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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS IV


CURSO DE DIREITO

TARSILA CARVALHO GONÇALVES

ESTUDO DE CASO - NAMORO QUALIFICADO X UNIÃO ESTÁVEL


(RESP 1.454.643)

JACOBINA/BAHIA
2022

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TARSILA CARVALHO GONÇALVES

ESTUDO DE CASO - NAMORO QUALIFICADO X UNIÃO ESTÁVEL


(RESP 1.454.643)

Trabalho apresentado para a disciplina de Direito


das Famílias, no curso de direito da Universidade
do Estado da Bahia – UNEB.
Prof. Emanuel Lins Freire Vasconcellos.

JACOBINA/BA
2022

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Historicamente a sociedade humana se desenvolveu apoiando-se na convenção
do matrimônio, o que, durante muito tempo, determinou a função a ser exercida por
homens e mulheres dentro do convívio social. A importância da família, bem como, do
casamento é tão expressiva que podemos encontrar na Carta Magna Brasileira
dispositivos que confirmam a sua proteção.

Diz o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 que “a família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado” e, mais a frente, nos §§ 1º e 2º: “o
casamento é civil e gratuita a celebração” e que “o casamento religioso tem efeito civil,
nos termos da lei”.

Sabe-se ainda que, de acordo com a evolução da sociedade brasileira, outras


formas de família passaram a ser reconhecidas, alcançando status constitucional, é o
caso da união estável, que hoje é equiparada ao casamento, conforme dita o §3º do
artigo supramencionado “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”.

Ademais, o Código Civil, em seu título III, artigo 1.723, caput, consagra ainda
que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo
de constituição de família”.

Para Maria Berenice Dias, a lei preocupa-se em identificar a relação pela


presença de elementos de ordem objetiva, ainda que o essencial seja a existência de
vínculo de afetividade, ou seja, o desejo de constituir família. Dessa forma, a lei exige o
vocábulo público como um dos requisitos para configuração da união estável, mas o que
de fato deve ser entendido é que a lei exige notoriedade, de modo que a relação exista
no meio social frequentado pelos companheiros.

Ainda, a Autora diz que a relação não pode ser efêmera, circunstancial, devendo
a relação ser prolongada no tempo, residindo nesse aspecto a durabilidade e a
continuidade do vínculo. Já o último requisito, a intenção de constituir família tem se
tornado cada vez mais difícil de ser comprovado, haja vista a possibilidade de que para
uma das pessoas da relação, o vínculo não passe senão de “namoro qualificado”.

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Nesse sentido, para Maria Berenice Dias, só se pode afirmar que a união estável
inicia de um vínculo afetivo, tendo em vista que o envolvimento acaba transbordando o
limite privado e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um
par, tornando o relacionamento uma unidade. O casal transforma-se em universalidade
única que produz efeitos pessoais com reflexos de ordem patrimonial, daí serem a vida
em comum e a mutua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores.

É dentro dessa sistemática do convívio do casal que surge o namoro qualificado,


outro importante aspecto a ser analisado nesse trabalho. Segundo decisão colegiada do
STJ e entendimento da doutrina majoritária brasileira, o relacionamento ou período do
mesmo, em que não há vontade de formar uma família, ou, que a intenção seja para o
futuro, não é considerada como união estável, mas sim como “namoro qualificado”.

A partir dessas concepções é que houve um extenso debate no Superior Tribunal


de Justiça (STJ), através do REsp 1.454.643/RJ. A petição inicial protocolada pela
Autora P.A de O.B pretendia a declaração judicial de reconhecimento e de dissolução
de união estável alegadamente estabelecida entre as partes litigantes durante o período
anterior ao casamento celebrado em setembro de 2006.

Ademais, pugnava também pela correspondente meação dos bens adquiridos no


período a ela correspondente (janeiro de 2004 a setembro de 2006) e pela condenação
do réu a pagar aluguel do imóvel comum do casal ante a sua utilização de forma
exclusiva. Vejamos a convivência do casal de forma simplificada:

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Nessa toada, o réu M.A.B rechaçava integralmente a pretensão veiculada
afirmando que antes da celebração do casamento o casal nunca ostentou status de
entidade familiar. Encerrada a fase instrutória, o juiz de primeiro grau julgou procedente
o pedido de P.A de O.B para reconhecer a existência da união estável, bem como, a
divisão dos bens, julgando improcedente, entretanto, o pedido de pagamento do
“aluguel” do imóvel. Ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo que o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o pedido da Autora era descabido,
conferindo provimento ao apelo do réu.

Irresignada, a parte intentou embargos infringentes, aos quais o Tribunal de


origem conferiu parcial provimento, para fazer prevalecer o voto vencido e restabelecer
a sentença do primeiro grau. M.A.B nas razões do apelo excepcional apontou a violação
de dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil, salientando mais uma
vez que na relação não existia a intenção mútua de constituir família.

Por fim, oferecidas as contrarrazões, P.A de O.B manejou ainda recurso especial
adesivo, contraposto por M.A.B, havendo provimento para a análise do recurso especial
(e-STJ, fls. 951). A decisão final do Ministro Marco Aurélio Bellizze considerou que
seria inviável o reconhecimento da união estável, julgando improcedente o pedido de
reconhecimento e dissolução c/c partilha do imóvel adquirido.

Em seu voto, o Ministro destaca que as provas trazidas aos autos foram
incapazes de demonstrar a intenção de constituir família, eis que essas apenas
comprovam a intenção do casal de realizar tal ato apenas no futuro. Dessa forma, para
que fosse considerada como existente a união estável a intenção teria que se configurar
no momento presente e durante toda a convivência, sendo irrelevante, portanto, a
coabitação quando considerada de forma isolada.

Posto isso, embora a relação fosse: 1. Pública; 2. Contínua e duradoura, o


terceiro requisito, ou seja, a intenção de constituir família não pôde ser verificado no
caso ora em debate, vez que, tornou-se claro que o momento em que os litigantes
quiseram, de fato, constituir entidade familiar ocorreu somente com a celebração do
casamento.

Todavia, é inegável que ao analisar a linha do tempo dos acontecimentos, se os


litigantes ficaram noivos em outubro de 2004 e após esse momento foi adquirida a

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propriedade em que passaram a residir tempos depois, é impossível não reconhecer que
a partir dessa data não estaria configurado o objetivo de constituir família.

Isto é, com a realização do pedido de casamento, bem como a sua aceitação pela
parte autora, entende-se que a expectativa do casal passou a ser investida de affectio
maritalis, assim, mesmo que inicialmente a relação tenha sido a de “namoro
qualificado”, em determinado momento da relação, mais precisamente, a partir do
noivado, combinado com a convivência pública, contínua e duradoura, restou
completamente configurada a união estável, motivo pelo qual o pedido da parte autora
deve ser considerado procedente, mesmo que a fixação da data inicial da união seja
diversa daquela pretendida na exordial.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Website


oficial Palácio do Planalto. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html>. Acesso em 08
de nov de 2022;
(_____), Código Civil. In: Website oficial Palácio do Planalto. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em
08 de nov de 2022;
STJ – 3ª TURMA, REsp. nº 1.454,643-RJ. Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe.
10.03.2015. In: JusBrasil. Disponível em
<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/178417344/relatorio-e-voto-
178417366>. Acesso em 08 de nov de 2022.

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