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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.263.015 - RN (2011/0143716-0)

RECORRENTE : S G DA S
ADVOGADO : VERLANO DE QUEIROZ MEDEIROS
RECORRIDO : J H F DE S
ADVOGADO : RIVANILDO SILVA MOREIRA

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por S.G. DA S., com


fundamento no art. 105, III, “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RN.
Ação: de reconhecimento e dissolução de união estável c/c pedido de
partilha do patrimônio que teria sido amealhado durante o relacionamento,
ajuizada por J H F DE S em desfavor da recorrida.
Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido para determinar a
divisão do patrimônio indicado, na proporção de 50% para cada um dos
ex-companheiros.
Acórdão: negou provimento à apelação da recorrida, nos termos da
seguinte ementa:
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO
CÍVEL.AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO E
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE
BENS. EVIDENCIADA A OCORRÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL.
PROVADA DA CONVIVÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 226,
§ 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
CARACTERIZAÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR NOS TERMOS
DA LEI Nº 9.278/96. PARTILHA PATRIMONIAL
OBSERVÂNCIA DA REGRA INSERTA NO ART. 1.725, CC.
INCOMUNICABILIDADE DE BEM ADQUIRIDO POR
SUBROGAÇÃO DE BEM JÁ PERTENCENTE A UM DOS
CONVIVENTES. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.659 DO MESMO

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DIPLOMA LEGAL. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO
DO RECURSO.

Recurso especial: alega divergência jurisprudencial entre o acórdão


recorrido e julgado de outros tribunais, quanto à ausência de comprovação, na
espécie, de que a relação que existiu entre recorrente e recorrida tenha tido o
escopo de constituir uma família.
Contrarrazões: O recorrido, em contrarrazões, pugna pelo não
provimento do recurso especial, por falta de prequestionamento da matéria trazida
a desate (fl. 977, e-STJ).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.263.015 - RN (2011/0143716-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : S G DA S
ADVOGADO : VERLANO DE QUEIROZ MEDEIROS
RECORRIDO : J H F DE S
ADVOGADO : RIVANILDO SILVA MOREIRA

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

Cinge-se a controvérsia em se debater se, na hipótese sob discussão,


existe a confluência de características necessárias à confirmação da existência de
união estável.

1. Dos elementos necessários à caracterização da união estável.


A fluidez das relações interpessoais existentes nos dias de hoje é a
raiz da querela que agora se examina, e que refoge ao óbice da súmula 7/STJ,
pois trata de discutir se determinada relação interpessoal, cujas características
foram precisamente fixadas pelo Tribunal de origem, é indicativa da existência de
uma união estável.
Sob esse enfoque, é importante se evidenciar a dificuldade para se
estabelecer, judicialmente, se um determinado relacionamento pode ser
considerado uma união estável, ou não. Isto porque, não há definição objetiva do
que venha a ser uma união estável, tendo em vista que, mesmo o seu fim
precípuo – objetivo de constituir família – é, por si só, terreno movediço, sujeito
a definições pessoais, ideológicas, filosóficas ou mesmo religiosas.
E aqui reside o mote principal da insurgência, pois a recorrida, desde
a origem, perfila argumentos, vários, que apontariam para a ausência do animus

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necessário à caracterização da união estável, fato que teria sido ignorado pelo
Tribunal de origem e pela sentença que o antecedeu.
Vale frisar que, apesar de ter ignorado o animus, nem por isso fenece
o recurso por falta de prequestionamento, porquanto o tema foi trazido e
apreciado, porém não aplicado, o que se dessume da leitura dos seguintes
excertos do acórdão recorrido
“Irresignada a Apelante sustente em apertada síntese que: inexistiu união
estável entre as partes litigantes, por não vislumbrar na hipótese comento o
caráter de estabilidade ou permanência no relacionamento vivenciado por estes,
tendo, como consequência, o afastamento de qualquer pretensão de partilha
patrimonial” (fl. 922, e-STJ).
Cotejando o caderno processual, notadamente os documentos de fls.
455/462, dessume-se que as partes litigantes mantiveram um relacionamento de
duração contínua, pública e notória no período compreendido entre 1996 e 2003
(fl. 923, e-STJ).

Volvendo ao cerne da questão, verifica-se que a configuração da


união estável é ditada pela confluência dos elementos expressamente declinados,
hoje, no art. 1.723 do CC-02, que peço, pela relevância, vênias para reproduzir:

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a


mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família. (sem grifos no original.

Decompondo a definição, tem-se, de uma banda, a obrigação de


coexistirem os elementos objetivos descritos na norma: convivência pública, sua
continuidade e razoável duração, dados, por óbvio, aferíveis a partir do caderno
probatório posto à disposição do julgador e que, segundo o acórdão recorrido,
acham-se plenamente demonstrado, na espécie.
Contudo, é prematura a conclusão de que haja união estável tão
somente a partir da constatação da existência desses objetivos pois, retomando a
linha de raciocínio sobre a fluidez dos relacionamentos interpessoais na

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atualidade, a norma expressamente agrega outro fator, de caráter subjetivo – o
desejo de constituição de família.
O objetivo de constituir família é condição sine qua non para a
caracterização da união estável, porque dela depende a distinção entre um singelo
namoro – ou uma de suas infindáveis variáveis hoje existentes – e a real união
estável, que é uma das formas possíveis de se constituir um grupo familiar, tido
como base da sociedade, e que recebe especial proteção do Estado, nos precisos
termos do art. 226, caput, da CF.
Com feliz acuidade, Rof Madaleno discorre sobre o tema afirmando
que:
“Nem sempre casais tencionam constituir família, embora muitas
vezes um dos partícipes alimente este desejo, e quando os dois assim
o querem com efeito, que cuidarão de construir e por em prática os
elementos configuradores da formação de uma união estável como
entidade familiar. A só existência de um filho comum não significa o
reconhecimento automático da vontade de formar família, porque a
prole pode ter vindo por descuido dos namorados ou ficantes, ou
pelo desejo parental de um dos parceiros. Lembra Victor Reina que a
simples cópula não é objeto do pacto de constituição de uma família,
seja ela matrimonial ou de fato, já que o objeto formal do
consentimento de querer estabelecer uma entidade familiar é a típica
relação intersubjetiva, externada pela comunidade de vida, da qual
derivam e da qual são inerentes todos os direitos e obrigações
próprios de um vínculo real de entidade familiar. (in, Curso de
Direito de Família – MADALENO, Rolf – Rio de Janeiro: Forense,
2011, pag. 1046).
A demanda declaratória de união estável não pode prescindir de um
diligente perscrutar sobre o “querer constituir família”, desejo anímico, nutrido
por ambos os conviventes, que deve ser desvelado no curso da instrução
probatória.
Notoriamente, neste recurso, a opção do julgador na origem foi
apreciar a existência dos elementos objetivos, que não levam, necessariamente, à

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conclusão sobre a existência de união estável, mas tão somente informam a
existência de um relacionamento entre as partes.
Na verdade, esses elementos objetivos são meramente
exemplificativos, pois mesmo na sua ausência é possível se vislumbrar a
existência de uma união estável.
Em polo oposto, reside o desejo de constituir uma família, pois na
sua ausência, não se concretiza a fórmula legal que fixa em um relacionamento
qualquer, a marca da união estável, distinguindo-o de outros tantos que, embora
públicos, duradouros, e não raras vezes com prole, não têm o escopo de serem
família, porque assim não quiseram seus atores principais.
Na hipótese, o elemento subjetivo – desejo anímico de formar uma
família – , não foi revelado. Nem ao menos houve a demonstração de início de
prova da qual se pudesse inferir a existência dessa característica fundamental para
o reconhecimento de união estável, limitando-se o Tribunal de origem a
demonstrar fatos que, embora relevantes, não descrevem, com a necessária
precisão jurídica, a natureza do relacionamento havido entre as partes.
A falta dessa conclusão, não apenas fragiliza, mas infirma, por
completo, às conclusões fixadas no acórdão recorrido quanto à existência de
união estável, pois não houve a comprovação de que as partes tivessem, no curso
de seu relacionamento, manifestado publicamente o sentimento de serem, ou
desejarem ser, uma família.
Assim, impõe-se a reforma do acórdão recorrido, para fins de
reconhecer a não demonstração cabal da existência de união estável, porque da
constatação de que um relacionamento teve duração contínua, pública e notória,
não decorre, necessariamente, a caracterização de uma união estável.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para

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reformar o acórdão e julgar improcedente o pedido declaratório.
Custas e honorários, como fixados em sentença, que serão
integralmente suportados pelo recorrido.

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