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DISTÚRBIOS DO

TRATO DIGESTÓRIO

A subnutrição pode instalar-se a partir de limitações


na alimentação (disfagia, tumores e estenoses) e da
sintomatologia (anorexia, náuseas, vômitos, diarreia) que
podem alterar a ingestão e absorção dos nutrientes. A 1 BOCA
intervenção nutricional, por sua vez, pode incluir restrições
dietéticas especificas (de consistência, de vias de 1.1 Nutrientes e Formação Dentária
administração, de nutrientes), que, se não forem bem
monitoradas, resultam em uma oferta inadequada.
A hipoplasia de esmalte é uma condição que afeta
os dentes, caracterizada pela formação inadequada ou
incompleta do esmalte dental durante o desenvolvimento. O
esmalte é a camada mais externa dos dentes, responsável
por proteger a dentina subjacente e proporcionar resistência
à mastigação e à cárie.

Pode ser causada por fatores hereditários ou fatores


ambientais como a deficiência de vitaminas (A, C e D),
hipocalcemia, sarampo e sífilis.

1.2 Nutrientes e Doença Periodontal (DP)

Presença de inflamação gengival nos sítios em que


houve migração do epitélio gengival em direção ao ápice
dental. Os estágios da doença periodontal incluem
gengivites e periodontites.

Existem associações entre gestação x doença


periodontal; amamentação x função oral; idosos x função
mastigatória.

1.3 Efeitos dos Nutrientes sobre os Tecidos Bucais

Vitamina C: vital importância para a manutenção da saúde


bucal.
Vitamina A: importante na síntese de células epiteliais e
mucosas.
Vitamina D: manutenção dos tecidos calcificados.
Vitamina B: sua carência está associada a glossite
(inflamação da língua), glossodinia (língua dolorosa),
gengivite, mucosite generalizada.

2 TN PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS


DOENÇAS BUCAIS
2.1 Cárie Dentária

Objetivos Nutricionais:
1. Alterações nos hábitos alimentares;
2. Reduzir acidez bucal;
3. Privar substratos bactérias
4. Manter pH neutro. 9. Produtos temperados com ervas naturais (cheiro
verde, cominho, orégano).
Recomendações Nutricionais: 2.4 Queilose
1. Consistência da dieta: normal;
2. VET de acordo com o estado nutricional; Objetivos Nutricionais:
3. Dieta normoglicídica (menos sacarose, reduzir
amidos cozidos); normolipídica; normo a 1. Reduzir ardência e irritação;
hiperproteica (0,8 a 1,2 g/kg/dia); 2. Auxiliar na cicatrização.
4. Aumentar a ingestão de líquidos e fibras (celulose);
5. Aumentar fracionamento e diminuir volume. Recomendações Nutricionais:
6. Evitar extremos de temperatura;
7. Ingestão de alimentos “detergentes”, alimentos que 1. Consistência da dieta: branda;
ajudam a limpar os dentes enquanto são 2. Dieta normoglicídica (menos sacarose),
consumidos: frutas, vegetais crus, queijo, normolipídica, hiperproteica (1,2 g/kg/dia);
amendoim. 3. Vitaminas, principalmente as do complexo B;
4. Aumentar fracionamento e diminuir volume;
5. Evitar condimentos picantes, ácidos e salgados;
2.2 Gengivite 6. Temperatura dos alimentos: morna a fria.
7. Evitar frutas e vegetais ácidos.
Objetivos Nutricionais:
1. Reduzir a inflamação; 2.5 Edêntulos
2. Promover recuperação tecidual;
3. Correção de hábitos alimentares.
Objetivos Nutricionais:
Recomendações Nutricionais: 1. Consistência adequada da alimentação.
1. Consistência da dieta de acordo com a tolerância do
paciente, podendo ser branda ou pastosa; Recomendações Nutricionais:
2. VET de acordo com o estado nutricional;
3. Dieta normoglicídica (menos sacarose), 1. Consistência da dieta de acordo com a tolerância do
normolipídica, hiperproteica (1,2 - 1,4 g/kg/dia); paciente, podendo ser branda ou pastosa;
4. Vitaminas, principalmente as do complexo B; 2. VET de acordo com o estado nutricional;
5. Aumentar o fracionamento e reduzir volume; 3. Dieta normoglicídica, normolipídica,
6. Evitar condimentos picantes, ácidos e salgados; normoproteica;
7. Temperatura dos alimentos: ambiente e fria. 4. Fibras modificadas pela cocção;
8. Produtos temperados com ervas naturais (cheiro 5. Aumentar o fracionamento e reduzir volume.
verde, cominho, orégano).

2.6 Fratura Mandibular


2.3 Glossite
Objetivos Nutricionais:
Objetivos Nutricionais:
1. Nutrição adequada para a cura;
1. Nutrição adequada; 2. Redução da movimentação mandibular;
2. Minimizar a disgeusia (percepção anormal de 3. Reduzir febre, náuseas e vômitos;
sabor). 4. Prevenir perda de peso;
5. Manter passagem de ar.
Recomendações Nutricionais:
Recomendações Nutricionais:
1. Consistência da dieta de acordo com a tolerância do
paciente, podendo ser branda ou pastosa; 1. Consistência da dieta: líquida completa a
2. VET de acordo com o estado nutricional; liquidificada;
3. Dieta normoglicídica (menos sacarose), 2. VET de acordo com o estado nutricional;
normolipídica, hiperproteica (1,2 – 1,4 g/kg/dia); 3. Dieta normoglicídica (menos sacarose);
4. Vitaminas, principalmente as do complexo B; normolipídica; normoproteica a hiperproteica (1,0 a
5. Redução de fibras; 1,2 g/kg/dia);
6. Aumentar fracionamento e diminuir volume; 4. Vitaminas: complexo B, C e A;
7. Evitar condimentos picantes, ácidos e salgados; 5. Fibras liquidificadas;
8. Temperatura da dieta: ambiente e fria. 6. Aumentar o fracionamento e reduzir o volume;
7. Temperatura da dieta: morna a fria.
8. Concentração da densidade calórica e proteica.
O esôfago normal possui um sistema de defesa
multiníveis que previne lesões teciduais decorrentes da
2.7 Mucosites e Estomatites exposição ao conteúdo gástrico, como contração do
esfíncter inferior do esôfago, motilidade gástrica normal,
Objetivos Nutricionais: muco esofágico, junções celulares coesas e reguladores do
pH celular. Os distúrbios musculoesqueléticos e os
1. Redução do desconforto bucal; distúrbios de motilidade podem resultar em disfagia. Por
2. Aumentar a ingestão da dieta; exemplo, a acalasia caracteriza-se por uma insuficiência dos
3. Prevenir desnutrição. neurônios esofágicos, resultando na perda da capacidade de
relaxar o esfíncter inferior do esôfago e ter uma peristalse
normal.
Recomendações Nutricionais:
1. Consistência da dieta de acordo com a tolerância do
3.1 Disfagia
paciente (líquidos, liquidificados e pastosos);
2. VET de acordo com o estado nutricional;
3. Dieta normoglicídica, normolipídica, A deglutição normal apresenta quatro fases: oral,
normoproteica a hiperproteica (1,0 a 1,2 g/kg/dia); preparatória (voluntária), faríngea e esofágica. A disfagia é
4. Fibras modificadas pela cocção; qualquer dificuldade na deglutição, resultante de qualquer
5. Aumentar fracionamento e diminuir volume; interferência na precisão e sincronia dos movimentos de
6. Temperatura da dieta: morna a fria; músculos e estruturas associadas à deglutição, que resultam
7. Diminuir sal e temperos picantes; em inabilidade, seja por debilidade no controle pelo sistema
8. Evitar ácidos e bebidas gasosas; nervoso central (SNC) ou disfunção mecânica. É
9. Aumentar a ingestão de líquidos. classificada em orofaríngea e esofágica.

2.8 Câncer de Boca A disfagia também é comum em geriatria, como


decorrência das alterações fisiológicas que acontecem com
o envelhecimento, como diminuição da secreção salivar,
Objetivos Nutricionais: aumento do tempo de resposta motora que é necessário para
1. Monitorar a disfagia e dificuldade de mastigação; formação do bolo alimentar, prejuízo na peristalse faríngea
2. Prevenir a desnutrição; e na abertura do esfíncter esofágico. Prevalência de 10% em
3. Adaptação da dieta (quimioterapia, radioterapia, pacientes hospitalizados e de 30 a 60% em pacientes com
cirurgia). acompanhamento domiciliar.

Recomendações Nutricionais: Em unidades de terapia intensiva, pacientes


submetidos à intubação orotraqueal por mais de 48 horas
1. Consistência de acordo com a tolerância do tem risco de desenvolver disfagia orofaríngea e apresentam
paciente (líquidos, liquidificados e pastosos); risco potencial de complicações com a introdução da
2. VET de acordo com o estado nutricional; alimentação oral após a extubação.
3. Dieta normoglicídica, normolipídica, hiperproteica
(1,2 a 1,4 g/kg/dia);
4. Fibras modificadas pela cocção; As principais complicações da disfagia são a
5. Aumentar fracionamento e diminuir volume; desidratação e o prejuízo no estado nutricional pela
6. Temperatura da dieta: morna a fria dificuldade de alimentação. No caso de disfagia
7. Reduzir condimentos irritantes; orofaríngea, há o risco de aspiração e desenvolvimento de
8. Evitar ácidos e bebidas gasosas; pneumonia.
9. Aumentar ingestão de líquidos. Obs.: Peristaltismo primário e peristaltismo secundário
(plexo mioentérico).
3 ESÔFAGO
3.1.1 Disfagia Orofaríngea
Sua função mais importante é o transporte de
líquidos da boca para o estômago. O esôfago está alinhado
É decorrente de anormalidades que afetam o
com o epitélio escamoso estratificado não queratinizado e
mecanismo neuromuscular de controle do movimento do
as glândulas submucosas secretam mucina, bicarbonato,
palato, faringe e esfíncter esofágico superior. A dificuldade
fator de crescimento epidérmico e prostaglandina E2, que
está em iniciar o ato de deglutição, podendo ocorrer
protege a mucosa contra o suco gástrico. A parte superior
engasgos, mas é comum a ocorrência de forma silenciosa,
do esôfago está ligada a faringe, e a parte inferior, ao
isto é, sem engasgos que é diagnosticada pelo
estômago no cardia.
fonoaudiólogo.
degustação de um alimento e por isso é medida
A ocorrência pode estar relacionada a problemas no sensorialmente. A viscosidade é a resistência do líquido ao
SNC (acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, fluxo. Pode haver necessidade de espessamento dos
esclerose múltipla, neoplasias) ou a distúrbios líquidos, o que possibilita melhor controle oral sobre o bolo
neuromusculares (miastenia grave, poliomielite bulbar). alimentar e proporciona um tempo maior para que o reflexo
da deglutição seja desencadeado. Ao mesmo tempo,
líquidos ralos podem representar risco de aspiração, ou seja,
De acordo com o consenso de Disfagia, podem-se de seguirem para as vias aéreas, por controle oral reduzido
distinguir três graus de disfagia: conforme o grau da disfagia.
Leve: quando a deglutição é demorada e podem ocorrer
engasgos, sendo recomendados o fracionamento em Para espessar, podem ser utilizadas farinhas à base
menores porções e a observação da deglutição de líquidos; de amido, que podem requerer aquecimento para o aumento
Moderada: há dificuldade em iniciar a deglutição, com da viscosidade (p. ex., amido de milho, creme de arroz etc.),
risco de aspiração laringotraqueal, com presença de tosse, gomas feitas a partir de fibras solúveis (p. ex., goma guar)
engasgos, pigarros e voz molhada. Recomendam-se as ou ágar-ágar, produto à base de algas, utilizado na culinária
manobras facilitadores e posturais e líquidos engrossados japonesa.
por via oral;
Grave: há necessidade de suplementar a via oral em virtude Conforme a necessidade de cada caso, podem
da dificuldade em manter ingestão hídrica e de alimentos, resultar em diferentes viscosidades:
sendo que existe alto risco de aspiração, inclusive de saliva. 1. Néctar: líquido levemente espessado que pode ser
Nesse caso recomenda-se a gastrostomia para via enteral. consumido aos goles como mingau ralo;
2. Mel: líquido espessado que necessita de colher para
A disfagia orofaríngea pode ser tanto funcional consumo, como mingau grosso;
quanto mecânica. 3. Pudim: apresenta aparência de sólido e deve ser
consumido com colher, mas desfaz-se na boca,
como flan.
3.1.1.1 Objetivos da Terapia Nutricional
1. Estabelecer a via de administração nutricional mais A primeira padronização, a “Dieta nacional para
segura; disfagia”, foi estabelecida nos Estados Unidos da América
2. Adaptar a alimentação oral ao grau de disfagia; com o objetivo de descrever as etapas para a progressão da
3. Manter o estado nutricional ou promover a alimentação oral para o tratamento da disfagia orofaríngea.
recuperação nutricional. São propostos três níveis, especificando a consistência dos
alimentos sólidos e semissólidos:

3.1.1.2 Recomendações Nutricionais Nível I: consiste em purês homogêneos, alimentos coesivos


e de baixa adesividade;

Nos casos mais graves, com a finalidade de Nível II: é composto por alimentos úmidos e de textura
prevenir a aspiração, bem como a desidratação e a macia, como vegetais cozidos, frutas macias e maduras e
desnutrição, a via enteral exclusiva pode ser indicada. A cereais mais umedecidos, ou seja, alimentos que requerem
definição da consistência dos alimentos deve estar de grau mínimo de mastigação; são excluídos pães, bolo seco,
acordo com a avaliação realizada, geralmente sendo queijo em cubos, milho e ervilha;
iniciada com preparações cremosas (sopa, creme, mingau Nível III: consiste em alimentos próximos da textura
etc.), e é importante definir se existe risco de aspiração e se normal, com exceção de alimentos muito duros e crocantes;
os líquidos ou finos podem ser ofertados. A princípio é são permitidos pães, arroz, bolos macios, alface, carnes
importante manter a via enteral, pois a aceitação oral pode macias; devem-se evitar frutas e vegetais duros, castanhas e
ser insuficiente. De acordo com a progressão da aceitação e sementes.
da consistência da via oral, a via enteral pode ser reduzida.

Com relação aos líquidos, a recomendação é


Nos casos em que a perspectiva de oferta considerar qual é a viscosidade indicada em cada caso,
nutricional total por via oral seja somente em longo prazo, individualmente. Outra opção é a indicação de
implicando treinamento da via oral, uma alternativa é a complementos nutricionais. Esses complementos estão
gastrostomia, que livrará o paciente do incômodo da sonda disponíveis no mercado na forma líquida, prontos para
nasoenteral. consumo, ou em pó, quando necessitam ser reconstituídos
em água. Podem fornecer de 1 a 2 kcal/mL e diferentes
A oferta por via oral deve ser criteriosa. O grau de concentrações proteicas, chegando a conter até 20 g de
disfagia é que determinará a consistência, isto é, a textura proteínas na porção de 200 mL. São considerados produtos
dos alimentos e a viscosidade dos líquidos. A textura inclui de nutrição enteral para uso por via oral, sendo
todas as sensações percebidas na cavidade oral durante a disponibilizados em diferentes sabores.
3.1.2 Disfagia Esofágica
Se houver inflamação da mucosa esofágica por
atrito com os alimentos não deglutidos, há necessidade de
É decorrente de distúrbios que afetam o esôfago, evitar sucos e frutas ácidas, condimentos e especiarias
resultando em dificuldade na propulsão através do esôfago. picantes e irritantes que podem causar dor, e temperaturas
elevadas.
Durante a deglutição, o esôfago apresenta
contrações cuja função é a propagação do bolo alimentar O tratamento da acalasia costuma ocorrer por meio
em direção ao estômago. O peristaltismo esofágico é um de balões infláveis para dilatação forçada do EEI, que
processo neuromuscular coordenado em parte pelo SNC e permite o alívio da disfagia. No entanto, frequentemente
em parte por mecanismos locais e miogênicos. Esse resulta em refluxo gastroesofágico, uma vez que ocorre
processo pode ser alterado por diversas causas, como destruição do EEI. Em casos mais graves, pode haver
obstruções que invadam a luz do órgão (neoplasias, indicação de cirurgia.
divertículos, etc.), alterações manométricas, espasmos
difusos, distúrbios não específicos de motilidade, ou ainda,
por aquelas secundárias a processos de degeneração crônica
dos tecidos (esclerose e escleroderma).

A acalasia, também chamada de dissinergia


esofágica, é um distúrbio da motilidade do esôfago inferior.
O número diminuído de células ganglionares no prexo de
Auerbach causa diminuição na inervação colinérgica da
musculatura esofágica. Isso leva a uma falência do EEI para
relaxar e abrir durante a deglutição, resultando em disfagia
ou dificuldade de deglutição.
4 REFLUXO GASTROESOFÁGICO –
ESOFAGITE

Nos distúrbios de motilidade, a tendencia é que a


disfagia piore, chegando a permitir apenas a ingestão de 4.1 Etiologia
líquidos. Durante a alimentação, o esôfago passa a acumular
os líquidos ingeridos e com a pressão da gravidade ocorre a
abertura do EEI, com passagem de pequenas porções do O refluxo gastroesofágico (RGE) é considerado um
volume para o estomago. Caso isso não ocorra, o volume processo fisiológico normal que ocorre várias vezes ao dia
acumulado no esôfago é devolvido na forma de em neonatos, crianças e adultos saudáveis. Em geral, o RGE
regurgitação. está associado ao relaxamento transitório do esfíncter
inferior do esôfago, independentemente da deglutição, o
que permite que o conteúdo gástrico entre no esôfago.
Essa dificuldade para alimentação resulta em
prejuízo do estado nutricional, sendo a desnutrição comum
nesses pacientes. A avaliação do estado nutricional deve A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é
levar em conta indicadores antropométricos, bioquímicos e uma forma crônica ou prolongada mais séria de refluxo
a análise do consumo alimentar. A avaliação global gastroesofágico, definida como sintomas ou complicações
subjetiva (AGS), que alia questões sobre peso, ingestão resultantes do refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago
alimentar e exame físico, é um excelente instrumento que ou além, e até mesmo para a cavidade bucal (inclusive a
poderá ser aplicado e auxiliar no diagnóstico nutricional. laringe) ou para os pulmões. A doença do refluxo
gastroesofágico pode ser classificada como a presença de
sintomas sem anomalias ou erosões ao exame endoscópico
3.1.2.1 Objetivos da Terapia Nutricional (doença não erosiva ou DNER, na sigla em inglês), ou
como doença do refluxo gastroesofágico com a presença de
1. Adaptar a dieta ao grau de disfagia; sintomas e de erosões (ERD, na sigla em inglês). Em geral,
2. Promover a recuperação nutricional. a ERD está associada a sintomas mais graves e prolongados
do que a DNER (Katz et al., 2013).
3.1.2.2 Recomendações Nutricionais
Alguns pacientes apresentam sintomas de doença
do refluxo gastroesofágico basicamente à noite (DRGE
A recuperação nutricional deve ser proposta por noturna), os quais têm maior impacto na qualidade de vida
meio de dieta hipercalórica e hiperproteica. A consistência do que os sintomas diurnos. A DRGE noturna está
da dieta por via oral depende do grau de disfagia, sendo significativamente associada a esofagite (inflamação do
geralmente necessária a dieta líquida. Pode ser indicada a esôfago) grave e metaplasia intestinal (esôfago de Barrett),
nutrição enteral, quando existir disfagia inclusive aos podendo provocar distúrbios do sono. Existe uma evidente
líquidos. relação entre a doença do refluxo gastroesofágico e a
obesidade. Diversas metanálises sugerem associação entre o
índice de massa corporal (IMC), o perímetro da cintura, o da pressão intra-abdominal. Observa-se uma pressão
ganho de massa corporal e a presença de sintomas e cronicamente elevada também durante a gestação e em
complicações da DRGE, uma condição frequente durante a pessoas com sobrepeso e obesas.
gestação e que normalmente se manifesta como azia,
podendo começar em qualquer trimestre. A crescente idade
gestacional, a manifestação de azia antes da gestação e a Pessoas com esofagite erosiva e aquelas com a
paridade constituem preditores significativos da ocorrência mucosa normal podem apresentar hipersensibilidade ao
de azia durante a gestação (Katz et al., 2013). ácido. Um fator que contribui para a maior sensibilidade do
esôfago ao ácido é o comprometimento da função de
barreira da mucosa. Sugere-se que o comprometimento do
Dor no peito pode ser um sintoma de DRGE e é esvaziamento do estômago como um todo não é um fator
preciso distinguir dor no peito de origem cardíaca de dor no importante determinante do RGE.
peito não cardíaca antes de considerar a hipótese de DRGE
como causa da dor. Embora os sintomas de disfagia possam
estar associados a DRGE sem complicações, a sua presença Uma boa função peristáltica é um mecanismo de
justifica a investigação de uma possível complicação, como defesa importante contra a DRGE, uma vez que a depuração
distúrbio subjacente de motilidade, estenose ou prolongada do conteúdo ácido está correlacionada à
malignidade. Pacientes com DRGE com complicações gravidade da esofagite e à presença de complicações, como
(sintomas diários ou mais do que semanais) estão sujeitos a o esôfago de Barrett. Uma bolsa de ácido é uma ocorrência
mais tempo de afastamento do trabalho, queda de observada durante o período pós-prandial, quando uma
produtividade e diminuição do funcionamento físico (Katz camada de suco gástrico ácido está pronta para retornar em
et al., 2013). forma de refluxo em decorrência da ausência de contração
peristáltica na porção proximal do estômago (Beaumont et
al., 2010).
4.2 Fisiopatologia
A exposição prolongada ao ácido pode resultar em
A junção esofagogástrica é formada por três esofagite, erosões esofágicas, ulceração, formação de
componentes: o esfíncter esofagiano inferior (EEI), o cicatrizes, estenose e, em alguns casos. A esofagite aguda
diafragma crural e a válvula de charnela anatômica. Essa pode ser causada por refluxo, ingestão de agente corrosivo,
junção esofagogástrica funciona como uma barreira infecção viral ou bacteriana, intubação, radiação ou
antirrefluxo. O esfíncter esofagiano inferior é um segmento infiltração eosinofílica. A esofagite eosinofílica (EEO)
de 3 a 4 cm de músculo liso circular na extremidade distal caracteriza-se por uma infiltração eosinofílica isolada e
do esôfago. A tonicidade de repouso desse músculo pode grave do esôfago manifestada por sintomas semelhantes aos
ser variável entre pessoas saudáveis, situando-se em uma da DRGE que podem ser causados por uma resposta imune.
faixa de 10 a 35 mmHg em relação à pressão intragástrica.
O mecanismo mais comum responsável pelo refluxo é o
A gravidade da esofagite resultante de refluxo
relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago, o
gastroesofágico é influenciada pela composição, pela
qual é desencadeado pela distensão gástrica e permite
frequência e pelo volume do refluxo gástrico, pela saúde da
expelir os gases do estômago. Em média, o relaxamento
barreira mucosa, pelo tempo de exposição do esôfago ao
transitório persiste por cerca de 20 segundos, um tempo
refluxo gástrico e pela taxa de esvaziamento gástrico. Os
significativamente maior do que o relaxamento normal
sintomas da esofagite e da DRGE podem prejudicar a
induzido pela deglutição (Bredenoord et al., 2003).
capacidade de consumo de uma alimentação adequada
interferir no sono, no trabalho, nos eventos sociais e na
qualidade geral de vida.

Para que o refluxo ocorra, a pressão na porção Anomalias no corpo, como hérnia de hiato, também
proximal do estômago deve ser maior do que a pressão podem contribuir para o refluxo gastroesofágico e a
esofágica. Pacientes com distúrbios respiratórios crônicos, esofagite. O esôfago atravessa o diafragma por meio do
como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), hiato ou do anel esofágico. A conexão do esôfago com o
apresentam risco de DRGE devido aos frequentes aumentos anel hiatal pode ser prejudicada, permitindo que uma
porção da parte superior do estômago se desloque acima do crescente nos últimos 40 anos e especulações de que deva
diafragma. O sintoma mais comum da hérnia de hiato é a continuar a crescer nas próximas décadas (Thrift e
azia. Quando ocorre o refluxo ácido na presença de uma Whiteman, 2012). Os fatores de risco de EB incluem
hérnia de hiato, o conteúdo gástrico permanece acima do histórico prolongado de sintomas relacionados com a
hiato por mais tempo do que o normal. A exposição DRGE (mais de 5 anos), meia idade, pessoas brancas do
prolongada ao conteúdo ácido aumenta o risco de sexo masculino, obesidade, tabagismo e histórico familiar
desenvolvimento de uma esofagite mais séria. de EB ou adenocarcinoma esofágico. O estrogênio pode ser
um elemento de proteção responsável pela menor incidência
de EB nas mulheres (Asanuma et al., 2016).

4.3 Tratamento Clínico e Cirúrgico

O tratamento clínico primário do refluxo esofágico


é a supressão da secreção de ácido. A terapia de supressão
de ácido tem por finalidade elevar o pH gástrico acima de 4
durante os períodos de maior probabilidade de ocorrência
de refluxo. Os inibidores da bomba de prótons (IBP), que
diminuem a produção de ácido pelas células parietais
gástricas, têm sido associados a elevadas taxas de cura e
menor incidência de recidiva (Katz et al., 2013). As formas
mais brandas de refluxo são gerenciadas pelos antagonistas
do receptor H2 (um tipo de receptor de histamina nas
células parietais gástricas) e pelos antiácidos, que
tamponam o ácido gástrico no esôfago ou no estômago para
reduzir a azia. Os agentes procinéticos, que aumentam as
contrações propulsivas do estômago, podem ser utilizados
em pessoas com retardo do esvaziamento gástrico.

À medida que a hérnia de hiato aumenta, a


regurgitação pode ser mais proeminente, sobretudo quando
o paciente está deitado ou se curva. A dor epigástrica ocorre
na região média superior do abdome após refeições grandes
e densas em energia. A redução de massa corporal e a
diminuição do tamanho das refeições reduzem as
consequências negativas da hérnia de hiato.

Pacientes com hérnia de hiato do tipo 3 podem


apresentar dor grave no peito, ânsia de vômito, vômitos e
hematêmese (vômito de sangue), uma vez que essas hérnias
podem retorcer-se e causar estrangulamento no tórax, o que
seria considerado uma emergência cirúrgica (Hyun e Bak,
2011). Alguns pacientes podem apresentar anemia por
deficiência de ferro sem sangramento agudo, uma vez que o
diafragma pode sofrer um grau de irritação tão elevado que
o paciente desenvolve uma perda sanguínea crônica. Dos pacientes com DRGE grave, de 5 a 10% não
respondem à terapia medicamentosa. Descrita pela primeira
vez 1956 como tratamento para esofagite de refluxo severa,
O esôfago de Barrett (EB) é uma condição pré- a fundoplicatura de Nissen ainda é a cirurgia antirrefluxo
cancerosa em que o epitélio escamoso normal do esôfago é mais realizada.
substituído por um epitélio colunar anormal conhecido
como metaplasia intestinal especializada (tecido semelhante
ao revestimento do intestino). A causa exata do EB é
desconhecida, mas a DRGE é um fator de risco para a
condição. A verdadeira prevalência do EB é igualmente
desconhecida, mas se estima que afete de 1,6 a 6,8% da
população geral (Gilbert et al., 2011). As pessoas com EB
correm risco maior de contrair um câncer denominado
adenocarcinoma esofágico, com incidência radicalmente
e a hérnia de hiato na medida em que aumenta a pressão
intragástrica, e a redução da massa corporal pode diminuir o
Durante esse procedimento, que pode ser realizado tempo de contato com o conteúdo ácido no esôfago,
com uma técnica aberta ou laparoscópica, o fundo, ou a resultando na redução dos sintomas de refluxo. O frequente
porção superior do estômago, envolve 360 graus a parte conselho para que se eleve a cabeceira da cama de 15 a 20
inferior do esôfago e é suturado no lugar para limitar o cm seria uma medida racional para pacientes que
refluxo. O tratamento cirúrgico é uma alternativa para apresentam episódios de refluxo durante a noite. Curvar-se
pessoas que lograram êxito com o tratamento clínico, com frequência é um movimento a ser evitado. Acredita-se
aquelas que optam pela cirurgia apesar de um tratamento também que o uso de roupas soltas na região da cintura
clínico bem sucedido (p. ex., por questões de qualidade de possa reduzir o risco de refluxo.
vida, necessidade de uso vitalício de medicamentos,
despesa com medicamentos), aquelas que sofrem as
complicações da DRGE (esôfago de Barrett, estenose Existem relatos de que alimentos como os
péptica) e aquelas que apresentam manifestações extra carminativos (como menta e hortelã) e o café reduzem a
esofágicas (asma, rouquidão, tosse, dor no peito, aspiração) pressão no esfíncter inferior do esôfago, mas poucas
(Stefanidis et al., 2010). As abordagens cirúrgicas são pesquisas foram realizadas no sentido de determinar a
reservadas a crianças com sintomas intratáveis que não importância clínica desses alimentos na DRGE quando
respondem à terapia medicamentosa ou que apresentam utilizados em quantidades normais ou pequenas.
risco de complicações letais da DRGE (Lightdale et al.,
2013).
As bebidas alcoólicas fermentadas (como a cerveja
e o vinho) estimulam a secreção do suco gástrico e devem
ser limitadas. As bebidas carbonatadas aumentam a
distensão gástrica e, por conseguinte, o relaxamento
transitório do esfíncter inferior do esôfago. Os alimentos
altamente ácidos, como os sucos cítricos e o tomate, devem
ser evitados por causarem dor quando o esôfago já se
encontra inflamado.

O papel dos condimentos nas condições patológicas


relacionadas com os distúrbios do sistema GI superior não é
claro. Em pacientes com lesões GI, o consumo de alimentos
altamente temperados com pimenta e pimenta-do-reino
pode causar desconforto. O tipo de pimenta e a quantidade
de capsaicina consumidos fazem a diferença (Mike et al.,
2006). A goma de mascar demonstrou aumentar a secreção
de saliva, o que ajuda a elevar o pH do esôfago, mas não há
estudos que comprovem a sua eficácia em comparação com
outras mudanças no estilo de vida. Limitar e evitar o
consumo de alimentos agravantes podem melhorar os
sintomas em algumas pessoas. As recomendações, portanto,
são de que se adote uma dieta saudável de um modo geral,
evitando alimentos que, por experiência própria do
paciente, desencadeiem os sintomas.

As mudanças de estilo de vida no tratamento da


DRGE em recém nascidos podem envolver uma
combinação de mudanças alimentares e terapia de
4.4 Modificações no Estilo de Vida e Dietoterapia posicionamento. A modificação da alimentação materna
durante o período de amamentação, a mudança das
O primeiro passo no tratamento dos sintomas da fórmulas e a redução do volume combinada ao aumento da
frequência da amamentação podem ser estratégias eficazes
DRGE deve consistir na mudança do estilo de vida,
para o tratamento da DRGE em muitos recém-nascidos. Os
inclusive da alimentação. Os principais fatores que
alimentos espessados parecem diminuir a regurgitação
desencadeiam os sintomas de refluxo são a cafeína, o
observada, e não o número real de episódios de refluxo.
álcool, o tabagismo e o estresse. As recomendações iniciais
Pouco se sabe sobre o efeito da fórmula espessante sobre o
devem concentrar-se no tamanho e no conteúdo das
histórico natural do refluxo infantil ou a potencial
refeições. O consumo de refeições pequenas, e não grandes,
alergenicidade dos agentes espessantes industrializados
reduz a probabilidade de refluxo do conteúdo gástrico para
(Lightdale et al., 2013).
o esôfago.

O uso de produtos derivados do tabaco é


A obesidade é um fator que contribui para a DRGE
contraindicado na presença de refluxo. O cigarro deve ser
suspenso por estar associado à redução da pressão do 4 L. As células parietais gástricas (células produtoras de
esfíncter esofagiano inferior e à salivação reduzida, ácido) produzem de 1,5 a 2 L de ácido diariamente,
causando depuração prolongada do ácido esofágico. O uso resultando em um pH entre 1 e 2.
de produtos de tabaco prejudica também a integridade GI e
aumenta o risco de câncer do esôfago e de outros tipos.
A mucosa do estômago e do duodeno é protegida
contra as ações proteolíticas do ácido gástrico e da pepsina
A identificação e o tratamento do mecanismo por um revestimento de muco secretado pelas glândulas
subjacente da DRGE constituem a primeira linha de terapia. localizadas nas paredes epiteliais, da porção inferior do
esôfago até a porção superior do duodeno. A mucosa é
protegida também contra a invasão bacteriana pelas ações
digestivas da pepsina e do ácido clorídrico (HCl). As
prostaglandinas desempenham um papel importante na
proteção da mucosa gastroduodenal, estimulando a secreção
de muco e bicarbonato e mantendo o fluxo sanguíneo
durante os períodos de possíveis lesões.

5.1 Dispepsia e Dispepsia Funcional

5.1.1 Fisiopatologia

Dispepsia (indigestão) é a condição de desconforto


ou dor persistente na porção superior do abdome que afeta
de 20 a 40% da população geral, reduzindo
significativamente a qualidade de vida (Ford e Moayyedi,
2013). As causas subjacentes da dispepsia podem incluir
DRGE, doença ulcerosa péptica, gastrite, doença da
vesícula biliar ou outras condições patológicas
identificáveis.

A dispepsia funcional (DF) é definida pelos


critérios de Roma III como a presença de sintomas que se
acredita terem origem na região gastroduodenal na ausência
de qualquer doença orgânica, sistêmica ou metabólica que
possa explicar os sintomas. Os sintomas da DF não são
preditores consistentes da condição patológica subjacente. A
dor ou o desconforto epigástrico é o sintoma característico
em pacientes com DF. É importante enfatizar o termo
“desconforto”, uma vez que muitos pacientes não se
queixam de dor, mas de queimação, pressão ou sensação de
empachamento epigástrico, ou que de que não conseguem
terminar uma refeição de tamanho normal (saciedade
precoce). Outros sintomas incluem náusea pós-prandial,
eructação e inchaço abdominal (Talley e Ford, 2015).

4.4.1 Objetivos da Terapia Nutricional


5.1.2 Dietoterapia
1. Prevenir a irritação da mucosa esofágica na fase
aguda;
2. Auxiliar na prevenção do refluxo gastroesofágico; Os tratamentos atuais para dispepsia funcional
3. Contribuir para o aumento da pressão do EEI; geralmente ignoram o papel potencial da dieta. Existem
4. Corrigir e manter o peso saudável. poucos estudos sobre o possível efeito de alimentos e
macronutrientes específicos e de outros hábitos alimentares
no sentido de induzir ou exacerbar os sintomas da DF e, em
geral, os resultados são conflitantes (Lacy et al., 2012). É
5 ESTÔMAGO útil utilizar um diário alimentar e de sintomas durante a
avaliação clínica de um paciente com DF e a avaliação dos
sintomas associados aos padrões alimentares. As mudanças
O estômago acomoda e armazena as refeições,
alimentares, como o consumo de refeições menores com
mistura os alimentos com as secreções gástricas e controla o
teor reduzido de lipídeos, podem ser promissoras no
esvaziamento para o duodeno. O volume gástrico é de cerca
de 50 mL quando vazio, podendo expandir-se para cerca de
tratamento da DF. Ajudar o cliente a identificar alimentos
problemáticos também pode ser uma medida útil. O tratamento do H. pylori com antibióticos pode
causar o desaparecimento das células polimorfonucleares
5.2 Gastrite em uma ou duas semanas, podendo persistir uma gastrite
leve por vários anos, considerando-se a redução lenta das
células mononucleares. Nos países em que o H. pylori é
Gastrite é um termo não específico que significa
comum, o câncer de estômago também é comum. Como o
literalmente inflamação do estômago, podendo ser utilizado
H. pylori pode causar úlcera péptica e câncer gástrico, o
para descrever os sintomas relacionados ao estômago, a
tratamento com antibióticos é indicado quando a sua
uma aparência endoscópica da mucosa gástrica ou a uma
presença é diagnosticada.
alteração histológica caracterizada pela infiltração do
epitélio por células inflamatórias, como as células
polimorfonucleares (PMNs). A gastrite aguda refere-se à 5.2.2 Gastrite não Causada por Helicobacter pylori
manifestação rápida da inflamação e dos sintomas. A
gastrite crônica pode ocorrer durante um período de meses a
décadas, com sintomas recorrentes. Os sintomas incluem A aspirina e os medicamentos anti-inflamatórios
náuseas, vômitos, mal-estar, anorexia, hemorragia e dor não esteroides (AINEs) são corrosivos; ambos inibem a
epigástrica. A gastrite prolongada pode resultar em atrofia e síntese da prostaglandina, essencial para manter a barreira
perda de células parietais do estômago, com perda da de muco e bicarbonato do estômago. Consequentemente, o
secreção de HCL (acloridria) e do fator intrínseco, uso crônico de aspirina e outros AINEs, esteroides, álcool,
resultando em anemia perniciosa. substâncias erosivas, tabaco ou qualquer combinação desses
fatores pode comprometer a integridade da mucosa e
5.2.1 Gastrite Causada por Helicobacter Pylori aumentar as chances de aquisição de gastrite aguda ou
crônica. A gastroenterite eosinofílica (GE) também pode
contribuir para alguns casos de gastrite (Cap. 26). A má
O Helicobacter pylori é uma bactéria Gram- nutrição e o estado geral precário de saúde podem
negativa um tanto resistente ao ambiente ácido do contribuir para a manifestação e a gravidade dos sintomas e
estômago. A infecção por H. pylori é responsável pela retardar o processo de cura.
maioria dos casos de inflamação crônica da mucosa gástrica
e de úlcera péptica, câncer de estômago e gastrite atrófica
(inflamação crônica com deterioração da mucosa e das 5.2.3 Tratamento Clínico
glândulas), resultando em acloridria e perda do fator
intrínseco (Dos Santos e Carvalho, 2014).
O tratamento de gastrite envolve a remoção ao
agente incitante (p. ex., organismo patogênico, AINEs). Os
A prevalência do H. pylori geralmente está métodos não invasivos para o diagnóstico de H. pylori
correlacionada à geografia e à condição socioeconômica da incluem um exame de sangue para verificação da presença
população e tem início durante a infância, mas, em geral, só de anticorpos contra H. pylori, um teste de ureia marcada
é diagnosticada na idade adulta. Acredita-se que o H. pylori (teste respiratório) ou um teste do antígeno fecal. A
se espalhe por meio de alimentos e água contaminados. A endoscopia é uma ferramenta diagnóstica invasiva. Os
sua prevalência varia de cerca de 10% nos países antibióticos e os inibidores da bomba de prótons (IBP) são
desenvolvidos a 80 a 90% nos país em desenvolvimento. os tratamentos clínicos primários. Os efeitos colaterais da
Embora a gastrite seja uma observação característica, a supressão ácida crônica proveniente de doença ou do uso
maioria das pessoas infectadas com H. pylori nunca crônico de IBP devem ser levados em consideração (Katz,
desenvolve úlceras. A infecção por H. pylori não se resolve 2010). Esses efeitos incluem a redução da secreção de HCL
espontaneamente e os riscos de complicação aumentam no estômago, o que pode reduzir a absorção de nutrientes
com o tempo de infecção. Outros fatores de risco que (p. ex., vitamina B12, cálcio e ferro não heme – que
contribuem para a doença e a gravidade da doença são a necessitam da proteólise intragástrica para tornarem-se
idade do paciente no início da infecção, a cepa específica e biodisponíveis (McColl, 2009). A supressão ácida pode
a concentração do organismo, os fatores genéticos aumentar a incidência de algumas fraturas ósseas (Yang,
relacionados com o hospedeiro, e o estilo de vida e o estado 2012), além de aumentar o risco de infecção intestinal, uma
geral de saúde do paciente. vez que a acidez gástrica é uma defesa primária contra os
patógenos ingeridos (Linsky et al., 2010).
Na primeira semana após a infecção por H. pylori,
muitas células polimorfonucleares e alguns eosinófilos 5.3 Úlceras Pépticas
infiltram-se na mucosa gástrica e são gradativamente
substituídos por células mononucleares. A presença de 5.3.1 Etiologia
folículos linfoides é denominada tecido linfoide associado à
mucosa (MALT, na sigla em inglês). O MALT pode tornar-
A mucosa gástrica e duodenal normal é protegida
se autônomo para formar um linfoma de células B, de baixo
das ações digestivas do ácido e da pepsina pela secreção de
grau, chamado linfoma MALT. O H. pylori pode causar
muco, pela produção de bicarbonato, pela remoção do
duodenite se colonizar o tecido gástrico eventualmente
excesso de ácido pelo fluxo sanguíneo normal e pela
presente no duodeno.
renovação rápida e reparo das lesões das células epiteliais. do estômago ou do duodeno, possivelmente penetrando em
Úlcera péptica é uma úlcera que ocorre em decorrência da um órgão adjacente (p. ex., pâncreas); ou obstrução –
falha desses mecanismos normais de defesa e reparo. quando a úlcera péptica bloqueia o caminho dos alimentos
Normalmente, é preciso que mais de um dos mecanismos que tentam sair do estômago. As complicações decorrentes
esteja funcionando incorretamente para que se desenvolvam de hemorragia e perfuração contribuem significativamente
úlceras pépticas sintomáticas. Em geral, as úlceras pépticas para a morbidade e a mortalidade resultantes de úlceras
mostram evidências de inflamação crônica e processos de pépticas.
reparo em torno da lesão.
5.4 Úlceras Gástricas e Duodenais
As causas primárias das úlceras pépticas são a
infecção por H. pylori, a gastrite, o uso de aspirina e de 5.4.1 Fisiopatologia
outros AINEs e corticosteroides, e as doenças graves. O
estresse da vida cotidiana pode resultar em comportamentos
Embora as úlceras gástricas possam ocorrer em
que aumentam o risco de úlcera péptica. Embora o uso
qualquer parte do estômago, a maioria ocorre ao longo da
excessivo de formas concentradas de etanol possa lesionar a
curvatura menor. As úlceras gástricas normalmente estão
mucosa gástrica, agravar os sintomas das úlceras pépticas e
associadas a condições como gastrite difusa, envolvimento
interferir na cicatrização das úlceras, o consumo moderado
inflamatório das células parietais e atrofia das células
de álcool não causa úlceras pépticas em pessoas saudáveis.
produtoras de ácido e pepsina, que ocorre na idade
O uso de produtos derivados do tabaco também está
avançada. Em alguns casos, desenvolve-se um quadro de
relacionado com o risco de úlcera péptica, uma vez que o
ulceração gástrica, apesar do ácido relativamente baixo.
tabaco diminui a secreção de bicarbonato e o fluxo
Hipomotilidade antral, estase gástrica e aumento do refluxo
sanguíneo da mucosa, exacerba a inflamação e está
duodenal são condições frequentemente associadas às
associado a complicações adicionais de infecção por H.
úlceras gástricas e, quando presentes, podem aumentar a
pylori. Outros fatores de risco são a gastrinoma e a
gravidade da lesão gástrica. A incidência de hemorragia e
síndrome de Zollinger-Ellison
mortalidade geral é mais elevada no caso de úlcera gástrica
do que no de úlcera duodenal.
A incidência e o número de procedimentos
cirúrgicos relacionados com as úlceras pépticas diminuíram
acentuadamente nas últimas três décadas devido ao
reconhecimento dos sintomas e fatores de risco e da triagem
precoce de H. pylori. As úlceras pépticas normalmente
envolvem duas regiões principais: o estômago e o duodeno.
As úlceras pépticas sem complicações em qualquer das duas
regiões podem apresentar sinais semelhantes àqueles
associados à dispepsia e à gastrite.

O desconforto abdominal é o sintoma mais comum


das úlceras do duodeno e do estômago. Sentido em algum
ponto entre o umbigo e o esterno, esse desconforto
normalmente se manifesta como dor vaga ou uma sensação
de queimação que ocorre com o estômago vazio, entre as
refeições ou durante a noite, podendo ser brevemente
aliviado com a ingestão de alimentos, no caso das úlceras
duodenais, ou de antiácidos. Em ambos os tipos de úlceras
pépticas, os sintomas duram de minutos a horas, indo e
vindo durante vários dias ou semanas. Outros sintomas são
empachamento, eructação, náuseas, vômitos, falta de apetite
e perda de massa corporal. Algumas pessoas são
assintomáticas ou sentem apenas sintomas leves.

As úlceras pépticas podem também apresentar


“sintomas de emergência”, em cujo caso deve-se buscar
assistência médica imediata. Esses sintomas incluem dor
aguda, repentina, persistente e grave no estômago, fezes
sanguinolentas ou negras (melena), vômito sanguinolento
(hematêmese) ou vômito com aparência de borra de café.
Esses sintomas podem ser sinal de um problema sério,
como sangramento GI agudo ou crônico – quando o ácido
ou a úlcera péptica rompe um vaso sanguíneo; perfuração –
quando a úlcera péptica atravessa completamente a parede
presença de azia. A inclusão de “alimentos ácidos” na dieta
A úlcera duodenal caracteriza-se pelo aumento da deve ser individualizada de acordo com a maneira como o
secreção de ácido no decorrer do dia, acompanhada pela paciente percebe os efeitos desses alimentos.
secreção reduzida de bicarbonato. A maioria das úlceras
duodenais ocorre nos primeiros centímetros do bulbo
duodenal, em uma área imediatamente abaixo do piloro. A O consumo de grandes quantidades de álcool pode
obstrução da saída gástrica é mais comum com as úlceras causar, pelo menos, lesões à mucosa superficial, podendo
duodenais do que com as úlceras gástricas, enquanto a agravar a doença existente ou inferir no tratamento da
metaplasia gástrica (p. ex., substituição das células vilosas úlcera péptica. O consumo moderado de álcool não parece
do duodeno por células mucosas do tipo gástrico) pode ter efeito patogênico para as úlceras pépticas, exceto na
ocorrer com a úlcera duodenal relacionada com o H. pylori. presença de fatores de risco coexistentes. Por outro lado, a
cerveja e o vinho aumentam significativamente as secreções
gástricas e devem ser evitados no caso de doença
5.4.2 Tratamento Clínico e Cirúrgico de Úlceras sintomática. O café e a cafeína estimulam a secreção ácida,
podendo reduzir a pressão do esfíncter esofagiano inferior;
entretanto, fora o aumento da secreção ácida e do
Independentemente do tipo de úlcera, a primeira desconforto associado ao seu consumo, nenhum dos dois
intervenção é a avaliação endoscópica do paciente e a apresenta grandes implicações como causa de úlcera
reanimação, se necessário. Deve-se controlar qualquer péptica.
episódio de sangramento agudo, se houver.

Quando consumidos em doses muito grandes por


5.4.3 Dietoterapia via oral ou administrados por via intragástrica sem outros
alimentos, determinados condimentos podem aumentar a
secreção ácida e causar pequenas erosões superficiais
Em indivíduos com gastrite atrófica, deve-se a
transitórias, inflamação do revestimento da mucosa e
avaliar o estado da vitamina B12 devido à falta de fator
alteração da permeabilidade ou motilidade GI. As pimentas
intrínseco e o ácido gástrico resulta na má absorção dessa
malagueta, caiena e do reino geralmente são alimentos
vitamina. As baixas concentrações de ácido podem
incriminados. Pequenas quantidades de pimenta malagueta
influenciar a absorção de ferro, cálcio e outros nutrientes,
ou de seu ingrediente ativo – o capsicum – podem aumentar
uma vez que o suco gástrico aumenta a biodisponibilidade.
a proteção da mucosa na medida em que aumentam a
No caso da anemia por deficiência de ferro, outras causas
produção de muco. Entretanto, em grandes quantidades,
podem ser a presença de H. pylori e gastrite. A erradicação
pode lesionar a mucosa superficial, especialmente quando
do H. pylori já demonstrou resultar em uma melhor
consumida com álcool. Outro condimento, a curcumina, por
absorção de ferro e no aumento das concentrações de
meio de sua atividade anti-inflamatória que inibe a ativação
ferritina (Hershko e Ronson, 2009).
da via NF-KB, pode ser uma candidata quimopreventiva
contra o câncer causado pela infecção do H. pylori (Zaidi et
Há várias décadas, os fatores alimentares são al., 2009).
favorecidos ou desfavorecidos como um componente
significativo na causa e no tratamento a dispepsia, da
A sinergia das combinações de alimentos pode
gastrite e da doença ulcerosa péptica. Há poucas evidências
inibir o crescimento do H. pylori. O alimento é uma
de que fatores alimentares específicos causem ou
interessante alternativa para as terapias à base de
exacerbem a gastrite ou a doença ulcerosa péptica. Os
antibióticos, inibidores da bomba de prótons e sais de
alimentos proteicos tamponam temporariamente as
bismuto (Kennan et al., 2010). Estudos sugerem que o chá
secreções gástricas, mas também estimulam a secreção de
verde, os brotos de brócolis, o óleo de cassis e o kimchi
gastrina, ácido e pepsina. O leite ou o creme de leite, que
(repolho fermentado) ajudam na erradicação do H. pylori.
nos primórdios do tratamento de úlcera péptica eram
Algumas espécies de probióticos (Lactobacillus,
considerados importantes para revestir o estômago, deixou
Bifidobacterium) também foram estudadas quanto ao seu
de ser considerado medicinal.
papel na prevenção, no tratamento e na erradicação do H.
pylori (Zhu et al., 2014).
O pH de um alimento tem pouca importância
terapêutica, exceto para pacientes com lesões da boca e do
Embora com alguns resultados interessantes, esses
esôfago. A maioria dos alimentos contém um teor de acidez
suplementos dietéticos não são consistentes e, por essa
consideravelmente menor do que o pH gástrico normal de 1
razão, essa terapia não faz parte da intervenção
a 3. O pH do suco de laranja e da toranja é de 3,2 a 3,6,
dietoterápica geral. São necessários mais estudos
enquanto o pH dos refrigerantes comuns varia de cerca de
controlados.
2,8 a 3,5. Com base na sua acidez intrínseca e na quantidade
consumida, é pouco provável que os sucos de frutas e
refrigerantes causam úlceras pépticas ou interfiram de Os ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 são
forma considerável na cicatrização. Alguns pacientes envolvidos em condições fisiológicas inflamatórias, imunes
expressam desconforto com a ingestão de alimentos ácidos, e citoprotetoras da mucosa GI, mas ainda não
mas a resposta não é consistente entre os pacientes e, em demonstraram ser eficazes para fins de tratamento, uma vez
alguns casos, os sintomas podem estar relacionados com a que não foram realizados ensaios clínicos de longo prazo.
carnes assadas, grelhadas e fritas em gordura profunda em
Em geral, uma dieta de qualidade sem deficiências fornos de soleira aberta, secas ao sol, salgadas, curadas e
de nutrientes pode oferecer alguma proteção e promover a conservadas em salmoura, o que aumenta a formação de
cura. Pessoas que se encontram em tratamento de gastrite e compostos N-nitrosos carcinogênicos. Os hidrocarbonetos
doença ulcerosa péptica devem ser aconselhadas a evitar aromáticos policíclicos, como o benzo[a]pireno que se
alimentos que exacerbem os sintomas da doença e a ter uma forma nos alimentos defumados, já foram incriminados em
dieta completa com a quantidade adequada de fibras muitas regiões do mundo (Nagini, 2012).
alimentares provenientes das frutas e vegetais.

5.5.2 Fisiopatologia

O termo “câncer de estômago” refere-se a qualquer


neoplasia maligna que surge na região que se estende entre
a junção gastroesofágica e o piloro. Como os sintomas
manifestam-se lentamente e o crescimento do tumor é
rápido, o carcinoma do estômago geralmente é
negligenciado até que seja tarde demais para uma cura. A
perda de apetite, força e massa corporal geralmente
precedem outros sintomas. Em alguns casos, a aquilia
gástrica (ausência de HCl e pepsina) ou a acloridria
(ausência de HCl nas secreções gástricas) podem existir
durante anos antes da manifestação do carcinoma gástrico.
As neoplasias gástricas malignas podem levar à desnutrição
em consequência das perdas excessivas de sangue e
proteínas ou, o que é mais comum, de obstrução e
interferência mecânica com a ingestão alimentar.

5.5.3 Tratamento Clínico e Cirúrgico


5.5 Carcinoma do Estômago
A maioria dos cânceres de estômago é tratada por
ressecção cirúrgica; consequentemente, parte das
Embora a incidência e mortalidade tenham caído
considerações nutricionais inclui a ressecção parcial ou total
drasticamente nos últimos 50 anos em muitas regiões, o
do estômago, uma gastrectomia. Alguns pacientes podem
câncer de estômago ainda é a segunda causa mais comum
apresentar dificuldades com a alimentação após a cirurgia.
de morte por câncer em todo o mundo, com graus de
incidência variáveis em diferentes partes do mundo e entre
grupos étnicos diversos (Nagini, 2012). Apesar dos avanços 5.5.4 Dietoterapia
nas áreas de diagnóstico e tratamento, a taxa de
sobrevivência de cinco anos do câncer de estômago é de
apenas 20%. O regime alimentar para carcinoma do estômago é
determinado pela localização do câncer, pela natureza do
transtorno funcional e pelo estágio da doença. O paciente
5.5.1 Etiologia com câncer avançado e inoperável deve receber uma dieta
adaptada aos seus graus de tolerância, preferência e
conforto. A anorexia é uma condição quase sempre presente
A causa do câncer gástrico é multifatorial, mas mais
desde os estágios iniciais da doença. Nos estágios terminais
de 80% dos casos têm sido atribuídos à infecção por H.
da doença, o paciente pode tolerar apenas uma dieta líquida.
pylori. Além disso, a alimentação, o estilo de vida, a
Se o paciente não conseguir tolerar a alimentação por via
genética, a condição socioeconômica e outros fatores
oral, deve-se cogitar uma via alternativa, como uma sonda
contribuem para a carcinogênese gástrica. A dieta ocidental,
gástrica ou intestinal de alimentação enteral ou, caso o
rica em carnes processadas, lipídeos, amidos e açúcares
método não seja tolerado ou viável, a alimentação
simples, está mais associada a um maior risco de câncer
parenteral. A terapia nutricional para o paciente deve estar
gástrico do que uma dieta rica em frutas e vegetais
de acordo com os objetivos da assistência ao paciente.
(Bertuccio et al., 2013). Outros fatores que podem aumentar
o risco de câncer de estômago são o consumo de álcool, o
excesso de massa corporal, o tabagismo, a ingestão de 5.6 Gastroparesia
alimentos altamente salgados ou conservados em salmoura,
ou as quantidades inadequadas de micronutrientes. 5.6.1 Etiologia
Determinadas práticas culinárias também são associadas a
um maior risco de câncer gástrico, como o preparo de
A gastroparesia, ou retardo do esvaziamento
gástrico, é uma condição complexa e potencialmente respondem à terapia e mais graves podem beneficiar-se da
debilitante. A natureza da gastroparesia é complexa, em colocação de uma sonda de alimentação enteral no intestino
parte, porque a motilidade gástrica é orquestrada por delgado, como uma sonda nasoentérica (se necessário por
diversos fatores químicos e neurológicos. As infecções menos de 4 semanas) ou uma gastrostomia endoscópica
virais, o diabetes e as cirurgias são as causas mais comuns percutânea com extensão jejunal (GEP) (se necessário por
de gastroparesia; entretanto, mais de 30% dos casos são de mais de 4 semanas). A segunda hipótese permite que a
natureza idiopática. Várias classes de condições clínicas alimentação se desvie do estômago e ofereça uma via
estão associadas à gastroparesia, entre as quais doenças alternativa para a saída das secreções gástricas, o que pode
ácido-pépticas, gastrite, cirurgia pós-gástrica, distúrbio do aliviar as náuseas e os vômitos.
músculo liso gástrico, distúrbios psicogênicos, diabetes
descontrolado por muito tempo e distúrbios neuropáticos.
5.6.4 Dietoterapia
5.6.2 Fisiopatologia
Os fatores alimentares primários que afetam o
Os sintomas clínicos podem incluir inchaço esvaziamento gástrico (em ordem de importância clínica)
abdominal, redução de apetite e anorexia, náuseas e são o volume, os líquidos e sólidos, a hiperglicemia, as
vômitos, empachamento, saciedade precoce, halitose e fibras, os lipídeos e a osmolalidade. Os volumes maiores de
hipoglicemia pós-prandial. O padrão-ouro da taxa de alimentos que causam distensão estomacal (cerca de 600
esvaziamento gástrico é a cintilografia, um teste de mL) já demonstraram retardar o esvaziamento gástrico e
medicina nuclear do esvaziamento gástrico que consiste em aumentar a saciedade (Oesch et al., 2006). Em geral, os
o paciente ingerir uma refeição-teste marcada com pacientes beneficiam-se de refeições menores e mais
radionucleotídeos (como um ovo marcado com tecnécio- frequentes. Pacientes com gastroparesia geralmente mantêm
90m), e as imagens cintilográficas são obtidas no decorrer o esvaziamento de líquidos, o que, em parte, ocorre por
do tempo (geralmente 4 horas) para avaliar a taxa de gravidade e não requer contração antral.
esvaziamento gástrico. O esvaziamento gástrico é anormal
quando mais de 50% da refeição são retidos após 2 horas de
estudo ou quando mais de 10% da refeição são retidos após A mudança da dieta para uma alimentação mais
4 horas (Maurer e Parkman, 2006). pastosa e liquefeita geralmente é proveitosa. Existem vários
medicamentos (como os narcóticos e anticolinérgicos) que
retardam o esvaziamento gástrico e devem, se possível, ser
5.6.3 Tratamento Clínico evitados. A hiperglicemia moderada a grave (concentração
sérica de glicose no sangue superior a 200 mg/dL) pode
provocar o retardo agudo da motilidade gástrica, com
Vários sintomas da gastroparesia podem afetar a efeitos nocivos prolongados sobre os nervos e a motilidade
ingestão oral, e o gerenciamento desses sintomas gástricos. Os dados de laboratório considerados em uma
geralmente melhora o estado nutricional. O tratamento das avaliação inicial incluem a hemoglobina glicosilada A1C
náuseas e dos vômitos talvez seja o mais vital, e os (na presença de diabetes), a ferritina, a vitamina B12 e a 25-
procinéticos e antieméticos são as terapias medicamentosas OH vitamina D. As fibras, especialmente a pectina, podem
primárias. A metoclopramida e a eritromicina são retardar o esvaziamento gástrico e aumentar o risco de
medicamentos que podem ser utilizados para promover a formação de bezoar em pacientes suscetíveis. É prudente
motilidade gástrica. O supercrescimento bacteriano no aconselhar os pacientes a evitar alimentos ricos em fibras e
intestino delgado, o freio ileal (efeito de retardo do trânsito suplementos de fibras. O tamanho das partículas de fibra,
de alimentos indigestos pelo intestino, geralmente lipídeos, não a quantidade de fibra, é mais importante no risco de
para chegar ao íleo) ou a formação de um bezoar bezoar (p. ex., casca versus farelo de batata). Isso e a
(concentração de material indigesto no estômago) são resistência à mastigação são fatores que contribuem para a
outros fatores que podem afetar o estado nutricional. Em formação de bezoar. O exame da dentição do paciente é
uma determinada população, o implante de marca-passo muito importante, uma vez que os pacientes com falta de
gástrico pode ser vantajoso para melhorar o esvaziamento dentes, mordida fraca ou edêntulos apresentam um risco
gástrico (Ross et al., 2014). mais elevado. Mesmo as pessoas com boa dentição já
demonstraram engolir partículas de alimentos com até 5 a 6
cm de diâmetro (cascas de batata, sementes, cascas de
A formação de bezoar pode estar relacionada com a
tomate, amendoins).
ingestão de alimentos indigestos, como celulose,
hemicelulose, lignina e o tanino das frutas (fitobezoares),
ou a medicamentos (farmacobezoares), como colestiramina, O lipídeo é um poderoso inibidor do esvaziamento
sucralfato, aspirina com revestimento entérico, antiácidos do estômago basicamente mediado pela colecistoquinina
que contêm alumínio e laxantes formadores de bolo (Goetze et al., 2007); entretanto, muitos pacientes toleram
alimentar. O tratamento dos bezoares inclui terapia de bem o lipídeo em forma líquida. Não se deve restringir os
enzimas (como papaína, bromelaína ou celulase), lavagem lipídeos para pacientes com dificuldade em satisfazer às
e, às vezes, terapia endoscópica para quebrar suas necessidades energéticas diárias.
mecanicamente o benzoar. A maioria dos pacientes
responde a alguma combinação de medicamentos e
intervenção dietética; entretanto, os casos que não 6 GASTRITE E ÚLCERAS
6.1 Fisiopatologia
6.2 Avaliação Nutricional
Gastrite consiste na inflamação da mucosa gástrica.
Ela aparece de repente, tem curta duração e desaparece, na A desnutrição pode ocorrer principalmente nos
maioria das vezes, sem deixar sequelas. Pode ser casos em que existe estenose, a qual impede a ingestão
desencadeada por medicamentos (ácido acetilsalicílico, normal de alimentos. É fundamental a investigação sobre a
anti-inflamatórios etc.), ingestão de bebidas alcoólicas, existência de deficiências nutricionais, com a finalidade de
fumo, situações de estresse (queimaduras graves, planejar sua recuperação a partir do plano dietético. As
politrauma etc.). A gastrite crônica é definida deficiências mais comuns são de energia, proteínas e ferro
histologicamente pela atrofia crônica progressiva da mucosa (que pode ocorrer por causa de hemorragias constantes). Na
gástrica. gastrite crônica, é comum a deficiência de vitamina B12.

Úlcera péptica é uma doença de etiologia ainda Esses são os indicadores que podem ser adotados
pouco conhecida, de evolução crônica, com surtos de para a avaliação nutricional.
ativação e períodos de remissão, caracterizada por perda
circunscrita de tecido nas áreas do tubo digestório que
entram em contato com a secreção acidopéptica do
estômago. Tanto na gastrite quanto na úlcera, o ponto
central é o desequilíbrio entre os fatores que agridem a
mucosa (como ácido clorídrico, pepsina, bile,
medicamentos ulcerogênicos) e os que a protegem (como
barreira mucosa, prostaglandinas, secreção mucosa). Esse
desequilíbrio resulta em lesão da mucosa.
6.3 Objetivos da Terapia Nutricional

Um fator importante na etiopatogenia da úlcera é a 1. Recuperar e proteger a mucosa gastrintestinal;


presença do Helicobacter pylori, que aparece em cerca de 2. Facilitar a digestão;
70% das úlceras gástricas e 90% nas duodenais. Essa 3. Aliviar a dor;
bactéria, Gram-negativa, microaerófila, que possui forma 4. Promover um bom estado nutricional.
espiralada e flagelos unipolares, é capaz de movimentar-se
em meios de alta viscosidade, aderindo-se ao epitélio 6.4 Recomendações Nutricionais
superficial da mucosa, onde permanece protegida. Postula-
se que, por meio de sua atividade mucolítica, ela promove
alteração do muco e propicia a retrodifusão de íons H+, O conceito atual é de que o leite não é um alimento
resultando em mudança no equilíbrio entre os fatores indicado para aliviar a dor ou queimação, sintoma comum
protetores e agressores. A bactéria, segundo alguns estudos, nesses pacientes. Embora possa levar ao alívio instantâneo
por ser sensível às alterações do pH, migraria para outra quando ingerido, o leite, por ser rico em cálcio e proteínas,
área na qual a camada de muco estivesse íntegra. O epitélio, resulta em rebote ácido, isto é, estimula a produção ácida
livre do microrganismo, pode regenerar-se ou, já inflamado gástrica e acaba intensificando a dor. Ele deve ser
(gastrite) pela presença do bacilo, ulcerar-se quando consumido como parte da alimentação, na quantidade
atingido por agentes agressores. Embora os tipos de lesão recomendada nos guias alimentares (2 a 3 porções/dia), e
nas gastrites e úlceras sejam distintos do ponto de vista não em quantidades abusivas com o objetivo de aliviar a
morfológico, no que diz respeito ao tratamento dietético dor.
podem estabelecer-se as mesmas diretrizes.
A associação de gastrites e úlceras com H. pylori
A junção esofagogástrica é formada por três levou a várias liberações na dieta. Alguns até propõem que
componentes: o esfíncter esofagiano inferior (EEI), o não há necessidade de nenhum tipo de recomendação
diafragma crural e a válvula de charnela anatômica. Essa dietética, bastando apenas a erradicação da bactéria.
junção esofagogástrica funciona como uma barreira
antirrefluxo. O esfíncter esofagiano inferior é um segmento
de 3 a 4 cm de músculo liso circular na extremidade distal As recomendações dietéticas estão na tabela abaixo,
do esôfago. A tonicidade de repouso desse músculo pode ressaltando que elas são indicadas para pacientes em
ser variável entre pessoas saudáveis, situando-se em uma acompanhamento ambulatorial, ou que estejam internados,
faixa de 10 a 35 mmHg em relação à pressão intragástrica. mas sem intercorrências.
O mecanismo mais comum responsável pelo refluxo é o
relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago, o
qual é desencadeado pela distensão gástrica e permite
expelir os gases do estômago. Em média, o relaxamento
transitório persiste por cerca de 20 segundos, um tempo
significativamente maior do que o relaxamento normal
induzido pela deglutição (Bredenoord et al., 2003).
gases ou flatulência, podem estar se referindo ao aumento
do volume ou frequência de eructações ou eliminação retal
de gases. Além disso, podem queixar-se se distensão
abdominal ou de cólicas associadas ao acúmulo de gases no
sistema GI alto ou baixo. A quantidade de ar deglutida
aumenta quando se come ou se bebe muito rápido, como
tabagismo, mascando chicletes, chupando balas duras,
usando um canudo, ingerindo bebidas gaseificadas e com o
uso de próteses dentárias frouxas.

Normalmente, o número de bactérias no intestino


delgado é significativamente mais baixo do que o
encontrado no cólon. Várias condições podem levar ao
supercrescimento de bactérias no intestino delgado,
causando inchaço, distensão, náuseas, diarreia ou outros
sintomas. Fatores como ácido gástrico, peristaltismo
intestinal, válvula ileocecal, ácidos biliares, sistema imune
entérico e secreção de enzimas pancreáticas impedem o
supercrescimento de bactérias no intestino delgado.

No caso de complicações, como sangramento, é 7.1.2 Dietoterapia


importante salientar que a conduta será distinta, exigindo
jejum e observação da evolução clínica. A endoscopia é É importante considerar por que um paciente
importante para direcionar o tratamento, podendo ser pode ter sintomas novos ou aumentados, ou se o gás é
indicada a esclerose de vasos sanguíneos. Ao se introduzir a acompanhado por outros sintomas, como constipação,
alimentação, é necessário iniciar com líquidos por via oral, diarreia ou perda de massa corporal.
evoluindo-se a consistência conforme o acompanhamento.
Hemorragias, estenoses e subestenoses, bem como
perfuração, podem exigir o tratamento cirúrgico. Vale Se o leite ou seus derivados estiverem causando
ressaltar, ainda, que casos de gastrites erosivas (por ingestão gases, deve-se pesquisar intolerância à lactose, e o paciente
de substâncias ácidas ou alcalinas) exigem atenção especial é aconselhado a evitar derivados do leite por um tempo
e, conforme o grau de lesão, em casos graves, eventualidade curto para ver se os sintomas melhoram.
rara, podem ser indicação de nutrição parenteral.
Uma mudança súbita da dieta, como o aumento
drástico da ingestão de fibras, também pode alterar a
7 DOENÇAS INTESTINAIS COMUNS produção de gases. Alimentos específicos que contêm
rafinose (um açúcar complexo resistente à digestão), como
7.1 Gases intestinais e flatulência feijão, repolho, brócolis, couve de Bruxelas, aspargo e
7.1.1 Fisiopatologia alguns grãos integrais, podem aumentar a produção de
gases.

O volume diário de gases intestinais humanos é de


cerca de 200 ml, sendo derivado dos complexos processos
fisiológicos, inclusive do ar deglutido (aerofagia) e da
fermentação bacteriana pelo sistema intestinal. Esses gases
são expelidos por meio de arrotos (eructação) ou eliminados
através do reto (flatos). Os gases intestinais incluem dióxido
de carbono (CO2), oxigênio (O2), nitrogênio (N2),
hidrogênio (H2) e algumas vezes metano (CH4). A
produção intestinal de CH4 é um mecanismo complexo
envolvendo metabolismo de outros gases, particularmente
H2, e de bactérias especificas do colo. A produção anormal
de metano tem sido considerada na patogênese de varias
doenças intestinais, como câncer de cólon, doença
inflamatória intestinal (DII), síndrome do intestino irritável
e diverticulose.

Quando os pacientes se queixam de excesso de


Ocorrem alterações da microbiota intestinal ao
longo do tempo depois de um aumento das fibras na dieta.
Uma introdução gradual de fibras com um consumo A constipação é classificada como primária ou
adequado de líquido parece reduzir as queixas de gases. A secundária. As causas primárias de constipação crônica são
inatividade, diminuição da mobilidade, a constipação, ainda classificadas como constipação com trânsito normal,
aerofagia, componentes da dieta, os transtornos da constipação com trânsito lento e disfunção anorretal
motilidade intestinal ou a obstrução parcial do intestino (Andrews e Storr, 2011). O tipo mais comum de
com certas doenças GI podem contribuir para a constipação crônica visto pelos clínicos é a constipação com
incapacidade de movimentar quantidades normais de gases trânsito normal (também conhecida como constipação
produzidos. funcional). As fezes atravessam o cólon em uma taxa de
cerca de cinco dias em pessoas com constipação com
trânsito normal. Na constipação funcional, os pacientes
7.2 Constipação relatam sintomas que acreditam ser compatíveis com
constipação, como presença de fezes duras ou dificuldade
7.2.1 Etiologia percebida para a defecação. No entanto, em exames, o
trânsito das fezes não é demorado, e a frequência das
evacuações costuma estar dentro da faixa da normalidade.
Define-se constipação como a dificuldade de
Os pacientes podem apresentar inchaço e dor ou
defecação caracterizada por frequência ou disquezia
desconforto abdominal. Os sintomas de constipação
(evacuações dolorosas, com fezes duras ou incompletas). A
funcional tipicamente respondem a fibras dietéticas
frequência normal das evacuações pode variar de três vezes
isoladamente ou com acréscimo de um agente osmótico.
ao dia a três vezes por semana. Utiliza-se o peso das fezes
mais frequentemente na prática clínica e em descrições
clínicas como medida objetiva da quantidade ou volume das
fezes. Um volume que não passa de 200 g ao dia é
considerado normal em crianças e adultos saudáveis. As
causas da constipação variam e podem ser multifatoriais.

A constipação com trânsito lento causa evacuações


infrequentes (tipicamente menos de uma vez por semana).
Muitas vezes, os pacientes não sentem urgência de defecar e
podem queixar-se de inchaço e desconforto abdominais.
Ocorre lentidão do trânsito do conteúdo intestinal, mais
comumente no cólon retossigmoide, e resulta em
diminuição do conteúdo de água nas fezes e redução da
ação propulsora. O tratamento típico é um esquema
agressivo com laxativos. Pacientes selecionados com
constipação de trânsito lento podem responder bem a
procedimentos cirúrgicos, como a colectomia subtotal e a
anastomose ileorretal.

A disfunção anorretal é decorrente de musculatura


frouxa do assoalho pélvico, de comprometimento da
sensibilidade retal e de diminuição da pressão luminal no
canal anal. Na maioria das vezes, os laxativos são altamente
ineficazes na disfunção anorretal. O uso de terapia com
biofeedback para treinar novamente os músculos pode ser
feito em pacientes com constipação causada por problemas
nos músculos anorretais. Essa terapia utiliza uma
combinação de treinamento do músculo diafragmático,
defecação simulada e relaxamento do esfíncter anal e da
musculatura pélvica guiada por manometria ou EMG
(eletromiografia), tendo por objetivo melhorar a História e exame físico cuidadosos, seguidos por orientação
coordenação anorretal e a conscientização sensorial (Lee et aos pais e à criança, intervenção comportamental e uso
al., 2014). As medidas são exibidas em uma tela de vídeo apropriado de laxativos costumam levar a uma melhora
como gráficos lineares e sons indicam quando o paciente dramática.
está empregando os músculos corretos.
7.2.4 Dietoterapia
7.2.2 Conduta Clínica para Adultos
A dietoterapia primária para constipação em
Fazer anamnese para descartar constipação pessoas saudáveis é, de um modo geral, o consumo de
secundária a medicamentos ou outras doenças clínicas quantidades adequadas de líquidos e de fibras solúveis e
subjacentes. Isso feito, a primeira abordagem para tratar insolúveis na dieta. As fibras aumentam o líquido fecal no
constipação leve e funcional é garantir fibras e ingestão de cólon, a massa microbiana (que é responsável por 60% a
líquido adequados na dieta, exercícios e considerar a 70% do peso das fezes), o peso e a frequência das fezes e a
urgência de defecar. Os pacientes que dependem de taxa de trânsito colônico. Com a ingestão adequada de
laxativos são incentivados a usar produtos mais leves, líquidos, as fibras podem diminuir a consistência das fezes
reduzindo a dose até que a retirada seja completa. e tornar mais fácil sua eliminação. A Ingestão Dietética de
Referência (DRI) recomenda o consumo de 14 g de fibras
dietéticas por 1.000 kcal ou 25 g para mulheres adultas e 38
Quando a constipação persiste apesar de g para homens adultos. Não se sabe quais os tipos e
modificações do estilo de vida e da dieta, podem-se quantidades apropriados de fibras dietéticas para crianças,
prescrever medicamentos que promovam evacuações pacientes com doenças críticas e os muito idosos. A
regulares. Os agentes utilizados no tratamento da ingestão habitual de fibras dietéticas nos EUA é de apenas
constipação são categorizados amplamente como 16,2 g/dia (Grooms et al., 2013).
emolientes ou estimulantes fecais. Os emolientes fecais
(como o docusato sódico) são surfactantes aniônicos com Fibras dietéticas se referem a material vegetal
propriedade emulsificante semelhante à de detergentes, comestível não digerido pelas enzimas no sistema GI.
aumentando o conteúdo de água das fezes para fazer a Consistem em celulose, hemicelulose, pectinas, gomas,
evacuação ser eliminada com mais facilidade. Os agentes ligninas, materiais ricos em amido e oligossacarídeos
osmóticos, como o hidróxido de magnésio, o sorbitol, a parcialmente resistentes às enzimas digestivas. As fibras
lactulose e a polietileno glicol contêm açúcares pouco podem ser fornecidas sob a forma de grãos integrais, frutas,
absorvidos ou não absorvíveis e funcionam puxando líquido verduras, legumes, sementes e oleaginosas.
para a luz intestinal. Os laxativos estimulantes, como o
bisacodil e o sene, aumentam a contração peristáltica e a
motilidade do intestino e atuam impedindo a absorção de Uma dieta terapêutica rica em fibras pode ter de
água. O uso crônico de laxativos se associa a cólicas exceder 25 a 38 g/dia. A dieta rica em fibras fornece mais
abdominais e ao desequilíbrio hídrico. do que a quantidade de fibras recomendada. É importante
avaliar a ingestão de fibras dietéticas antes de fazer
recomendações de suplementação de fibras. Se um paciente
A lubiprostona (Amitiza) foi recentemente aprovada já está recebendo 25 a 30 g de fibras dietéticas diariamente,
pela Food and Drug Administration para constipação é improvável que a suplementação com fibras seja útil. Se
idiopática e para tratar a síndrome do intestino irritável com estiver sendo consumido menos do que essa quantidade,
constipação em adultos. Ela é um ativador dos canais de devem-se acrescentar fibras lentamente em doses graduadas
cloreto que aumenta a secreção de líquido intestinal e a para finalmente chegar a 25 a 30 g por dia. Quantidades
mobilidade; entretanto, não altera os eletrólitos sódio e acima de 50 g/dia não são necessárias e podem aumentar a
potássio (Bailes e Reeve, 2013). Aumenta as evacuações distensão abdominal e a flatulência excessiva devido à
espontâneas e é contraindicada em pacientes com suspeita fermentação pela microbiota colônica.
ou diagnóstico de obstrução GI mecânica.

7.2.3 Conduta Clínica para Lactentes e Crianças

A constipação continua a ser especialmente


problemática em lactentes e pré-escolares. Cerca de 3% a
5% de todas as consultas pediátricas estão relacionadas com
constipação crônica. Alguns pacientes têm sintomas que
persistem por 6 meses ou mais. A constipação pode estar
relacionada com a ingestão inadequada de fibras ou de
líquidos, com efeitos colaterais de medicação, com
inatividade ou transtorno da motilidade intestinal.
Historicamente, uma dieta rica em fibras é recomendada
para as crianças com constipação. No entanto, poucos
estudos documentam o benefício (Kranz et al., 2012).
As diarreias secretoras decorrem da secreção
intestinal ativa de eletrólitos e água pelo epitélio intestinal,
Suplementos de farelo e fibras podem ser úteis em decorrente de exotoxinas bacterianas, vírus e aumento da
pessoas que não possam ou não queiram comer quantidades secreção de hormônios intestinais. Diferentemente da
suficientes de alimentos contendo fibras. Vários desses diarreia osmótica, o jejum não alivia a diarreia secretora.
suplementos de fibras comercializados são palatáveis e
podem ser acrescentados a cereais, iogurtes, purês de frutas,
sucos ou sopas. O cozimento não destrói as fibras, mas a As diarreias da má absorção são o resultado quando
estrutura pode mudar. Obstrução gástrica e impacção fecal um processo patológico compromete a digestão ou absorção
podem ocorrer quando bolos de géis fibrosos ou de farelo até o ponto de que os nutrientes, como a gordura, aparecem
não são consumidos com líquido suficiente para dispersar nas fezes em quantidades aumentadas. O excesso de
as fibras. Outro fator importante é a oferta hídrica. Para que gordura nas fezes é chamado esteatorreia. A diarreia ocorre
as fibras possam agir alterando o peso e a maciez das fezes, por causa da ação osmótica desses nutrientes e da ação das
é essencial a ingestão abundante de líquidos (água, sucos e bactérias nos nutrientes que entram no cólon. A diarreia por
outros). má absorção ocorre quando existe área absortiva saudável
suficiente ou produção inadequada ou interrupção do fluxo
da bile e das enzimas pancreáticas ou quando há trânsito
É improvável que o aumento das fibras dietéticas rápido, como na doença inflamatória intestinal (DII) ou
para laxação ajude os pacientes que tenham síndromes depois de ressecção extensa do intestino.
sérias de dismotilidade, transtornos neuromusculares, uso
crônico de opioides, transtornos do assoalho pélvico ou
outra doença GI séria. Em algumas condições, como nos
transtornos neuromusculares, um esquema específico de
medicação laxativa é parte obrigatória do tratamento da
doença.
7.3 Diarreia

A Organização Mundial da Saúde define diarreia


como a eliminação de três ou mais fezes amolecidas ou
líquidas por dia. A diarreia ocorre quando existe trânsito
acelerado do conteúdo intestinal pelo intestino delgado,
diminuição da digestão enzimática dos gêneros
alimentícios, diminuição da absorção de líquidos e
nutrientes, aumento da secreção de fluidos para o SGI ou
perdas exsudativas.

7.3.1 Fisiopatologia

A diarreia pode estar relacionada com doença


inflamatória; infecções por fungos, bactérias ou vírus;
consumo exagerado de açúcares ou outras substâncias
osmóticas; uma reação alérgica a um alimento ou superfície
absortiva de mucosa insuficiente ou danificada.

As diarreias exsudativas sempre se associam a dano


da mucosa, o que leva a um extravasamento de muco,
líquido, sangue e proteínas do plasma, com um acúmulo
resultante de eletrólitos e água no intestino. A liberação de
prostaglandinas e citocinas pode estar envolvida. A diarreia
associada à doença de Crohn, à retocolite ulcerativa (RCU)
e à enterite por radiação costuma ser exsudativa.
As diarreias induzidas por medicamentos são
Ocorrem diarreias osmóticas quando solutos frequentes em pacientes hospitalizados e submetidos a
osmoticamente ativos estão presentes no sistema intestinal e cuidados por longo prazo. As medicações causam diarreia
são pouco absorvidos. Um exemplo é a diarreia que por diferentes mecanismos. Por exemplo, medicações como
acompanha a síndrome de dumping em alguém que a lactulose (usada no tratamento da encefalopatia hepática)
consome uma bebida contendo açúcares simples depois de e o sulfonato de poliestireno sódico mais sorbitol (usado
um procedimento Billroth II (gastrojejunostomia). para tratar hipercalemia) criam aumento das evacuações
como parte de seu mecanismo de ação. Alguns antibióticos relatada do TMF para erradicar a infecção é de cerca de
têm efeitos diretos na função GI. Por exemplo, como 90% (Borody e Khoruts, 2011).
agonista da motilina, a eritromicina aumenta a motilidade
GI inferior; a claritromicina e a clindamicina também
aumentam as secreções GIs. Produtos que combinam microrganismos
probióticos e fonte de fibras prebióticas são descritos como
simbióticos por seus efeitos sinérgicos. No entanto, nenhum
O sistema intestinal humano é a casa de trilhões de estudo randomizado e controlado investigou
bactérias, a microbiota. No sistema GI normal, a microbiota sistematicamente a efetividade dos probióticos
comensal do intestino fermenta as células intestinais isoladamente, em comparação com os simbióticos, para o
descamadas e os gêneros alimentícios não digeridos a gases tratamento de diarreia. São necessários estudos controlados
e ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs). A absorção dos para compreender quais cepas de probióticos devem ser
AGCCs facilita a absorção dos eletrólitos e da água do fornecidas, bem como o tipo e a quantidade de fibras
cólon. Antibióticos de amplo espectro diminuem o número prebióticas.
de bactérias comensais no intestino e podem resultar em
diminuição dos subprodutos da fermentação, reduzindo a
absorção de eletrólitos e água e causando diarreia. 7.3.3 Dietoterapia

Todas as intervenções de nutrição relacionadas com


diarreia precisam ser visualizadas no contexto da condição
patológica subjacente responsável pela diarreia. A reposição
hidroeletrolítica necessária é o primeiro passo, usando
7.3.2 Tratamento Clínico soluções de reidratação oral (SRO), sopas e caldos, sucos de
verduras e líquidos isotônicos. Dietas restritivas, como a
Como a diarreia é um sintoma, não uma doença, o dieta BRAT, composta por bananas, arroz, purê de maçã e
torradas, são pobres em nutrientes; não existem evidências
primeiro passo no tratamento clínico é identificar e tratar o
indicando que sejam necessárias durante a doença diarreica
problema subjacente. O objetivo seguinte é administrar a
aguda. No entanto, alguns clínicos recomendam uma
reposição hídrica e eletrolítica. Nos casos de diarreia grave, progressão de carboidratos ricos em amido, como cereais,
restaurar os fluidos e eletrólitos é a prioridade máxima. As pães e carnes magras, seguidos por quantidades pequenas
perdas eletrolíticas, especialmente de potássio e sódio, de verduras e frutas, seguidas por gorduras. O objetivo
devem ser corrigidas logo pelo uso de soluções orais de dessa progressão é limitar grandes quantidades de
eletrólitos e glicose com potássio acrescentado. As soluções carboidratos hiperosmóticos que sejam mal digeridos ou
para reidratação oral (SRO) funcionam porque contêm mal absorvidos, alimentos que estimulem secreção de
concentrações de sódio e glicose ótimas para a interação líquidos e alimentos que acelerem o trânsito GI.
com as proteínas de transporte de sódioglicose (SGLT) nas
células epiteliais intestinais.
Álcoois de açúcar, lactose, frutose e grandes
quantidades de sacarose podem piorar diarreias osmóticas.
Com diarreia intratável, especialmente em um Como a atividade das dissacaridases e os mecanismos de
lactente ou pré-escolar, pode ser necessária alimentação transporte diminuem durante a doença inflamatória
parenteral. A nutrição parenteral (NP) pode ser necessária intestinal e infecciosa, os açúcares podem ter de ser
limitados, especialmente em crianças. Má absorção é
até se for antecipada uma cirurgia exploradora; porém,
apenas uma causa em potencial de diarreia, e esta pode
quando não se esperar, a ingestão oral completa deve ser ocorrer sem má absorção significativa de macronutrientes
retomada em cinco a sete dias. (carboidratos, lipídeos e proteínas). A absorção da maior
parte dos nutrientes ocorre no intestino delgado; diarreia
A suplementação com probióticos mostra-se um relacionada com inflamação ou doença colônica preserva a
absorção da maioria dos ingredientes ingeridos.
tanto promissora para prevenir DAA e ICD, mas não
existem dados adequados recomendando os probióticos
como tratamento primário para as infecções por C. difficile Raramente se indicam dietas com mínimo de fibras
(Pattani et al., 2013). e pobres em resíduos. Os pacientes são incentivados a
retomar a dieta regular conforme tolerado se ela contiver
quantidades moderadas de fibras solúveis. O metabolismo
O melhor tratamento atualmente é empregar das fibras solúveis e dos amidos resistentes por bactérias
transplante de microbiota fecal (TMF) para a IDC refratária. colônicas leva à produção de ácidos graxos de cadeia curta
Com o conceito da microbiota intestinal humana como um (AGCCs), os quais, em quantidades fisiológicas, servem de
órgão, o TMF pode ser considerado um transplante de substrato para os colonócitos, facilitam a absorção de
órgão. Basicamente, a microbiota intestinal da pessoa líquido e sais e podem ajudar a regular a motilidade GI.
infectada por C. difficile é substituída por fezes de um
doador saudável, tipicamente de um familiar com dieta e
hábitos de vida semelhantes. A taxa de sucesso cumulativa
(Solução de Reidratação Oral) tradicionais recomendadas
pela Organização Mundial da Saúde e a American Academy
of Pediatrics contêm uma concentração de 2% de glicose
(20 g/L),45 a 90 mEq/L de sódio, 20 mEq/L de potássio e
uma base citrato.

O material fibroso tende a tornar mais lento o


esvaziamento gástrico, a moderar o trânsito GI global e a
puxar água para a luz intestinal. Fornecer fibras aos
pacientes com diarreia de fato aumenta o volume das fezes
e, em alguns casos (como no supercrescimento de bactérias
no intestino delgado [SBID]), pode, a princípio, aumentar a
formação de gases e o volume abdominal. A ingestão
moderada de componentes prebióticos e de fibras solúveis, Soluções de osmolaridade reduzida mais modernas
como a pectina ou a goma, torna mais lento o trânsito pelo (200 a 250 mOsm/L) têm vantagem sobre as SRO
sistema GI. tradicionais recomendadas pela OMS para tratar diarreia
aguda em crianças. O uso de SRO com osmolaridade
reduzida em crianças com diarreia resultou em diminuição
Diarreia grave e crônica é acompanhada por da necessidade de terapia intravenosa, redução significativa
desidratação e depleção de eletrólitos. Caso também seja do número de evacuações e diminuição dos vômitos, em
acompanhada por doença infecciosa prolongada, comparação com as SRO tradicionais recomendadas pela
imunodeficiência ou doença inflamatória, também pode OMS (Atia e Buchman, 2009). Soluções comerciais, como
ocorrer má absorção de vitaminas, minerais e proteínas ou Pedialyte, Infalyte, Lytren, Equalyte e Rehydralyte,
lipídeos, e os nutrientes podem ter de ser repostos pela via tipicamente contêm menos glicose e um pouco menos de sal
parenteral ou enteral. Em alguns tipos de diarreia e estão à venda nas farmácias, muitas vezes podendo ser
infecciosa, a perda de ferro por sangramento GI pode ser adquiridas sem prescrição. A terapia de reidratação oral é
intensa o suficiente para causar anemia. As próprias menos invasiva e menos cara do que a reidratação
deficiências nutricionais podem causar alterações de intravenosa e, quando usada com crianças, permite que os
mucosa, como diminuição da altura das vilosidades e pais acompanhem a recuperação de seus filhos.
redução da secreção de enzimas, contribuindo ainda mais
para a má absorção. À medida que a diarreia começa a se
resolver, o acréscimo de quantidades mais normais de fibras Uma proporção substancial de crianças com 9 a 20
à dieta pode ajudar a restaurar a função normal da mucosa, meses de idade pode manter ingestão adequada quando
aumentar a absorção de eletrólitos e água e aumentar a oferecida uma dieta líquida ou semissólida continuamente
consistência das fezes. durante crises de diarreia aguda.

É necessário alimento na luz para restaurar o 7.3.5 Espru Tropical


sistema GI comprometido depois de doença e períodos de
jejum. A realimentação precoce depois da reidratação reduz
o número de evacuações e abrevia a duração da doença. A O espru tropical é uma síndrome diarreica adquirida
reposição ou suplementação com micronutrientes também notável pela má absorção, ocorrendo em muitas áreas
pode ser útil para diarreia aguda, provavelmente porque tropicais. Além da diarreia e má absorção, pode ocorrer
acelera a regeneração normal das células epiteliais das anorexia, distensão abdominal e deficiência nutricional,
mucosas lesadas. evidenciada por cegueira noturna, glossite, estomatite,
queilose, palidez e edema. A anemia decorre de deficiências
de ferro, ácido fólico e vitamina B12.
7.3.4 Tratamento de Diarreia em Lactentes e
Crianças
7.3.5.1 Fisiopatologia

A diarreia aguda é a mais perigosa em lactentes e


pré-escolares porque desidrata facilmente em função de A diarreia parece ser do tipo infeccioso, embora não
grandes perdas de líquido. Nesses casos, a reposição se conheça a causa precisa nem a sequência de eventos
hidroeletrolítica precisa ser agressiva e imediata. As SRO patogênicos. A síndrome pode incluir supercrescimento
bacteriano, alterações da motilidade GI e alterações pode conseguir tolerar uma dieta restrita em fibras e
celulares no sistema GI. Os microrganismos intestinais líquidos, dependendo da localização da estenose ou da
identificados podem diferir de uma região dos trópicos para obstrução no sistema GI. Um bloqueio mais proximal (mais
outra. Como na DC, as vilosidades intestinais podem ser próximo da boca) pode precisar de uma dieta semissólida
anormais, mas as alterações das células da superfície são ou líquida. No entanto, quanto mais distal (mais perto do
muito menos intensas. A mucosa gástrica é atrofiada e ânus) o bloqueio, menor a probabilidade de que alterar a
inflamada, tendo diminuição da secreção de ácido clorídrico consistência da dieta ajude. Os sintomas são mais intensos
e de fator intrínseco (Langenberg et al., 2014). durante a obstrução completa. Os pacientes podem ser
intolerantes à ingestão oral e às suas próprias secreções,
levando à desidratação progressiva, desequilíbrio
7.3.5.2 Tratamento Clínico eletrolítico e toxicidade sistêmica. O tratamento inicial
consiste em reposição volêmica, descompressão
O tratamento do espru tropical tipicamente inclui o nasogástrica e administração de analgésicos e antieméticos.
uso de antibióticos de amplo espectro, ácido fólico, líquidos
e eletrólitos. Os pacientes com obstrução intestinal completa
podem precisar de intervenção cirúrgica. Em alguns casos,
pode ser viável a alimentação enteral além do ponto de
7.3.5.3 Dietoterapia
obstrução, mas, caso a alimentação enteral não seja possível
por um período prolongado, poderá ser necessária a
O tratamento nutricional inclui restauração e nutrição parenteral. É necessário trabalhar com o paciente e
manutenção de líquidos, eletrólitos, macronutrientes e o médico para determinar a natureza, o local e a duração da
micronutrientes bem como a introdução de uma dieta obstrução para que o tratamento nutricional seja
apropriada ao grau de má. Juntamente com outros individualizado.
nutrientes, pode ser necessária a suplementação com B12 e
ácido fólico se for identificada uma deficiência. A
deficiência nutricional aumenta a suscetibilidade a agentes 7.5 Doença Celíaca
infecciosos, agravando ainda mais a condição.
A prevalência de doença celíaca (DC) era
subestimada no passado e agora se considera que afete pelo
7.4 Estenoses e Obstruções menos 1 em 141 pessoas nos EUA, variando de acordo com
a raça e a etnia, com acentuada predominância entre os
7.4.1 Fisiopatologia brancos não hispânicos (Rubio-Tapia et al., 2012). O início
e a primeira ocorrência de sintomas podem se dar em
qualquer época, desde o primeiro ano de vida até a idade
Os pacientes com gastroparesia, aderências, hérnias,
adulta, mas o pico dos diagnósticos ocorre entre a quarta e a
cânceres metastáticos, dismotilidade ou vólvulo têm
sexta décadas. A doença pode tornar-se aparente quando um
propensão à obstrução, que pode resultar em bloqueio
lactente começa a comer cereais contendo glúten. Em
parcial ou completo do movimento dos alimentos ou das
alguns casos, pode não ficar aparente até a idade adulta, ao
fezes pelos intestinos. As obstruções podem ser parciais ou
ser desencadeada ou revelada durante cirurgia GI, estresse,
completas e ocorrer no estômago (obstrução da saída
gestação ou infecção viral. Pode ser descoberta em
gástrica), intestino delgado ou intestino grosso. Os sintomas
decorrência de avaliação de outro problema suspeito. Cerca
incluem aumento do volume abdominal, distensão
de 20% dos casos é diagnosticado depois da idade de 60
abdominal e dor, náuseas e vômitos.
anos.

As obstruções geralmente não são causadas por


alimentos em um indivíduo saudável de maneira geral; 7.5.1 Etiologia
entretanto, quando partes do sistema GI ficam parcialmente
obstruídas ou não se movem apropriadamente, os alimentos A apresentação em pré-escolares provavelmente
podem contribuir para a obstrução. Acredita-se que os inclua sintomas GI mais “clássicos” de diarreia,
alimentos vegetais fibrosos contribuam para a obstrução esteatorreia, fezes com odor muito fétido, aumento do
porque as fibras nos alimentos podem não ser volume abdominal, apatia, cansaço e pouco ganho de peso.
completamente mastigadas a ponto de atravessarem Embora geralmente se pense que os sintomas relacionados
segmentos estreitados do sistema GI. com o SGI sejam mais comuns, um número crescente de
pacientes não apresenta sintomas GI. Cinquenta por cento
7.4.2 Dietoterapia dos pacientes celíacos têm poucos ou nenhum sintoma
óbvio, e alguns estão com sobrepeso na apresentação
(Phatak e Pashankar, 2015). Na maioria das vezes, a DC é
A maioria dos clínicos recomendaria que os mal diagnosticada como síndrome do intestino irritável
pacientes com propensão a obstruções mastigassem os (SII), deficiência de lactase, colecistopatia ou outros
alimentos cuidadosamente e evitassem ingestão excessiva transtornos que não envolvam necessariamente o sistema GI
de fibras. Um paciente com obstrução intestinal parcial
porque a apresentação e o início dos sintomas variam vilosidades intestinais e alongamento das células das criptas
grandemente. (células secretoras), juntamente com uma reação imune
sistêmica geral (Sams e Hawks, 2014).
Os pacientes podem apresentar uma ou mais de um
grande número de condições associadas à DC: anemias,
fadiga generalizada, perda de massa corporal ou atraso do
crescimento, osteoporose, deficiências vitamínicas ou
minerais e (embora raro) malignidade GI. A dermatite
herpetiforme, outra manifestação da DC, apresenta-se como
rash pruriginoso; sua presença faz o diagnóstico de DC. As
pessoas que recebem o diagnóstico tardiamente na vida, que
não podem ou não querem seguir a dieta ou que foram
diagnosticas quando crianças, mas lhe disseram que
ficariam boas quando crescessem, têm risco mais alto de
apresentar complicações da DC em longo prazo (Nachman
et al., 2010).

O termo sensibilidade ao glúten é comumente usado


para descrever pessoas com sintomas inespecíficos, sem a
resposta imune característica da DC ou o dano intestinal
consequente. Intolerância ao glúten descreve indivíduos que
têm sintomas e podem ou não ter DC. Esses dois termos são
usados para descrever sintomas como náuseas, cólicas
abdominais ou diarreia depois da ingestão de glúten. Os
pacientes que apresentam esses sintomas geralmente devem
ser advertidos a seguir uma dieta sem glúten (gluten-free
[SG]) sem passar por uma investigação para excluir ou
confirmar um diagnóstico de DC porque (1) pode haver
uma condição clínica subjacente para a qual uma dieta SG
não seja o tratamento; (2) depois de seguir uma dieta SG
por meses ou anos, é difícil diagnosticar DC; e (3) embora,
em geral, seja um modo saudável de se alimentar, a dieta
SG pode ser cara e restritiva.

Os “desencadeantes” da DC não são ainda bem


compreendidos, mas cogita-se que os estressores (p. ex.,
doença, inflamação) tenham seu papel. Quando a DC fica
sem tratamento, a resposta imune e inflamatória finalmente
resulta em atrofia e achatamento das vilosidades. Com o
passar do tempo, o processo pode causar dano suficiente à
mucosa intestinal que comprometa as funções secretora,
7.5.2 Fisiopatologia digestiva e absortiva normais, levando a um
comprometimento da absorção de micronutrientes e de
DC ou enteropatia sensível ao glúten caracteriza-se macronutrientes (Kupfer e Jabri, 2012). As células das
por uma combinação de quatro fatores: (1) suscetibilidade vilosidades tornam-se deficientes em dissacaridases e
genética, (2) exposição ao glúten, (3) “desencadeante” peptidases necessárias para a digestão e também nos
ambiental e (4) reação autoimune. Glúten se refere a frações carregadores necessários para o transporte dos nutrientes à
peptídicas específicas de proteínas (prolaminas) corrente sanguínea. A doença afeta primariamente os
encontradas no trigo (glutenina e gliadina), centeio segmentos proximais e médios do intestino delgado,
(secalina) e cevada (hordeína). Esses peptídeos, em geral, embora segmentos mais distais também possam ser
são mais resistentes à digestão completa pelas enzimas GI e envolvidos (Sams e Hawks, 2014).
podem chegar intactos ao intestino delgado. Em um
intestino sadio normal, esses peptídeos são inofensivos, pois 7.5.3 Avaliação
a barreira intestinal está intacta e impede a translocação do
intestino. No entanto, em pessoas com DC, os peptídeos se
movem da luz intestinal através do epitélio intestinal e O diagnóstico de DC é feito por uma combinação
entram na lâmina própria, onde podem desencadear uma de avaliações clínicas, laboratoriais e histológicas. Nas
reação inflamatória que resulta em achatamento das pessoas com suspeita de apresentarem DC, deve-se
pesquisar um padrão geral de sintomas e histórico familiar. apresentarem sintomas mais intensos, como diarreia, perda
A biópsia do intestino delgado é o padrão-ouro para o de massa corporal, má absorção ou sinais de deficiências de
diagnóstico. Uma biópsia intestinal positiva para DC, em nutrientes (cegueira noturna, neuropatia, tempo de
geral, mostra atrofia vilosa, aumento dos linfócitos protrombina prolongado), devem-se verificar outras
intraepiteliais e hiperplasia das células das criptas. No vitaminas, como as lipossolúveis (A, E, K) e minerais
entanto, não se usa a biópsia para a triagem inicial em razão (zinco).
de seu custo e invasividade.
A cicatrização da mucosa intestinal que ocorre
Concentrações sanguíneas elevadas de certos depois do início de uma dieta SG melhora a absorção de
autoanticorpos são encontrados em pessoas com doença nutrientes, e muitos pacientes que ingerem dietas SG bem
celíaca. Avaliam-se diversos testes sorológicos na triagem balanceadas não precisam de suplementação nutricional. No
para doença celíaca. Esses testes identificam a presença de entanto, a maioria dos produtos SG não é enriquecida com
anticorpos no sangue, como antitransglutaminase tecidual ferro, ácido fólico e outras vitaminas B, como outros grãos
(anti-TTG) e anticorpos antiendomisiais e o peptídeo e, portanto, a dieta pode não ser tão completa sem
gliadina desaminado. A sensibilidade e especificidade suplementação pelo menos parcial. A anemia deve ser
desses testes são de 90% a 99% (Schyum e Rumessen, tratada com ferro, ácido fólico ou vitamina B12,
2013). Há incidência mais alta de deficiência de dependendo da natureza da anemia. Os pacientes com má
imunoglobulina A (IgA) em pacientes com DC; desse absorção podem se beneficiar de uma densitometria óssea
modo, os médicos costumam determinar as concentrações para pesquisar osteopenia ou osteoporose. A suplementação
de IgA quando os achados sorológicos são normais, mas o com cálcio e vitamina D provavelmente é benéfica nesses
quadro clínico geral sugere DC. Usar cápsula endoscópica pacientes. A reposição de eletrólitos e líquidos é essencial
com vídeo para a imagem da mucosa intestinal inteira pode para aqueles desidratados depois de diarreia intensa.
mostrar reação inflamatória relacionada com DC, mas hoje
não é utilizada no diagnóstico inicial (Bouchard et al.,
2014). Como a mudança da dieta altera os resultados Os pacientes que continuam com má absorção
diagnósticos, a avaliação inicial deve ser feita antes que a devem tomar um suplemento geral com vitaminais-minerais
pessoa tenha eliminado alimentos contendo glúten de sua até atender, pelo menos, às recomendações da DRI. A
dieta. Além disso, testes sorológicos podem ser utilizados intolerância à lactose e à frutose algumas vezes ocorre
para monitorar a resposta de um paciente recém- secundariamente à DC, e os álcoois de açúcares não são
diagnosticado tratado com uma dieta SG. bem absorvidos, mesmo em um intestino saudável. Uma
dieta com baixa lactose ou baixa frutose pode ser útil, pelo
menos inicialmente, para controlar os sintomas. Uma vez
Durante toda a vida, a adesão rígida a uma dieta SG que o sistema GI retorne à função normal, a atividade da
é o único tratamento conhecido para DC (o Quadro 28-7 lactase também pode retornar, e a pessoa pode voltar a
apresenta uma lista de escolhas seguras, questionáveis e adicionar lactose e derivados do leite à dieta.
inseguras na dieta SG). Tal dieta diminui enormemente o
processo autoimune, e a mucosa intestinal geralmente
reverte ao normal ou quase ao normal. Em duas a oito Na maioria das vezes, muitas frutas, verduras, grãos
semanas depois do início da dieta SG, a maioria dos não contendo glúten e derivados do leite que são simples e
pacientes relata que seus sintomas clínicos diminuíram. não sazonais são seguros de ingerir. As aveias antes eram
Melhoras histológicas, imunológicas e funcionais podem tidas como questionáveis para pessoas com DC; entretanto,
levar meses a anos, dependendo da duração da doença, da estudos extensivos têm mostrado que são seguras na dieta
idade do sujeito e do grau de adesão à dieta. Com um SG, contanto que puras, não contaminadas (Garsed e Scott,
controle dietético rígido, as concentrações dos anticorpos 2007). No entanto, uma população muito pequena de
específicos tornam-se indetectáveis em três a seis meses na pacientes com DC pode não tolerar até as aveias puras. Em
maioria das pessoas. Em alguns indivíduos, a recuperação geral, os pacientes não precisam ser desaconselhados a
pode ser lenta ou incompleta. incluir aveias SG na dieta, a menos que tenham
demonstrado intolerância às aveias SG.

7.5.4 Dietoterapia
Farinhas feitas de milho, batata, arroz, soja, tapioca,
araruta, sorgo, grão-de-bico, frutas oleaginosas (como a
A eliminação dos peptídeos de glúten da dieta é o farinha de amêndoa), amaranto, quinoa, painço, teff e trigo
único tratamento para a DC no presente. A dieta omite todo sarraceno podem ser utilizados como substitutos nas
o trigo, centeio e cevada da dieta porque estas são as receitas. Os pacientes podem esperar diferençasde texturas e
principais fontes das frações de prolaminas. sabores dos alimentos comuns ao utilizarem as farinhas
substitutas, mas as novas receitas podem ser palatáveis com
os devidos ajustes. Nos produtos de panificação SG, gomas
Em geral, devem-se pesquisar deficiências de como a goma de xantano, a goma guar e a celulose (de
nutrientes nos pacientes antes de se iniciar a suplementação. grãos sem glúten) servem para dar a elasticidade necessária
Em todos os pacientes recém-diagnosticados, o clínico deve para prender os gases fermentados nos produtos de
considerar a verificação das concentrações de ferritina, de panificação.
folato nas hemácias e de 25-OH vitamina D. Se os pacientes
lactose aumenta com o avanço da idade (Suchy et al.,
Uma dieta verdadeiramente SG exige exame 2010). Até os adultos que mantêm alta concentração de
cuidadoso dos rótulos de todos os produtos de panificação e lactase (75% a 85% dos adultos brancos de ascendência
alimentos embalados. Os grãos contendo glúten não são europeia ocidental), a quantidade de lactase é cerca da
usados apenas como ingredientes primários em muitos metade daquela de outras sacaridases, como a sacarase,
produtos, mas também podem ser acrescentados durante o alfadextrinase ou glicoamilase. O declínio da lactase é
processamento ou preparação dos alimentos. Por exemplo, comumente conhecido como hipolactasia.
proteína vegetal hidrolisada pode ser feita de trigo, soja,
milho ou misturas desses grãos.
7.6.2 Fisiopatologia
A dieta para a pessoa com DC exige uma mudança
importante do estilo de vida em função da ausência de grãos Quando são consumidas grandes quantidades de
tradicionais na dieta. Grande número de alimentos feitos lactose, especialmente por pessoas que têm pouca enzima
com trigo (em particular pães, cereais, massas e artigos de lactase restante ou com problemas GI concomitantes,
panificação) faz parte de uma dieta ocidental. No entanto, podem ocorrer fezes amolecidas ou diarreia. Como é o caso
há uma conscientização cada vez maior entre as empresas com qualquer açúcar mal absorvido, a lactose pode atuar
alimentícias e restaurantes da expansão da demanda de osmoticamente e aumentar a água fecal, bem como fornecer
alimentos SG, e as empresas do ramo da alimentação estão um substrato para a fermentação por bactérias intestinais, o
reagindo a isso. O indivíduo e seus familiares devem ser que pode resultar em aumento do volume abdominal,
ensinados sobre a leitura dos rótulos, os aditivos flatulência e cólicas. A má absorção da lactose deve-se a
alimentares seguros, a preparação dos alimentos, fontes de uma deficiência de lactase, a enzima que digere o açúcar do
transcontaminação (torradeiras, recipientes de condimentos, leite. A lactose não hidrolisada em galactose e glicose no
silos e bufês) e fontes ocultas de glúten (como os intestino delgado alto passa para o cólon, onde bactérias a
medicamentos e as hóstias e elementos da celebração da fermentam a AGCCs, dióxido de carbono e gás hidrogênio.
Comunhão) para cumprirem a dieta. Comer em lanchonetes,
restaurantes, locais de venda de alimentos, barracas de rua,
7.6.3 Tratamento Clínico
em casa de amigos e em eventos sociais pode ser um
desafio, especialmente no início.
A má absorção de lactose é diagnosticada por: (1)
um teste respiratório do hidrogênio anormal, ou (2) um teste
7.6 Intolerância à Lactose de tolerância à lactose anormal. Durante um teste
respiratório do hidrogênio, o paciente recebe uma dose
A intolerância à lactose é a síndrome de diarreia, padrão de lactose depois de jejum e se mede o hidrogênio
dor abdominal, flatulência ou aumento do volume na respiração. Se a lactose não for digerida no intestino
abdominal ocorrida depois do consumo de lactose. A delgado, passa para o cólon, onde é fermentada pela
intolerância secundária à lactose pode se desenvolver como microbiota intestinal a AGCCs, CO2 e hidrogênio. Este
consequência de infecção do intestino delgado, de último é absorvido na corrente sanguínea e expirado pelos
transtornos inflamatórios, do HIV ou de desnutrição. Nas pulmões. O teste respiratório do hidrogênio mostra aumento
crianças, é tipicamente secundária a infecções virais ou das concentrações 60 a 90 minutos depois da ingestão de
bacterianas. A má absorção de lactose comumente se lactose.
associa a outros transtornos GI, como a SII.
Durante o teste de tolerância à lactose, dá-se uma
7.6.1 Etiologia dose de lactose e, se o indivíduo tiver enzima lactase
suficiente, a glicemia se eleva, refletindo a digestão de
lactose em galactose em glicose. Se o indivíduo for
Altas concentrações da enzima lactase na intolerante à lactose (deficiente em lactase), a glicemia não
membrana de borda em escova estão presentes no intestino se elevará porque a lactose não é absorvida; passa para o
delgado de todos os mamíferos recém-nascidos. Depois do cólon e podem aparecer sintomas GI. O teste de tolerância à
desmame, cerca de 75% da população mundial diminui lactose baseou-se originalmente em uma dose oral de
dramaticamente a síntese da enzima apesar da exposição lactose equivalente à quantidade de 1 litro de leite (50 g).
contínua à lactose (Levitt et al., 2013). Diz-se que essas Recentemente, têm sido utilizadas doses mais baixas do que
pessoas têm não persistência à lactase. A maioria dos 50 g de lactose que se aproximam mais do consumo
adultos de ascendência asiática, africana, latina e de nativos habitual de lactose dos derivados do leite.
americanos é não persistente para lactase, enquanto a
maioria dos caucasianos é persistente para lactase. Relata-se
que a má absorção ou intolerância à lactose é baixa em A má absorção de lactose demonstrada nem sempre
crianças com menos de seis anos de idade, mas aumenta indica que uma pessoa será sintomática. Muitos fatores têm
durante toda a infância, alcançando o pico na faixa de 10 a seu papel, inclusive a quantidade de lactose ingerida, a
16 anos de idade. atividade residual da lactase, a ingestão de alimento além da
lactose, a capacidade da microbiota do intestino de
fermentar a lactose e a sensibilidade do indivíduo aos
Poucas evidências indicam que a intolerância à produtos de fermentação da lactose (Misselwitz et al.,
2013). O consumo de pequenas quantidades deve ter poucas tolerado. Embora o acréscimo de probióticos possa mudar
consequências porque os AGCCs são rapidamente isso, faltam evidências para comprovar (Morelli, 2014)
absorvidos, e os gases podem ser absorvidos ou eliminados.
Quantidades maiores, geralmente acima de 12 g/dia,
consumidas em uma única refeição (a quantidade 8 DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS
tipicamente encontrada em uma xícara de 240 mL de leite)
podem resultar em que mais substrato entre no cólon do que
As doenças inflamatórias intestinais (DII) são
este pode dispor pelos processos normais. Como os
crônicas e acometem o trato digestório. A história natural
tamanhos das porções das bebidas lácteas estão aumentando
caracteriza-se pela frequente exacerbação dos sinais e
e mais de uma fonte de lactose podem ser consumidas na
sintomas, com diferenças dependendo da localização e da
mesma refeição, as quantidades de lactose consumidas
extensão do processo fisiopatológico.
podem ser mais importantes do que no passado (Misselwitz
et al., 2013). As duas formas mais comuns de apresentação são:

Retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI): a inflamação é


7.6.4 Dietoterapia delimitada à mucosa do cólon, ocorrendo de maneira
contínua, e a manifestação mais comum é a diarreia
O tratamento da intolerância à lactose exige sanguinolenta.
mudança de dieta. Os sintomas são amenizados pela Doença de Crohn (DC): é uma doença inflamatória
redução do consumo de alimentos contendo lactose. As também de caráter granulomatoso, que pode afetar qualquer
pessoas que evitam derivados do leite podem precisar de parte do trato alimentar, desde a boca até o ânus, mas
suplementação com cálcio e de vitamina D ou precisam ter envolve predominantemente o íleo terminal e o cólon. É
cuidado e obter fontes desses nutrientes que não sejam segmentar e as manifestações predominantes na DC são a
laticínios. Não é necessária uma dieta completamente isenta diarreia e a dor abdominal.
de lactose nas pessoas com deficiência de lactase. A maioria
daqueles que digerem mal a lactose, podem consumir
alguma lactose (até 12 g/dia) sem sintomas importantes, A etiologia das DII é desconhecida e multifatorial,
especialmente quando ingerida com as refeições ou sob a mas são apontados quatro aspectos que apresentam grande
forma de queijos ou laticínios fermentados (Misselwitz et interação, além de sofrerem a influência de fatores
al., 2013) ambientais: os genéticos; os luminais (relacionados à
microbiota intestinal, seus antígenos e produtos metabólicos
e os antígenos alimentares); os relacionados à barreira
Muitos adultos com intolerância a quantidades intestinal (incluindo os aspectos referentes à imunidade
moderadas de leite finalmente podem se adaptar e tolerar 12 inata e à permeabilidade intestinal); e os relacionados à
g ou mais de lactose do leite (equivalente a uma xícara de imunorregulação (incluindo a imunidade adaptativa ou
leite integral em lactose) quando introduzida gradualmente adquirida).
em incrementos ao longo de várias semanas. A exposição
crescente ou contínua a quantidades crescentes de açúcar
fermentável pode levar à melhora da tolerância, não em É crucial a determinação do grau de gravidade ou
consequência do aumento da produção da enzima lactase, atividade da DII, pois a gravidade, a duração e a localização
mas, talvez, por alteração da composição da microbiota da doença são importantes na resposta ao tratamento.
intestinal. Isso foi mostrado com a lactulose, um Doenças na região perianal têm uma resposta menos
carboidrato não absorvido bioquimicamente semelhante à favorável à terapia nutricional.
lactose (Lomer, 2014). Diferenças de tolerância individuais
podem estar relacionadas com o estado de adaptação
colônica. O consumo regular de leite por pessoas com 8.1 Avaliação Nutricional
deficiência de lactase pode aumentar o limiar em que ocorre
a diarreia. Depois de vários anos com exacerbações cíclicas da
doença, os pacientes podem ter uma perda significativa da
A enzima lactase em comprimidos ou líquido ou em função do trato intestinal. Com isso, o comprometimento do
produtos lácteos tratados com a enzima lactase (p. ex., estado nutricional é frequente. Além disso, são vários os
Lactaid®) está disponível para aqueles que digerem mal a fatores que contribuem para a deficiência nutricional.
lactose e têm desconforto com a ingestão de leite. As
preparações comerciais de lactase podem diferir em sua
efetividade. Os produtos com leite fermentado, como os
queijos envelhecidos e iogurtes, são bem tolerados porque
seu conteúdo em lactose é baixo. A tolerância ao iogurte
pode resultar de uma galactosidase microbiana na cultura
bacteriana que facilita a digestão da lactose no intestino. A
presença de galactosidase depende da marca e do método de
processamento. Como essa enzima microbiana é sensível ao
congelamento, o iogurte congelado pode não ser tão bem
Dessa maneira, é importante verificar na avaliação
nutricional a ocorrência de perda de peso (que pode estar
mascarada pelo uso de corticosteroides, que levam à
retenção hídrica), anemia, deficiência de vitaminas e
minerais (ferro, ácido fólico, vitamina B12, cálcio) e
deficiência no crescimento de crianças. A hipoalbuminemia
é frequente, mas deve ser interpretada considerando o
processo inflamatório, pois por ser a albumina uma proteína
de fase aguda negativa, sua síntese pode estar diminuída na
resposta inflamatória dificultando o seu uso como marcador
nutricional. Dessa forma, torna-se importante observar o
valor da albumina sérica em conjunto com o nível sérico da
proteína C reativa (PCR), que reflete o estado inflamatório.
Níveis de PCR elevados (medição por método
ultrassensível) e albumina plasmática baixa são indicadores
de processo inflamatório, não sendo possível usar a
albumina, nesse caso, como marcador do estado nutricional.

8.2 Objetivos da terapia nutricional


1. Aplicar as recomendações nutricionais adequadas
de acordo com o tipo de doença e grau de atividade;
2. recuperar e/ou manter o estado nutricional;
3. manter o crescimento de crianças;
4. fornecer aporte adequado de nutrientes;
5. contribuir para diminuir a atividade e para aumentar
o tempo de remissão da doença.

8.3 Recomendações nutricionais

A tolerância individual deve ser levada em conta,


sempre tendo como objetivo principal a preservação de um
bom estado nutricional. A DC e RCUI, apesar das múltiplas
diferenças, compartilham sintomas semelhantes incluindo
dor abdominal, diarreia e risco de desenvolver desnutrição
em longo prazo. Dessa maneira, as recomendações são
apresentadas de forma conjunta.

Tendo em vista o uso constante de corticosteroides,


é importante que seja monitorado o nível de cálcio sérico e
vitamina D, de forma a programar reposições quando
necessário. A frequência de anemia nos pacientes com DII é
alta, e merece atenção especial.
Segundo o Consenso ESPEN (2017), dietas de Indicações para nutrição parenteral total
exclusão foram descritas para aliviar os sintomas, mas
apenas alguns estudos relatam indução de remissão, sendo 1. Obstrução intestinal;
necessário o desenvolvimento de estudos controlados para 2. Fístula de alto débito;7
evidência científica. 3. Hemorragia intestinal grave;
4. Isquemia ou perfuração intestinal;
5. Como terapia coadjuvante na fase aguda para
Nesse contexto inclui-se a dieta pobre em pacientes que não toleram a via enteral.
FODMAP (fermentable oligosaccharides, disaccharides,
monosaccharides and polyols). É uma dieta proposta para
diminuição dos sintomas. Os oligossacarídeos são os fruto- 8.4.2 Terapia nutricional enteral (TNE)
oligossacarídeos (FOS) e os galacto-oligossacarídeos Vantagens
(GOS). Consideram-se entre os dissacarídeos a lactose,
entre os monossacarídeos a frutose, e entre os polióis o 1. A presença de nutrientes estimula a secreção de
sorbitol e o manitol. Os alimentos que contêm esses hormônios (CCK, glucagon, hormônios intestinais)
componentes costumam apresentar alta osmolaridade, que têm efeito trófico na mucosa, mantém a
podendo levar à piora da diarreia. Além disso, esses integridade da mucosa e previne a translocação
compostos são altamente fermentáveis pelas bactérias do bacteriana (sepse);
trato digestório, aumentando a formação de gases, podendo 2. Promove a cicatrização da mucosa no trato
causar dor abdominal, distensão e cólica abdominal. gastrintestinal, alterando favoravelmente a
microbiota;
3. Reduz a permeabilidade intestinal, reforçando a
A proposta da utilização da dieta pobre em defesa de barreira e a adaptação;
FODMAP é de que seja feita durante 6 a 8 semanas, com 4. Evita a atrofia da mucosa, que é relatada com a
observação dos sintomas. No caso de persistência, a dieta NPT;
deve ser suspensa. Mas, se houver melhora da 5. Custo inferior ao da NPT;
sintomatologia, deve haver reintrodução dos alimentos ricos 6. Pode ser usada em nível domiciliar (não requer
em FODMAP para avaliar tolerância individualizada. internação).
Durante essa dieta há comprometimento principalmente na
oferta de carboidratos e cálcio. Além disso, o impacto sobre Desvantagens
a microbiota intestinal é intenso, uma vez que os FOS
constituem importantes prebióticos. 1. Palatabilidade baixa, necessitando, na maioria das
vezes, da utilização de sonda para infusão, a qual
pode resultar em lesão no EEI;
8.4 Vias de administração 2. Complicações, como diarreia, sangramento, refluxo
gastroesofágico e aspiração;
3. Não é recomendado usar a TNE durante muitos
Na fase aguda pode haver indicação de nutrição por meses por ano, quando adotada como terapia
via enteral ou mesmo parenteral, dependendo da gravidade primária.
e do déficit nutricional.

Indicações para uso da TNE


8.4.1 Nutrição Parenteral total (NPT)
Vantagens TNE é preferível à NPT por apresentar menor
incidência de complicações, especialmente de origem
1. Repouso intestinal com aumento da ação motora e infecciosa, e manter o trofismo da mucosa intestinal.
de transporte na mucosa comprometida; Alguns estudos têm sido realizados para investigar o efeito
2. Diminuição do estímulo antigênico (alimentos): a terapia nutricional (enteral ou parenteral) como terapia
mucosa está com aumento da permeabilidade e primária, ou seja, em substituição à terapia medicamentosa.
diminuição da função imune, contribuindo para Os resultados mostraram que, na RCUI, a NPT não é efetiva
diminuir a inflamação; como terapia primária; já na DC ativa, a NTP mostrou-se
3. Oferta de aminoácidos para renovação celular da tão efetiva quanto a NPT, mas inferior à terapia com
mucosa; corticosteroides. Segundo o consenso da European Society
4. Diminuição do processo inflamatório local e of Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN) 2017, em
fornecimento de substrato para regeneração. virtude da preocupação que permeia o uso de
corticosteroides e visando ao crescimento ideal de crianças,
a TNE pode ser adotada como terapia primária para
Desvantagens pacientes pediátricos com DC ativa. Por outro lado, o
consenso reforça que as pesquisas não têm apontando
1. Recidiva quando o paciente retorna à dieta normal
resultados favoráveis para adultos.
(quando usada como terapia primária);
2. Complicações mecânicas, metabólicas e
infecciosas. De uma forma geral, na DC, a TNE primária deve
ser reservada para casos selecionados, como crianças e e exclusão de outros processos de doença (Longstreth et al.,
adolescentes em que a terapia convencional com 2006). Esses critérios diagnósticos são usados na pesquisa
corticosteroides não funcionou e em casos de retardo no clínica e, em menor grau, na prática clínica. Além disso,
crescimento. incluem um refinamento dos subtipos de SII com base nos
padrões predominantes das fezes.
Na RCUI, os benefícios da nutrição por via enteral
ainda não foram claramente demonstrados, mas essa via é
recomendada na fase ativa da doença.

Na DC, há evidência para indicação da TNE na


prevenção e no tratamento da desnutrição, na fase aguda e
perioperatória, assim como para manter a remissão na
doença crônica agudizada. A utilização da nutrição
parenteral em associação à enteral tem resultados melhores
que TNE ou NPT isoladas no perioperatório na DC. Essa
terapia combinada está associada à redução na morbidade,
tempo de permanência hospitalar e custo-efetividade. A
NPT no período pré-cirúrgico pode diminuir as
complicações de pacientes desnutridos com DII, quando
administrada por um período de ao menos 5 dias. A
indicação de terapia parenteral deve ocorrer quando há
contraindicação de terapia enteral.

8.5 Síndrome do Cólon Irritável


8.5.2 Fisiopatologia
A síndrome do intestino irritável (SII) é uma
condição caracterizada por desconforto abdominal sem A fisiopatologia da SII ainda não foi completamente
explicação ou dor associada a alterações do hábito elucidada. Presume-se que alguns fatores desempenhem um
intestinal. Outros sintomas comuns incluem gases, papel na etiologia da SII, como alterações do sistema
distensão abdominal, diarreia e constipação, bem como nervoso (motilidade GI anormal e hipersensibilidade
aumento da ansiedade GI associada ao estresse psicossocial. visceral), alterações da microbiota intestinal, genética e
Esses sintomas podem ser vagos e transitórios, tornando a estresse psicossocial. As pesquisas têm tradicionalmente
SII um diagnóstico de exclusão. É classificada como enfocado a motilidade intestinal; entretanto, estudos da
transtorno funcional porque os exames não mostram motilidade do intestino delgado e do cólon mostram
anormalidades diagnósticas e, portanto, o diagnóstico resultados inconsistentes e não têm determinado um padrão
depende dos sintomas. Estima-se que 10% a 20% da predominante de atividade motora como marcador que
população dos EUA tenha SII, sendo as mulheres afetadas diagnosticaria a SII.A sensibilidade no sistema GI decorre
duas vezes mais do que os homens, embora esse possa ser da estimulação de vários receptores e nervos sensoriais na
um fator dos relatos (Koff e Mullin, 2012). Na maioria das parede intestinal que transmitem sinais à medula espinal e
vezes, pacientes com SII têm aumento dos dias perdidos na cérebro. Alterações nas áreas do cérebro envolvidas na
escola e no trabalho, diminuição da produtividade, modulação da dor, desregulação da divisão autônoma do
aumentos dos custos da atenção à saúde e diminuição da sistema nervoso e comprometimento da comunicação
qualidade de vida em decorrência de seus sintomas. cérebro intestino resultam em hiperalgesia (aumento da
sensibilidade à dor no intestino), hipersensibilidade visceral
e alteração da motilidade (Anastasi et al., 2013). A
8.5.1 Etiologia desregulação das concentrações de serotonina no sistema GI
correlaciona-se com o tipo de SII que um paciente
Nenhum marcador ou exame específico é apresenta; baixas concentrações de serotonina associam-se à
diagnóstico para SII. Ao pesquisar SII em um paciente, o constipação ou a um intestino preguiçoso, e concentrações
clínico precisa analisar cuidadosamente os registros mais altas de serotonina associam-se à diarreia ou ao
médicos já que numerosos medicamentos isentos de aumento do peristaltismo no intestino (Kanazawa et al.,
prescrição e prescritos podem causar sintomas abdominais, 2011; Stasi et al., 2014).
como dor e alterações do hábito intestinal. Além disso, os
sintomas da SII se sobrepõem ou são semelhantes aos de Os pesquisadores acreditam que o SBID contribua
outras doenças GI, como doença celíaca, doença para a SII; entretanto, muitos desses estudos não tiveram os
inflamatória intestinal, dispepsia funcional e constipação mesmos resultados
funcional.
quando repetidos. São necessários mais estudos para
Os critérios de Roma III para SII e seus subtipos compreender se o SBID se conecta diretamente com a SII
definem o diagnóstico com base na presença de sintomas GI ou é uma entidade separada.
significativas (ElSalhy e Gundersen, 2015). Uma
Condições psicológicas, como a depressão e combinação de fibras solúveis e insolúveis é o alvo para o
ansiedade, são quase sempre observadas em pacientes com tratamento de constipação. No entanto, aumentar a
SII. Embora não esteja claro se o estresse inicia a SII, ele quantidade de fibras insolúveis na dieta, especialmente nos
pode desencadear ou exacerbar os sintomas na SII. Não é pacientes sem constipação, pode realmente piorar os
incomum que pacientes com SII liguem seus sintomas ao sintomas da SII.
estresse da vida ou diário (Fadgyas-Stanculete et al., 2014).
Recomenda-se o consumo adequado de líquidos,
8.5.3 Tratamento Clínico sobretudo quando suplementos de fibras em pó são
utilizados. Embora aumentar a ingestão de fibras seja
componente habitual da terapia inicial da SII, os pacientes
O primeiro passo no tratamento da SII e outros podem ter sintomas contínuos possivelmente relacionados
transtornos GI funcionais inclui validar a realidade das com o tipo de fibra consumido. Estudos recentes mostram
queixas do paciente e estabelecer uma relação médico- que certos alimentos contendo carboidratos como aqueles
paciente efetiva. Os pacientes com SII devem ser ensinados altamente fermentáveis, na presença das bactérias do
que, embora sua condição não coloque a vida em risco, intestino, realmente exacerbam os sintomas da SII (Mullins
pode ser uma luta durante toda a vida para eles. O et al., 2014).
atendimento deve ser personalizado para ajudar o paciente a
lidar com os sintomas e os fatores que os desencadeiem. O
médico e o paciente devem compreender que nenhuma
terapia comprovadamente proporciona alívio para todos os 8.5.5 Plano de Alimentação com FODMAPs
pacientes. As opções de tratamento incluem medicamentos
focados principalmente no tratamento ou redução dos Pesquisas emergentes apontam que uma dieta pobre
sintomas, na redução do estresse e relaxamento e na em FODMAPs pode ser terapia efetiva no tratamento dos
nutrição por meio da modificação da dieta. A terapia sintomas GI em pacientes com SII (Halmos et al., 2014). O
medicamentosa tem por objetivo tratar os sintomas termo FODMAPs foi cunhado por um grupo de
associados à motilidade GI, à hipersensibilidade visceral ou pesquisadores australianos que teorizam que os alimentos
aos problemas psicológicos. Em geral, a opção de contendo esses tipos de carboidratos pioram os sintomas de
tratamento é determinada pelo padrão intestinal alguns transtornos digestivos, como a SII e a DII. A dieta
predominante e os sintomas que mais prejudicam a pobre em FODMAPs limita os alimentos que contêm
qualidade de vida do paciente lactose, frutose, fruto-oligossacarídeos (frutanos),
galactooligossacarídeos (galactanos) e polióis ou alcoóis de
açúcares (sorbitol, xilitol, manitol, isomaltase e maltitol).
8.5.4 Dietoterapia Esses carboidratos de cadeia curta são pouco absorvidos no
intestino delgado, altamente osmóticos e rapidamente
Os objetivos do tratamento nutricional para SII são fermentados pelas bactérias no intestino grosso, resultando
assegurar a ingestão adequada de nutrientes, particularizar a em gases, dor e diarreia nos indivíduos sensíveis. Os
dieta para o padrão GI específico de SII e explicar os papéis FODMAPs têm impacto cumulativo nos sintomas GI. Não
em potencial dos alimentos no tratamento dos sintomas. A foi ainda bem definido um valor de corte para as
implementação de intervenções nutricionais para SII deve quantidades aceitáveis de FODMAPs e é provável que ele
assumir uma abordagem gradual de simples a complexas. seja específico para cada paciente. Os pacientes podem
As etapas iniciais durante o aconselhamento nutricional tolerar pequenas quantidades, mas os sintomas podem
devem incluir: (1) análise das medicações em uso para SII e progredir ao consumirem quantidades que ultrapassem seu
outras medicações; (2) análise dos sintomas GI (duração, limite. O teste respiratório do hidrogênio, se facilmente
intensidade, frequência); (3) avaliação do estado nutricional disponível, pode ser útil para demonstrar quais alimentos
e da ingestão de alimentos; (4) análise da ingestão de são problemáticos para o indivíduo e ajudar a determinar a
suplementos (vitaminas, minerais, gorduras pré e dieta. O exame da dieta corrente do paciente, a fim de
probióticos, ervas); e (5) análise do uso de terapias mente– determinar desencadeantes em potencial e instruções sobre
corpo e os resultados conseguidos (Caldwell e Ireton-Jones, a dieta referentes à má absorção e controle das porções de
2012). alimentos contendo frutose, é finalizado antes da fase de
eliminação. A intervenção nutricional começa com a
eliminação da dieta de todos os alimentos ricos em
Durante a consulta inicial de nutrição, deve ser feita FODMAPs por um período de experiência de seis a oito
uma análise dos alimentos que podem agravar os sintomas semanas (Gibson, 2011). A fase de estimulação começa com
da SII. Há poucas evidências para restringir alimentos em lenta reintrodução controlada de uma categoria da dieta com
particular. Grandes refeições e certos alimentos podem ser FODMAPs por vez para observar sintomas e identificar os
pouco tolerados, como quantidades excessivas de lipídeos alimentos mais estimulados.
na dieta, cafeína, lactose, frutose, sorbitol e álcool,
sobretudo para os pacientes com SII com diarreia
predominante ou SII mista. As deficiências nutricionais que podem originar-se
com a dieta pobre em FODMAPs incluem ácido fólico,
A maioria dos estudos de fibras ou agentes de tiamina e vitamina B6 (por limitação de cereais e pães),
volume na população com SII têm mostrado deficiências
bem como de cálcio e vitamina D (por evitar laticínios). O 8.6.2 Fisiopatologia
objetivo é finalmente reduzir ou eliminar os sintomas GI,
criando uma dieta que inclua FODMAPs no teor de
ingestão mais tolerável e com o uso de alimentos Os mecanismos fisiopatológicos em evolução na
alternativos. Não apresenta uma cura, mas uma abordagem diverticulose e na diverticulite sugerem que inflamação
dietética a fim de melhorar os sintomas e a qualidade de crônica, alterações da microbiota colônica, transtorno da
vida (Marcason, 2012). Um número cada vez maior de função sensoriomotora colônica e motilidade anormal do
recursos facilita a adesão à dieta, incluindo um aplicativo cólon têm provavelmente papéis inter-relacionados no
dos criadores da dieta na Universidade Monash, na desenvolvimento da doença diverticular (Strate et al., 2012).
Austrália, vários livros de culinária e websites (Monash As complicações da doença diverticular variam de indolor,
University, 2014). sangramento leve e alteração do hábito intestinal à
diverticulite. A diverticulite aguda inclui um espectro de
inflamação, formação de abscesso, sangramento, obstrução,
8.6 Doença Diverticular e diverticulite fístula e sepse por perfuração (ruptura).

A doença diverticular é uma das condições clínicas 8.6.3 Tratamento Clínico e Cirúrgico
mais comuns entre as sociedades industrializadas. A
diverticulose caracteriza-se pela formação de excrescências
em forma de bolsas ou bolsos (divertículos) no cólon, os O tratamento inclui antibióticos e ajuste da ingestão
quais se formam quando a mucosa e a submucosa colônicas oral conforme tolerado. Os pacientes com casos graves de
herniam através de áreas enfraquecidas no músculo. A diverticulite com dor aguda e complicações provavelmente
prevalência de diverticulose é difícil de determinar, já que a precisarão de internação e tratamento com antibióticos
maioria dos indivíduos permanece assintomática. Esta intravenosos (IV) e alguns dias de repouso do intestino. A
condição se torna mais comum à medida que as pessoas cirurgia fica reservada aos pacientes com episódios
envelhecem, sobretudo naquelas com mais de 50 anos recorrentes de diverticulite e complicações quando houver
(Peery et al., 2012). Diverticulite é uma complicação da pouca ou nenhuma resposta à medicação. O tratamento
diverticulose que indica inflamação de um ou mais cirúrgico para diverticulite remove a parte doente do cólon,
divertículos. Na maioria das vezes, representa uma mais comumente o cólon descendente ou o sigmoide.
reativação da diverticulose; depois que se reduz em um
período de remissão, reverte ao estado de diverticulose. Nas 8.6.4 Dietoterapia
populações ocidentais, a diverticulose é encontrada mais
frequentemente no lado esquerdo, tipicamente no cólon
sigmoide; isso contrasta com o envolvimento colônico Historicamente, tem sido comum na prática clínica
direito encontrado nas populações da África e Ásia recomendar evitar frutas oleaginosas, sementes, cascas,
(Feingold e Whelan, 2008). milho e pipoca para prevenir sintomas ou complicações da
doença diverticular. No entanto, um estudo de 18 anos não
encontrou associação entre consumo de frutas oleaginosas,
8.6.1 Etiologia de milho ou de pipoca e sangramento diverticular (Strate et
al., 2008). De fato, demonstrou-se uma relação invertida
A causa da diverticulose ainda não foi claramente entre o consumo de frutas oleaginosas e pipoca e o risco de
elucidada. Estudos epidemiológicos têm implicado dietas diverticulite, sugerindo um efeito protetor.
pobres em fibras no desenvolvimento da doença
diverticular. As dietas pobres em fibras reduzem o volume Durante um episódio agudo de diverticulite ou
das fezes, predispondo os indivíduos à constipação e ao sangramento diverticular, a ingestão oral geralmente é
aumento das pressões intracolônicas, o que sugere que a reduzida até que os sintomas diminuam. Eventos
diverticulose ocorra em consequência de lesão do cólon complicados podem precisar de repouso do intestino e de
induzida por pressão. No entanto, um estudo verificou que suporte de nutrição parenteral (NP). Uma vez retomada a
uma dieta pobre em fibras não se associava à diverticulose, ingestão oral ou em casos leves a moderados, é prudente
e que uma dieta rica em fibras e evacuações mais frequentes começar uma dieta pobre em fibras (10 a 15 g/dia) como a
pode estar ligadas a aumento, e não diminuição, da chance dieta a progredir, seguida por um retorno gradual a uma
de divertículos (Peery et al., 2012). Outros estudos têm dieta rica em fibras.
focalizado o papel da diminuição das concentrações do
neurotransmissor serotonina em causar diminuição do
relaxamento e aumento dos espasmos da musculatura do Embora não haja evidências convincentes de que
cólon. Estudos também verificaram ligações entre a doença uma dieta rica em fibras reverta a fisiopatologia da doença
diverticular e a obesidade, insuficiência de vitamina D, falta diverticular, há razoáveis evidências de que esse tipo de
de exercício, tabagismo e certos medicamentos, incluindo dieta melhore os sintomas diverticulares (Tarleton e
anti-inflamatórios não esteroidais, como a aspirina e DiBaise, 2011). Uma dieta rica em fibras combinada a uma
esteroides (McGuire et al., 2015; Peery et al., 2012). hidratação adequada promove fezes pastosas e volumosas
que são eliminadas mais rapidamente e precisam de menos
esforço na defecação. As ingestões recomendadas de fibras
dietéticas, preferivelmente de alimentos, são de 25 g/dia benéficas (como lactobacilos e bifidobactérias), esse
para mulheres adultas e 38 g/dia para homens. alimento é dito prebiótico. Os FOS são um ótimo exemplo
de prebióticos; são encontrados naturalmente em alimentos
(alho, cebola, tomate, alcachofra, banana) ou adicionados
A ingestão de fibras deve aumentar gradualmente (p. ex., em iogurtes, suplementos e fórmulas enterais), ou,
porque pode causar distensão abdominal ou gases. Se um ainda, sintéticos (disponíveis comercialmente em sachês).
paciente não puder ou não quiser consumir a quantidade Outros prebióticos são a inulina, amido resistente e GOS.
necessária de fibras, suplementos de metilcelulose ou fibras
de Psyllium podem ser utilizados com bons resultados. Uma
dieta rica em fibras, possivelmente com suplementação de Os AGCC (acético, butírico e propiônico)
fibras, é preconizada na diverticulose assintomática para produzidos pelas bactérias intestinais têm diferentes ações
reduzir a probabilidade de progressão da doença, impedir a fisiológicas:
recorrência de episódios de sintomas e prevenir diverticulite
aguda. A ingestão adequada de líquidos deve acompanhar o 1. São fonte de energia para os colonócitos, sendo
alto consumo de fibras. O papel em potencial da microbiota importantes para a manutenção da integridade da
bacteriana alterada na inflamação diverticular sugere que barreira mucosa;
combinar terapia com probióticos e outras terapias pode dar 2. Diminuem o pH intestinal, afetando a atividade de
certo no tratamento deste transtorno (Maconi et al., 2013). enzimas microbianas: um dos mecanismos
propostos é a modificação de enzimas
(azorredutases, nitrorredutases, betaglucoronidase
9 PREBIÓTICOS E PROBIÓTICOS E AÇÃO NO etc.) produtoras de carcinógenos, reduzindo o risco
TRATO DIGESTÓRIO de desenvolvimento do câncer de cólon;
3. Diminuem o pH intestinal, que contribui para
menor solubilidade e menor reabsorção passiva de
O ecossistema intestinal é formado por mais de 50 ácidos biliares;
gêneros de bactérias, incluindo cerca de 1.000 espécies. No 4. Transferem água para o lúmen intestinal, facilitando
trato intestinal humano, existem cerca de 100 trilhões de a solubilidade e a absorção de minerais,
bactérias, e sua maior concentração está nos cólons, onde se especialmente do cálcio.
alojam em torno de 1 × 10 12 unidades formadoras de
colônias (UFC)/g. Entre essas bactérias estão algumas
patogênicas e as consideradas benéficas. A manutenção do Têm sido associados a ações sistêmicas: o ácido
equilíbrio da microbiota é essencial para a saúde do acético com a redução de ácidos graxos livres do soro; e o
hospedeiro. Em condições saudáveis, os microrganismos propiônico com a diminuição do colesterol no sangue.
benéficos “controlam” as bactérias nocivas, mantendo o Embora algumas dessas ações ainda estejam sendo
equilíbrio do ambiente intestinal. Esse equilíbrio baseia-se investigadas, ressalta-se a importância da fermentação
nas seguintes atividades das bactérias benéficas: bacteriana e sua relação com a síntese de AGCC de modo
geral. Mas cabe lembrar que os prebióticos são aqueles
1. competição por nutrientes com as patogênicas; carboidratos que interferem na microbiota intestinal,
2. produção de antimicrobianos; levando ao crescimento seletivo das bactérias benéficas.
3. ativação das respostas imune e inflamatória.

Alguns estudos têm mostrado um efeito promissor


Em situações nas quais as bactérias patogênicas se dos prebióticos particularmente no tratamento da
sobressaem, causando o desequilíbrio, uma das constipação intestinal. Tem sido sugerido que os prebióticos
repercussões pode ser a diarreia, conforme discutido no poderiam ter um papel relevante na prevenção do câncer de
tópico sobre DII. A composição da microbiota de um intestino, porém estudos ainda não necessários para mostrar
indivíduo depende principalmente de fatores relacionados a esse efeito. Além disso, não se sabe sobre a quantidade e o
aspectos ambientais, hereditariedade, hábitos alimentares e tempo de uso de prebióticos para que se obtenham os
uso contínuo de medicamentos (especialmente antibióticos). efeitos benéficos. Outros alimentos contêm as bactérias
Já nos primeiros meses de vida o tipo de alimentação benéficas e são ditos probióticos, como os leites
influenciará a microbiota em formação. O aleitamento fermentados e outros produtos lácteos. Também estão
materno tem importante papel por estimular o disponíveis na forma de sachê. Cabe ressaltar que o
desenvolvimento das bifidobactérias, que são em geral alimento que contém ambos é denominado simbiótico.
benéficas. Uma das importantes funções da microbiota é a
síntese de vitaminas e a produção dos ácidos graxos de
cadeia curta (AGCC), a partir da fermentação de resíduos Os probióticos devem conter microrganismos
alimentares. Esses resíduos são principalmente os viáveis de linhagem pertencente à microbiota, que resistem
carboidratos não absorvidos. Em média, 10 a 60 g/dia de à acidez gástrica, ser seguro para uso humano, com
diferentes carboidratos são fermentados ao longo do trato durabilidade durante armazenamento e capacidade de
digestório, especialmente nos cólons. aderência na mucosa intestinal, produzindo efeitos
benéficos. Embora a interação específica entre o hospedeiro
e a microbiota intestinal ainda tenha sido pouco estudada, é
Quando o alimento apresenta um ingrediente que reconhecido que uma regulação imunofisiológica é gerada
resiste à digestão pelas enzimas e chega ao intestino, sendo no intestino, dependente da população de bactérias
capaz de estimular o crescimento seletivo das bactérias benéficas. A ingestão de 109 a 1011 de bactérias lácticas
tem se associado com a diminuição da incidência, duração e
gravidade de doenças gástricas e intestinais. Outras
aplicações dos probióticos observadas em estudos são:
preservação da integridade intestinal e atenuação dos efeitos
de outras doenças intestinais, como a diarreia infantil
induzida por rotavírus, diarreia associada ao uso de
antibióticos, doença inflamatória e colite, além de melhora
da intolerância à lactose. No entanto, para alguns casos, as
cepas e a quantidade ainda estão sendo pesquisadas.

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