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Teoria e Desenvolvimento Curricular

1ª Parte
Teoria curricular

Maria Helena Damião da Silva


Última actualização em Setembro de 2018
Aviso

O presente documento – a explorar ao longo do


semestre – constitui um elemento rudimentar de estudo
pelo que, em circunstância alguma, substitui a leitura da
bibliografia indicada.

Os estudantes
podem descarregá-lo para o ambiente de trabalho dos
seus computadores e imprimi-lo mas
não podem divulga-lo, seja de que modo for,
nomeadamente, em redes sociais ou sítios da internet.

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NÃO ESQUECER QUE NOS SITUAMOS

no campo educação formal

(ou seja, no campo da instrução e da formação)

na tradição ocidental.

DANDO DESTAQUE

ao sistema de ensino português

na actualidade.
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Sumário

Introdução
1.1. Elementos da política curricular contemporânea
1.2. Raízes histórias do currículo
1.3. O currículo no debate social
1.4. A teleologia na base do currículo
1.5. O sentido ético do currículo
1.6. Enquadramentos epistemológicos do currículo
1.7. Implicações curriculares do saber científico sobre a
aprendizagem
1.8. Pensamento e acção profissional no campo curricular
Síntese
“O problema dos fundamentos é, portanto, o grande
problema do nosso tempo (…)
em grande parte pela dimensão e rapidez das mudan-
ças que exigem enquadramentos que as mesmas mu-
danças cavam até aos fundamentos.
O problema está em sermos levados para um movi-
mento que desorganiza as faculdades de pensar pois
não só desvaloriza as referências como (…) em certos
casos as inverteu.”
João Boavida, 2003, 346-347.
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Introdução

Teoria curricular

Trata dos (múltiplos) fundamentos, bases, razões

que subjazem às decisões e às práticas curriculares

e que permitem explicá-las.


Na representação que já conhecemos…

Porquê? CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO


Fundamentos Pressupostos/
(Teoria curricular) Princípios/
Concepções/
Ideias/
Razões

Como? PEDAGOGIA
Práticas
Metodologias
(Desenvolvimento curricular) (Quintana Cabanas)
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PORÉM…
Históricos
Disciplinares (Evolução) Sociais
(Contexto)

Concepções – Pólo B
Culturais
Concepções - Pólo A

FUNDAMENTOS
DO CURRÍCULO Políticos
Religiosos (Legitimação)

Antropológicos Teleologia
(Fim/ns) Psicológicos
Económicos (Aprendizagem)
Éticos
(Bem/dever)
Fisiológicos Pedagógicos
Epistemológicos (Decisões)
OUTROS
(Conhecimento)

UM MODELO CURRICULAR?
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“Estamos todos convidados
a perguntar qual o melhor
modelo de aprendizagem
que ajudará os alunos a ter
sucesso no desenho do
mundo sobre o qual agirão.”

Grupo de Consultores do Projeto


da OCDE Future of Education
and Skills 2030 (aqui).

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“Os professores [e os educadores/
formadores] já não estudam
filosofia, história ou sociologia
enquanto estão em formação.
Eu acho isso muito sério, porque
essas disciplinas eram uma base
da profissão e hoje os estudantes
são formados quase como
tecnólogos da educação,
são preparados para oferecer
Michael Young, 2014.
conjuntos de instruções.”
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É urgente reverter esta situação pois (como já afirmado)
o educador/formador é um profissional intelectual,

1. que [fatalmente] toma decisões [curriculares] de gran-


de responsabilidade [ajudar a formar o “ser” para…],

2. Essas decisões têm de se basear em conhecimento


sólido e confiável, de ordem teorética e científica
[diferente de: “politicamente correcto”, doutrinas,
ideologias, senso-comum, opiniões pessoais…].

VEJAMOS…
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Retomar o filme

Frank, professor, debate-se com um dilema.


O que deve fazer: mudar Rita ou deixá-la
como ela é / a vê: autêntica, espontânea?

[Tal como Trish] ele sabe que a instrução


não se traduz numa superficial “felicidade de aprender”,
envolve várias e profundas mudanças…

Acaba por assumir o dever de educar: “Vou ter de a trans-


formar, terá de abandonar a sua maneira única de ser”.
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1. Esse dever não é, não pode ser, neutro naquilo
que cabe à escola [ainda que tenha de ser neutro
naquilo que não lhe cabe, Savater, 1997].

Logo, a decisão está infiltrada no currículo


[tendo de ser guiada por uma ideia…
que deve traduzir um ideal possível e legítimo]

A “a escola é [tem de ser] uma verdadeira


oficina de humanidade” (Coménio, 1649)
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2. Logo, esse dever tem de ser baseado em
conhecimento sólido e confiável

Portanto, a decisão curricular nunca poderá derivar:

- “politicamente correcto” Falácias


- ideologias/doutrinamentos Erros e enganos
- senso comum/opiniões pessoais Dogmas
-… Irrefutabilidade

Trabalho hermenêutico, de desocultação…


(Requer, além de especialização, perspicácia)
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Vejamos, o conhecimento sólido e confiável distingue-
se do “politicamente correcto”

“Depois de muitos anos a estudar his-


tória e (…) políticas de educação, des-
cobri coisas que me chocaram. Quase
por acidente, tropecei num protocolo
elaborado e bem estabelecido de
censura beneficiente, adoptada (…)
por editoras de livros didácticos,
estados e governo federal” (2003).

Trata-se de conformismo e receio...


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… distingue-se de ideologia

Ideologia. Sistema coerente de argumentos que pes-


soas ou grupos apresentam como concorrendo em
benefício de outrem mas que, na verdade, têm em
vista benefícios próprios.
Tais argumentos apresentam-se como manifestamen-
te bons, correctos, positivos… de modo que quem os
contesta assume a posição de herege.

Trata-se de manipulação de doutrinamento.

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… distingue-se de opiniões pessoais, de senso-comum

Opinião (raízes gregas). Doxa significa crença, que,


não sendo escrutinada, constitui uma fonte de erros
Opõe-se a episteme, ou conhecimento (verdadeiro).

Os argumentos usados (decorrentes de experiências


e juízos particulares), apresentam-se como obvia-
mente certos.

Trata-se de ignorância e de arrogância.

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Se o currículo não assentar em conhecimento sólido e
confiável (válido) pode conduzir/cimentar formas
incorrectas / ilegítimas de pensamento

O orientação actual
do currículo pode ser
co-responsável pelo
“declínio e queda do
Ocidente.”
Jacques Barzun, 2003.
Escola de esposas alemãs, anos de 1930

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Mas não é fácil evitar e detectar essas três figuras

"Acabei reconhecendo em pessoas que abomino, em


discursos que odeio, coisas com as quais concordo.
Acontece ouvir alguém, estar de acordo e acompanhar
o discurso, acreditando que é bom, e de repente dar-
me conta de que quem falava era um representante da
extrema-direita, por exemplo. Essa mobilidade dos
discursos, o terem saído do lugar de conforto no qual
eu podia reconhecê-los, inquieta-me.“
Bernardo Carvalho, 2015.
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-internet-cria-um-leitor-mais-burro-e-mais-violento-1708522

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Passos para explorar os fundamentos do currículo:

Localizar no esquema
O que está em causa
Retomar o filme
Aspectos essenciais e sua discussão
Em suma
Para aprofundar o pensamento

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1. Elementos de política curricular
contemporânea

“Uma das tentações dos políticos é quererem deixar o


seu legado e a reforma com o seu nome, esquecendo-
se que a educação (…) deveria ser sempre um projecto
colectivo da sociedade não empurrada por vanguardas
“revolucionárias” (…) que já o foram há várias décadas
e que regressam sempre que volta ao poder aquele
nicho académico, aquele nicho político-ideológico.”
Paulo Guinote, 2018 (aqui)
Localizar no esquema

Disciplinares Históricos
Sociais
(Evolução)
(Contexto)

Concepções – Pólo B
Culturais
Concepções - Pólo A

FUNDAMENTOS Políticos
Religiosos DO CURRÍCULO (Legitimação)
Antropológicos Teleológicos
Psicológicos
(Fim/ns)
(Aprendizagem)
Económicos
Éticos
(Dever) Pedagógicos
Fisiológicos
(Decisões)
Epistemológicos
OUTROS
(Conhecimento)

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O que está em causa

Os sistemas de educação escolar nacionais e públicos,


assumidos pelas nações/países/estados e
guiados por valores fundamentais (igualdade, laicidade...),
traduzem um progresso civilizacional (ainda recente).

Cabe (cabia) a cada sistema definir o currículo.

É fundamental - escrutinar esse currículo.


- contribuir para o seu aperfeiçoamento.
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Retomar o filme

Qual o contexto político?

O que representa esse contexto?

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Aspectos essenciais e sua discussão
Currículo para o Século XXI. Na confluência do
- Projeto Future of Education 2030, OCDE
- Projeto de Autonomia e Fexibilidade Curricular, 2018

1. O sistema: níveis e entidades


2. “O” poder (global) ou “a face” do poder (local)?
3. A “narrativa” da educação do século XXI
4. Esquerda e direita
5. Em conclusão
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1. O sistema: níveis e entidades

“… em resultado de um longo processo de auscultação


de diversos intervenientes a nível nacional e interna-
cional, com especial enfoque para a participação no
projeto Future of Education 2030, da OCDE, bem como
para a iniciativa «A Voz dos Alunos», a construção de
um currículo do século XXI, a liberdade de atuação
para garantir melhores aprendizagens a todos e o
respeito pela autonomia das instituições e dos seus
profissionais …”
Despacho n.º 5908/2017 (aqui)
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Níveis (de decisão) do sistema: política curricular

INTERNACIONAL
(“Orientações” que se impõem)

MACRO NACIONAL
(“Legitimação” dependente)

REGIONAL
MICRO (“Legitimação” dependente)

LOCAL/DE ESCOLA
(Concretização “autónoma”)
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DOCUMENTOS: NÍVEL MACRO

Plano Internacional Plano Nacional

Declaração Univ. Dtos Constituição da República


Humanos Lei de Bases
… Legislação (geral e específica)
Programa de Governo
Orientações para a Educação
Orientações: ano lectivo
Standards
(Currículos) /Programas
Programas avaliação Perfil do aluno…
Metas / Aprendiz. essenciais
Relatórios internacionais Orientações curriculares
Manuais escolares
Guiões para professores

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DOCUMENTOS

NÍVEL MESO NÍVEL MICRO

Plano regional Plano local


Directrizes das Regiões Projecto Educativo
Projecto Curricular
Autónomas Plano Anual de Actividades
Programas/Projectos
Outros documentos
específicos Projectos curriculares
Outras opções Planificações docentes
(longo, médio e curto prazo)
curriculares Projectos vários

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Entidades (que decidem): agentes e parceiros

Por contrato de autonomia entende-se o acordo


celebrado entre a escola, o Ministério da
Educação e Ciência, a câmara municipal e,
eventualmente, outros parceiros da comunidade
interessados, através do qual se definem
objetivos e se fixam as condições que viabilizam o
desenvolvimento do projeto educativo.
Decreto-Lei n.º 137/2012 de 2 de julho (Artigo 57.º)

Virtualmente, todas as entidades nacionais e


internacionais se tornaram agentes e parceiros
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Entidades de diversa natureza, externas aos sistemas,
(empresas, fundações, associações, think tanks, ONGs…)
ganham protagonismo.

Fazendo uso da sua vocação e experiência empresarial


- “oferecem” aos sistemas contribuições de ordem
pragmática
- “constroem alternativas” aos sistemas

“Filantropismo económico” (Seguro Romero, 2017;


Martins, 2017); “Caridade mediática” (Lipovetsky, 1998)
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Devemos perguntar

Todos os agentes e parceiros

- investem altruisticamente na educação escolar?


- possuem conhecimento para tomar decisões e agir?

Quem regula/deve regular os agentes e parceiros?

Colaboram com o Estado ou substituem-no, subvertem-


no, descartam-no?
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Dois exemplos
“Uma escola descentrada da sala de aula, em que os
alunos se espalham por espaços informais, com os seus
computadores portáteis, cruzando-se com os professores
na biblioteca e discutindo projectos – é esta a visão que
a Parque Escolar tem para o ensino em Portugal (...)
Arquitecta da Parque Escolar.
Alexandra Prado Coelho

16H00 – PAINEL I: Visão da Microsoft para a Educação – o


professor autónomo, gestor dos espaços e dos tempos e a
melhoria das aprendizagens. Licenciada em direito -
Diretora para a Educação da Microsoft Portugal (aqui)

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Um terceiro exemplo

Acesso: http://erte.dge.mec.pt/publico/tabletsnaeducacao/2015/apresentacoes/Graca_Bau.pdf

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2. “O” poder (global) ou “a face” (local) do poder?

O ministro Nuno Crato anunciou que o ensino de mandarim deverá ser


introduzido no secundário e terceiro ciclo, como alternativa de língua
estrangeira, segundo os acordos assinados em Pequim, no decurso da
visita de Estado do Presidente da República à China (aqui).
Política de autonomia de escola
de gestão flexível de currículo

“faculdade conferida à escola “Poder/faculdade reconhe-


para gerir o currículo… ao ní- cido à escola/agrupamento
vel das áreas disciplinares e de escolas pela lei/adminis-
disciplinas e da sua carga ho- tração educativa para tomar
rária, assente na possibilidade decisões (…) nos domínios
de enriquecimento do currí- da organização pedagógica,
culo com os conhecimentos, curricular (…) no quadro das
capacidades e atitudes que funções competências e mei-
contribuam para alcançar as os/recursos que lhe estão
competências previstas no consignados/atribuídos.”
«Perfil dos alunos…» Decreto Lei n.º 115-A/1998
Despacho n.º 5908/2017 Decreto Lei n.º 75/2008
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“… possibilidade de organizar e (Idem)
gerir autonomamente o proces-
so de ensino/aprendizagem, to-
mando como referência os sabe- “Gestão flexível do cur-
res e as competências nucleares rículo, com possibilida-
a desenvolver pelos alunos no de de inclusão de com-
final de cada ciclo e no final da ponentes regionais e
escolaridade básica, adequando- locais, respeitando os
o às necessidades diferenciadas núcleos essenciais
de cada contexto escolar e po- definidos a nível
dendo contemplar a introdução nacional.
de componentes locais e
regionais” Decreto-Lei n.º 75/2008, de
Decreto-lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio e 22 de Abril Art.º 58
Despacho n. º 9590/99, de 14 de Maio).
Política de autonomia de escola
de gestão flexível de currículo

Instrumentos de Instrumentos
planeamento curricular Projecto Educativo
Regulamento interno
Projecto Educativo Plano de actividades

Projecto Curricular Projecto Curricular


- de ano - de Escola
- Outros - de Turma
Decreto Lei n.º 115-A/1998
Despacho n.º 5908/2017
Decreto Lei n.º 75/2008

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Do global… Projecto Future of Education 2030
Portugal é encorajado a continuar os
seus esforços para preparar escolas,
professores e estudantes virados para
o futuro. A iniciativa está alinhada pela
recomendação da OCDE de "ajustar o
poder de decisão para satisfazer as
necessidades locais“ (…) aumentar os
níveis de competência das crianças de
hoje é essencial para um melhor futuro
para Portugal. As crianças portuguesas
de hoje criarão o futuro da economia e da sociedade (…).
Que tipo de competências os estudantes de hoje precisam
para criar um novo futuro de Portugal? (Ver aqui)
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À “voz dos alunos”… Currículo para o Século XXI, 2016)
Ver aqui

… M. de 16 anos, tem à frente o ministro da Educação


(…) para lhe dizer o que faria no seu lugar «(…) reduzia as
cargas horárias para que tivéssemos tempo de ser
crianças e jovens (aqui).

"Para a OCDE, os alunos


não só têm razão como
estão a apontar a direcção
certa aos decisores”.
S. Baciela (TVI 24), 2018.
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3. A “narrativa” da educação do século XXI

“Estamos a co-criar uma nova narrativa


da "educação que queremos"
que traduz a visão do "futuro que queremos",
e das "competências transformadoras"
de que os alunos precisarão para tornar
o “futuro que queremos” numa realidade.”
OCDE, 2017, p.7.
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(Omitindo informação… diversos relatórios publicados
nos anos de 1980/1990, em diversos países, indicaram
problemas na aprendizagem básica conseguida.

A Nation at Risk: The


imperative for educa-
tional reform (1983)
(aqui)

A Literacia em Portugal:
Resultados de uma uma
pesquisa extensiva e
monográfica (1996)
(aqui)
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Daí ser apresentada a necessidade de realizar
avaliações internacionais independente
PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos)
Competências para resolver problemas do quotidiano

TIMSS (Trends in International Mathematics and


Science Study) e
PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study)

Os sistemas educativos (os Estados, as escolas, por via


dos seus currículos, não estão a cumprir a sua função:
- São ineficazes, não produzem resultados esperados;
- Estão desadequados face às exigências do século XXI.
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Segue-se a (re)construção do currículo nos países
que participam na avaliação (processo começa pelo
fim, não pelos fins educativos)

(Volta a dar-se) destaque à EXTENSÃO DO


preparação funcional MODELO
para o mercado de trabalho global NEO-LIBERAL
o qual requer AO CURRÍCULO

competências instrumentais ESCOLAR

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Organização do currículo “competência”

“Saber em acção ou em uso”


(CNEB. Competências essenciais, 2001)

Multiplicidade de definições e…
reconhecimento da dificuldade de chegar a uma definição:

“… o conceito não está estabilizado ou teoricamente funda-


mentado, por isso, o trabalho [de definição] seria
desenvolvido em areias movediças.”
“É verdade que não existe, hoje em dia, qualquer definição
consensual do conceito.”
Ph. Perrenoud
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Currículo por standards
“The standards are designed to be robust and relevant to
the real world, reflecting the knowledge and skills that
our young people need for success in college and careers.
With American students fully prepared for the future, our
communities will be best positioned to compete global
successfully in the economy.”

“All students must be prepared to compete with not only


their American peers in the next state, but with students
from around the world.”

(aqui)
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“Schools need to prepare students for a
world in which people need to work with
others of diverse cultural origins, and
appreciate different ideas, perspectives
and values (…) world in which people’s
lives will be affected by issues that
transcend national boundaries.”
Andreas Schleicher
(Director, OECD Directorate for Education and Skills, and
Special Advisor on Education Policy to the Secretary-General)

2016 (aqui)

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Projecto “DeSeCo (Definition and Selection of Compe-
tencies”) estabelece “conhecimentos, capacidades, de-
sempenhos, valores e atitudes” que se traduzirão em
“competências transformadoras” (“capital humano”).
(OCDE, 2001, 2018)
Para um mundo/sociedade VUCA:
- volatilidade (“volatility”)
- incerteza (“uncertainty”)
- complexidade (“complexity”)
- ambiguidade (“ambiguity”).

Vocabulário curricular (expressões uniformizadas e


uniformizadoras) (OCDE, 2017)
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Argumento ou princípio TINA, There Is No Alternative

A mudança em causa é apresentada como:


- inequivocamente positiva, sendo benéfica para
todos;
- plenamente justificada, apoiada pela mais
diversas entidades académicas, sociais e políticas;
- inevitável, decorre de uma demanda que não
pode ser travada; e
- Indiscutível, dará resposta às numerosas e difíceis
questões que as novas gerações terão de superar.
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França, por exemplo
"É uma reforma profunda-
mente pedagógica que põe
a tónica nas práticas para
que os alunos aprendem
melhor e tenham sucesso
escolar. Uma reforma que
tem por base a confiança
nas equipas de ensino
dando-lhes uma margem
de manobra para melhor
atender as necessidades
dos alunos.“
Ministra da Educação, 2015
Ver: Mieux apprendre pour mieux réussir: aqui, aqui, aqui
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Alinhamento do currículo nacional pelas políticas europeias,
as quais salientam que Portugal…

… está abaixo da média da UE no que


respeita a medidas estruturais para
potenciar a competitividade.

- Preparação para o mercado de trabalho


- Economia, negócios, financiamento
Ver aqui
- Cooperação público-privada
- Transferência e comercialização de conhecimento
- Investimento. Custo-eficácia
- Monitorização. Avaliação do impacto
- …
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- The Future of Education and Skills,
Projeto Education 2030, OCDE
(2016)

- “Base humanista - A escola habilita


os jovens com saberes e valores
para a construção de uma
sociedade mais justa, centrada na
pessoa, na dignidade humana e na
ação sobre o mundo enquanto bem
comum a preservar”, p. 13
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4. Esquerda e direita

“… essa calamidade, que de vez em quando aparece


nas primeiras páginas dos jornais, não suscita
nenhum debate verdadeiro (...) a não ser repetirem-
se alguns dos lugares-comuns nauseabundos: a
rejeição do alegado elitismo do saber por parte da
esquerda, a obsessão pela competição e pelo
mercado de trabalho por parte da direita.”
Alberto Royo, 2016, 16
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O enigma esquerda/direita…

Redundam nas mesmas


Políticas de
decisões (traçadas pelo
- Direita: neo-liberais
poder efectivo, o poder
- Esquerda: Igualitárias
económico-financeiro)

Veiculadas pela OCDE que se impôs e é reconhecida


como "um dos principais centros de decisão do planeta
em matéria de educação” S. Baciela (TVI 24), 2018.

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Inversão dos princípios que seriam os da esquerda?

Exemplo:

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO. B8-0514/2015


apresentada nos termos do artigo 133.º do Regimento
sobre o latim e o grego antigo enquanto línguas e culturas
de origem da Europa. Florian Philippot, Dominique
Bilde, Sophie Montel, Steeve Briois

A União deve incentivar um maior conhecimento da


cultura greco-latina, que lhe legou os princípios
democráticos que declara defender;
A União deve promover em todos os Estados-Membros a
aprendizagem do latim e do grego antigo;
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As políticas educativas não podem ser
de esquerda ou de direita,
têm de ser delineadas em função do que é o bem para
a pessoa, a sociedade, a humanidade
(onde a economia distributiva tem sentido)

PACTO SOCIAL (POLÍTICO) PARA A EDUCAÇÃO


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5. Em conclusão

Os sistemas públicos de ensino, para todos, fruto da


modernidade, são edifícios extraordinários.
A vigilância crítica ao currículo, que os materializa, é
uma garantia de salvaguarda.

“Estamos no meio de uma crise de enormes propor-


ções e de grave significado global (…) que, como um
cancro, passa em grande parte despercebida: uma
crise mundial da educação” (M. Nussbaum, 2015).
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Educação para a cidadania
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Nessa (nova) crise:

O cenário mundial é de “… desmantelamento clandestino


do Estado” (M. Avelino de Jesus, 2016).

Existinso um mercado à escala global, entende-se que o


currículo tem de estar alinhado com as suas necessida-
des, produzindo “capital humano” (Schultz, 1950).

Substituição do proletariado pelo “precariado.”


(Z. Bauman, 2016).
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Existe contestação
“… os suecos acreditavam que a desregulação era a solu-
ção para tudo, da gestão dos caminhos de ferro à educa-
ção dos filhos, mas isso acabou: há partes da nossa vida
que o mercado não pode preencher. E aponta o dedo às
organizações com fins lucrativos, considerando-as respon-
sáveis pela crise que se abateu sobre o país – a que os
suecos chamam ‘o choque de Pisa’”.
Acrescentou: “Não estão nisto por gostarem dos miúdos
ou por estarem interessados na educação. Estão nisto
porque querem fazer dinheiro rapidamente”
Jonas Sjöstedt, líder do Partido de Esquerda da Suécia
Diário Económico, 6/9/2012.
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“A aposta num ensino focado nas necessidades atuais
do mercado de trabalho (…) é essa exigência que,
explícita ou veladamente, se encontra plasmada nas
orientações internacionais para a educação.
Orientações que cada país adopta, a que imprime a
forma de directriz e que põe em marcha.
Orientações que cada sociedade acha muito bem!”

“…está a impedir a escola de formar as crianças e jovens


para serem cidadãos críticos e flexíveis.”
José Morais, 2011 e 2014.
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“A natureza dos direitos humanos é incompatível com a
natureza do mercado” (X. Jares, 2006).

“As escolas não podem ser transformadas em empresas


e os estudantes não podem ser considerados clientes
(…)” (N. Ordine, 2017).

“A educação para o crescimento económico despreza


áreas [artes e literatura] (…) porque não parecem
conduzir ao progresso pessoal ou da economia. Por essa
razão, no mundo estão sendo eliminados de todos os
níveis curriculares, em favor de cursos técnicos” (M.
Nussbaum, 2015).
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É preciso recuperar o sentido da política educativa

O sistema é público, é de todos e a todos deve beneficiar.

Não está sequer em causa a existência de um currículo


global, mas ele não pode servir apenas um sector

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Para aprofundar …

Ver debate recente sobre a reorganização curricular: aqui

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