGUES, Silvio. Op Cit. p. 119.
45

ser arrecadados como herança jacente, a converter-se em herança vacante, com

adjudicação ao ente público beneficiário.

Há doutrina, no entanto que interpreta de maneira diversa,

desvinculando o inciso IV do estabelecido no caput do artigo 1.790 do Código

Civil vigente. Justifica-se devido ao que determina o artigo 1.844 do mesmo

diploma legal, que manda atribuir a herança ao Município apenas quando não
44
houver cônjuge sobrevivente, ou companheiro, nem parente algum sucessível .

A título de exemplo, citamos o caso de Nélson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade

Nery 45.

Comentando esses dispositivos, assinala Nelson Nery Junior e Rosa

Maria de Andrade Nery que “não está claro na lei como se dá a sucessão dos

bens adquiridos a título gratuito pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado

parentes sucessíveis”, por isso concluindo que a herança deve ser atribuída na

sua totalidade ao companheiro sobrevivente, antes que ao ente público

destinatário da herança jacente.

Sem dúvida, esse é um dos pontos relativos à sucessão do

companheiro que merece urgente reforma legislativa, a fim de esclarecer a

verdadeira intenção do legislador, juntamente com a sucessão quando houver

filhos comuns dos companheiros e filhos unilaterais do de cujus, conforme já foi

aqui comentado, além dos apelos que se faz no sentido de diminuir a diferença

no tratamento dado ao cônjuge e ao companheiro supérstite quando da

sucessão, pelo princípio da proteção legal que se deve dar à família.

44
OLIVEIRA, Euclides de. Sucessão Legítima à Luz do Novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc.asp>. Acesso em 01 de jan. 2007.
45
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação
Extravagante Anotados. São Paulo: RT, 2002. p. 600.
46

Deve-se cogitar ainda a possibilidade de concorrência do

companheiro com o cônjuge, ambos sobreviventes. É certo que se trata de

situação esdrúxula, porém possível no campo dos fatos. Imagine-se se, ao tempo

da morte do outro, estava o cônjuge separado e fato há menos de dois anos,

porém já convivendo em união estável ao tempo de sua morte.

Para resolver a antinomia, deve-se aplicar a norma mais especial ao

caso – o artigo 1.790, em relação ao 1.830 – e, concordando com a opinião do

ilustríssimo professor Mário Luiz Delgado, esclarece-se que a decisão mais

acertada será

[...] a participação do companheiro ficar estrita aos bens


adquiridos durante a união estável (patrimônio comum),
enquanto o direito sucessório do cônjuge só alcançará os bens
anteriores, adquiridos da data reconhecida judicialmente como
de início da união estável. Essa nos parece ser a única forma de
compatibilizar as disposições dos arts. 1.790, 1.829 e 1.830 do
46
novo Código .

A disparidade prossegue quanto ao direito real de habitação, que é

deferido apenas ao cônjuge – segundo o artigo 1.831 do código civil. Também

não é assegurada ao companheiro a quarta parte da herança, garantida ao

cônjuge, na hipótese de concorrência com filhos comuns – artigo 1.832 do novo

diploma legal.

Os direitos sucessórios do companheiro ao usufruto sobre parte dos

bens atribuídos aos descendentes e ascendentes - lei nº. 8.971/1994, artigo 2º -

desaparecem, dando lugar à concorrência na sucessão com os parentes do

falecido, assim como ocorre com o cônjuge sobrevivente. Não há também

previsão específica no novo código do direito de habitação para o companheiro,

que continha na lei nº. 9.278/1996, entretanto, existe tal previsão legal em

46
DELGADO, Mário Luiz Delgado. Op. Cit. p. 442.
47

benefício do cônjuge, traduzindo inadmissível disparidade no trato jurídico entre

cônjuge e companheiro 47.

Além de tudo, discrepância se percebe com a alteração legal (artigo

1.845 do Código Civil de 2002) que determinou que o cônjuge sobrevivente,

casado, passa a ser herdeiro necessário. Não o é o companheiro sobrevivente,

não tendo, portanto, direito à legítima, podendo ser livremente excluído pelo

testador na sucessão testamentária.

A magistrada Maria Berenice Dias dispõe a esse respeito:

A promoção do cônjuge à condição de herdeiro necessário é


uma novidade. Porém, indevido excluir da parceria estável a
sucessão necessária, condição a que o cônjuge foi guindado
pelo art. 1.845. De todo descabida, por conseqüência, a
disparidade de tratamento que resultou em severas seqüelas,
dando margens a gritantes injustiças 48.

São os pontos de fundamental relevância quando se trata da herança

atribuída ao companheiro, em paralelo com aquela que receberia o cônjuge

sobrevivente, revelando inadmissível falta de sincronia nos dispositivos legais,

inclusive dando mais vantagem ao companheiro, nos casos de participação sobre

bens havidos onerosamente durante a convivência, e nos demais casos,

revelando nítido benefício ao viúvo.

4.2 Retrocesso na Legislação Infraconstitucional

Fazendo-se um exame abrangente da proteção jurídica dispensada à

união estável tendo-se em mente o campo dos direitos relativos a alimentos e a

47
OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Op. Cit. p. 249.
48
DIAS, Maria Berenice. A União Estável. Disponível em: <www.mariaberenice.com.br>. Acesso
em 10 out. 2006.
48

meação, o companheiro é tratado em posição de igualdade com a pessoa

casada. Porém, na esfera do direito sucessório, não ocorre o mesmo, pois as

disposições da nova norma são diversas das que constavam na legislação

pretérita 49.

As leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996, regulamentadoras da união

estável, deferem direitos outros, não contemplados no novo código. Elas

estabeleciam, em benefício do companheiro no momento da sucessão, o

recebimento de toda a herança na falta de descendentes e de ascendentes.

Além disso, na lei 8.971/1994, o companheiro sobrevivente era

colocado na frente dos colaterais, ao contrário do que se observa na nova lei,

acusando flagrante desvantagem para o companheiro.

Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com

descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao

cônjuge sobrevivente. Mas não se compreende que o companheiro concorra com

os demais parentes sucessíveis, quais sejam, os colaterais até o quarto grau.

Pelo critério da lei vigente, o companheiro sobrevivente terá direito apenas a um

terço de bens deixados pelo outro, enquanto parentes distantes (como,

eventualmente, um primo do falecido) ficarão com a maior parte do patrimônio –

dois terços ao concorrer com o companheiro supérstite.

Trata-se de evidente retrocesso no critério do sistema protetivo da

união estável, pois no regime da Lei n. 8.971/94 o companheiro recebia toda a

herança na falta de descendentes ou ascendentes. Na lei atual, como já

comentado aqui, mesmo não havendo nenhum outro parente sucessível, se

acordo com a interpretação literal do artigo 1.790, não poderá o companheiro

49
OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Op. Cit. pp. 249 – 250.
49

sobrevivente herdar patrimônio que não tenha sido adquirido onerosamente na

constância da união de fato. Obviamente, trata-se de questão ainda sem solução,

posto que interpretada a lei de mais de uma maneira, conforme se vê a seguir:

Considere-se, então, a hipótese de o falecido ter deixado apenas

bens adquiridos antes da união estável, ou havidos por doação ou herança.

Então, o companheiro nada herdará, mesmo que não haja parentes sucessíveis,

ficando a herança vacante para o ente público beneficiário (Município ou Distrito

Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou União, quando situada

em território federal – art. 1.844). Porém, mais plausível parece ser a

interpretação de acordo com o que determina o artigo 1.844 do mesmo diploma

legal, que manda atribuir a herança ao Município apenas quando não houver

cônjuge sobrevivente, ou companheiro, nem parente algum sucessível.

Entretanto, em muitos casos pode ser aplicada a interpretação literal.

Fica registrada aqui a crítica à falta de técnica legislativa e a sugestão

de que seja aplicada uma interpretação que favoreça os interesses do

companheiro, em atenção ao que teria sido a real intenção do legislador.

A legislação anteriormente vigente assegurava ainda a garantia do

usufruto parcial a incidir sobre a quarta parte ou a metade dos bens se houvesse

descendentes ou ascendentes, além do direito real de habitação sobre o imóvel

que servia de residência para a família.

Assim como ocorreu com a sucessão do cônjuge, a vocação

sucessória do companheiro evoluiu no sentido de conferir-lhe a propriedade

sobre o patrimônio transmitido, ao invés de apenas restritos direitos reais

(usufruto e habitação), reconhecidos pela legislação anterior ao novo Código

Civil.
50

Entretanto, a lei de 2002 situou o companheiro em pior posição na

ordem de vocação hereditária, pois há, agora, a possibilidade de concorrência

com outros parentes sucessíveis, na ausência de descendentes e ascendentes.

Enfim, nada mais se contempla em favor do companheiro, além

desse discutível e limitado direito de herança, uma vez que desaparecido o direito

de usufruto vidual. E o direito de habitação foi previsto somente em favor do

cônjuge no novo ordenamento civil, muito embora razões de ordem social

recomendem sua extensão ao companheiro, seja por extensão analógica, seja

pela residual aplicação do art. 7o, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96.

Outra restrição imposta na lei vigente à vocação hereditária do

companheiro está em limitar seu quinhão aos bens adquiridos na constância da

união de fato, o que não ocorria na Lei n. 8.971/1994. O companheiro supérstite

podia ser chamado a suceder em bens que não compunham patrimônio

amealhado comumente entre os companheiros, pois o patrimônio, retirada a

meação proveniente do condomínio que se fez através da união de fato,

retornaria aos herdeiros, sendo que, na falta desses, herdaria em sua totalidade o

companheiro sobrevivente.

Além disso, antes do Código Civil de 2002, caso houvesse mero

usufruto sobre a herança, o patrimônio sobre o qual incidia o referido direito real

não era restrito a bens adquiridos onerosamente da constância da união estável.

Tem-se o exemplo de uma situação em que não tivesse ocorrido a

formação de patrimônio comum, estando, portanto, excluídos reciprocamente da

sucessão. Ocorre que, “em casos tais, a lei acabaria frustrando o objetivo de
51

amparar o companheiro sobrevivente, que não somente não faria jus à meação,
50
como ainda não seria chamado a suceder o de cujus” .

Ao compararem-se os referidos institutos com o tratamento

dispensado no Código Civil de 2002 ao companheiro supérstite, chega-se à

conclusão de que ocorreu um salto para trás, devido a essa redução de direitos,

constituindo injustificável e inadmissível retrocesso legislativo.

Devido a essa posição, foi proposta a modificação do dispositivo que

trata da sucessão do companheiro no novo código, através do Projeto de lei n.

6.960/2002, que não foi adiante por questões puramente regimentais, cuja

redação segue abaixo:

Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na


forma seguinte:
I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se
tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor
da herança não houver deixado bens particulares, ou se o
casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a
situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime
da separação obrigatória (art. 1.641);
II - em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do que couber a cada um destes;
III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à
totalidade da herança.
Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não
constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem
prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real
de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da
família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar 51.

No dizer do professor Silvio Rodrigues:

O Código Civil regulou o direito sucessório dos companheiros


com enorme redução, com dureza imensa, de forma tão
encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo
divórcio com as aspirações sociais, as expectativas da

50
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pp. 154-155.
51
DELGADO, Mário Luiz. Op. Cit. p. 443.
52

comunidade jurídica e com o desenvolvimento de nosso direito


sobre a questão 52.

Assinala ainda Maria Berenice Dias:

Produziu a lei civil verdadeiro retrocesso aos direitos dos


conviventes, direitos que já estavam consolidados na legislação
infraconstitucional. Descabido não deferir aos companheiros
direitos iguais aos assegurados aos cônjuges. Ao depois, a
restrição em sede de direito sucessório aos bens adquiridos na
vigência da união estável não corresponde ao regime de bens da
comunhão parcial, que é assegurado à união estável no art.
1.525 53.

Conforme demonstrado acima, a nova legislação constitui um

retrocesso na sucessão entre companheiros, ao comparar-se com a legislação a

respeito da união estável e da sucessão dos companheiros anteriormente vigente

– as leis n. 8.971/1994 e n. 9.278/1996. A maioria da doutrina se inclina nesse

sentido, com pouca divergência, ocorrendo esta apenas quanto à busca de

soluções para os problemas advindos com a nova legislação.

52
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit. p. 119.
53
DIAS, Maria Berenice. A União Estável. Disponível em: <www.mariaberenice.com.br> . Acesso
em 10 out. 2006.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal garante proteção à família, que deve ser

assegurada pelo Estado, além de também estabelecer que devem ser

equiparadas as situações do cônjuge e do companheiro, não podendo a

legislação infraconstitucional ir de encontro ao que foi aí estabelecido. Em seu

art. 226, §§ 3º e 4º, considerou a união estável como entidade familiar, como o

fez relativamente à comunidade formada por qualquer dos pais e seus

descendentes.

Percebe-se, entretanto, que não se atribuiu igual regime patrimonial

para o casamento e para a união estável, pois a equiparação feita pela Carta

Magna entre união estável e casamento apenas ocorreu quanto à assistência

material (alimentos) em caso de rescisão da união estável, e da garantia do

condomínio (meação) dos bens adquiridos na constância da união e a título

oneroso (salvo estipulação contratual em contrário), além de seus efeitos não

patrimoniais - em face do Estado e da sociedade – não tendo ocorrido da mesma

maneira quando da sucessão do companheiro.

Em suma, portanto, tem-se, sensível e injustificável desvantagem do

companheiro em relação ao cônjuge supérstite, quando da sucessão,

estabelecida pelo Código Civil vigente, quais sejam, conforme já analisado com

maior profundidade: a) o companheiro nada receberá sobre os bens particulares

do outro (adquiridos antes da convivência ou a título gratuito); o companheiro

terá, pelo direito de concorrência, quota igual à dos filhos comuns, entretanto,

apenas metade da quota atribuída aos filhos unilaterais do falecido – enquanto

para o cônjuge a participação será sempre igual ao valor da quota de cada


54

descendente, com acréscimo de garantia da quarta parte da herança, caso a

disputa se dê com filhos comuns do de cujus; além disso, concorre também o

companheiro, com ascendentes, assim como o cônjuge, porém também com

outro parentes sucessíveis, o que não ocorre com o sobrevivente casado,

cabendo ao companheiro um terço da herança, enquanto aos outros, dois terços,

conforme analisado acima. Demais disso, a diversidade de critérios de atribuição

da herança, conforme sejam os filhos descendentes comuns ou exclusivos do

morto, constitui fator de complicação no momento da partilha.

Observa-se, ainda, um retrocesso na nova legislação civil, de 2002,

quando faz referência à sucessão dos companheiros em relação às leis

8.971/1994 e 9.278/1996, que disciplinavam a matéria. Não ocorre aqui, no

mundo dos fatos, a sensação de equiparação dos companheiros aos cônjuges,

pois a situação deles é bem diversa.

Além disso, são inúmeras as dúvidas provocadas pelo novo texto

legal, que procuramos com esse estudo monográfico elucidar, através da análise

de vários pontos de vista, defendidos por renomados juristas, demonstrando as

diferentes interpretações possíveis do que foi estabelecido no novo código.

As contradições existentes entre dispositivos da própria lei foram

estudadas, com visão crítica, e exposição de propostas de reforma formuladas

por ilustres doutrinadores. Percebe-se que essas contradições, associadas às

deficiências existentes no Poder Judiciário, contribuirão para a demora no

julgamento de grande parte dos processos que tratam do tema, pois devido à

margem dada a diversas interpretações, fatalmente haverá maior dificuldade no

desenrolar das demandas, inclusive com aumento de recursos nos referidos

processos.
55

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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