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Direito da União Europeia – Aulas Práticas

02/03/2023
Relação entre o DUE e o Direito Nacional, a sua compatibilidade
União de Direito: atualização de Comunidade de Direito usada primeiramente no âmbito publico por Walter
Hallstein (acórdão Os Verdes 1986 – processo 294/83).
Rule of Law vincula o pensamento que um Estado Democrático está vinculado ao Direito. A União compõe
uma ordem jurídica própria, autónoma dos direitos nacionais e internacionais, tem as suas próprias fontes, os
poderes da União são atribuídos a ela (Princípio da Atribuição de competências). Vinculado à ideia de Estado de
Direito está o Princípio da Autonomia da UE.
Esta ordem jurídica vai ter 5 ideias:
1. Fonte própria;
2. Instituições independentes;
3. Sistema de fiscalização judicial;
4. Princípios específicos;
5. Objetivos próprios.
Tratado de Lisboa é composto por dois subtratados: Tratado da UE que é um tratado base com objetivos e
ideias bases e o Tratado sobre o funcionamento da UE.
Art.º 2º TUE – repositório dos princípios e valores que nuclearmente definem o que é a União Europeia como
união de Direito.
Art.º 7º TUE – prevê mecanismo em que a própria União por unanimidade de todos os Estados-Membros,
pode sancionar um Estado que viole o Estado de Direito.
Com a menção destes artigos afirmamos que esta ideia, quer formal quer materialmente, de Estado de Direito
Democrático acaba por convalidar esta ideia de integração (com esta sanção mediante o Estado de Direito, ou
seja, mediante a prática legislativa).

Consultar acórdãos: curia.europa.eu (jurisprudência – formulário de pesquisa – nº do acórdão)


Como analisar um acórdão: Ignorar a composição e normas e ir direta para a parte do litígio do processo
principal.

Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), de 27 de fevereiro de 2018,


processo C-64/16
Equiparado aos acórdãos históricos da construção da UE, como o Acórdão dos Verdes. Não foi produzido por
uma sociedade de advogados/universidade de Bruxelas, Itália ou Lisboa, mas sim pela Universidade do Minho.
É a partir deste acórdão que vamos ter a reafirmação da UE como união de direito.
A UE comporta-se como uma união de Direito, na medida em que ao ser detentora, através das suas
instituições, de poder público precisou de estabelecer um padrão que o regulasse, de carácter normativo. A partir
do acórdão Costa/Enel reconheceu-se que a UE, na altura comunidades europeias, assentava na existência de
um ordenamento jurídico autónomo, ou seja, os seus Estados-Membros ao aderirem a este fenómeno de
integração autolimitaram a sua soberania, transferindo determinados poderes para a EU, que quando passou a
exercê-los, tinha de se encontrar sujeita ao direito devendo este atuar como um fundamento para a sua função,
mas também como um limite. A UE intervém nos estados-membros, mas essencialmente na vida dos
particulares, afetando as suas esferas jurídicas, devendo estar, por isso, sujeito ao direito.
Um segundo ponto em que devemos tomar atenção é o facto de que o padrão jurídico para o ordenamento
jurídico da União resulta dos tratados e da carta dos direitos fundamentais (resulta do direito originário da EU),
tal como num estado o seu ordenamento jurídico resulta do seu texto constitucional.
A UE, através do seu texto originário, designa as suas instituições, sendo também através dos seus tratados que
sabemos como as relações interinstitucionais se operacionalizam – equilíbrio institucional, que difere da
separação de poderes que vigora, por sua vez, internamente. Na ordem jurídica nacional, temos uma separação
de poderes realizada numa perspetiva orgânica. Na UE, este critério orgânico não serve, pois não posso ter uma
organização que se cinge a legislar, nem uma instituição que a título principal administre. A única separação
orgânica que efetivamente existe é a do poder judicial. Mas porquê? Não pode ser assim na UE, dado que se
trata de um fenómeno transnacional.
Para exercer função legislativa e administrativa, a União tem que ter em conta as várias legitimidades, tem que
ouvir a representação de interesses dos Estados, a dos cidadãos e a própria representação do interesse europeu.
Diferentes instituições representam diferentes interesses. O Parlamento representa os cidadãos. O Conselho
Europeu representa os interesses dos Estados. A Comissão Europeia representa os interesses da União. É, por
isso, que para a produção de um ato legislativo a iniciativa legislativa é da Comissão e, depois, participa no
processo de consolidação deste mesmo ato quer o Parlamento Europeu, quer o Conselho.)
Notas:
♦ Processo ordinário legislativo – 294º TFUE.
♦ Conselho – Conselho da UE, que Portugal assumiu a presidência. Nível ministerial, onde as questões
técnicas são discutidas. Difere o Conselho Europeu que é formado pelos chefes de Estado ou de
Governo (depende) dos diferentes membros. Não confundir com o Conselho da Europa, que se trata de
uma organização internacional, no qual se adotou a Convenção da Europa dos Direitos Humanos.

Os tratados também estabelecem as formas de adoção de normas jurídicas, nomeadamente o 294º TFUE. Tal
como uma constituição, também a UE está dotada de direitos fundamentais, através da Carta de Direitos
Fundamentais da UE e, também, está dotada de um sistema de vias de reação e de tribunais próprios para reagir
a ilegalidades que possam afetar o ordenamento jurídico europeu, ou seja, um dos vetores essenciais para dizer
que um ordenamento se explica como sendo de Direito é a proclamação da tutela jurisdicional efetiva.
Qualquer ordenamento tem de se pautar por isto, porque se eventualmente algo correr mal, há que ter um
último reduto para reparar a legalidade, a dita tutela jurisdicional efetiva. É precisamente aqui que o Acórdão
Associação Sindical dos Juízes Portugueses surge, o qual vem fundamentar a efetiva instrumentalidade desta
tutela jurisdicional efetiva a uma união de direito. Falamos disto em termos abstratos.
No acórdão acima referido, encontrava-se em causa uma ação judicial movida pela Associação Sindical contra o
Estado português a propósito dos cortes salariais impostos aos juízes do Tribunal de Contas português, tendo o
caso chegado ao conhecimento do STA português, o qual procedeu ao reenvio do caso para o Tribunal de
Justiça da UE. Na verdade, a ligação ao DUE fazia-se a partir da ideia de que os tribunais nacionais também
atuavam como tribunais europeus, quando nos litígios que perante si são movidos eles tenham de aplicar Direito
da União. Isto quer dizer, que para além do Tribunal de Justiça da UE, que é organicamente europeu, os
tribunais nacionais configuram-se como funcionalmente europeus.

No caso em concreto, o Tribunal de Contas português é chamado a intervir em diversas ações onde o direito da
união é aplicável, sendo que, no caso, o Tribunal de Contas pode tratar de questões relativas à aplicação do
DUE, desde logo, analisar questões relativas a défices excessivos, sendo, portanto, nesta matéria um tribunal
funcionalmente europeu (considerando 40).
Ora, o corte salarial que é imposto aos juízes pode ter a suscetibilidade de afetar as suas prerrogativas de
independência e de imparcialidade, dimensões integrantes da tutela jurisdicional efetiva.
Posto isto, o Tribunal de Justiça, neste acórdão, começou por esclarecer que, por força do artigo 2º do TUE, a
União funda-se em valores comuns aos estados-membros, como é o caso do valor do Estado de Direito. Sendo
que esses valores têm que ser prosseguidos numa sociedade que se caracteriza pela justiça, considerando 30. O
artigo 19º do TUE consagra precisamente o princípio da tutela jurisdicional efetiva, concretiza este valor,
pois confia a tarefa de assegurar a fiscalização jurisdicional da ordem jurídica europeia, não apenas ao Tribunal
de Justiça, mas também aos tribunais nacionais, cabendo, portanto, aos estado-membros assegurar que esses
tribunais nacionais atuam com independência. Convoca-se ainda o art.º 4º/3 TUE – princípio da cooperação
leal, pois a União cria normas jurídicas que vinculam os Estados-membros, com fórmula própria, institutos
próprios, processo próprio para interpretar as normas e mecanismos que visam funcionar a sua violação.
Concluímos aqui que qualquer norma que seja contrária à UE afeta a União de Direito.
Por força do considerando 42, o Tribunal de Justiça caracteriza a independência como inerente à função de
julgar, impondo-se não só ao nível da União, aos juízes que compõem o Tribunal de Justiça, mas também ao
nível dos estados-membros, aos seus órgãos jurisdicionais. Esta independência pressupõe que o exercício
jurisdicional seja realizado com total autonomia, sem submissão a qualquer hierarquia, sem receber ordens de
qualquer entidade e, portanto, protegendo-se o poder jurisdicional de pressões externas, o que apenas é
garantido por uma remuneração de nível adequado à importância das funções desempenhadas – considerandos
44 e 45. Ou seja, o Tribunal de Justiça, veio, com este acórdão, colocar a tónica na tutela jurisdicional efetiva,
pois só através de tribunais independentes e imparciais podemos encontrar qualquer ordenamento jurídico
efetivamente explicado, contendo por fundamento e teleologia, o Direito.
Em termos fácticos, o Tribunal de Justiça entendeu que o corte salarial era justificado, uma vez que esta não
tinha sido uma medida adotada especificamente para o poder jurisdicional, mas sim um pacote geral de medidas
para o controlo financeiro. Este foi apenas o mote, pois a associação sindical conseguiu tudo o que queria.

Acórdão Wittgenstein, de 22 de dezembro de 2010, Processo C-208/09


A senhora Ilonka Wittgenstein era austríaca, vivia na Alemanha e foi adotada aos 47 anos, por um senhor
alemão que tinha uma partícula nobiliárquica, possuindo o título de príncipe. A adoção só teve como
consequência a adoção deste pronome e da questão afetiva como deveria suceder.
A senhora Ilonka não mudou de nacionalidade, restringiu-se a usar e usufruir desta partícula e seus consequentes
benefícios. Assim, comunicou-se ao registo civil austríaco a adoção do nome e a partir daí, durante 10 anos, a
senhora fez imensas coisas a fim de evidenciar a sua partícula: renovou a carta de condução, quer na Áustria,
quer na Alemanha; constituiu uma sociedade comercial na Alemanha com o seu nome – com destaque para o
seu título de “princesa”; mudou o passaporte junto das autoridades austríacas, entre outros feitos.
Tal sucedeu até que foi notificada oficiosamente pelas autoridades austríacas competentes, as quais iriam
suprimir o título nobiliárquico do seu nome, ao aplicar uma legislação de valor reforçado, que promovia o
princípio da igualdade e removia os títulos nobiliárquicos dos nomes dos cidadãos austríacos. A senhora Ilonka
contestou, então, a decisão, invocando que a supressão da partícula nobiliárquica do seu nome era capaz de
restringir injustificadamente a livre circulação e o direito de permanência no território de outro Estado de que
ela gozava.
Há que referir que, antigamente, havia distinção entre cidadãos de primeira e de segunda, havendo uma clivagem
social entre cidadãos com títulos nobiliárquicos e os que não o possuíam, sendo necessárias medidas de
equidade. Ora, a UE reputa-se como uma União de Direito, tendo absorvido um conjunto de valores comuns
aos diversos estados-membros consagrados no artigo 2º do TUE, portanto a ordem jurídica europeia na sua
base jurídico-constitucional resultou das tradições constitucionais comuns aos estados-membros de forma a
proclamar os valores que ela própria (UE) prosseguiria. O artigo 2º do TUE apresenta, por isso mesmo,
múltiplas semelhanças com os primeiros princípios da CRP, da Constituição espanhola, tal como de outras
Constituições dos restantes estados-membros. Os Estados foram-se agregando com outros que consideravam
possuir valores semelhantes, com os quais pudessem conviver.
Porque é relevante neste caso? A UE funda-se nos valores jurídico-constitucionais comuns aos estados, mas não
dilui as especificidades destes mesmos. O Acórdão Wittgenstein foi importante para demonstrar que numa
União que se diz de Direito, se funda em valores resgatados das tradições constitucionais comuns aos
estados-membros, mas é, igualmente, capaz de promover a proteção das identidades constitucionais dos
estados-membros, desde que esta se alinhe com os valores e os princípios que caracterizam a sua ordem jurídica
e que, casuisticamente, seja essencial à ordem jurídica nacional.
No caso, a legislação austríaca que suprimia as partículas nobiliárquicas dos nomes dos cidadãos austríacos
visava promover a igualdade entre os seus cidadãos, princípio este também verificado na ordem jurídica nacional.
Visava a perseguição de uma igualdade entre os cidadãos austríacos, acresce que a supressão do título do nome
da senhora dona Ilonka não afetava verdadeiramente a sua livre circulação, porque apenas a legislação era
responsável por fixar a composição do seu próprio nome.
Então, podemos concluir que este acórdão é relevante, dado que, no domínio da cidadania europeia, é de grande
importância promover o equilíbrio com o respeito pelas identidades constitucionais dos estados-membros,
tendo o Tribunal de Justiça promovido a proteção dessa mesma identidade.

Acórdão Melki, processo C-189/10


Numa União de Direito, cidadãos de estados terceiros estão, também, protegidos. O exercício de poder público,
ainda que se repercuta na esfera jurídica de terceiros, tem de se encontrar submetido ao Direito.
No caso concreto, o senhor Melki e o senhor Abdeli, ambos cidadãos argelinos, foram controlados, a bordo de
um comboio que fazia ligações transacionais, em França, quanto à sua nacionalidade. Foram detidos, por não
terem visto, para, num momento posterior, serem sujeitos a deportação.
Os senhores Melki e Abdeli reagiram, invocando o DUE, advogando que o controlo da sua identidade era um
controlo dissimulado de fronteiras, sendo violador da União de Direito. Defendiam que se tratavam de controlos
de identidade aleatórios. Confiscavam o território nos 5km entre a fronteira e o território interno.
O Tribunal de Justiça veio declarar que, no caso, se verificava existir um controlo dissimulado da fronteira
contrário ao DUE, na medida em que este se pautava por uma eliminação total de qualquer fronteira porque
contrário ao que o DUE estabelecia na realidade; pois como os controlos eram realizados independentemente
dos comportamentos das pessoas e das circunstâncias, assumiam um controlo equivalente a um controlo de
fronteira. Do mesmo modo, os senhores Melki e Abdeli invocaram que a legislação nacional, para além de
contrária ao DUE, era também contrária ao direito nacional francês.
França tinha um segmento na sua constituição que parecia determinar que antes da situação ser conhecida à luz
do DUE, tinha de se verificar um controlo de constitucionalidade. O Tribunal de Justiça vem confirmar a
jurisprudência Mecanarte, um acórdão produzido através do primeiro controlo português, esclarecendo que o
DUE se opõe a um direito nacional que prevê um controlo obrigatório de constitucionalidade prévio à
realização do reenvio prejudicial. Tal fazia sentido ainda mais neste caso uma vez que a norma fazia referência ao
DUE em específico.
Uma vez que a norma é contrária à constituição, também era contrária à UE que é chamada por via do
princípio da livre circulação das pessoas (TFUE art.º 67º).
Art.º 3/2 TUE: União proporciona espaço de liberdade e justiça... com livre circulação de pessoas (remissão
para o Título V TFUE). Além da questão apresentada aquando das fronteiras, Tribunal quer avaliar a
conformidade do Direito da UE com o Direito nacional, já que se tem de verificar se existe compatibilidade
entre o direito francês e o direito da UE.
Neste caso verificamos que existe incompatibilidade, já que no Código do Processo Penal Francês vemos que
existe um raio de 20 km na qual era possível fazer um controlo de identidade e no Direito da União Europeia
não existe controlo de fronteiras entre os Estados-Membros.
Princípio do primado da UE diz-nos que, se estamos mediante uma norma nacional contrária ao Direito da
União, então essa norma deve ser afastada.
No considerando 50, o Tribunal Nacional é que faz a interpretação do Direito das normas nacionais (quem faz
esta interpretação são sempre os tribunais nacionais, não o TJ). Mas, tendo aqui dois tipos de normas (nacional e
europeia) temos de entender a compreensão de ambas (interpreta a norma de UE o Tribunal de Justiça e a
norma nacional o tribunal nacional).

Aquando dos tratados, quem interpreta é o Tribunal da Justiça (art.º 267º TFUE). Sendo prioritário o controlo
da constitucionalidade da lei nacional de acordo com o sistema nacional, declarar a norma inconstitucional sem
antes se fazer o reenvio colocaria em causa o sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça da União e os
Tribunais Nacionais.

Quando o Tribunal Nacional não verifica desse fator de cooperação, este atua contra a sua obrigação de zelar
pela aplicação correta do Direito da União Europeia. Logo o TJ declara que o direito nacional se opõe ao direito
da união, e a primazia do controlo da constitucionalidade complica ainda mais esta situação sendo que não
permite que exista a comunicação entre o juiz nacional e o TJ (que exista cooperação), já que impede este
reenvio (que deve ser promovido), violando o princípio do primado do direito da UE.

Art.º 267º TFUE (regula o reenvio): não se vai opor à legislação mencionada do Código Penal Francês, a não
ser que o órgão nacional promova esta ligação, este diálogo entre o tribunal nacional e o TJ.

Os arguidos, interpretam os art.º 67º e 77º TFUE. O Tribunal Francês, lutando contra a delinquência que era
comum naquelas zonas, diz que se justifica que se aplique aquele controlo. Por sua vez, os governos da UE
também apresentaram as suas observações, dizendo que o Código de Fronteiras Schengen (previsto no
Regulamento (UE) 2016/399 de 9 de março de 2016) irá regular isto, concluindo que este controlo não é válido.

O Tribunal nacional diz que não se vai pronunciar relativamente ao Código de Fronteiras Schengen. Art.º 22º
deste CFS diz-nos que não pode ser realizado este controlo de fronteiras (definido no nº 2 do art.º 11º).

Considerandos 69 e 70 dizem-nos que não é pelo facto de estarmos perante a livre circulação de pessoas que a
polícia não pode atuar, o que tem de estar estabelecidos no código nacional (art.º 23º CFS).

No considerando 71, o TJ pronuncia-se sobre o Código do Processo Penal Francês diz-nos que o controlo não é
o mesmo que o controlo mencionado no CFS. Em contrapartida, a possibilidade de lei nacional que impõe a
confirmação de identidade, não pode ser impedida pelo CFS.

Por conclusão, viola-se o princípio da livre circulação de pessoas (se aqui existe um controlo dissimulado de
fronteiras, já que verificamos a identidade/documentação das pessoas que transpuseram a fronteira – violação da
Livre Circulação e, por conseguinte, do DUE).

09/03/2023

Acórdão Carbonati Apuani, de 9 de setembro de 2004, Processo C-72/03


Carbonati Apuani era uma empresa italiana que procedia à extração e à comercialização de mármores de uma
zona específica que era Carrara, a partir do município de Carrara.
Relativamente a duas operações comerciais que ela realizou para fora do município, mas ainda dentro do Estado
italiano, foram-lhe aplicadas duas taxas oficiosamente (não as pagou voluntariamente).
A Carbonati Apuani questiona judicialmente a aplicação dessas taxas, invocando para o efeito as liberdades de
circulação, especificamente, a livre circulação de mercadorias. Em resposta, é reprovado o facto de os dois
fornecimentos realizados não terem como destino um outro Estado Membro. Ainda assim o Tribunal Nacional
competente decide colocar questões prejudiciais (através do reenvio prejudicial) ao Tribunal de Justiça.
No caso em concreto, o TJ considerou que a adoção de taxas aplicadas a todos os fornecimentos que
extravasavam o Município de Carrara configurava uma restrição à livre circulação de mercadorias,
independentemente de no caso os dois fornecimentos não terem como destino um outro Estado Membro. Não
se podendo justificar aquela restrição, uma vez que haveria medidas à luz do Princípio da Proporcionalidade
mais adequadas e mais necessárias a atingir o fim visado por tais taxas que era o da conservação dos bens
públicos daquele Município.
O teste é aplicar é o Princípio da Proporcionalidade:
♦ Adequação – medida adotada tem em vista o fim que pretende atingir, o problema normalmente não está
aqui.
♦ Necessidade – visa testar se existem outras medidas menos gravosas que possam atingir o mesmo fim.
♦ Proporcionalidade em Sentido Estrito (ou Proibição de Excesso) – pesar prós e contras de uma determinada
medida, tendo os benefícios serem superiores aos malefícios.
Este Acórdão é revelante porque analisa o mercado interno que se funda nas liberdades económicas como
estando ao serviço de uma integração política.
Os pais fundadores da UE, nomeadamente Jean Monnet, entendiam que o mercado interno seria um
instrumento não só de transformação económica, mas também de transformação psicológica, afinal a lógica da
aplicação de normas internas, normas nacionais será diferente quando estas se encontrem abrangidas pelo
âmbito de aplicação do Direito da União, deixando, portanto, de obedecer a uma lógica puramente interna para
passarem a assumir uma tónica funcionalmente europeia. Assim, as normas continuam a ser nacionais quanto à
fonte, mas elas passam a ser europeias quanto ao fim, o que transforma as ordens jurídicas nacionais em ordens
jurídicas inseridas no projeto europeu e por ele orientadas, dá-se, portanto, uma constitucionalização das
liberdades económicas, que passaram com uma União de Direito, como a que caracteriza a UE, a reputar-se
também com liberdades fundamentais (depois do art.º 26º a 31º do TFUE – as liberdades passam a figurar-se
como direitos fundamentais).
Acórdão Maribel Domínguez, de 14 de janeiro de 2012, Processo C-282/10
Aborda dois destes princípios: princípio da interpretação conforme e o princípio do efeito direto. São
princípios gerais do direito da união europeia, na medida em que resultam das especificidades desta ordem
jurídica, isto é, não são princípios com os quais nos deparemos à luz de uma ordem jurídica nacional. Isto
acontece porque vão explicar como é que, perante normas nacionais e normas europeias, vamos aplicar as
soluções jurídicas europeias., sempre que possa existir uma desconformidade da ordem nacional com a ordem
jurídica europeia.
Neste pressuposto, o princípio da interpretação conforme visa determinar que as normas nacionais deverão
ser objeto de uma interpretação compatível com aquilo que o direito da união estabelece para a mesma
circunstância. Nesta circunstância, cabe, portanto, realizar esta interpretação em conformidade observando
algumas regras.
Um dos limites é o facto de a interpretação conduzida redundar numa interpretação contra legem, e o outro é que
possa questionar algum princípio geral de direito, ou seja, ao promover a interpretação em conformidade do
direito interno à luz do direito da união, o aplicador do direito estará a violar um princípio geral de direito, quer
este seja de natureza interna ou de natureza europeia. Esta interpretação deverá ser realizada através dos
mecanismos de interpretação previstos no direito interno de cada estado-membro.
Temos o princípio do efeito direto, que historicamente surge na jurisprudência do TJ antes da interpretação
conforme ser realizada, e que diz respeito à suscetibilidade de interpretação de uma disposição do direito da
união em juízo. Este princípio foi desenvolvido de forma a dar resposta a determinadas finitudes associadas ao
cumprimento das diretivas. A ordem jurídica europeia, explica-se a partir da existência de direito originário,
aquele que resulta dos tratados e depois do Tratado de Lisboa, da Carta dos direitos fundamentais da União
Europeia por conta da mesma ter assumido força juridicamente vinculativa e por força do art.º 6º/1 do TUE se
assumir hoje como tendo o mesmo valor jurídico que os tratados.
Para além disto, a ordem jurídica europeia cria as suas próprias normas jurídicas que nos termos do art.º 288º do
TFUE, se poderão categorizar como atos vinculativos e atos não vinculativos. São atos vinculativos os
regulamentos, as diretivas e as decisões, e são atos não vinculativos as recomendações e os pareceres.
Os regulamentos são atos jurídicos e legislativos europeus através dos quais se impõe uma regra, se criam
obrigações e se conferem direitos, sendo que estes se caracterizam por terem carater geral (1), por serem
obrigatórios em todos os seus elementos (2) e por ser diretamente aplicado (3). Isto significa, que gozam de
caráter geral porque têm a suscetibilidade de se aplicar às categorias que os próprios nomeiam podendo vincular
em abstrato todos os estados-membros e particulares. Por sua vez, é obrigatório em todos os seus elementos
porque contrariamente aos atos não vinculativos, tal determina que para os estados-membros, estes não podem
aplicar os regulamentos de forma seletiva (incompleta), nem podem impedir a execução dos seus termos. Por
conta da sua obrigatoriedade, se o regulamento impõe uma conduta ao Estado ou a outro destinatário, este terá
de a realizar. Caracteriza-se pela aplicabilidade direta (diferente de efeito direto), que significa que o regulamento
para se aplicar nas relações jurídicas entre os seus destinatários não fica dependente de qualquer ato de
intermediação legislativa nacional, não depende de o estado transpor os seus próprios termos para lei nacional.
Uma diretiva depende de intermediação legislativa por parte dos estados-membros, ou seja, depende de
transposição para a ordem jurídica. A diretiva tem como destinatários os estados-membros, vinculando-os
quanto ao fim a atingir, mas dando-lhes liberdade quanto aos meios para atingir esses fins. É obrigatória quanto
à finalidade, mas flexível quanto aos meios. Em regra, é a norma nacional que transpõe as finalidades previstas
nas diretivas que será aplicar aos particulares. De forma a promover o princípio da igualdade, a diretiva fixa no
seu próprio texto a data-limite para a transposição dos seus termos de forma que todos os estados saibam até
quando têm de concretizar aquela diretiva. Sucede, contudo, que os estados nem sempre transpõem
atempadamente ou de forma completa as diretivas, o que começou a determinar a violação do princípio da
igualdade entre os cidadãos dos diversos estados-membros. Começou-se a desenvolver o princípio do efeito
direto das disposições que uma diretiva. Não é a diretiva na sua globalidade que goza de efeito direto, uma
disposição isto é um artigo um número ou uma alínea, dessa diretiva, poderá gozar de efeito direto desde que
preenchidos os respetivos pressupostos:
(1) A disposição da diretiva conferir direitos ou criar obrigações;
(2) Fazendo-o de forma clara, precisa e incondicionada;
(3) Depois de decorrer o prazo de transposição;
(4) A invocação ser no sentido particular contra o estado-membro, ou seja, tratar-se de um efeito direto
vertical ou efeito direto horizontal, que será uma invocação entre particulares.
O TJ relativamente à disponibilidade de uma disposição de uma diretiva poder ser invocada entre
particulares, ou seja, usando de efeito direto horizontal sempre que foi confrontado com essa dúvida não
declarou o efeito direto horizontal tendo seguido outro caminho que em termos práticos produz os
mesmos efeitos, mas que não reconhece o efeito direto da disposição diretiva. Na realidade quando
confrontado com esta optou por recorrer a um caminho paralelo em que tenta em primeiro lugar
antecipar que princípio geral ou que direito fundamental aquela disposição da diretiva visa promover
verificando a partir desse princípio geral se o particular poderá sair protegido – Acórdão Coleman.

Maribel era uma senhora que trabalhava na segurança social em França, tem um acidente in itinere entre a sua
casa e o trabalho, no percurso. À luz da legislação francesa aplicável este acidente não era equiparável a um
acidente de trabalho. O DUE tinha influenciado a legislação nacional com a diretiva que estabeleceu o direito a
férias laborais remuneradas. A legislação que a transpunha fazia depender de um período mínimo de trabalho
efetivo por ano, salvo se estivesse impedida de trabalhar por acidente de trabalho.

Fica de baixa médica cerca de 1 ano e 2 meses e em função disso apresenta no tribunal de França um pedido
para obter 22,5 dias de férias remuneradas relativamente ao período que esteve de baixa.

A norma francesa que regula as férias diz que têm de trabalhar 10 dias por mês para ter férias e ela não trabalhou
por ter baixa. Este acidente in itinere não era equiparável à luz da legislação nacional a um acidente de trabalho.
Maribel reagiu judicialmente a esta negação invocando a disposição da diretiva que lhe reconhecia direito a férias.

Vai para a próxima instância alegando que o acidente em causa se trata de um acidente de trabalho. Esta
instância leva o caso para os tribunais da UE, nomeadamente a incompatibilidade entre a norma nacional e a
diretiva 2003/88 que determina questões sobre organização do tempo de trabalho e reconhece a todos o direito
a férias renumeradas.

O TJ começa por estabelecer que a primeira aproximação ao caso deverá pautar-se por uma interpretação
conforme da norma nacional à luz da norma europeia (normas da diretiva em questão), o que poderia passar
por uma interpretação extensiva do conceito de acidente de trabalho nacionalmente consagrado como também
integrando as situações de acidente in itinere – circunstância que acautelaria a posição jurídica de Maribel. Tal
poderia ser possível porque parece não ultrapassar os limites impostos à interpretação conforme, pois não
conduziria a uma interpretação contra legem do direito francês e não chocaria com nenhum princípio geral de
direito no caso em concreto.

No entanto, caso o juiz nacional considere que não é possível, teria de verificar se a disposição da diretiva
invocada preenche os requisitos cumulativos para gozar de efeito direto. Em primeiro lugar, a norma em causa
confere direitos a particulares (direito a férias anuais remuneradas); em segundo lugar, fá-lo de forma clara,
precisa, na medida em que conseguimos compreender qual o direito e as suas consequências jurídicas e fá-lo de
forma incondicionada (sem ter de preencher uma observação prévia); em terceiro lugar, a diretiva em causa já
teria de ter sido transposta para o ordenamento interno (já decorrido o prazo de transposição); por último,
atendendo a que a entidade patronal do caso atuava no âmbito da SS, poderia reputar-se como tendo um
estatuto público e, nessa medida, também o sentido da invocação é possível, porque se trataria de invocar a
disposição da diretiva por um particular contra o Estado.

O TJ não dispondo, no entanto, de elementos suficientes para caracterizar o CICOA como ente público ainda
esclarece que na base da norma da diretiva estava a prossecução de um princípio com dimensão social e, como
tal, não declarando o efeito direto horizontal, esclarece que este direito de caráter social poderia ser convocado
para proteger Maribel na relação com outro particular.

Princípio da interpretação conforme: visa auxiliar a todo o aplicado de direito a interpretar o direito nacional
no sentido da norma europeia.

Limites à interpretação do juiz nacional:

1. Princípios gerais do direito (princípio da segurança jurídica, principio da proibição de efeitos retroativos da
lei, principio non bis in idem, principio de proteção dos direitos humanos).

2. Interpretação contra legem do direito interno (o conteúdo da interpretação não pode produzir efeitos
contra legem, pois podia levar a uma violação do princípio de separação de poderes)

Ter em atenção se estamos perante uma diretiva ou regulamento. Se a interpretação conforme não pudesse ser
aplicada ao caso concreto é necessário verificar se a diretiva é passível de efeito direto. Em primeiro lugar
aplica-se o princípio da interpretação conforme e depois o princípio do efeito direito. Este último corresponde
ao direito dos particulares, perante as autoridades administrativas, invocarem a seu favor o conteúdo das normas
europeias. Pode ser vertical em que o particular invoca contra o Estado, ou horizontal que será a invocação entre
particulares.
Princípio do efeito direto: direito dos particulares perante órgãos jurisdicionais e autoridades, invocarem a seu
favor o conteúdo das normas europeias. Só se aplica às diretivas.

É necessário que a norma dê direitos aos particulares, que seja direcionada ao estado e quando já passou o prazo
de transposição ou foi feito de forma incorreta.

O TJ decidiu no caso que competia ao juiz nacional decidir, pois se a sua instituição for pública, vai ser
considerada do estado e pode aplicar-se o efeito direto, se for uma entidade privada mesmo que o art.º 7º da
diretiva seja claro, incondicional e preciso, não se pode aplicar o efeito direto pois só se aplica em efeito vertical,
não pode também alegar o estado o seu incumprimento de transposição contra um particular, isso também é
proibido (como demonstra o Ac. Silvio Berlusconi).

Acórdão Poplawski, de 24 de junho de 2019, Processo C-573/17


Mandado de detenção europeu, solicitado em 2013 por um tribunal polonês contra um cidadão polaco que tinha
sido condenado com pena privativa de 1 ano, mas este cidadão residia nos Países Baixos. Este mandado foi
então recebido em Amesterdão.
Tem por base a decisão quadro 2002/584/JAI. Este mandado substitui a extradição. Os Países Baixos tinham
uma lei que consistia numa exceção a este exercício de extradição: caso o cidadão fosse dos Países Baixos ou
residisse no país, os Países Baixos não a executavam de imediato.
Em 2008 entrou em vigor a decisão quadro 2008/909/JAI que vai estabelecer que o Estado Membro pode-se
recusar a dar vazão ao mandado europeu desde que reconheça a sentença dada pelo Estado emissor e a venha a
executar. É feito um reenvio perguntando se a decisão quadro consiste numa “obrigação”.
Princípio do primado: consagra a prevalência do direito da União em relação ao nacional, em caso de
confronto (ac. Costa/ENEL, processo 6/64). O tribunal de justiça diz que este princípio impõe aos tribunais
nacionais que em primeiro lugar interpretem o seu direito em função do direito da União. Ativa o princípio da
interpretação conforme.
Art.º 34º do TUE, versão de Nice, que dizia que nas decisões não havia efeito direto – Protocolo nº 36. As
decisões quadro não produzem efeito direto, não podendo o primado ser aplicado.
Quando o efeito direto não pode ser acionado deve ainda assim o tribunal verificar se consegue uma
interpretação conforme. O tribunal de justiça termina dizendo que o TC deveria tentar compatibilizar o sentido
da norma nacional com as decisões quadro porque haveria pessoas impunes e os direitos das pessoas da UE
ficariam em causa. Se fosse uma diretiva, que cumprisse os requisitos do efeito direto, aplicar-se-ia o princípio do
primado europeu.

16/03/2023

Acórdão Silvio Berlusconi, de 3 de maio de 2005, Processos apensos C-387/02, C-391/02


e C-403/02
Este torna-se chefe de governo italiano e vivifica a dimensão da comunicação social e chega por
instrumentalização da mesma à sua posição.
Efeito direto vertical invertido, ou seja, é o estado a invocar uma disposição legal de uma diretiva contra um
particular. O TJ proibiu o efeito direto vertical no sentido estado contra particular porque aqui o estado é que
teve a suscetibilidade de transpor a diretiva não o tendo feito depois vem invocar a diretiva contra o particular.
Estado não pode beneficiar do seu próprio incumprimento.
Efeito direto horizontal não é proibido, o TJ nunca o declarou. O efeito direto vertical invertido é proibido.
Neste acórdão estavam em causa 3 processos de natureza penal em Itália, a propósito de comportamentos
fraudulentos na gestão de empresas. Uns associados à falsificação da contabilidade, outros pela realização de
balaços contabilísticos falsos e, por último, a falsificação de determinadas operações aduaneiras relativas a
exportações e importações.
NOTA: Apensos – são vários com a mesma questão material, mas no direito interno cada um tinha o seu caso.
O DUE é mobilizado no caso porque tinham sido adotadas um conjunto de diretivas – diretivas sociedades, que
relativamente a estes comportamentos instavam os EM a adotar molduras penais mais gravosas para aqueles
comportamentos, no entanto, o Estado Italiano fez exatamente o contrário. Relativamente a alguns destes
comportamentos despenalizou-os, noutros descriminalizou-os e noutros ainda mudou a moldura prescricional
(prazo para prescrever reduziu-se).
No caso concreto, tinham prescrito os crimes que penalizavam as pessoas e as suas empresas.
O MP foi confrontado por estes arguidos, nacionalmente, com um pedido para aplicar a lei penal mais favorável
em cada um destes processos. Teria o desfecho de contraordenação apenas. O procurador usou as disposições
das diretivas para consubstanciar a sua acusação e a manutenção do tratamento daqueles comportamentos como
criminosos.
É então feito um reenvio prejudicial pelo tribunal competente, no sentido de aferir a possibilidade de este
sentido do efeito direto (Estado contra particulares) poder ser aceite pela ordem jurídica europeia.
No considerando 44, começa por se esclarecer que uma diretiva não pode, por si, criar obrigações para um
particular, pois não pode ter como efeito, por si, e independentemente de uma lei interna de transposição
determinar o agravamento da responsabilidade penal das pessoas.
Neste pressuposto, portanto, os considerandos 72 a 74 esclarecem a proibição do efeito direto vertical invertido,
pois uma diretiva não pode ser invocada contra um particular, não podendo agravar a sua responsabilidade
sobretudo se for o Estado a proceder a essa invocação, na medida em que isso abriria a possibilidade de o estado
beneficiar do seu próprio incumprimento, por ser o Estado o destinatário das normas da diretiva e teve
oportunidade de a transpor e não o fez.
Articulação entre a interpretação conforme e o efeito direto
Evidente na leitura do Ac. Maribel Dominguez e do Poplawski (ver acima).
A interpretação conforme visa interpretar normas nacionais de acordo com o DUE.

Princípio da responsabilidade do Estado por violação do DUE


Ilustrado pelos Ac. Günter Fuß e pelo Ac. Ferreira da Silva.
Este princípio é também ele um corolário do princípio da lealdade europeia, na medida em que quando os
estados não cumprem as obrigações que sobre si impendem por força do DUE, eles terão de poder ser
acionados, responsabilizados pelos danos que causam na esfera jurídica de qualquer ente ou pessoa afetada. Foi
por isso que a partir da lealdade europeia se desenvolveu uma figura que imputasse aos Estados uma
responsabilidade extracontratual, por violação do DUE.
As potencialidades desta figura são relevantes para a esfera jurídica do afetado porque lhe permite obter as
consequências usuais deste tipo de responsabilidade: ou a restituição do status quo ante ou a atribuição de uma
indemnização.
A emergência desta responsabilidade baseia-se no preenchimento cumulativo de 3 pressupostos:
1. A norma de DUE que confere direitos ter sido violada
2. Essa violação que se deteta tem de ser suficientemente caracterizada
3. Existir um nexo causalidade entre o facto e o dano

Acórdão Günter Fuß, de 25 de novembro de 2010, Processo C-429/09


Senhor que trabalhava como sapador bombeiro e trabalhou durante muito tempo mais horas semanalmente do
que aquilo que era legalmente estabelecido. Trabalhava em média 54h por semana quando o limite máximo era
de 48h, incluindo horas extraordinárias.
Dirigiu um pedido à sua entidade patronal (município de Hamburgo) para que não trabalhasse mais do que o
limite máximo. Daqui resultaram represálias: transferiram-no de unidade e quando este fez um pedido de
compensação pelas horas a mais o município indeferiu-o.
Responsabilidade do Estado – ação movida pelo tribunal nacional, invocando para o efeito a violação de uma
norma de uma diretiva que fixava o tempo máximo de trabalho, cuja jurisprudência do TJ já tinha reconhecido
efeito direto a essa disposição.
Atendendo ao caso concreto, há uma norma que confere direitos, que foi violado. A violação tem de ter sido
suficientemente caracterizada.
O TJ entende que a pretensão se baseava na disposição de uma diretiva cujo efeito direto já havia sido
reconhecido pela jurisprudência constante do TJ. Demonstrava que este efeito direto era possível, porque o
senhor o estava a invocar contra um empregador de natureza pública.
Depois disto, o TJ esclarece que esta norma estabelece direitos.
O TJ vem concretizar o que é uma violação suficientemente concretizada, nos considerandos 50 a 60. Entende
que as duas condições da responsabilidade do Estado estavam preenchidas, especificamente quanto à segunda o
TJ esclareceu que para aferir a suficiência da caracterização de uma violação se terá de por um lado atender ao
grau de clareza e precisão da norma violada e, por outro, ao âmbito da margem de apreciação que a norma
europeia deixa às autoridades nacionais.
Quanto maior for o grau de precisão e clareza da norma e menor for a margem de
apreciação/discricionariedade, mais perto estamos de considerar uma violação como sendo suficientemente
caracterizada.
Por último, a jurisprudência do TJ normalmente não se pronuncia sobre o preenchimento do terceiro critério –
o nexo de causalidade, por causa da produção de prova, caráter mais casuístico (fica ao entendimento do juiz
nacional).

23/03/2023

Acórdão Ferreira da Silva, de 9 de setembro de 2015, Processo C-160/14


O Acórdão ferreira da silva é paradigmático porque inaugura a jurisprudência do TJUE em concreto ao
reconhecer que o Estado na sua veste de Juiz poderá ser responsabilizado pela violação do DUE.
Concretamente, estamos perante um caso em que o STJ português, órgão jurisdicional que, em regra, decide em
última instância não reenviou quando a isso estava obrigado, tendo-se auxiliado de forma equivocada da
doutrina do ato claro, de forma a isentar-se dessa obrigação de reenviar.
Há um conjunto de cautelas a ter com a doutrina do ato claro, tendo de comparar as versões linguísticas e de
averiguar se há jurisprudência do TJUE consolidada sobre aquela norma. O juiz tem de ter a certeza que há um
preenchimento das necessidades para conseguir aplicar o DUE.
O juiz, neste caso, disse que a diretiva era muito clara e não se aplicava à transferência de estabelecimento
comercial. O que acontece é que esta questão não era clara, pois tinha dado origem a uma data de reenvios
noutros EM.
Neste acórdão, o TJUE continua a flexibilizar o que é uma violação suficientemente caracterizada. O TJUE veio
eleger uma categoria para definir a violação como suficientemente caracterizada, que é o caso de haver um
reenvio obrigatório que não é realizado.
Assim, este acórdão teve a virtualidade de demonstrar uma outra situação que quando observada flexibiliza o
preenchimento do segundo pressuposto da responsabilidade dos estados por violação do DUE, que é o relativo
à violação ser suficientemente caracterizada, especificamente quando há uma situação que determina o reenvio
obrigatório e o mesmo não é realizado pelo tribunal nacional, não existindo em concreto a possibilidade de se
auxiliar, por exemplo, da teoria do ato claro.

Princípio da tutela jurisdicional efetiva e autonomia processual dos Estados Membros


A tutela jurisdicional efetiva diz respeito à suscetibilidade de obter o acautelamento de determinados direitos
conferidos pela ordem jurídica europeia através dos seus tribunais que poderão ser funcionalmente europeus
(tribunais nacionais) e tribunais organicamente europeus (os que integram o TJUE – TJ e tribunal geral).
Este princípio geral foi concretizado nas suas diversas dimensões enquanto direito fundamental no art.º 47º da
Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
No 1º paragrafo encontramos o direito à ação, ou seja, a suscetibilidade de mover uma ação perante um tribunal
(direito associado ao requerente da ação).
No 2º parágrafo encontramos a dimensão que diz respeito ao exercício dos direitos de defesa, que é a
suscetibilidade de contraditar numa ação judicial os argumentos que foram contra si invocados.
Na 2ª parte do 2º parágrafo refere-se o tribunal independente, imparcial e que decida em prazo razoável, que diz
respeito à suscetibilidade de qualquer interveniente processual exercer os seus direitos perante um tribunal que
interna e externamente se encontra despojado de quaisquer influências.
Na parte final do 2º parágrafo temos o direito a ser representado em juízo, que se prende com a suscetibilidade
de querendo as partes constituírem mandatário (advogado).
No 3º parágrafo há o direito de apoio judiciário em circunstâncias de carência económica.
O Ac. LM e o A.K. prendem-se com a consubstanciação de um direito a um tribunal independente, imparcial,
ínsitas à tutela jurisdicional efetiva.

Acórdão LM, de 25 de julho de 2018, Processo C-216/18 PPU


No acórdão LM estávamos perante um mandado de detenção europeu, emitido por um juiz polaco para que
fosse apresentado a esse tribunal e pudesse ser julgado por crimes cometidos nesse ordenamento jurídico.
O senhor LM é encontrado na Irlanda e invocou a inexecução do mandado porque os tribunais polacos não
eram capazes de assegurar que ele fosse julgado por um tribunal que se dissesse independente e imparcial.
O TJUE, por conta da independência e da imparcialidade, esclarece que uma causa de inexecução do mandado
de detenção se poderia prender precisamente com as situações em que houvesse duvidas que nesse EM a pessoa
pudesse ser julgada por um tribunal que não cumprisse os requisitos da independência e da imparcialidade.
Com este acórdão, o TJUE concretizou a relação simbiótica entre a tutela jurisdicional efetiva enquanto
princípio geral e enquanto direito fundamental porque auxilia-se na sua argumentação no ASJP que concretiza
tutela enquanto princípio geral para interpretar o direito fundamental à tutela na sua dimensão de um tribunal
independente e imparcial, tal como ele resulta do art.º 47º/2º parágrafo da Carta.
O acórdão A.K., de 19 de novembro de 2019, Processos apensos C-585/18, C-624/18 e C-625/18 revisita
novamente os problemas associados ao ordenamento jurídico polaco especificamente opondo um conjunto de
juízes que tinham sido afetados pelas medidas que afetavam a independência e a imparcialidade. Neste caso
houve uma questão de jubilação compulsiva.

A partir da leitura do art.º 19º/1, 2º parágrafo do TUE percebemos que entre a tutela jurisdicional efetiva e a
autonomia processual dos EM existe uma relação umbilical, especificamente nos casos em que a tutela
jurisdicional tem de ser assegurada pelos tribunais nacionais, porque quando é assim o DUE vai-se auxiliar das
normas processuais nacionais, ou seja, remete para o processo civil, penal, etc. do EM. Por isso é que se diz que
os EM gozam de uma autonomia processual.
Cabe aos EM criar as vias recursórias adequadas e normas de processo tendentes à efetivação do DUE. Esta
faculdade surge para dar resposta à tutela jurisdicional efetiva do DUE. Se o DUE diz que se use o processo
nacional, este, sendo testado, tem de ser suficientemente adequado para assegurar que o DUE é acautelado. Para
isso há dois testes cumulativos em sentido positivo: o teste da equivalência e o da efetividade.
A equivalência visa testar se a norma processual nacional acarreta um tratamento menos favorável para o litigio
que envolve DUE relativamente àquele que não envolve. O teste da equivalência exige uma comparabilidade de
situações, não exige uma identidade. Não havendo possibilidade de promover a comparação o teste é dado por
ultrapassado estando conduzido o juízo à luz da efetividade em sentido estrito.
A efetividade em sentido estrito visa testar se uma norma processual nacional trona excessivamente difícil ou
impossível na prática o exercício dos direitos decorrentes da ordem jurídica europeia. Como se trata de um
conceito indeterminado o TJUE esclareceu que cabe olhar para a norma nacional e perceber o seu papel no
computo global do processo e se mesmo assim não formos capazes de chegar a uma conclusão cabe aferir se na
base daquela norma processual reside uma vocação de efetivar algum princípio geral.
Exemplo do Acórdão Johnston – discriminação em termos de género. Existia uma norma processual nacional
que tinha impacto no caso que impedia o juiz de fazer uma livre apreciação. Ainda que o juiz quisesse conhecer a
materialidade do DUE não podia, porque a norma fazia com que a prova fosse inilidível. Assim, havia uma falha
no teste da efetividade em sentido estrito, por tornar difícil ou impossível.

Tramitação prejudicial urgente e acelerada


A tramitação prejudicial pode ser arrumada seguindo duas categorias: a tramitação prejudicial comum ou
especial, que se subdivide em urgente e acelerada, cujo regime jurídico resulta dos art.º 107º e 105º do
regulamento do processo e do 23º-A do ETJUE.
Ambas as tramitações foram pensadas para reduzir o tempo que o TJUE tem para decidir.
A tramitação acelerada tem em vista abreviar o processo de reenvio prejudicial, cabendo ao tribunal nacional que
faz o reenvio prejudicial, em regra, requerer ao TJUE que decrete esta tramitação, pois só excecionalmente é que
ele a decretará oficiosamente. O que acontece é que os prazos para apresentação de observações escritas, por
exemplo, são comprimidos, já que enquanto na tramitação comum ele é de 2 meses, aqui ele não pode ser
inferior a 15 dias, mas poderá cifrar-se muito aquém desses 2 meses. Ela será decretada se se demonstrar um
particular interesse e alguma urgência em que o TJUE decida rapidamente. Foi o que aconteceu no acórdão
JIPPES.
Na tramitação urgente, para além da demonstração casuística da urgência, tem de existir uma circunstância
relativa ao espaço de liberdade, segurança e justiça, matérias do art.º 67º e ss. TFUE, como acontece no
Acórdão McB, de 5 de outubro de 2010, Processo C-400/10 PPU (matéria de direito da família). Um outro
caso é o de detidos e presos ou o de vistos, exílio ou emigração.
Para esta tramitação ser rápida os prazos para apresentação das observações escritas e orais são também
reduzidos, não estando fixado e o TJUE pode fixar um prazo muito breve e em circunstâncias de extrema
urgência poderá prescindir-se da sua realização e a da própria audição do advogado geral.
O primeiro caso de tramitação urgente foi o do Acórdão Rinau.
O Acórdão Gomes Valente, de 22 de fevereiro de 2001, Processo C-393/98 demonstra a alteração de
paradigma associada ao reenvio prejudicial na medida em que apesar de ser o STA aquele que gozava de
competências para realizar o reenvio, ele poderá sensibilizado para a sua realização a partir das partes que
inclusivamente nos seus articulados poderão minutar a questão prejudicial. Este acórdão demonstra, portanto, a
dimensão subjetiva do reenvio, aquela que releva para a tutela jurisdicional efetiva ao colocar em evidencia o
papel que os litigantes têm para o desenvolvimento do DUE. No caso, a necessidade de realizar o reenvio e o
seu próprio conteúdo foram sugeridos pelas partes, tendo o STA adotado as questões sugeridas pelo litigante e
acrescentando-lhe mais, como resulta dos considerandos 12, 13 e 14 do acórdão.
O Acórdão Club Tour, de 30 de abril de 2002, Processo C-400/00 prende-se com um reenvio prejudicial
português de interpretação de uma diretiva, a propósito de uma viagem organizada e do potencial
incumprimento que lhe estava associada.
Por último, o Acórdão Comissão vs. República Francesa, de 4 de outubro de 2018, Processo C-416/17
caracteriza qual é o tribunal obrigado a reenviar, ou seja, nos reenvios de interpretação como é que à luz do
DUE se afere que um tribunal decide em ultima instancia, ou seja, das suas decisões não cabe recurso interno,
tendo o TJUE explicado que quando se chega à conclusão que da decisão da2urle tribunal nacional não cabe
recurso ele estará, em regra, obrigado a reenviar, salvo nos casos em que se possa auxiliar da doutrina do ato
claro que o TJUE explicou no considerando 110.
…………………………..

1. Começar pela união de direito – caracterizar a UE como uma união do direito porque subsume toda a sua
atividade enquanto exercício do poder público ao direito.

2. Identificar o ato normativo em causa – diretiva, regulamento, decisão e caracterizar à luz do 288º do TFUE
Se for um regulamento falamos da aplicabilidade direta, que lhe é intrínseco.
Se for uma diretiva, explicamos que há dois princípios ligados, que são a interpretação conforme e o efeito
direto. O efeito direto surge antes, mas por conta do Ac. Maribel Dominguez e Poplawsky passou-se a averiguar
primeiro a interpretação conforme. O efeito direto afasta a norma nacional, ao passo que a interpretação
conforme é menos intrusiva.
Perceber se a interpretação conforme é possível, limites e como se faz (à luz dos padrões interpretativos
nacionais – artigos iniciais do CC).
Se não for possível passa-se para o efeito direto (perceber se a disposição da diretiva goza desse efeito).
Pressupostos do efeito direto. Efeito direito vertical ou horizontal, sendo que o horizontal nunca foi declarado.
O efeito direto vertical invertido foi proibido no ac. Berlusconi.
3. Se o Estado ignorar o efeito direto, há responsabilidade do Estado por violação do DUE. Pressupostos.
4. Reenvio prejudicial
Interpretação ou validade, obrigatório ou facultativo.
Se a situação concreta for alvo de alguma tramitação especial (urgente ou acelerada) caracterizá-la.

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