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Nessa altura do diálogo, Sócrates pergunta a Cálicles para qual serviço do Estado ele o
convidava. Seria o de um médico da cidade, buscando melhorar os cidadãos, ou o de
servo ou lisonjeador do Estado? Cálicles responde que seria o segundo caso, e repete a
advertência de que o tirano poderia matar o filósofo e tomar os seus bens, ou ainda,
Sócrates poderia ser chamado injustamente à corte de justiça.
Sócrates conhece esse perigo, mas adverte Cálicles de que é o único que pratica a real
arte da política em Atenas. Somente ele tem em vista o bem dos cidadãos e não a mera
satisfação dos desejos da cidade. O filósofo seria julgado em uma corte de justiça como
seria julgado um médico que receita medidas e remédios desagradáveis aos seus
pacientes tendo em vista somente a saúde destes. Ele não poderá apresentar uma série
de agrados feitos às vontades dos cidadãos da cidade como fazem os lisonjeadores do
:
povo.
E de nada adiantaria, na corte, defender-se dizendo que tudo o que fez foi por amor à
justiça, se o acusassem de corromper a juventude e falar mal dos antigos. Sócrates
morreria (como, de fato, morrerá) por não possuir os talentos da lisonja e da retórica.
Porém, a morte Sócrates não teme, só o agir errado. Pois o pior dos destinos é descer ao
Hades cheio de injustiças cometidas em vida.
Para provar o último ponto, Sócrates propõe uma história que acredita ser ver verdadeira.
Nos dias de Cronos, havia uma lei, segundo a qual aqueles que viveram esta vida em
justiça seriam enviados à Ilha dos Bem-Aventurados, e, ao contrário, aqueles que
viveram esta vida injustamente seriam enviados ao Tártaro. O julgamento se dava no
próprio dia da morte dos homens, estando estes e os juízes vivos. A consequência era
que os julgamentos não eram bem feitos.
Os corpos e as vestes agiam como véus que escondiam dos juízes as almas manchadas
pela injustiça. Zeus, então, determinou primeiramente que os homens não mais
soubessem o dia de sua morte, e que o julgamento acontecesse somente com os
homens e os juízes igualmente nus, isto é, mortos. Minos e Radamante julgariam os
asiáticos e Aecus julgaria os europeus.
Alguns homens melhoram com os castigos, e são considerados curáveis, mas outros, os
culpados de grandes e de graves crimes, não se tornam melhores com o castigo, pois
são incuráves. Eles se tornam exemplos para os outros por sua pena eterna, e Sócrates
diz ter certeza que entre estes encontram-se Arquelaus, admirado por Polos, e tiranos,
reis, potentados e homens públicos. Pois Homero confirma isso ao não colocar Tersites
no Tártaro, mas sim os reis Tântalo e Sísifo. O homem comum não comete grandes
crimes. Os piores homens vêm da classe daqueles que detêm o poder.
Então, Sócrates diz, o desejo da verdade é seu único desejo, além de viver uma vida boa
moralmente. E o filósofo exorta Cálicles (e a todos os homens) a fazer o mesmo,
entrando no combate da vida, que é maior do que qualquer conflito terreno.
Posteriormente, Sócrates reafirma as verdades de que cometer injustiça é pior do que
sofrer injustiça e de que a virtude deve ser buscada sobre todas as coisas, na vida
pública ou na vida privada.
Sócrates, com o mito, solicita que Cálicles reveja a sua decisão fundamental diante da
vida. Ele deve imaginar-se morto e diante de um juiz supremo para avaliar o transcurso
de sua vida e perceber o sentido que ela desvela. Memento mori. Lembrar da morte é
lembrar o caráter eterno das decisões tomadas. Nada mais pode ser feito, tudo está dado
definitivamente. No fundo, a questão socrática é saber qual é a vida boa, a vida que
merece ser vivida.
Górgias pretende ensinar a persuasão sem ter em conta a justiça, Polus só enxerga o
poder discricionário e arbitrário que o orador e o homem de Estado possuem, e Cálicles
almeja viver irrefreadamente de acordo com todos os seus desejos. Influência, poder e
desejo são os valores determinantes nesses personagens. Mas em Sócrates a busca da
virtude é o centro da vida filosófica.
(fim do comentário)
...
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