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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000628792

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1026566-86.2019.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante H. A.
(JUSTIÇA GRATUITA), é apelado G. F. M. (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCIA DALLA


DÉA BARONE (Presidente sem voto), ENIO ZULIANI E ALCIDES LEOPOLDO.

São Paulo, 10 de agosto de 2022.

VITOR FREDERICO KÜMPEL


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto: 0418
Apelação Cível n° 1026566-86.2019.8.26.0071
Apelante: H. A. (JUSTIÇA GRATUITA)
Apelado: G. F. M. (JUSTIÇA GRATUITA)
Origem: Foro de Bauru - 1ª Vara de Família e Sucessões
Juiz(a) sentenciante: Dra. Ana Carla Criscione dos Santos

APELAÇÃO RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO


DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM ação julgada
improcedente sentença mantida elementos de convicção
que não autorizam o reconhecimento da união estável
namoro qualificado evidenciado de 2015 até o falecimento
ausência de affectio maritalis cartas redigidas enquanto
o falecido estava internado e em posterior convalescência
nenhuma indicação de intenção de constituir família prova
oral que demonstrou que o falecido não apresentava a
Apelante como esposa existência de outra namorada a
partir de 2018 que comprova a inexistência do requisitos
subjetivo da união estável Recurso improvido.

Vistos.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por H.A. contra


G. F. M em razão de sentença que julgou improcedente a pretensão inicial deixando
de reconhecer a existência de união estável entre autora e pretenso companheiro
falecido. Insurge-se a Apelante ao argumento de que as provas trazidas aos autos,
consistentes em fotos, cartas, relatos, depoimentos de parentes e amigos, seriam
suficientes para comprovar a união estável nos moldes de um casamento tradicional.
Discorre sobre o instituto a união estável, seus requisitos objetivos e subjetivos;
sobre a família e a sua proteção constitucional. Pede pela reforma da sentença com o
reconhecimento de união estável, que teria iniciado em 2.015 encerrado com o seu
óbito, em 2.019.

Não sobrevieram contrarrazões

Apelação Cível nº 1026566-86.2019.8.26.0071 -Voto nº 418 2


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O recurso é tempestivo e dispensado de preparo ante o fato


da Apelante ser beneficiária da justiça gratuita. Assim, recebo o recurso em seus
regulares efeitos.

É o relatório.

Os elementos de convicção proporcionados nos autos não


autorizam a conclusão da existência de união estável entre Apelante e o genitor do
Apelado.

Os documentos de fls. 18/25 possuem ínfimo valor


probatório na medida em que se tratam de formulários padronizados e produzidos
unilateralmente, dos quais pretensos amigos declaram que conheciam intimamente
H. A. e P. S. M., que se comportavam como uma família e que P. S. M. apresentava a
Apelante como esposa. Este elemento de prova foi desconstruído quando da oitiva da
testemunha Cleber Rogerio Estruque eu audiência, quando espontaneamente deduziu
que o falecido não apresentava a Apelante como esposa, pese ter reformulado a
resposta depois de indagado da mesma pergunta pelo advogado da Apelante.

As cartas de fls. 28/44, datadas de 19/09/2015,


25/09/2015, 26/09/2015, 27/09/2015, 04/10/2015 e aparentemente 05/11/2015, posto
de difícil leitura, indicam que existia um sentimento do genitor do Apelado pela
Apelante, um carinho e gratidão pelos momentos vividos, sobretudo em razão da sua
internação. Todavia, tal elemento também não se presta a indicar a existência de
união estável. Note-se que as cinco primeiras cartas foram escritas enquanto o
pretenso companheiro estava internado e sob os cuidados da Apelante, e a última
reiterando a existência de sentimento, mas, por outro lado, sem qualquer indicação de
que existiria a intenção de constituir uma vida em comum.

As fotos de fls. 45/56 demonstram um relacionamento


afetuoso entre as partes, entretanto, insuficiente para indicar a existência de algo
além de um namoro.

Como bem pontuou a recorrente, na união estável é


considerada a ausência de formalidades na constituição de uma família convencional.

Apelação Cível nº 1026566-86.2019.8.26.0071 -Voto nº 418 3


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Todavia, a ausência de formalidade implica num ônus probatório bastante complexo


exatamente pela falta de documentos constitutivo da entidade familiar. Ônus do qual
a Apelante não se desincumbiu.

Dentre os requisitos estabelecidos para o reconhecimento


da união estável encontra-se o requisito subjetivo da “affectio maritalis”. Segundo
Carlos Roberto Gonçalves, “Além de outros requisitos, é absolutamente necessário
que haja entre os conviventes, além do afeto, o elemento espiritual caracterizado
pelo ânimo, a intenção, o firme propósito de constituir uma família”1.

Este requisito consiste no elemento basilar para a


diferenciação entre o namoro e a união estável. Perceba-se que é de fácil constatação
que todos os elementos de convicção disponíveis neste feito serviriam para a prova
da existência de um namoro ou de uma união estável, não fosse o fato de que este
último exige o firme propósito de constituir uma família.

No caso concreto restou muito bem evidenciada a


existência de um namoro duradouro com característica de namoro qualificado,
todavia, não pode ser interpretado para além. Vem a calhar a lição de trazida pelo
juízo de origem intitulada “União estável e namoro qualificado” de Flávio Tartuce.

“A união estável traz para os aplicadores do Direito


grandes dificuldades na análise dos seus elementos caracterizadores. Nos termos do
que consta do art. 1.723, caput, do Código Civil de 2002, dispositivo fundamental
para a análise do tema, "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre
o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família". [...] Para a configuração
dessa intenção de família, entram em cena o tratamento dos companheiros entre si
(tractatus), bem como o reconhecimento social de seu estado (reputatio). Nota-se,
assim, a utilização dos clássicos critérios para a configuração da posse de estado de
casados também para a união estável. [...] Conforme destacado por José Fernando
Simão em aulas e exposições sobre o tema, se há um projeto futuro de constituição
de família, estamos diante de namoro. Se há uma família já constituída, com ou sem
1
Gonçalves, Carlos Roberto Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família /
Carlos Roberto Gonçalves 12 ed. São Paulo : Saraiva 2015 p. 627
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filhos, ou seja, se ela já existe no presente, há uma união estável. Para que se
verifique a existência dessa família no presente, devem ser levados em conta os
critérios da reputação e do tratamento, antes destacados, que podem ser
demonstrados por todos os meios de prova, como testemunhas e documentos, sejam
eles públicos ou não. Tais critérios também servem para diferenciar a união estável
do chamado namoro qualificado, aquele que se prolonga por muito tempo, mas não
chega a apresentar todos os requisitos essenciais para que a família presente esteja
configurada”2

Relevante ainda mencionar que a ausência de ânimo de


constituir família restou devidamente comprovado em audiência pelas testemunhas
arroladas pelo Apelado. A testemunha A. M. B declarou namorar com o genitor do
Apelado desde dezembro 2018 até o momento do falecimento, sendo que no
momento da morte estava ao telefone com o de cujus, oportunidade em que contatou
sua família dando conta de que ouvira uma “sororoca”. Ora, tal fato afasta por
completo a tese da Apelante de que as partes tinham o firme propósito de constituir
família.

Ante a não formação de contraditório em sede recursal,


deixo de fixar honorários advocatícios ao recorrente.

Considero prequestionada toda matéria infraconstitucional


e constitucional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça
no sentido de que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais,
bastando que a questão posta tenha sido decidida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao


recurso.

VITOR FREDERICO KÜMPEL


Relator
Assinatura Eletrônica

2
https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/277227/uniao-estavel-e-
namoro-qualificado - acesso em 05/08/2022
Apelação Cível nº 1026566-86.2019.8.26.0071 -Voto nº 418 5

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