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AS NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO

INTERNACIONAL PRIVADO'

(Diego P. Fernández Arroyo)

Introdução; I.A Internacionalização do Direito Internacional Privado;


II.A Cultura Pós-moderna; III. Direitos Humanos; IV. Privatização do
Direito; Conclusões- relações Brasil e Argentina

Introdução
O Direito Internacional Privado (DIPr) apresenta quatro grandes tendências
na atualidade. A primeira delas está na sua internacionalização. Embora num
primeiro momento possa parecer tautologia, é notável que o DIPr torna-se cada
vez mais internacionaL Há pouco tempo, em realidade, havia muitos Direitos
Internacionais Privados, como o DIPr brasileiro, com fontes exclusivamente
nacionais. E, no Brasil, em particular, havia uma área menor de estudo, de
pesquisa jurídica. O DIPr apresentava-se como matéria não obrigatória nas
Universidades. Vê-se uma diferença significativa dessa realidade nos últimos 5
ou 1O anos. Há cursos de especialização em Direito Internacional em geral, de
DIPr em particular. Em todas as Universidades brasileiras importantes, vê-se
publicações que já não entram em nenhuma biblioteca, com uma quantidade
enorme de livros, com crescente importância dada às fontes internacionais.
A segunda tendência está na influência da cultura pós-moderna e futurista
no DIPr, Embora mais filosófica que a tendência anterior, apresenta igualmente
grande importância na realidade dos sistemas jurídicos da atualidade.
A terceira tendência encontra-se na influência dos Direitos Humanos, que sempre
se apresentaram como elementos de Direito Público, muito ligados ao Direito
Constitucional e, portanto, mais relacionados ao Direito Internacional Público. Contudo,
nos últimos anos, os Direitos Humanos têm influenciado enormemente o D!Pr.
Finalmente, a quarta tendência, que talvez também possa se constituir
uma tautologia, é a privatização do DIPr, que cada vez mais, apresenta-se nas
mãos dos atares privados da sociedade. A seguir, analisarei essas quatro

Palestra apresentada na Aula Magna de abe1iura da Quarta Edição do Curso de Especialização "0 Novo
Direito lnternacionai", março de 2004, Faculdad•~ de Direito/UFRGS. O autor agradece a colaboração dos
müstrandos Marília Zanchet e Ricardo Medeiros de Castro.

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tendências, finalizando, nas conclusões, com seus reflexos nas relações entre os
países do MERCOSUL, especialmente o Brasil e a Argentina.

I. A Internacionalização do Direito Internacional Privado


Há pouco tempo, no Brasil, havia poucas normas de DIPr. Havia a Lei de
Introdução ao Código Civil, algumas regras processuais e, sobretudo, o Regulamento
do Supremo Tribunal Federal. Nos últimos 1O anos, o Brasil incorporou ao seu
ordenamento jurídico, uma quantidade importante- principalmente pela qualidade
das leis- de Convenções de DIPr. Em que pese as regras internacionais não sejam
um tema solucionado e pacífico na jurisprudência, nem na doutrina brasileira, os
juízes- em particular os membros do Superior Tribunal de justiça e do Supremo
Tribunal Federal- têm se deparado com um número crescente de causas envolvendo
situações internacionais. Diante disso, precisam aplicar não essas poucas regras do
ordenamento nacional brasileiro, mas regras que estão em vigor no Brasil, que podem
ser regras que tenham origem na Organização dos Estado Americanos, no Mercosul,
na Conferência de Haia, na UNCITRAL, ou ainda no UNIDROIT.
Embora não se saiba exatamente qual a posição dessas regras no
ordenamento jurídico do Brasil, todas estão vigendo. Na Argentina, o componente
internacional já é há tempos mais importante que o nacional no sistema do
DIPr. Uma prova disso está na Reforma Constitucional de 1994, em que a
Argentina colocou o Direito Internacional claramente numa regra positiva, com
hierarquia superior às regras do Direito NacionaL Neste país, a jurisprudência
da Corte Suprema é unânime, no sentido de que o Direito Internacional de fonte
internacional, ou seja, o Direito Internacional verdadeiramente internacional,
tenha aplicação prioritária ás regras de cunho eminentemente nacional.
Altera-se, portanto a perspectiva, já que tais normas são aceitas pelos
Estados, mas não são por eles elaboradas. Por exemplo, a UNCITRAL é um
órgão pertencente às Nações Unidas, no qual participam cerca de 60 países, de
forma alternada. Desses 60 Estados, há vários latino-americanos. No momento,
estão presentes o Brasil, a Colômbia, o Paraguai, o Uruguai e o México. Em
reunião ocorrida em Nova Iorque, no mês de março, discutiu-se uma questão
muito importante para os países em desenvolvimento, exatamente por serem
países que necessitam de crédito: a elaboração de é uma guia legislativa sobre
garantias, isto é, bens que podem ser oferecidos em garantia por dívidas. De
todos os países mencionados, que no momento fazem parte da UNCITRAL,
apenas a Colômbia enviou representante na discussão. Nenhum dos outros
mandou qualquer representação. A Argentina, que estava na condição de
observadora, enviou 2 representantes, porém que nada podiam fazer.
Ocorre que tais regras são aprovadas nos organismos internacionais e
depois se transformam em regras positivas nos Estados, sem que eles tenham
participado da sua elaboração. Então, é difícil que essas regras contemplem os

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interesses dos diferentes Estados, sem que haja representantes defendendo a
respectiva posição. No âmbito internacional, estão-se elaborando regras
praticamente sobre todos os assuntos. De fato, tem sido muito mais importante
o que se está mais elaborando em nível internacional do que nacional, como
na Conferência de Haia, da UNCITRAL, na UNIDROIT. Alguns países, como a
Venezuela, elaboraram uma boa lei de DIPr. Contudo, constitui exceção.
Portanto, deve haver consciência por parte dos países latino-americanos da
importância na elaboração das regras no âmbito internacional/ já tais regras
farão parte do ordenamento jurídico nos diferentes sistemas jurídicos. Além
disso, mesmo que esses países não ratifiquem as Convenções, elas se
transformam em modelos, que expressam uma tendência e acabam sendo
copiadas pelos legisladores dos Estados, acabando, enfim, a fazer parte dos
ordenamentos nacionais. Muitos Estados, dentre eles os latino-americanos,
necessitam de boas estruturas nacionais, mas não valorizam as convenções
que já foram internalizadas.
Refere-se, também, o Direito Transnacional, que não depende nem de
países, nem de organismos internacionais. Situa-se num território quase virtual,
criado pela prática internacional, sobretudo pelo comércio internacional, que
muitas vezes possui fontes reconhecidas, como a Câmara de Comércio
Internacional de Paris; outras vezes, entretanto, não possui nenhuma. Existe
na forma de regras que se aplicam no caso de transações comerciais
internacionais às quais os comerciantes e empresários necessitam observar.
Porém tais regras não se encontram nos Códigos, como o Brasileiro, ou o
Venezuelano. Ainda há países que não apresentam posição definitiva quanto
à aplicação da autonomia da vontade no comércio internacional, como o Brasil,
e outros que realmente proíbam, como no caso do Uruguai. Dessa forma, não se
permite a escolha do juiz e da lei aplicável, ou o recurso à arbitragem
internacional. No Uruguai, quando os exportadores querem comerciar seus
produtos com a Europa, têm de assinar contratos que reconheçam a jurisdição
inglesa e a lei aplicável de Nova Iorque, por exemplo. Há duas possibilidades:
ou vender os produtos e adotar tais imposições, ou não vender. E, é claro,
geralmente preferem vender. Há, portanto, discursos divorciados: o discurso
dos realistas e o discurso daqueles que acreditam, ou que fazem seus alunos
acreditarem, estar defendendo a soberania do país e algumas regras que, em
realidade, não trazem qualquer proveito para os empresários, ou exportadores.
Esse chamado Direito Transnacional é, dessa forma, realidade.
Outro exemplo encontra-se na arbitragem. Tradicionalmente, na América
Latina, a arbitragem era vista como algo suspeito, sobretudo pelo judiciário,
que a considerava um competidor desleal. Imaginava-se que a arbitragem não
apresentava estrutura segura, mas que, mesmo assim decidia casos de milhões
de dólares. Isso está mudando agora. Hoje, a arbitragem passa a ser reconhecida
em todos os países do mundo, mesmo naqueles em que não há uma rendição ao

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capitalismo, a exemplo de Cuba. Todos os contratos internacionais assinados
por empresas cubanas apresentam cláusula de arbitragem. Além disso, todas
as sentenças arbitrais dos tribunais de Nova Iorque e Paris, entre outros, são
executadas sem nenhum problema em Cuba. Certamente, não há país que
mais argumente politicamente a respeito da soberania do que Cuba. Na prática,
contudo, as decisões de comércio internacional não são tomadas em muitos
casos pelas autoridades judiciárias do país, porém são feitas por advogados e
professores que trabalham em órgãos arbitrais.
O último elemento desta primeira tendência encontra-se na influência
do princípio da eficiência no DIPr. O princípio da eficiência é muito lógico,
desde uma perspectiva económica: as normas jurídicas devem ser feitas para
facilitar o funcionamento do mercado e não para obstaculiza-lo. Contudo a
noção de eficiência enquanto valor jurídico supremo apresenta-se não só
perigosa como igualmente rara em inúmeras matérias. Ele pode ter boa
aplicação em áreas patrimoniais, tais como contratos e responsabilidade civil,
áreas que habitualmente são tratadas pela Análise Económica do Direito. Embora
alguns autores norte-americanos sustentam ser o princípio da eficiência basilar
no DIPr, muitas são suas limitações. Temas como adoção de menores, ou
direito internacional de família em geral, direito do consumidor e direitos dos
trabalhadores não são passíveis de ser submetidos - ao menos não
exclusivamente- a noções economicistas.

11. A Cultura Pós-moderna


A primeira influência da cultura pós-moderna, ou, como alguns
afirmam, pós-pós-moderna, está na flexibilidade. Em geral, a pós-
modernidade jurídica significa a ausência do absoluto. Assim, a idéia
de Código, de tratados internacionais que abranjam todas as situações
possíveis já não se persegue. Hoje se trabalham temas concretos, aquilo
que se mostra importante em certo momento. Vai-se, então, construindo
um colar de regras internacionais, dependendo das necessidades, o que
é extremamente positivo. Entretanto pode ocorrer de países adotarem
essas regras sem refletirem nas conseqüências, com a possibilidade de
que sejam incompatíveis, inclusive, com a própria Constituição. A
Convenção Internacional apresenta-se um modelo de unificação rígido.
Os Estados podem ou não ratificar. E, quando o fazem, podem estabelecer
alguma reserva, em virtude da necessidade de adaptá-la à Ordem Pública
do país. Na atualidade, as organizações internacionais apresentam formas
muito distintas de legislar: algumas vezes realizam convenções, outras
utilizam métodos de soft law e elaboram /eis-modelo, ou guias
legislativas. Recentemente, a UNCITRAL elaborou uma guia legislativa
sobre insolvência e está finalizando outra sobre garantias mobiliárias.

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Essas guias assemelham-se a livros pedagógicos, com recomendações
para serem levadas em conta ao reformar a ordem interna sobre
determinado tema. Não raras vezes, tais produtos legislativos dos
organismos internacionais apresentam metodologia mista. A Convenção
das Nações Unidas, por exemplo, de 2001, sobre cessão de créditos,
apresenta uma parte na forma de convenção, na qual o último capítulo
é optativo. Assim, o país deve ratificar a Convenção, mas não
necessariamente o Capítulo V, que rege regras sobre conflitos de leis.
Apresenta, também, um anexo, que constitui uma lei-modelo. Portanto,
é um produto híbrido que se oferece aos Estados para que adotem o
modelo que melhor se adeqüe ao seu ordenamento. Embora esses
produtos legislativos sejam de grande qualidade técnica, ao mesmo
tempo, podem oferecer muita dificuldade aos legisladores nacionais,
pois exigem conhecimentos específicos.
O segundo dado da influência pós-moderna é, também, a pluralidade.
Nenhuma técnica é absoluta. Pode-se mesclar várias técnicas legislativas e
várias matérias jurídicas na mesma convenção, como a Convenção sobre
Proteção de Menores da Conferência de Haia, já que há regras sobre
jurisdição, direito aplicável, cooperação, reconhecimento de sentenças,
constituindo atitude absolutamente nova no contexto da legislação
internacional.
Por fim, o terceiro elemento da influência pós-moderna é o chamado
Diálogo das Fontes, de que tem tratado Erikjayme e, aqui no Brasil, Cláudia
Lima Marques. Tem-se apresentado muito difícil não só para os legisladores
dos Estados, mas sobretudo aos juízes saber como devem aplicar as regras.
Mesmo em países onde claramente está estabelecida hierarquia entre regras
internacionais e nacionais, o aplicador da lei deve mover-se: ir e voltar
entre regras nacionais e internacionais. Embora a hierarquia constitua um
princípio para compreender o sistema, nos casos práticos, quando se devem
aplicar convenções, o juiz se vê obrigado a aplicar também regras nacionais.
Essa circunstância exige cada vez mais especialização por parte dos
aplicadores do direito. Os problemas envolvendo o Direito Internacional
apresentam-se em fase de transformação, em função da maior integração
entre os pai ses, o crescente número de viagens e negócios internacionais.
Além disso, há um crescente número de estrangeiros nos países, que
compram, casam, têm filhos, etc. Tais problemas podem trazer menor ou
maior importância econômica, mas muitas carecem, ainda 1 de respostas
nos ordenamentos nacionais. Em suma, em virtude da pluralidade de fontes,
torna-se cada vez mais dificíl solucionar os casos internacionais que se
apresentam sem uma adequada especialização.

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III. Direitos Humanos
Costumava-se mencionar os Direitos Humanos no Direito Internacional
com relação ao DIPr Substantivo. Quando se referia os Direitos Humanos, era
para relaciona-los à Ordem Pública. Por exemplo, não se reconhece a poligamia,
que é válida nos países muçulmanos, pois essa é atentatória ao princípio da
monogamia e ao princípio da isonomia entre homens e mulheres. Essa realidade
constitui tema de milhares de casos em países europeus, em virtude da imigração
de pessoas oriundas de pai ses onde o direito apresenta raiz religiosa no Alcorão.
Porém, na atualidade, um tema de destaque na jurisprudência européia
encontra-se na influência dos Direitos Humanos nos aspectos processuais do
DIPr, sobretudo no que pertine ao princípio do acesso à justiça. Essa regra
existe em todas as Convenções de Direitos Humanos, na Convenção Européia,
na Convenção Universal, na Convenção lnteramericana, no Projeto de
Constituição Européia, apresentando crescente importância em muitos casos
de aplicação do DIPr. Tanto a Corte Européia, como as Cortes Constitucionais
de diferentes países europeus têm tido a necessidade de se pronunciar sobre o
problema.
Há três anos, na Espanha, uma mulher armênia, que morava no País
Basco, no Norte da Espanha, queria divorciar-se de seu marido, também
armênio. A lei espanhola considerava aplicável ao divórcio a lei da
nacionalidade comum dos cônjuges. Aplicava-se, então, a lei da Armênia.
Ocorre que a mulher queria divorciar-se o quanto antes e ofereceu provas do
Direito Armênio, que se encontrava em fase de transição, já que o país foi
parte da ex-União Soviética. Dessa forma, não havia uma lei armênia
propriamente dita, apenas o Código Civil da ex-União Soviética, constituindo
um grande problema comprovar essa realidade ao juiz de Bilbao, na Espanha.
De qualquerforma, a mulher apresentou cópia do Código da ex-União Soviética
com o carimbo do Consulado. Ao decidir, porém, o juiz afirmou não estar
convencido da prova do Direito Armênio apresentado pela mulher e decidiu
negar o divórcio. Deixou, portanto, de analisar o mérito, não aplicando a lei
espanhola, refutando a demanda. Em grau de apelação, confirmou-se a sentença.
A mulher insistiu, indo ao Tribunal Constitucional Espanhol, através de uma
Ação de Amparo, alegando violação a direitos fundamentais. Ao decidir, a
Corte Constitucional Espanhola entendeu que negar o divórcio por problema
de prova do direito estrangeiro constitui violação a direito fundamental, que
se encontra acima do requisito de prova. Enfim, para defender esse direito
fundamental- o direito fundamental ao divórcio- o juiz deve declará-lo,
independentemente, da aplicação da lei da Armênia, da Espanha, ou do Congo.
Isso demonstra que tais questôes passam a ser vistas a partir da defesa dos
direitos fundamentais.
Todos os tribunais de países europeus, incluindo o próprio Tribunal de
justiça Europeu, devem reconhecer o art. 6 da Convenção Européia dos Direitos

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Humanos, que garante o acesso à justiça. Dessa forma, sentenças que
tangenciem assuntos como competênci a, jurisdição, direito aplicável,
reconhecim ento de sentença devem ser analisadas a partir da perspectiva da
hipótese de violação a direito fundamenta l. Certamente, essa constitui análise
muito mais importante do que a comum ente utilizada em relação aos Direitos
Humanos no DIPr como direito substantivo. Essa feição processual dos Direitos
Humanos tem tido um desenvolvim ento muito maior e mais interessante, pois
ele também está levando à análise do respeito às diferenças. Sem dúvida, um
novo campo para o desenvolvim ento desse direito na Europa e nos Estados
Unidos são as uniões de pessoas do mesmo sexo. Há poucos anos, era difícil
discutir ou pensar o tema do divórcio. Poucos anos depois, já se discute os
efeitos das uniões de pessoas do mesmo sexo, já havendo lei e jurisprudênc ia
que as amparam. Na atualidade, num mundo onde é muito fácil mudar de
país, conhecer pessoas de outras culturas e países, esse passa a ser tema centra!
do DIPr pessoal.
Nos Estados Unidos, há outro problema muito importante, que também
deve ser analisado a partir dos Direitos Humanos. Ocorre que o juiz competente
para julgar determinado caso decide não conhece-lo, porque envolve outra
jurisdição mais apropriada. É a instituição denominad a de forum non
conviniens. Embora pareça muito lógica essa noção do juiz mais conectado
ao caso, mesmo funcionando muito bem nos Estados Unidos para os casos
interestaduais, nem sempre é a melhor solução. Uma companhia petroleira,
durante muitos anos, poluiu um grande lago no Equador. Em conseqüênc ia,
muitos habitantes de uma aldeia indígena atingida morreram de câncer, muitos
outros estão doentes. Alguns advogados convencera m as pessoas dessa aldeia
a entrar com uma ação nos Estados Unidos contra a companhia petroleira.
Segundo a jurisprudên cia da Corte Suprema Norte-Amer icana, o juiz
competente é o do domicílio da sede da empresa. Contudo, os advogados da
empresa petroleira tentaram convencer o juiz americano que! neste caso, o
melhor juiz seria o equatoriano, pois conhece melhor a situação do caso e das
partes envolvidas e está mais perto para pegar as provas, isto é, apresenta-se
como o juiz mais conveniente . Infelizmente , o grande problema é que o
Judiciário da maioria dos Estados da América Latina não conta com os meios,
nem as condições para solucionar casos dessa envergadura . Além disso, o
valor da vida cotidiana nos países /atino-americanos é em geral! muito menor
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do que nos Estados Unidos, o que se reflete nas indenizaçõe s dos Tribunais.
Refere-se, ainda, que a justiça norte-ameri cana busca penalizar aqueles que
provocam grandes danos sociais! assim como, que as demandas se iniciam e
atingem seu fim em um período razoável. Na América-Latina! em muitos casos,
os processos podem se prolongar para além da vida das vítimas. Na maioria
das vezes, o sucesso do forum non conviniens deve-se ao fato de que os
advogados norte-americanos estão mais familiarizados ao sistema do seu país
do que os advogados dos reclamantes . Constata-se, então, que essas pessoas
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encontram-se em muita dificuldade para obter uma indenização razoável.
Portanto, os países latino-americanos deveriam pensar em propor soluções
não só para os casos nacionais, mas também em nível internacional, por
exemplo, através de uma regulamentação interamericana feita na OEA.

IV. Privatização do Direito


Cada vez mais está presente a noção da autonorn ia da vontade corno
princípio do DIPr: não apenas uma tendência, uma possibilidade ou urna opção,
mas um verdadeiro princípio. Constata-se isso nas Convenções Internacionais
e nas regras nacionais dos últimos anos, tanto no âmbito comercial, como no
âmbito familiar, constituindo uma mudança profunda, cujo significado nem
todos estão bem conscientes. Assim, as partes podem, em muitas relações
jurídicas, escolher, com certas limitações, o direito aplicável e o juiz ou árbitro
competente, bem como o conteúdo material dessas relações jurídicas. Nos
liltimos anos, se vê que essa autonomia tem significado, também, autonomia
para elaborar regras de alcance geral. A UNIDROIT, por exemplo, elaborou
convenção relativa a garantias sobre bens móveis de grande valor, tais como
aeronaves, materiais ferroviários e objetos espaciais. Nesta organização, assim
como nas demais, são os representantes dos países que elaboram as soluções.
Quando se vai ao fórum, contudo, e se busca a origem de tais soluções, se
encontra, por exemplo, um memorando preparado pelas grandes companhias
fabricantes de aeronaves, em que se defendem os princípios e as soluções que
uma regulamentação de garantias nesse setor deve conter. Tais princípios e
soluções estão, em sua maioria, presentes na Convenção aprovada na Cidade
do Cabo, em dezembro de 2001. Da mesma forma, quando se analisa a Lei-
Modelo lnteramericana sobre Garantias Mobiliárias, se pode questionar por
que os representantes dos países americanos consideram importante
regulamentar tal tema, sem dúvida, um tema que precisa de modernização na
América Latina. Verifica-se, na realidade, que os grandes bancos norte-
americanos eram os mais interessados nessa lei. Assim, financiariam um centro
acadêmico em Tucson, Arizona, Estados Unidos, chamado Centro Nacional
de Direito para o Livre Comércio lnteramericano. Nesse Instituto, se fez um
anteprojeto, o qual, após determinadas modificações, originou a Lei-Modelo
lnteramericana aprovada em 2002. Ademais, o diretor desse instituto foi o
delegado norte-americano nas discussões da OEA. Sem dúvida, a inter-relação
entre interesses públicos e privados é sinal dos tempos. Entretanto, ocorre que
os Organismos lnteramericanos, sobretudo a OEA, apresentam, na realidade,
um processo de terceirização. Os institutos privados recebem financiamentos
de grandes companhias e fazem os projetas, que são posteriormente aceitos
pelos representantes dos Estados. Infelizmente, muitos estados não podem
sequer enviar um representante, por falta de verba, ou, ainda, por inexistir
quem conheça da matéria.
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Conclusões- relações Brasil e Argentina
Diante dessas tendências apresentadas, deve-se reforçar, por fim, as boas
relações entre países latino-americanos, como o Brasil e a Argentina, o que
traria grande impacto positivo para o DlPr desses países. Seria muito bom e
nada difícil que ambos os países adotassem posições comuns não só em relação
a temas já elaborados, através de leis-modelo, convenções, etc, mas também
para os futuros trabalhos nos organismos internacionais. Se já se está fazendo
isso, por exemplo, no Conselho de Segurança da ONU, muito mais fácil seria
fazê-lo em organismos técnicos, como a UNCITRAL ou o UNIDROIT. No
momento, o Brasil é membro do Conselho de Segurança e a Argentina, não;
sempre, há, porém um diplomata argentino na representação brasileira.
Também se está verificando um plano piloto de colaboração consular, através
do qual há funcionários argentinos no Consulado Brasileiro, em Boston, e
funcionários brasileiros no Consulado Argentino, em Hamburgo. Portanto, os
países poderiam apresentar ternas comuns para que ganhem força. Além disso,
deve-se cogitar a representação unificada. De fato, é bastante difícil enviar
representantes para todas as reuniões da UNCITRAL, principalmente
especialistas. Então, se tornaria menos dispendioso, se o Brasil e a Argentina,
ou todos os países do Mercosul, tivessem ao menos um representante que
conhecesse a matéria. Verifica-se que os países acabam enviando como
representante alguém que esteja trabalhando em embaixada próxima, que,
porém, muitas vezes não conhece o tema. Dessa forma, torna-se muito pouco
o que se pode sugerir e limitadas as discussões de que se pode participar.
Há, ainda, outro tema relevante. Os ministérios, em especial, os de
Relações Exteriores e de Justiça, necessitam possuir relação com especialistas,
para que possam elaborar idéias, regras e propostas para apresentar no âmbito
internacional. Se é possível que multinacionais apresentem propostas de
Convenções, então por que institutos universitários também não podem faze-
lo, aproveitando dessa privatização um tanto paradoxal?

Enfim, deve-se apresentar urna política de temas a ser debatidos nestes


fóruns internacionais, que interessem aos nossos países, nossas sociedades,
nossas empresas, nossos consumidores, sempre buscando a possibilidade de
trabalhar os Direitos Humanos como base de todas as regras. Não o respeito
aos Direitos Humanos enquanto idéia vaga, geral, de discursos políticos, mas
no sentido dos Direitos Humanos de terceira e quarta gerações, de proteção
dos consumidores, das partes mais fracas, aproveitando a privatização, que
nos âmbitos universitários pode dispor da comunicação. Mesmo aqueles que
não gostam de Direito Internacional podem se comunicar para estabelecer
interesses, problemas das suas diversas comunidades. Corno diz o profeta jirn
Morrinson, o futuro deve ser melhor que o presente, e todos temos
responsabilidade para que isso ocorra.

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