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aprendizagem-por-meio-da-personalizacao-do-ensino
Publicado em NOVA ESCOLA 10 de Maio | 2022

Recomposição de aprendizagens

Como potencializar a
aprendizagem por meio
da personalização do
ensino
Arranjos didáticos, recursos tecnológicos e materiais
adaptados são algumas das alternativas para lidar com a
crescente diversidade das turmas dos Anos Finais do Ensino
Fundamental
Carol Firmino

Giovana Massaretto Koch, professora de Ciências e Biologia na EE Justino


Cardoso, usa a estratégia de dividir a turma em duplas colaborativas. Crédito:
Lana Pinho/NOVA ESCOLA
Desde os últimos meses da pandemia no Brasil, educadores buscam estratégias
para reordenar e impulsionar o aprendizado dos alunos na retomada das
atividades presenciais. Diante de um cenário ainda em reconstrução, como
personalizar o ensino para que cada um desenvolva habilidades e competências
da melhor forma? Nesta última reportagem da série sobre recomposição de
aprendizagens com foco nos Anos Finais do Ensino Fundamental, a
personalização é o tema escolhido para discutir caminhos mais criativos e
baseados nos interesses dos estudantes.
Sonia Guaraldo, consultora pedagógica e especialista em formação continuada
no Instituto Gesto, lembra que a recomposição de aprendizagens não é uma
ação pontual, mas um conjunto de práticas que visam atender de maneira
específica as necessidades do estudante e fazê-lo avançar. Ela explica que
buscar os resultados de ações diagnósticas gerais dão a direção inicial do que
precisa ser feito. No entanto, ao olhar para eles, é preciso analisar cada aluno
para identificar em qual ponto ele se encontra.
Por isso, a personalização do ensino é uma metodologia que entende cada
estudante como um ser único, com talentos próprios e uma maneira pessoal de
aprender. Esse aluno é estimulado de modo individualizado, com respeito às
suas limitações, e colocado como protagonista da própria jornada de
aprendizado. “Isso vai além de diagnosticar defasagens: pressupõe levantar
conhecimentos prévios. Eu só consigo ensinar ao identificar o que ele já sabe,
para seguir ancorando novos saberes. A partir disso, é possível promover
diversos arranjos didáticos, algo que tem a ver com personalização. Organizar
como vai ser a aula, pensando na recomposição de aprendizagens, não pode
ser algo delegado a um professor de apoio – é uma tarefa de quem está todos
os dias com a classe”, reforça Sonia, que também sugere identificar caminhos
para, com empatia, fazer os alunos ajudarem uns aos outros.
Volta ao espaço escolar e reorganização das
atividades
Na EE Justino Cardoso, na zona norte de São Paulo, Giovana Massaretto Koch
leciona Ciências e Biologia do 7º ao 9º ano. “Os alunos se esqueceram de como
é estar na escola depois de tanto tempo longe. Então, tento resgatar um
comportamento mais colaborativo entre eles”, conta a professora, que privilegia
o diálogo e os contratos pedagógicos com os estudantes. No início do ano letivo
de 2022, o primeiro combinado foi formar duplas de trabalho. “A escolha foi por
afinidade, e assim eles trabalharam algumas atividades durante um mês. Mas,
na hora de corrigirmos as tarefas realizadas, perguntei como foi a parceria. A
percepção inicial foi de que poderia ter sido mais produtiva. Diante do
diagnóstico que eles mesmos fizeram, decidimos juntos que eu escolheria as
duplas. Era essa devolutiva que eu esperava para conseguir mostrar a
importância de a dupla ser colaborativa no aprendizado”, explica.
Os alunos entenderam que cada um ajudaria o colega a desenvolver algo que
ele já sabe melhor, em uma espécie de monitoria. “A gente consegue fazer isso
no dia a dia, sem dividir as crianças em níveis e salas separadas”, opina. Giovana
diz que se preocupa em não rotular os alunos nessas divisões, como forma de
cuidar da autoestima deles, “para que não absorvam esses rótulos e pensem
que não são capazes de aprender”. Quando há necessidade de oferecer
atividades diferenciadas, a professora mantém alguns cuidados. “Vamos supor
que eu desenvolva a prova com um parágrafo explicando o ciclo da água e
pergunte ao final quais são as transformações físicas desse processo. Um aluno
que não consegue se concentrar se perde no meio do enunciado. Na
adaptação, diminuo esse texto, coloco frases mais objetivas, mas sempre
mantendo a configuração da página e as mesmas imagens.”

A presença de jovens imigrantes na EE Justino Cardoso exige desenvolver mais


atividades interdisciplinares. Crédito: Lana Pinho/NOVA ESCOLA
Para identificar quem precisa de atividades adaptadas, ela se organizou desde o
início do ano. “Utilizei como guia as habilidades essenciais da BNCC para cada
turma e apliquei provas diagnósticas. Porém, não fiz [as provas ] em formato de
perguntas e respostas, preferi reunir textos para que eles os interpretassem de
maneira livre. Um dos assuntos foi o sistema nervoso, então usei a revista
Ciência Hoje das Crianças, li com eles, debatemos e depois veio a atividade.
Assim, consegui saber quem entendeu 100% e quem não organizou bem as
palavras, sem que eles se prendessem a certo ou errado”, explica.
Exemplos de práticas de personalização para a sala de aula, segundo Sonia
Guaraldo, do Instituto Gesto
Estímulo à colaboração entre os alunos
“Colocamos um cartaz na sala e, de um lado, escrevemos ‘preciso de ajuda em’,
e, do outro, ‘posso ajudar em’ [como é realizado na Escola da Ponte ], para que
cada um coloque ali como pode ajudar e ser ajudado, desenvolvendo uma
relação de parceria.”
Autogestão do conhecimento
“O professor compartilha os objetivos da aula e promove situações para que o
estudante escreva o que aprendeu, saiba por que está aprendendo e dê sentido
ao seu aprendizado.”
Materiais personalizados
“É possível usar enfoques e materiais diferentes para grupos com necessidades
diferentes. Ao trabalhar a produção de notícias, alguns fazem a legenda; outros,
o título ou o texto, por exemplo.”
Autoavaliação
“Podemos compartilhar uma tabela na qual o aluno insere sua própria avaliação
a partir de critérios que estabelecemos juntos, algo que envolve também a
questão do protagonismo.”
A autoavaliação permite ao aluno compreender o seu processo de
aprendizagem, saber o que aprendeu mais, quais dificuldades enfrentou, para
quem e em quais pontos precisa solicitar ajuda e estudar mais. Dessa forma, ele
se reconhece como parte importante do processo e passa a autorregular suas
aprendizagens.
Avaliações processuais
“Pedir que cada aluno escreva, ao final da aula, os pontos que ficaram mais
claros e depois recolher esses textos é uma espécie de avaliação processual que
ajuda o professor a desenvolver a personalização.”
Tanto na autoavaliação quanto na avaliação processual, Luciana Hubner,
coordenadora pedagógica do Prêmio Educador Nota 10 e consultora
educacional desta série de reportagens, ressalta que é preciso listar habilidades
fundamentais e básicas e avaliar o status de conhecimento, o avanço entre o
que se sabia e o que se passou a saber após o estudo. “Vale a pena perguntar
objetivamente ao aluno o que ele passou a compreender melhor, em relação às
aulas anteriores, e pedir para ele citar duas ou três coisas que foram novidade
ou o ajudaram a elucidar um determinado ponto”, comenta.
Para o professor, a autoavaliação lhe permite aprender sobre sua prática de
ensino e ter dados relevantes sobre o processo de aprendizagem de cada
aluno. Ajuda a compreender como as propostas contribuíram no avanço das
aprendizagens, identificando as estratégias que foram mais eficientes para o
coletivo e para cada indivíduo, quais aspectos precisam ser retomados, o que
precisa ser replanejado e quais os próximos passos.

Turmas cada vez mais diversas e seus desafios


Recém-chegada à EE Justino Cardoso, Giovana se deparou com a presença de
jovens imigrantes bolivianos. “Toda sala de aula é muito plural, não existe um
aluno igual ao outro, mas encontrei uma pluralidade maior, o que evidenciou as
dificuldades. Os estudantes que chegaram da Bolívia há mais tempo ajudam os
que estão entrando agora na escola, mas é difícil para eles e para mim. Já tive
de corrigir provas em espanhol, aí me cobro para achar alternativas”, diz.
Uma das atividades na qual Giovana busca integrar alunos brasileiros e
bolivianos é a entrevista. “Eles prepararam um roteiro com perguntas
cotidianas, falando de hábitos, costumes e até culinária. Depois, entrevistaram
uns aos outros e apresentaram o amigo para a turma.” Sonia, do Instituto
Gesto, reforça os benefícios de levar a cultura desses alunos para o centro das
atividades escolares. “Pode ser objeto de conhecimento – não só de línguas,
mas cultural. Se não há valorização ou espaço para isso, não ajudamos essas
crianças a avançarem nem aqueles que convivem com elas a aprenderem sobre
diversidade.”
Tecnologia, inclusão e valores
Érica Zanini leciona Geografia e Tecnologia nos 6º e 8º anos da EE Álvaro Guião,
em Andradina, interior de São Paulo. Ela conta que já esperava encontrar
estudantes com muitas dificuldades de aprendizado e teve uma das primeiras
demonstrações no 8º ano, logo no início do período letivo de 2022. “Em um
diálogo sobre sustentabilidade, a aluna me perguntou o significado de
reflorestar. Nessa hora, entendi que a nossa conversa já não seguiria da mesma
forma, pois era uma dúvida de 5º ano.” Por essa e outras situações, Érica
colocou em prática avaliações diagnósticas a fim de programar os próximos
passos com as suas turmas.

Apesar do fim das aulas remotas, os celulares e a tecnologia continuam


presentes como ferramentas de aprendizagem. Crédito: Lana Pinho/NOVA
ESCOLA
Para tornar as aulas de Geografia mais dinâmicas e reforçar a recomposição de
aprendizagens e a personalização, a professora se apoia, entre outras
ferramentas, nas pesquisas guiadas e no audiovisual. “Diante da dúvida da
aluna, buscamos juntas um vídeo que mostrasse o reflorestamento
acontecendo em tempo real. Sem observar visualmente o que é desmatar e
depois reflorestar, fica mais difícil de entender”, exemplifica. Outra estratégia
utilizada por Érica é a divisão de grupos para trabalhar em ambientes fora da
sala de aula. As turmas do 6º ano, que estão aprendendo sobre paisagens
naturais e artificiais, costumam se reunir ao ar livre.
Nas aulas de Tecnologia, a professora aposta na produção de vídeos. “Eles
gostam bastante, e é algo que sabem fazer. Recentemente, usaram essa mídia
para explicar o Marco Civil da Internet, direitos, deveres e garantias”, diz. Todos
os anos ela atua com alunos que possuem deficiência intelectual. Nesse caso,
sua estratégia é trabalhar com imagens. “Muitos não sabem ler e escrever no 6º
ano. Eles têm reforço para isso, mas, no dia a dia, uso livros e revistas para que
possam visualizar antes de dialogarmos. Já no 8º ano, quando divido as turmas
em duplas, coloco um terceiro colega, e eles sabem que esse é o amigo que
precisa de apoio.”
Érica acredita que discutir com os alunos valores como caridade, respeito e
solidariedade faz com que eles se coloquem no lugar do outro para se
ajudarem. Essa iniciativa supre uma necessidade neste contexto pós-pandemia.
Luciana ressalta que as pessoas tiveram de lidar com o novo e o desconhecido
em um período muito curto, o que provocou grandes transformações na rotina
escolar, não só nas interações como no espaço, no tempo e nas formas de
ensinar e aprender.
“Ficou evidente o quanto ensinar não se resume à transposição de saberes – do
que sabe mais para o que sabe menos –, à leitura e à memorização de
informações, à simplificação sucessiva de uma listagem de conteúdo. A
pandemia nos obrigou a pensar e compreender como se dá a aquisição de
aprendizagem dos objetos de conhecimento, a entender e reconhecer os
diferentes modos de aprender. Aprendemos o valor e a importância das
palavras generosidade e empatia”, conclui.
Consultoria pedagógica: Luciana Hubner, consultora educacional e
coordenadora do Prêmio Educador Nota 10.
Esta reportagem faz parte do projeto Recomposição de Aprendizagens nos Anos
Finais do Fundamental. Confira os demais conteúdos realizados em parceria
com o Instituto CSHG e Fundação Telefônica.

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