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INTERNACIONAL PRIVADO'
Introdução
O Direito Internacional Privado (DIPr) apresenta quatro grandes tendências
na atualidade. A primeira delas está na sua internacionalização. Embora num
primeiro momento possa parecer tautologia, é notável que o DIPr torna-se cada
vez mais internacionaL Há pouco tempo, em realidade, havia muitos Direitos
Internacionais Privados, como o DIPr brasileiro, com fontes exclusivamente
nacionais. E, no Brasil, em particular, havia uma área menor de estudo, de
pesquisa jurídica. O DIPr apresentava-se como matéria não obrigatória nas
Universidades. Vê-se uma diferença significativa dessa realidade nos últimos 5
ou 1O anos. Há cursos de especialização em Direito Internacional em geral, de
DIPr em particular. Em todas as Universidades brasileiras importantes, vê-se
publicações que já não entram em nenhuma biblioteca, com uma quantidade
enorme de livros, com crescente importância dada às fontes internacionais.
A segunda tendência está na influência da cultura pós-moderna e futurista
no DIPr, Embora mais filosófica que a tendência anterior, apresenta igualmente
grande importância na realidade dos sistemas jurídicos da atualidade.
A terceira tendência encontra-se na influência dos Direitos Humanos, que sempre
se apresentaram como elementos de Direito Público, muito ligados ao Direito
Constitucional e, portanto, mais relacionados ao Direito Internacional Público. Contudo,
nos últimos anos, os Direitos Humanos têm influenciado enormemente o D!Pr.
Finalmente, a quarta tendência, que talvez também possa se constituir
uma tautologia, é a privatização do DIPr, que cada vez mais, apresenta-se nas
mãos dos atares privados da sociedade. A seguir, analisarei essas quatro
Palestra apresentada na Aula Magna de abe1iura da Quarta Edição do Curso de Especialização "0 Novo
Direito lnternacionai", março de 2004, Faculdad•~ de Direito/UFRGS. O autor agradece a colaboração dos
müstrandos Marília Zanchet e Ricardo Medeiros de Castro.
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tendências, finalizando, nas conclusões, com seus reflexos nas relações entre os
países do MERCOSUL, especialmente o Brasil e a Argentina.
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interesses dos diferentes Estados, sem que haja representantes defendendo a
respectiva posição. No âmbito internacional, estão-se elaborando regras
praticamente sobre todos os assuntos. De fato, tem sido muito mais importante
o que se está mais elaborando em nível internacional do que nacional, como
na Conferência de Haia, da UNCITRAL, na UNIDROIT. Alguns países, como a
Venezuela, elaboraram uma boa lei de DIPr. Contudo, constitui exceção.
Portanto, deve haver consciência por parte dos países latino-americanos da
importância na elaboração das regras no âmbito internacional/ já tais regras
farão parte do ordenamento jurídico nos diferentes sistemas jurídicos. Além
disso, mesmo que esses países não ratifiquem as Convenções, elas se
transformam em modelos, que expressam uma tendência e acabam sendo
copiadas pelos legisladores dos Estados, acabando, enfim, a fazer parte dos
ordenamentos nacionais. Muitos Estados, dentre eles os latino-americanos,
necessitam de boas estruturas nacionais, mas não valorizam as convenções
que já foram internalizadas.
Refere-se, também, o Direito Transnacional, que não depende nem de
países, nem de organismos internacionais. Situa-se num território quase virtual,
criado pela prática internacional, sobretudo pelo comércio internacional, que
muitas vezes possui fontes reconhecidas, como a Câmara de Comércio
Internacional de Paris; outras vezes, entretanto, não possui nenhuma. Existe
na forma de regras que se aplicam no caso de transações comerciais
internacionais às quais os comerciantes e empresários necessitam observar.
Porém tais regras não se encontram nos Códigos, como o Brasileiro, ou o
Venezuelano. Ainda há países que não apresentam posição definitiva quanto
à aplicação da autonomia da vontade no comércio internacional, como o Brasil,
e outros que realmente proíbam, como no caso do Uruguai. Dessa forma, não se
permite a escolha do juiz e da lei aplicável, ou o recurso à arbitragem
internacional. No Uruguai, quando os exportadores querem comerciar seus
produtos com a Europa, têm de assinar contratos que reconheçam a jurisdição
inglesa e a lei aplicável de Nova Iorque, por exemplo. Há duas possibilidades:
ou vender os produtos e adotar tais imposições, ou não vender. E, é claro,
geralmente preferem vender. Há, portanto, discursos divorciados: o discurso
dos realistas e o discurso daqueles que acreditam, ou que fazem seus alunos
acreditarem, estar defendendo a soberania do país e algumas regras que, em
realidade, não trazem qualquer proveito para os empresários, ou exportadores.
Esse chamado Direito Transnacional é, dessa forma, realidade.
Outro exemplo encontra-se na arbitragem. Tradicionalmente, na América
Latina, a arbitragem era vista como algo suspeito, sobretudo pelo judiciário,
que a considerava um competidor desleal. Imaginava-se que a arbitragem não
apresentava estrutura segura, mas que, mesmo assim decidia casos de milhões
de dólares. Isso está mudando agora. Hoje, a arbitragem passa a ser reconhecida
em todos os países do mundo, mesmo naqueles em que não há uma rendição ao
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capitalismo, a exemplo de Cuba. Todos os contratos internacionais assinados
por empresas cubanas apresentam cláusula de arbitragem. Além disso, todas
as sentenças arbitrais dos tribunais de Nova Iorque e Paris, entre outros, são
executadas sem nenhum problema em Cuba. Certamente, não há país que
mais argumente politicamente a respeito da soberania do que Cuba. Na prática,
contudo, as decisões de comércio internacional não são tomadas em muitos
casos pelas autoridades judiciárias do país, porém são feitas por advogados e
professores que trabalham em órgãos arbitrais.
O último elemento desta primeira tendência encontra-se na influência
do princípio da eficiência no DIPr. O princípio da eficiência é muito lógico,
desde uma perspectiva económica: as normas jurídicas devem ser feitas para
facilitar o funcionamento do mercado e não para obstaculiza-lo. Contudo a
noção de eficiência enquanto valor jurídico supremo apresenta-se não só
perigosa como igualmente rara em inúmeras matérias. Ele pode ter boa
aplicação em áreas patrimoniais, tais como contratos e responsabilidade civil,
áreas que habitualmente são tratadas pela Análise Económica do Direito. Embora
alguns autores norte-americanos sustentam ser o princípio da eficiência basilar
no DIPr, muitas são suas limitações. Temas como adoção de menores, ou
direito internacional de família em geral, direito do consumidor e direitos dos
trabalhadores não são passíveis de ser submetidos - ao menos não
exclusivamente- a noções economicistas.
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Essas guias assemelham-se a livros pedagógicos, com recomendações
para serem levadas em conta ao reformar a ordem interna sobre
determinado tema. Não raras vezes, tais produtos legislativos dos
organismos internacionais apresentam metodologia mista. A Convenção
das Nações Unidas, por exemplo, de 2001, sobre cessão de créditos,
apresenta uma parte na forma de convenção, na qual o último capítulo
é optativo. Assim, o país deve ratificar a Convenção, mas não
necessariamente o Capítulo V, que rege regras sobre conflitos de leis.
Apresenta, também, um anexo, que constitui uma lei-modelo. Portanto,
é um produto híbrido que se oferece aos Estados para que adotem o
modelo que melhor se adeqüe ao seu ordenamento. Embora esses
produtos legislativos sejam de grande qualidade técnica, ao mesmo
tempo, podem oferecer muita dificuldade aos legisladores nacionais,
pois exigem conhecimentos específicos.
O segundo dado da influência pós-moderna é, também, a pluralidade.
Nenhuma técnica é absoluta. Pode-se mesclar várias técnicas legislativas e
várias matérias jurídicas na mesma convenção, como a Convenção sobre
Proteção de Menores da Conferência de Haia, já que há regras sobre
jurisdição, direito aplicável, cooperação, reconhecimento de sentenças,
constituindo atitude absolutamente nova no contexto da legislação
internacional.
Por fim, o terceiro elemento da influência pós-moderna é o chamado
Diálogo das Fontes, de que tem tratado Erikjayme e, aqui no Brasil, Cláudia
Lima Marques. Tem-se apresentado muito difícil não só para os legisladores
dos Estados, mas sobretudo aos juízes saber como devem aplicar as regras.
Mesmo em países onde claramente está estabelecida hierarquia entre regras
internacionais e nacionais, o aplicador da lei deve mover-se: ir e voltar
entre regras nacionais e internacionais. Embora a hierarquia constitua um
princípio para compreender o sistema, nos casos práticos, quando se devem
aplicar convenções, o juiz se vê obrigado a aplicar também regras nacionais.
Essa circunstância exige cada vez mais especialização por parte dos
aplicadores do direito. Os problemas envolvendo o Direito Internacional
apresentam-se em fase de transformação, em função da maior integração
entre os pai ses, o crescente número de viagens e negócios internacionais.
Além disso, há um crescente número de estrangeiros nos países, que
compram, casam, têm filhos, etc. Tais problemas podem trazer menor ou
maior importância econômica, mas muitas carecem, ainda 1 de respostas
nos ordenamentos nacionais. Em suma, em virtude da pluralidade de fontes,
torna-se cada vez mais dificíl solucionar os casos internacionais que se
apresentam sem uma adequada especialização.
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III. Direitos Humanos
Costumava-se mencionar os Direitos Humanos no Direito Internacional
com relação ao DIPr Substantivo. Quando se referia os Direitos Humanos, era
para relaciona-los à Ordem Pública. Por exemplo, não se reconhece a poligamia,
que é válida nos países muçulmanos, pois essa é atentatória ao princípio da
monogamia e ao princípio da isonomia entre homens e mulheres. Essa realidade
constitui tema de milhares de casos em países europeus, em virtude da imigração
de pessoas oriundas de pai ses onde o direito apresenta raiz religiosa no Alcorão.
Porém, na atualidade, um tema de destaque na jurisprudência européia
encontra-se na influência dos Direitos Humanos nos aspectos processuais do
DIPr, sobretudo no que pertine ao princípio do acesso à justiça. Essa regra
existe em todas as Convenções de Direitos Humanos, na Convenção Européia,
na Convenção Universal, na Convenção lnteramericana, no Projeto de
Constituição Européia, apresentando crescente importância em muitos casos
de aplicação do DIPr. Tanto a Corte Européia, como as Cortes Constitucionais
de diferentes países europeus têm tido a necessidade de se pronunciar sobre o
problema.
Há três anos, na Espanha, uma mulher armênia, que morava no País
Basco, no Norte da Espanha, queria divorciar-se de seu marido, também
armênio. A lei espanhola considerava aplicável ao divórcio a lei da
nacionalidade comum dos cônjuges. Aplicava-se, então, a lei da Armênia.
Ocorre que a mulher queria divorciar-se o quanto antes e ofereceu provas do
Direito Armênio, que se encontrava em fase de transição, já que o país foi
parte da ex-União Soviética. Dessa forma, não havia uma lei armênia
propriamente dita, apenas o Código Civil da ex-União Soviética, constituindo
um grande problema comprovar essa realidade ao juiz de Bilbao, na Espanha.
De qualquerforma, a mulher apresentou cópia do Código da ex-União Soviética
com o carimbo do Consulado. Ao decidir, porém, o juiz afirmou não estar
convencido da prova do Direito Armênio apresentado pela mulher e decidiu
negar o divórcio. Deixou, portanto, de analisar o mérito, não aplicando a lei
espanhola, refutando a demanda. Em grau de apelação, confirmou-se a sentença.
A mulher insistiu, indo ao Tribunal Constitucional Espanhol, através de uma
Ação de Amparo, alegando violação a direitos fundamentais. Ao decidir, a
Corte Constitucional Espanhola entendeu que negar o divórcio por problema
de prova do direito estrangeiro constitui violação a direito fundamental, que
se encontra acima do requisito de prova. Enfim, para defender esse direito
fundamental- o direito fundamental ao divórcio- o juiz deve declará-lo,
independentemente, da aplicação da lei da Armênia, da Espanha, ou do Congo.
Isso demonstra que tais questôes passam a ser vistas a partir da defesa dos
direitos fundamentais.
Todos os tribunais de países europeus, incluindo o próprio Tribunal de
justiça Europeu, devem reconhecer o art. 6 da Convenção Européia dos Direitos
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Humanos, que garante o acesso à justiça. Dessa forma, sentenças que
tangenciem assuntos como competênci a, jurisdição, direito aplicável,
reconhecim ento de sentença devem ser analisadas a partir da perspectiva da
hipótese de violação a direito fundamenta l. Certamente, essa constitui análise
muito mais importante do que a comum ente utilizada em relação aos Direitos
Humanos no DIPr como direito substantivo. Essa feição processual dos Direitos
Humanos tem tido um desenvolvim ento muito maior e mais interessante, pois
ele também está levando à análise do respeito às diferenças. Sem dúvida, um
novo campo para o desenvolvim ento desse direito na Europa e nos Estados
Unidos são as uniões de pessoas do mesmo sexo. Há poucos anos, era difícil
discutir ou pensar o tema do divórcio. Poucos anos depois, já se discute os
efeitos das uniões de pessoas do mesmo sexo, já havendo lei e jurisprudênc ia
que as amparam. Na atualidade, num mundo onde é muito fácil mudar de
país, conhecer pessoas de outras culturas e países, esse passa a ser tema centra!
do DIPr pessoal.
Nos Estados Unidos, há outro problema muito importante, que também
deve ser analisado a partir dos Direitos Humanos. Ocorre que o juiz competente
para julgar determinado caso decide não conhece-lo, porque envolve outra
jurisdição mais apropriada. É a instituição denominad a de forum non
conviniens. Embora pareça muito lógica essa noção do juiz mais conectado
ao caso, mesmo funcionando muito bem nos Estados Unidos para os casos
interestaduais, nem sempre é a melhor solução. Uma companhia petroleira,
durante muitos anos, poluiu um grande lago no Equador. Em conseqüênc ia,
muitos habitantes de uma aldeia indígena atingida morreram de câncer, muitos
outros estão doentes. Alguns advogados convencera m as pessoas dessa aldeia
a entrar com uma ação nos Estados Unidos contra a companhia petroleira.
Segundo a jurisprudên cia da Corte Suprema Norte-Amer icana, o juiz
competente é o do domicílio da sede da empresa. Contudo, os advogados da
empresa petroleira tentaram convencer o juiz americano que! neste caso, o
melhor juiz seria o equatoriano, pois conhece melhor a situação do caso e das
partes envolvidas e está mais perto para pegar as provas, isto é, apresenta-se
como o juiz mais conveniente . Infelizmente , o grande problema é que o
Judiciário da maioria dos Estados da América Latina não conta com os meios,
nem as condições para solucionar casos dessa envergadura . Além disso, o
valor da vida cotidiana nos países /atino-americanos é em geral! muito menor
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do que nos Estados Unidos, o que se reflete nas indenizaçõe s dos Tribunais.
Refere-se, ainda, que a justiça norte-ameri cana busca penalizar aqueles que
provocam grandes danos sociais! assim como, que as demandas se iniciam e
atingem seu fim em um período razoável. Na América-Latina! em muitos casos,
os processos podem se prolongar para além da vida das vítimas. Na maioria
das vezes, o sucesso do forum non conviniens deve-se ao fato de que os
advogados norte-americanos estão mais familiarizados ao sistema do seu país
do que os advogados dos reclamantes . Constata-se, então, que essas pessoas
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encontram-se em muita dificuldade para obter uma indenização razoável.
Portanto, os países latino-americanos deveriam pensar em propor soluções
não só para os casos nacionais, mas também em nível internacional, por
exemplo, através de uma regulamentação interamericana feita na OEA.
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