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A Christmas

Miracle
INTRODUÇÃO À MEDICINA DA MULHER
TRONCO COMUM II b)

ELABORADA PELOS ALUNOS DO 20-26


COORDENAÇÃO E EDIÇÃO FINAL: RUI GORDO
2021-2022
A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Índice
Aula 1 – Gravidez Normal / Trabalho de Parto Normal ................................................................ 2
Aula 2 – Casos Clínicos de Vigilância da Gravidez ....................................................................... 23
Aula 3 – Casos Clínicos de Vigilância do Trabalho de Parto ........................................................ 32
Aula 4 – Principais Complicações da Gravidez / Principais Complicações do Trabalho de Parto 39
Aula 5 – Casos Clínicos Sobre Complicações da Gravidez ........................................................... 57
Aula 6 – Casos Clínicos Sobre Complicações do Trabalho de Parto ............................................ 68
Aula 7 – Ciclo Menstrual e Suas Alterações / Planeamento Familiar ......................................... 81
Aula 8 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas Frequentes .............................................. 94
Aula 9 – Casos Clínicos Sobre Planeamento Familiar................................................................ 100
Aula 10 – Principais Doenças Ginecológicas Infeciosas e Tumorais Benignas / Principais
Doenças Ginecológicas Malignas .............................................................................................. 111
Aula 11 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas Frequentes .......................................... 136
Aula 12 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas Frequentes .......................................... 142

Agradecimentos

Não posso deixar de agradecer a todos os que contribuíram para que


estas desgravada de Introdução à Medicina da Mulher fosse completada
com sucesso!

Alexandra Almeida
Catarina Mendes
Inês Castanheira
Isabel Cardoso
Jessica Machado
Joana Silva
Madalena Calheiros da Gama
Margarida Torres
Mariana Pereira
Matilde Calheiros da Gama
Raquel Julião
Rodrigo Coutinho

Obrigado pelo Esforço e por me Terem Aturado!!!

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Aula 1 – Gravidez Normal / Trabalho de Parto Normal

Data Docente
Prof. Diogo Ayres de Campos / Dra. Mónica
15/11/21
Centeno

Compreende-se por medicina da mulher dois grandes ramos da medicina: obstetrícia e


ginecologia. Podemos então concluir que se refere ao acompanhamento ginecológico de rotina
(que geralmente se inicia na puberdade) e depois durante a gravidez e parto (antes, durante e
após). Ao período imediatamente pós-parto chamamos de puerpério.

É preciso então começar pelo início da geração de um novo ser. Tudo se inicia a meio do ciclo
menstrual quando se dá a ovulação, a libertação de oocitos . Depois disto o ovulo é captado pela
trompa e a fecundação dá-se no terço externo da trompa onde os dois pronucleos (feminino e
masculino se fundem). Perto do osteo do útero com as trompas, dá-se a divisão célular máxima
(a nível das trompas), a mórula. Quando se dá a implantação no útero passamos a denominar
de blastocisto.

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A datação da gravidez pode ser calculada de uma forma grosseira considerando o 1º dia de
menstruação. O tempo de gravidez pode depois ser corrigido (mais detalhado) pela ecografia. A
datação da gravidez é feita de uma forma mais detralhada por semanas e dias.

1 st day last menstrual period Ovulation Missed menstruation

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Weeks of pregnancy

Logo no inicio da gravidez desenvolvimento do feto é muito semelhante (standart) logo permite
que se faça uma ecografia precoce para corrigir/confirmar o tempo de gravidez. Alguns
parâmetros são tidos em conta como o comprimento craniocaudal.

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Geralmente uma gravidez dura 4º semanas sendo que são divididas artificialmente duas fases:
embrionia e fetal.
A fase embrionica / período embrionário (primeiras 10 semanas) corresponde ao período em
que os principais órgãos se estão a desenvolver. Nesta fase, o embrião é extremamente sensível
a fatores ambientais.
Durante a restante fase, considera-se uma fase fetal, que corresponde a uma fase de
crescimento do feto.

Em suma, podem destacar-se vários eventos ao longo da gravidez:


• às 4 semanas: detecção do saco gestacional pela ecografia
• ás 5 semanas: teste à urina onde se detecta hCG (hormona coreonica huma produzida
pela placenta)
• a partir da sexta semana é possível realizar uma ecografia trans-vaginal, para
confirmação da gravidez (sendo que já se consegue detectar o saco gestacional, o
enbriao e os repectivos batimentos cardíacos)
• as 20 semana a mulher sente os primeiroa movimentos fetais

Em condições normais, o nascimento de bebe da-se às 39/40 semanas (termo da


gravidez).
No entanto, em algumas situações como infecções ou reações imunes o organismo
humano atua no sentido de a proteger e expulsa do feto naturalmente (aborto
espontâneo). Os bebes pre-termo/ prematuros nascem antes do termo da gravidez,
requerem cuidados especiais, mas já são (eventualmente) capazes de concluir o seu
desenvolvimento do exterior do útero. Noutros casos ainda, é necessário induzir o
trabalho de parto.

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Na gravidez de baixo risco, toda a gravidez é acompanhada no cuidado de saúde


primários sendo que depois das 35 semanas a gravida é referenciada para hospital é
referência (hospital onde pretende que o parto se realize).

Já nos casos de gravidez de risco, a grávida é acompanhada sempre no seu hospital de


referência.

A primeira consulta pré-natal decorre normalmente na sexta semana de gravidez,


depois disto, as consultas pré-natais são mensais até à 32ª semana de gravidez. Desde
a 32ª à 37ª semana de gravidez estas consultas tornam-se quinzenais. Isto sucede com
as gravidezes ditas normais, sem risco associado. Quando existe algum fator de risco
este esquema de acompanhamento de ser alterado, adaptado.

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Vigilância na gravidez: peso, TA (despiste de pré-eclâmpsia, altura uterina (avaliação do


crescimento de feto), frequência cardíaca fetal
(doopler-mais usado e estetoscópio de bilhar)

Para além destes parâmetros serem avaliados, realizam-se ecografias especificas:

Ecografia 1º semestre: despiste de aneuploidias; trissomias


Ecografia 2º semestre: morfológica (detecção de malformações)
Ecografia 3ª semestre: crescimento

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Ecografia trans-vaginal e trans-abodiminal

Como foi dito anteriormente na primeira ecografia são usados vários marcadores para
o despiste de aneuploidias sendo que o mais relevante é a transluscência da nuca. O
perímetro cefálico, perímetro abdominal e comprimento do fêmur são os marcadores
de crescimento mais utilizados.

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Analises na gravidez: durante a gravidez também se fazem analises frequentes.

RH negativo não tem qualquer problema


RH positivo: pode desenvolver anticorpos ao bebe se o pai for RH negativo
Hemograma (despiste de anemia)
Analises à urina (despiste de infecções urinarias; prevenção de parto partos pré-termo)
Glucose (inferir acerca de diabetes gestacional)
Rastreio de nfecções congênitas serológicas (siflis, citomagalovirus, rubeola,
toxoplasmose)

A gravidez não requer cuidados alimentares adicionais mas é um momento propício a


rever alguns hábitos alimentares. Em condições normais, numa gravidez que decorra
sem percalços são apenas dados conselhos generalistas e que deveriam ser cumpridos
em qualquer fase da vida.

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No entanto, devem ser evitados, de uma forma absoluta, alguns hábitos durante a
gravidez:
• Consumo de álcool
• Alimentos lácteos não-pasteurizados (leite, queijo e patês)
• Alimentos cruz ou mal cozinhados (em especial) ovos, carne e peixe (alimentos
associados a samonella/toxoplasmose)

Alguns alimentos devem ser limitados no seu consumo:


• Fígado (contem vitamina A, potencialmente teratogênica)
• Peixes espada e atum (normalmente ricos em mercúrio)
• Cafeína / teofilina (maior risco de aborto; de baixo peso fetal)

A toxoplasmose é uma infecção parasitaria que por norma não tem qualquer risco para
pessoas saudáveis, mas no caso de gravidas, está associada a malformações. Muitas
pessoas têm contacto com este parasita antes da gravidez, mas no caso de a gravida não
ser imune é aconselhado:
• Lavagem de mãos de cozinhar
• Lavar cuidadosamente legumes e frutas, e de preferência apenas consumir estes
alimentos em casa
• Comer carne bem cozinhada
• Evitar contacto com gatos (e se necessário usar luvas)

Em relação ao peso que a grávida deverá ganhar durante a gravidez, devemos considerar
o peso do feto que se acontece sobretudo na 30ª semana e que no final da gravidez é
em média 3,5 kg

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Apesar disto, a grávida também aumenta de peso devido a outras estruturas como a
placenta, o líquido amniótico, mamas, sanguíneo e edema (em geral é expectável que
aumente cerca de 12,5kg)

E é claro que o peso adquirido durante a gravidez depende do peso prévio da grávida.

Alguns suplementos vitamínicos são fortemente recomendados:


• ácido fólico (no planeamento da gravidez e até às 12 semanas
• Ferro (se necessário, ir dosando os níveis séricos de hemoglobina na perceber se
é necessário)
Outros suplementos são desaconselhados como a vitamina A (devido aos efeitos
teratogênicos). Se a alimentação for pobre em algum nutriente, em casos específicos
podem ser prescritos.

A grávida pode e deve continuar a trabalhar desde que o seu trabalho não envolvas
esforços/riscos físicos, possa fazer uma pausa a cada 2h,

A atividade fica também deve ser mantida desde que de uma forma moderada (manter
capacidades motoras; aliviar stress)

Na grande maioria dos casos, salvo exceções, as gravidas podem continuar a ter
atividade sexual, as roupas devem ser confortáveis
Álcool e tabaco na gravide estão fortemente desaconselhados.
Relativamente a viagens não há grandes preocupações, o maior conselho será poderem
levantarem-se a cada 2h e usar meias de compressão elástica (prevenir situações de

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trombose). É claro importante, averiguar quanto aos cuidados de saúde e acessos aos
mesmos em viagens mais longas.

Algumas vacinas são benéficas no período da gravidez (para o bebe e para a mãe:
• Tétano
• Tosse convulsa
• Gripe
Vacinas de organismo vivo atenuado são contraindicadas.

Algumas adaptações da mulher na gravidez estão associadas ao facto de a mãe


assegurar as necessidades de O2 e nutricionais do bebe.
O organismo materno adapta-se a estas alterações sobretudo devido à variação
hormonal.
O aspeto mais relevante são os níveis mais elevados de estrogênios e progesterona, o
que aumenta os níveis de plasma e consequentemente promove a anemia fisiológica da
gravidez (devido ao racio hemoglobina/plasma)

Os estrogênios também são responsáveis pelo aumento do debito e frequência


cardíacos.
Há uma dilação da uretra devido aos valores de prolactina (fisiológica). E os níveis
elevados de hCG são responsáveis pelos sintomas digestivos (vômitos, náuseas, desejos,
refluxo gastresofágico e obstipação).

Para além disto, os estrogênios são responsáveis pelo aumento da pigmentação em


zonas especificas:
• mamilos, vulva, linha branca
• face (cloasma gravídico)

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E também cursa com a dilatação de vasos


periféricos:
• Telanctagias
• Eritema palmar

Edema: devido a compressão da veia cava


São comuns estrias e edema (nas gengivas pode levar a sangramento) e pernas
Os estrogênios ainda são responsáveis por outras alterações anátomo-fisiológicas:
• Aumento da elasticidade das articulações
• Lordose lombar (para compensar o peso do útero)

O parto consiste então em duas fases: trabalho de parto (contrações uterinas rítmicas e
regulares que visam alterações cervicais a nível do colo do útero, dilatação e
apagamento). O parto culmina com a expulsão do feto e da placenta.

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Através do exame objetivo (toque vaginal, digital) pode-se inferir acerca das
características do colo do útero (consistência, posição, apagamento e dilatação), da
posição do bebe e da progressão da cabeça.
Dilatação corresponde à abertura circunflexa do colo do útero

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O apagamento do colo do útero, por outro lado corresponde ao encurtamento do colo


uterino, o fenômeno de dilatação dá-se em simultâneo com o apagamento.

É importante também perceber a situação fetal, ou seja, se o feto estiver em posição


longitudinal (maior eixo do feto e da mãe estão alinhados) é possível realizar um parto
normal. Se por outro lado, o bebe se encontrar em posição transversa (ombros) o parto
terá de ser efetuado por cesariana.

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É também importante estabelecer o conceito de apresentação: cefálica, pélvica ou de


ombro

Através das manobras de Leopold (palpação abdominal da grávida podemos concluir


acerca da posição do feto e assim perceber se o parto será um parto por via vaginal ou
uma cesariana (raro).

Este exame tem vindo a ser substituído pela ecografia

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Durante um parto, essencial saber a posição da cabeça fetal (imaginemos um parto


instrumentalizado). Neste caso, a referência anatômica é o osso occipital do feto, que
pode ser confirmado percebendo a posição das suturas e fontanelas.

Existem então varias posições possíveis:


• Oxipito-esquerdo. Anterior
• Oxipito-direito-anterior
• Oxipito-esquerdo-anterior
• Oxipito-direito-posterior
• Oxipito-esquerdo-transverso
• Oxipito-drireito-transverso
• Oxicpito-anterior (mais frequente)
• Oxipito-posterior

Para além da posição da cabeça do feto também é importante ir acompanhando a


descida do bebe no canal de parto. Para isto tem-se como referência anatômica a
espinha isquiática

O trabalho de parto pode ser divido em três fases:

Expulsão da placenta: dequitadura

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Movimentos cardinais do parto:

Durante o parto:

1. Encravamento da
cabeça na bacia;
2. Descida (da cabeça)
no canal de pato
3. Flexão extrema da
cabeça (queixo
aproxima-se do tórax)
4. Extensao
5. Rotação externa
6. Expulsão

Alguns procedimentos médicos são necessários durante o parto: tais como

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Episiectomia (só em casos muito necessários; corte no períneo, apenas em eminencia


de laceração.

Ao proteger o períneo, a outra mão está a proteger a acompanhar a cabeça fetal, e com
o outro dedo deve tentar desenrolar/pesquisar a circular do cordão umbilical.

Assim que é possível ver a cabeça do bebe, o médico coloca as mãos em cada occipital
e faz tração no sentido descendente, para que primeiro seja expulso o ombro anterior.

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De seguida, as mãos do médico, mantem-se sobre os parietais, mas o médico deve


tracionar no sentido ascendente, para que haja uma libertação do ombro posterior

O último passo da expulsão do bebé é a clampagem do cordão umbilical, caso este não
sido realizada anteriormente.

Prevenir hemorragia pós-parto (emergência obstétrica): profilaticamente administração


de oxitocina IV profilaticamente para induzir contrações naturais;
É também importante acompanhar todo o processo de dequitadura:

Simultaneamente à tração do cordão umbilical, é importante evitar a inversão uterina,


ou seja, que o colo do útero saia, para tal, pressiona-se o abdômen, com a intenção de
auxiliar na manutenção do formato do útero.

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Após de dequitadura, deve-se avaliar a contração uterina, inspecionar o canal de parto


e se houver algum sangramento proceder à sutura das mesmas.

Um dos procedimentos pós-parto passa por inspecionar a placenta (com o objetivo de


perceber se foi totalmente expulsa ou se ficou algum remanescente no útero materno.

As duas horas após o parto são horas que devem serem dedicadas a vigilância: aumento
de risco hemorragia uterina, dificuldades respiratórias e cardíacas.

Contrações uterinas podem comprimir o cordão umbilical, dificultar a perfusão da


placenta e a oxigenação do feto e até induzir hipoxia. Por esse motivo, é importante
monitorizar a frequência cardíaca do feto

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Para tal, usa-se o CTG: O CTG mede a frequência cardíaca (batimentos do coração por
minuto) do bebé. Ao mesmo tempo, monitoriza também as contrações do útero. Este
método pode ser utilizado durante o período pré-natal (antes do parto) ou durante o
trabalho de parto, para monitorizar sinais de diminuição do oxigénio disponível para o
bebé (sinais de stress fetal). Através da avaliação de diferentes aspetos da frequência
cardíaca registados num gráfico, os médicos e enfermeiros (parteiros) podem avaliar o
bem-estar do bebé.

Com o CTG fetal é possível ter informação sobre a frequência cardíaca fetal e sobre a
contractilidade uterina

Podemos também usar o doppler e o ECG fetal (durante o parto, depois de bolsa ter
rompido)

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Quais os parâmetros que podemos avaliar com o CTG fetal?


1- Baseline
2- Variabilidade
3- Acelerações
4- Desacelerações

À esquerda uma bradicardia fetal (bbp inferiores a 110); à direita uma taquicardia fetal
(bpm superiores a 160)
Num ctg suspeito:
• Posso reduzir as contrações uterinas (reduzir a administração de oxitocinas);
• Trocar a posição materna
• Corrigir a hipotensão materna

Existem situações mais graves (ditas irreversíveis)


• Rutura uterina
• Descolamento de placenta
• Prolapso do cordão umbilical

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Aula 2 – Casos Clínicos de Vigilância da Gravidez

Data Docente
18/11/21 Dra. Mónica Centeno

Caso 1
• 32 anos;
• G2P1 (Gesta 2, Para 1; Gesta 2 significa 2 gestações; Para 1 significa 1 parto, sendo que
o parto é qualquer nascimento de um feto vivo ou morto após as 22 semanas de
gravidez; A gravidez presente já conta para o número de gestações; ou seja, é a segunda
vez que esta mulher está gravida e já teve um parto);
• Costuma ter ciclos regulares, 30/5 (30 é o intervalo de dias entre cada menstruação e 5
é o número de dias que a mulher está menstruada);
• Última menstruação no dia 03/09/2021 (quando falamos da data da última
menstruação falamos do primeiro dia de perda menstrual da última menstruação)

Vamos tentar datar esta gravidez, sendo o dia de hoje 18/11/2021. Se ela refere que a última
menstruação foi a 3/9/2021, este é o dia zero, e vamos contar semanas e dias até à data atual.
Assim para este caso temos uma gravidez de 10 semanas + 6 dias. Este cálculo é feito por
amenorreia (falta menstrual). Mas se ela menstruou a 3/9, ela no dia a seguir não estava
imediatamente grávida, o que é verdade, apenas foi convencionado fazer assim o cálculo.
Convencionou-se clinicamente e do ponto de vista científico datar a gravidez a partir do primeiro
dia da última menstruação, sendo que na realidade ela só terá engravidado duas semanas depois
deste primeiro dia da última menstruação.

Acham que nesta idade gestacional a primeira ecografia de rotina já estará realizada? Não, já
que a primeira ecografia de rotina se faz por volta das 12 semanas (correndo tudo bem enão
havendo intercorrências), no entanto esta senhora recorreu às urgências e fez uma ecografia no
serviço de urgência no dia 18/11, e verificamos que o embrião tinha um comprimento crânio-
caudal compatível com 9 semanas + 2 dias. Esta é outra maneira de datar a gravidez. Quando
datamos por ecografia, vamos medir o comprimento do embrião deste a ponta mais distal
cefálica, à ponta mais caudal, e este comprimento em milímetros, corresponde de maneira
muito precisa à idade gestacional em semanas mais dias.

Registamos uma incongruência: pela falta menstrual registamos que a gravidez tem 10 semanas
+ 6 dias e pelo comprimento crânio caudal tem 9 semanas + 2 dias. Que idade gestacional é que
devo considerar? Lembrem-se que quando a idade gestacional calculada por falta menstrual e a
idade gestacional calculada por ecografia diferem mais de uma semana, devemos sempre
considerar a ecografia, visto ser mais fiável nestas circunstâncias. Assim assumimos que esta
grávida tem 9 semanas + 2 dias de gravidez.

Que outros exames podia requerer a esta senhora (imaginemos que não tem quaisquer
queixas)?
• Ecografia das 12 semanas, tendo como principal objetivo datar a gravidez, visto ser com
essa ecografia que vamos aferir a idade gestacional, por outro lado fazer o rastreio de
malformações graves que se possam averiguar nessa fase, e por outro lado é na
ecografia das 12 semanas que fazemos o rastreio da trissomia 21 (Síndrome de Down).
Isto é importante porque as mulheres engravidam cada vez mais tarde e o risco de
trissomia 21 aumenta com o aumento da idade materna, sendo assim importante

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perceber o risco específico do feto para trissomia 21. Fazemos assim o rastreio
combinado da trissomia 21, que consiste em avaliar uma série de marcadores:
o Existência de uma zona mais clara na nuca do embrião (translucência da nuca),
quando esta está muito aumentada, o risco de trissomia 21 aumenta;
o Quando os ossos nasais estão ausentes ou são muito hipoplásicos, o risco de
trissomia 21 também aumenta.
Quando temos risco aumentado de trissomia 21 neste rastreio combinado, a maior
parte das vezes temos de avançar para exames mais elaborados que nos permitam ter
mais algum grau de certeza relativamente à trissomia 21. Em última análise pode ser
necessário fazer uma amniocentese, que é um procedimento em que retiramos uma
quantidade de líquido amniótico do saco amniótico, via punção pela parede abdominal,
para analisar o cariótipo do feto.
• Avaliação analítica do sangue com as rotinas do 1º trimestre:
o Hemograma;
o Glicémia em jejum (rastreio de diabetes gestacional);
o Grupo sanguíneo (incompatibilidade Rh);
o Rastreios de doenças infeciosas;
▪ HIV;
▪ Hepatite B;
▪ Sifilis;
▪ Toxoplasmose;
▪ Rubéola.
• Análise bacteriológica da urina para rastrear infeção urinária.

Que suplementos é que as grávidas devem fazer? O ácido fólico é o único suplemento que
precisamos à partida de suplementar numa mulher grávida saudável e com uma dieta adequada.
Existem mulheres que têm muitas restrições dietéticas e podem ter falta de uma ou outra
vitamina em particular, mas uma mulher com uma dieta variada e saudável apenas necessita do
ácido fólico, no primeiro trimestre da gravidez. Aliás, se houver possibilidade, deve ser prescrita
2 a 3 meses antes da mulher engravidar (se for uma gravidez planeada e preparada). Esta
suplementação diminui o risco de defeitos do tubo neural no feto.

Quando marcar a próxima consulta? Uma grávida normal, de baixo risco, deve fazer consultas
uma vez por mês, na maior parte da gravidez, e depois no final da gravidez as consultas tornam-
se mais frequentes, passando a quinzenais ou até semanais, na maior parte dos casos.

Caso 2
• 21 anos;
• Grupo sanguíneo A Rh +;
• G1P0 (Primeira gravidez);
• 25 semanas de gestação;
• Consulta pré-natal de rotina;
• Sem queixas, traz exames
laboratoriais.

Que tipo de suplementos deveria tomar? Habitualmente no segundo trimestre de gravidez,


suplementamos para além do ácido fólico com ferro. Suplementa-se com ferro porque as
necessidades medulares na gravidez estão muito aumentadas, devido ao aumento significativo
da produção de glóbulos vermelhos e para a medula poder produzir uma quantidade acrescida
de glóbulos vermelhos precisa de ferro, sendo que há algumas mulheres (poucas) que

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conseguem suprir esta necessidade aumentada através da dieta, mas a grande maioria (cerca
de 90%) necessita da suplementação.

Os exames laboratoriais estão normais?


• Hemoglobina, está no limite inferior do normal para uma gravidez, sendo que na
gravidez estes valores descem sempre de uma maneira mais ou menos marcada, porque
apesar do aumento da produção dos glóbulos vermelhos, há um aumento ainda maior
de plasma (quase uma anemia por diluição). 10,5 é um valor borderline e se esta
senhora não estivesse a fazer suplementação com ferro, esta seria indicada;
• Glóbulos brancos, o limite superior de referência são cerca de 10000. Neste caso a
senhora tem os leucócitos aumentados, mas este achado é perfeitamente normal e
fisiológico durante a gravidez (no terceiro trimestre podem aparecer valores de até
15000, sem significar uma infeção);
• Na glicose em jejum, a senhora apresentava valores de 95. Este encontra-se acima do
que consideramos o valor normal. Para a gravidez, o valor normal em jejum é abaixo de
92. Sempre que temos um valor de glicémia em jejum superior ou igual a 92 na gravidez,
temos o diagnostico de diabetes gestacional. A diabetes gestacional é uma entidade
própria da gravidez, em que há uma intolerância aos hidratos de carbono que se
manifesta durante a gestação e que na maior parte das vezes se resolve com o fim da
mesma;
• Em termos de serologia das infeções, é-nos apresentada a avaliação da toxoplasmose,
em que vamos avaliar a IgG e a IgM. A IgG, quando é positiva significa que houve infeção
no passado. A IgM quando é positiva diz-nos que estamos muito provavelmente perante
uma infeção aguda. Neste caso a grávida nunca teve contacto com a toxoplasmose, ou
seja, não está imunizada, está suscetível a contrair esta doença;
• A urocultura mostrou a presença de E. coli. Pelo facto de a senhora não ter qualquer
queixa, normalmente não iria requerer terapêutica, mas numa grávida é obrigatório
tratar. Chamamos a esta situação uma bacteriúria assintomática e são para tratar na
grávida porque as grávidas são pela sua condição seres com uma maior
imunossupressão, essencialmente porque têm de conseguir tolerar alguns antigénios
estranhos, os antigénios do feto, o que exige assim uma baixa da imunidade materna.
Se não tratada ocorre risco de progressão para pielonefrite, ou até mesmo para uma
situação de sépsis.

O que devemos fazer para prevenir a toxoplasmose? A toxoplasmose habitualmente nos


indivíduos adultos imunocompetentes não se traduz por doença grave, podendo ser
completamente assintomática ou manifestar-se apenas como um síndrome gripal, no entanto,
na gravidez e não para a gravida, mas sim para o feto, pode trazer consequências graves como
restrições de crescimento, microcefalia, alterações do desenvolvimento, alterações oculares,
etc. Nas grávidas que não são imunes para a toxoplasmose, devemos recomendar medidas
preventivas:
• Lavar bem as mãos antes de cozinhar;
• Lavar bem frutas e vegetais (remover as cascas se possível e apenas ingerir os
preparados em casa);
• Comer apenas carne bem cozinhada (não comer carne mal passada);
• Evitar o contacto com gatos;
• Evitar contacto com terra, usar luvas por exemplo se fizer jardinagem.

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Caso 3
• 32 anos;
• G3P2;
• História médica irrelevante;
• Grávida de 8 semanas + 2 dias;
• Vem à 1ª consulta pré-natal, refere náuseas e vómitos 2 a 3 vezes por dia.

O que recomendamos? Náuseas e vómitos no primeiro trimestre da gravidez é normal e muito


frequente. Primeiro que tudo devemos tranquilizar a gravida, uma vez que é uma situação
normal e que não comporta nenhum risco. Habitualmente as náuseas e os vómitos estão
relacionados com níveis elevados de β-HCG (Hormona da gravidez), assim até pode ser positivo
estes sintomas, que mostram que a produção hormonal se encontra em níveis adequados.
Algumas medidas gerais que podemos recomendar:
• Comida em pequenas porções;
• Evitar cheiros muito ativos ou sabores muito ativos (muito condimentados).
Se necessário, temos terapêutica farmacológica à disposição, e que é segura para a gravidez,
para tratar este tipo de sintomas, nomeadamente o Nausefe® (Doxilamina + Dicloverina +
Piridoxina), Zofran® (Ondansetrom, antiemético) ou Primperan® (Metoclopramida,
antiemético). Em 90% dos casos as náuseas e vómitos resolvem-se a partir das 13-14 semanas.

2 semanas depois:
• Recorre ao hospital com vómitos persistentes (>8x/dia) e intolerância oral, vomitando
tudo o que ingere. Sente-se também fraca;
• Na observação física verifica-se:
o Desidratada;
o PA: 98/60 mmHg;
o Pulso 98 bpm;
o Perda de 4 kg de peso.

Parece que este quadro esteja dentro do expectável para uma gravidez normal? Não, de todo.
Aqui é muito importante distinguirmos o que são os achados fisiológicos e normais da gravidez,
daquilo que é a patologia. Estamos perante de uma situação patológica de hiperémese gravídica.
Esta define-se por vómitos e náuseas recorrentes e muito frequentes, que condicionam
alterações que podem ser objetiváveis, nomeadamente a perda de peso, estar desidratada e
fraca.

Perante esta situação patológica de hiperémese gravídica devemos:


• Internar a grávida;
• Fazer reposição de fluídos por via endovenosa;
• Corrigir alguma alteração eletrolítica que possa existir;
• Fazer medicação antiemética por via endovenosa.

Caso 4
• 30 anos de idade;
• G1P0 (Primigesta);
• História médica prévia: Lúpus eritematoso sistémico, tratado com Plaquinol®
(hidroxicloroquina) e corticoides sistémicos;
• Grávida de 32 semanas + 5 dias;
• Diz que tem os tornozelos inchados ao fim do dia (acorda bem, mas ao final do dia
apresenta inchaço).

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

É normal? Por ter patologia significativa, levanta-nos sempre mais preocupação do que uma
grávida sem patologia. Efetivamente este achado de edemas vespertinos (ao final do dia), é um
achado muito frequente e normal da gravidez. Os edemas dos membros inferiores têm várias
causas:
• Há frequentemente a saída de líquido do espaço intravascular para o espaço
extravascular, devido à existência de uma maior quantidade de volume circulante;
• Há um obstáculo mecânico ao retorno venoso, porque o útero da grávida serve como
obstáculo, à circulação venosa dos membros inferiores para o tórax.
Assim vai haver um acumular de líquido na metade inferior do corpo, com saída de plasma para
o espaço extravascular. Apesar de normais, devemos garantir que estes não se associam a
nenhuma situação patológica, como por exemplo uma alteração da função renal. Nas grávidas
existe uma patologia com o nome de pré-eclâmpsia que pode originar disfunção renal com o
aparecimento de edemas muito marcados. A pré-eclâmpsia associa-se a hipertensão arterial.
Sempre que temos queixa de edemas, devemos verificar assim a PA da grávida.
Em termos de recomendações, podemos recomendar apenas medidas de conforto, como por
exemplo, que se faça uma elevação dos membros inferiores, podendo até dormir com os
membros inferiores mais elevados, de forma a facilitar a drenagem venosa, fazer massagens e
usar meias de compressão.

Caso 5
• 23 anos de idade;
• G1P0 (Primigesta);
• História médica irrelevante;
• Grávida de 36 semanas + 1 dia (o termo da gravidez é a partir das 37 semanas);
• Refere aumento da frequência urinária e dor lombar.

Observação clínica:
• Apirética;
• Exame vaginal: colo formado e fechado (sem apagamento ou dilatação);
• Palpação abdominal inocente (não era doloroso);
• Sinal de Murphy negativo (percussão com alguma intensidade na região dos rins, se
existisse inflamação ou infeção condicionava uma dor aguda).

Resultado do exame objetivo: normal

Será necessário fazer algum exame laboratorial ou de imagem? Provavelmente não porque o
aumento de frequência urinária nesta fase da gravidez tem a ver com a diminuição da
capacidade da bexiga, devido a um conflito de espaço com o útero. Para além disso, a grávida
não era acompanhada de nenhum exame sugestivo de infeção (disúria, poliaquiúria, tenesmo).
No entanto, quem avaliou a senhora resolveu pedir uma análise de urina, com resultado
negativo, e uma ecografia renal, que mostrou uma dilatação do ureter à direita ligeira a
moderada. Esta dilatação do ureter à direita é uma dilatação fisiológica, devido ao aumento do
volume uterino, que comprime o ureter, prejudicando a drenagem do mesmo. É mais do lado
direito porque em situações habituais, o útero grávido está mais rodado para a direita. Devemos
tranquilizar a grávida e assegurar que após o nascimento as queixas de desconforto irão
resolver-se.

Caso 6
• 31 anos de idade;
• G3P0 (dois abortos antes das 22 semanas de gravidez);
• História médica: apendicectomia;

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• Grávida de 34 semanas + 3 dias;


• Nota o aparecimento de estrias abdominais e eritema palmar.

Porque é que isto acontece? As estrias acontecem devido ao aumento do volume abdominal
(gravidez, ascite, aumento de peso significativo), as fibras de colagénio da pele são quebradas e
acabam por manifestar pelas estrias. O eritema palmar deve-se à dilatação dos vasos capilares
à superfície causada pelos estrogénios, que têm uma ação vasodilatadora.

O que podemos fazer para prevenir ou tratar? Não é possível evitar o aparecimento de estrias,
mas a hidratação da pele do abdómen durante a gestação pode ajudar a combater o
aparecimento das estrias.

Caso 7

Ganho de peso durante a gravidez:

Qual destes é normal?

1º caso: Se uma mulher tem um índice de massa corporal normal no início da gravidez e pesa 55
kg no início. No fim pesava 67 kg, portanto aumentou 12 kg, o que é considerado um aumento
de peso normal. Reparem que o aumento de peso não é igual ao longo de toda a gestação, desde
o início até às 20 semanas o aumento recomendado de peso é entre os 3 e 4 kg. Entre as 20
semanas e o termo da gravidez devem aumentar cerca de 1,5 a 2 kg por mês.

2º caso: No início da gravidez havia um índice de massa corporal aumentado, pesando 87 kg


quando engravidou. Às 20 semanas aumentou para 97 kg, o que é notoriamente exagerado. Das
20 semanas até ao termo aumentou para 103kg, o que significa que houve um aumento
exagerado de peso.

3º caso: No início existia um índice de massa corporal aumentado, pesando 95 kg quando


engravidou. Aumentou 2 kg até às 20 semanas e 5 kg das 20 semanas até ao termo. A partida
poderia parecer não ser um aumento suficiente de peso, mas devido ao índice de massa corporal
da grávida considera-se que foi um aumento adequado de peso.

4º caso: No início existia um índice de massa corporal baixo, pesando 45 kg. Às 20 semanas
aumentou apenas 2 kg, e das 20 semanas até ao termo aumentou mais 6 kg. Este é um aumento
de peso inadequado.

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O aumento de peso não é uma recomendação absoluta, tem a ver com o índice de massa
corporal prévio:
• Numa paciente obesa, o aumento deve ser menor que os 12 kg recomendados;
• Numa paciente excessivamente magra, o aumento deve ser maior que os 12 kg
recomendados.

Quais são os riscos associados a um aumento de peso excessivo na gravidez? Diabetes,


obesidade, hipertensão, fetos macrossómicos, partos mais complicados, prolongados, e tem
maior risco, também, de terminar numa cesariana.

Pelo contrário, se ela tiver um aumento de peso deficitário, ou for muito magra tem maior risco
associado de, essencialmente, parto pré-termo ou baixo peso fetal.

Caso 8
• 37 anos de idade;
• G4P0 (3 abortos antes das 22
semanas);
• Primeira consulta pré-natal;
• 8 semanas de gravidez,
contadas por amenorreia;
• Vem muito ansiosa, pelos 3
desfechos negativos
anteriormente.

Fez-se ecografia na consulta, sendo a


mesma apresentada.

Observa-se um útero em corte transversal e observamos um saco gestacional. Este é um achado


normal? O que era suposto visualizar a esta altura?

Com 8 semanas de gestação, se a gravidez estava bem datada, era obrigatório ver dentro do
saco gestacional um embrião. Mas como não sabemos se a gravidez está bem datada e é a
primeira avaliação ecográfica que fazemos, suspeitamos que alguma coisa possa não estar bem,
mas devemos ter uma atitude expectante, devemos reavaliar cerca de uma semana depois, para
a circunstância pouco provável de ter havido uma gravidez de menos tempo de gestação e ainda
não tenha aparecido o embrião.

Na reavaliação temos duas hipóteses:


• Ou vejo um embrião dentro do saco e digo que temos uma gravidez evolutiva, mas de
menos tempo que as 8 semanas, e vou datar por ecografia;
• Se tiver tudo na mesma e não tiver aparecido nenhum embrião, estamos perante uma
situação de aborto retido. Esta é uma gravidez inviável, que não está nem vai evoluir,
mas que o organismo ainda não expulsou.

Como devemos abordar estas situações de aborto retido? Temos 3 alternativas a propor:
• Ter uma atitude expectante, consistindo em esperar que haja uma resolução
espontânea, sendo que a taxa de resolução de um aborto situa-se nos 70 a 80%, mas
pode demorar algumas semanas. Para algumas grávidas / casais não é expectável do
ponto de vista emocional, habitualmente querendo uma resolução o mais rapidamente
possível;

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• Outra alternativa é fazermos terapêutica com misoprostol, que é uma prostaglandina


que causa dilatação do colo e contrações uterinas (também é utilizada para induzir o
trabalho de parto), condicionando artificialmente a expulsão do conteúdo da cavidade
uterina. Tem uma taxa de sucesso muito elevada, entre 80 a 90% em 48 a 72 horas.
Associa-se a alguns efeitos secundários, podendo originar náuseas, vómitos, diarreia,
febre, dor abdominal;
• Podemos optar também pelo tratamento cirúrgico. Consiste na evacuação da cavidade
uterina, através de uma pequena cirurgia de aspiração ou curetagem uterina. É um
procedimento que se faz sob anestesia, introduzindo um instrumento através do colo
do útero e aspiramos o conteúdo da cavidade.

Devemos evitar ao máximo os tratamentos cirúrgicos nestas situações de aborto, porque têm
mais riscos e podem deixar mais sequelas para o futuro. Devemos sempre recomendar
terapêutica expectante ou farmacológica, consoante as expectativas dos casais, e deixar o
tratamento cirúrgico para situações em que haja por exemplo, uma hemorragia abundante ou
situações em que houve falha das atitudes anteriores.

Este caso é o de uma doente com vários abortos, sendo este o quarto, portanto estamos perante
o diagnóstico de aborto recorrente. É uma entidade em que as grávidas têm pelo menos 3
abortos consecutivos. Nesta situação devemos investigar quais as causas que levam ao aborto
(autossómicas, uterinas, autoimunes, tombofilias, etc.). Nesta situação:
1. Avaliar o cariótipo dos progenitores, porque pode haver alguma alteração, alguma
translocação equilibrada nos pais, que possa ser transmitida à descendência numa
maneira que condicione um aborto.
2. Fazer uma ecografia muito detalhada, para ver se o interior da cavidade uterina não era
prejudicial à implantação e ao desenvolvimento de uma gravidez.
3. Fazer uma avaliação sumária à função tiroideia da grávida, porque o hipotiroidismo é
uma das causas de aborto recorrente.
4. Pesquisar anticorpos antifosfolípidos, pois é uma situação de autoimunidade em que o
risco de aborto está muito aumentado. Caso seja positivo, Síndrome de Anticorpos
Antifosfolípidos, faz-se uma terapêutica na gravidez seguinte com aspirina e heparina
de baixo peso molecular, porque o mecanismo de ação destes abortos tem haver com
fenómenos de trombose na placenta.

Infelizmente, na maior parte dos casos de aborto recorrente, nós desconhecemos a causa,
mesmo após extensa investigação, pelo que não podemos tentar corrigir estes “erros” numa
gravidez futura. Hoje em dia, é recomendado a estas mulheres que façam suplemento de
progesterona desde o início da gravidez, isto porque uma das causas de aborto recorrente pode
vir de uma insuficiência do corpo amarelo na produção de progesterona.

Caso 9
• 29 anos de idade;
• G2P1;
• História de asma;
• Grávida de 28 semanas + dias;
• Refere que tem uma sensação de queimadura retro-esternal.

Qual a causa deste desconforto? A azia e a pirose são muito frequentes na gravidez, devido ao
aumento do refluxo gastroesofágico, causado pelo aumento da pressão intrabdominal e
compressão do estômago, mas também pela ação da progesterona (hormona aumentada
durante a gravidez), que tem propriedades miorelaxantes, e que assim relaxa o esfíncter

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esofágico facilitando o refluxo. A progesterona é a hormona associada à maior parte dos


sintomas fisiológicos associados à gravidez.

Como devo orientar uma grávida que se queixa de refluxo?


• Medidas gerais:
o Tranquilizar a grávida;
o Evitar quantidades exageradas de comida antes de deitar;
o Levantar a cabeceira da cama, para promover um certo declive e dificultar o
refluxo gastroesofágico.
• Em determinadas situações pode ser necessária terapêutica farmacológica para aliviar
esta complicação. Usamos habitualmente antiácidos, como o Kompensan® e o Rennie®,
inicialmente em SOS, quando há períodos de maior agravamento. Se for uma situação
mais continuada, pode ser necessário utilizar fármacos como os inibidores da bomba de
protões, como o omeprazol, para diminuir a acidez gástrica.

Caso 10
• 31 anos de idade;
• G1P0;
• História médica de obstipação;
• Grávida de 26 semanas + 1 dia;
• Refere obstipação à 5 dias e desconforto abdominal.

Exame físico:
• Palpação abdominal inocente;
• Altura uterina de 25 cm (consiste na medição em centímetros, desde a sínfise púbica ao
fundo do útero e habitualmente há uma relação direta entre a altura em centímetros e
a idade gestacional, podendo haver uma variação de 2 ou 3 centímetros para mais ou
menos);
• Frequência cardíaca fetal de 147 bpm (os fetos têm uma FC superior às crianças e
adultos, sendo normais entre 110-160 bpm).

Qual a causa desta obstipação? Temos uma hipomobilidade intestinal, causada pela
progesterona. Por ser miorelaxante, a parede do musculo liso vai ficar com menos contratilidade
(alteração do peristaltismo) e vai haver um retardamento do trânsito intestinal. É um achado
muito frequente na gravidez.

Como orientar a doente?


• Medidas gerais:
o Tranquilizar a grávida;
o Aumentar o exercício físico, o sedentarismo e a imobilização prolongada
agravam a obstipação;
o Aumentar o consumo de água e de fibras, que melhoram o trânsito intestinal.
• Deixar reservado para situações limite o uso de fármacos laxantes. Os laxantes devem
ser evitados, porque criam uma habituação ao seu uso e por isso devem ser reservados
para situações em que se passa muito tempo sem evacuar, fazer laxante um ou dois dias
e depois parar e esperar que haja uma normalização do trânsito intestinal.

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Aula 3 – Casos Clínicos de Vigilância do Trabalho de Parto

Data Docente
19/11/21 Dra. Mónica Centeno

Caso Clínico 1
Rapariga de 19 anos, nulípara (que nunca teve nenhum parto), grávida e com historial de
consumo de drogas via endovenosa. Recorre ao SU (desconhecendo o estado de gravidez e,
portanto, não tendo tido nenhum cuidado pré-natal até ao momento) devido a algias pélvicas e
abdominais (parecem estar no contexto de contratilidade uterina).

O que devemos fazer?


Após colher uma história clínica detalhada,
procedemos ao exame objetivo e, seguidamente,
a exames complementares de diagnóstico
(ecografias, exames laboratoriais,).

Exame físico:
Pressão arterial:105/69 mmHg
Altura uterina (mede-se desde a sínfise púbica até
ao fundo uterino; em regra, é muito indicativa das semanas de gravidez): 32cm (neste caso, a
gravidez encontra-se muito próxima das 32 semanas)
Toque Vaginal (para avaliar as características do colo): 2cm de dilatação

Ecografia obstétrica:
Feto em apresentação cefálica
• Significa que estava de cabeça para baixo
Biometrias compatíveis com as 32 semanas de gestação
• Através da ecografia é possível avaliar parâmetros como o diâmetro biparietal,
perímetro cefálico, perímetro abdominal e comprimento do fémur e, a partir
destes dados, fazer um cálculo do valor do peso estimado
• Este valor vai corresponder a um percentil de peso
Frequência cardíaca fetal: 145 ppm (valores de referência 110ppm-160ppm)
Líquido amniótico em quantidades normais
Placenta posterior
• Significa que se localiza na parede posterior do útero;
• A placenta pode ser anterior, posterior ou fúndica em condições normais
• Em situações patológicas a placenta pode ser prévia, ou seja, baixa e recobre o
orifício interno do colo (diz-se ‘placenta prévia’ por ser prévia ao feto); numa
situação em que haja estas características a via de parto será cesariana.

Exame Laboratorial:

Pediu-se:
• Doseamento de hemoglobina
• Serologia para doenças infeciosas
• Avaliação da função renal
• Grupo sanguíneo

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Cardiotocografia (CTG)
Neste CTG vemos
A frequência cardíaca fetal basal encontra-
se próxima dos 120ppm (normal)
Ótima variabilidade (oscilação da
frequência cardíaca na linha de base;
mostra que o SNAutónomo está funcional)
Acelerações da frequência cardíaca (seta
cor de rosa no CTG)

CTG normal

Na parte inferior do CTG (seta roxa) vamos ter as contrações uterinas. Apesar de não se ver o
CTG completo, cada retângulo corresponde a 1 minuto, logo, deduzindo a partir do exame, a
rapariga terá 2 contrações uterinas a cada 10 minutos (sensivelmente).

Diagnóstico:
• Trabalho de Parto: contrações rítmicas e regulares aliadas a alterações do colo do útero.
• Perante o resultado do CTG e da Ecografia obstétrica, é possível concluir-se que a
rapariga está em trabalho de parto.

Como foi dito anteriormente, a rapariga não foi


vigiada ao longo da gravidez nem fez nenhuma
consulta pré-natal. Coloca-se, então, a questão:
Estaremos perante um feto que está em trabalho
de parto prematuro (assumindo que tem, então,
as 32 semanas como apontavam as biometrias)?
Ou estaremos perante uma grávida que já tem
mais de 32 semanas de gestação que tem uma
restrição do crescimento fetal?
Ou seja, através destas duas questões, entende-
se que, ainda que as biometrias correspondam às 32 semanas, não significa que o feto tenha
essas 32 semanas.
Porquê?
A gravidez não foi datada (não temos a idade gestacional), pelo que se colocam duas hipóteses:
• Pode estar nas 37 semanas e o bebé ter uma restrição de crescimento, justificando as
biometrias equivalentes às 32 semanas;
• Efetivamente as biometrias estão certas e temos uma gravidez pré-termo

Caso Clínico 2
Mulher de 37 anos, G1 (lê-se ‘gesta 1’ e significa que é a sua primeira gestação). História clínica
menciona hipertensão crónica. A gravidez foi resultado de uma FIV (técnica de procriação
medicamente assistida em que, através de hormonas, é estimulada a produção de oócitos na
mulher; seguidamente faz-se uma punção nos ovários e retiram-se os oócitos; faz-se colheita de
esperma do parceiro e, em laboratório, juntam-se os dois gâmetas, forma-se o embrião, que
depois é transferido para o interior da cavidade uterina).

Neste caso os gâmetas são dos próprios pais. No entanto, em caso de infertilidade ou outros
motivos, pode recorrer-se a esta técnica utilizando gâmetas de dadores.

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Gravidez tem 28 semanas e 2 dias e é gemelar.

Nota: Após técnicas de procriação Isto deve-se ao facto de poderem ser transferidos 2
medicamente assistida, é mais embriões. Antigamente, podiam ser transferidos até 3
frequente a existência de gravidez embriões, enquanto nos dias de hoje o máximo desceu
gemelar. para 2, sendo, ainda assim, mais recomendado a
transferência de apenas 1 embrião, uma vez que a
gravidez gemelar acarreta muitos mais riscos do que a de filho único, nomeadamente o parto
pré-termo, hipertensão arterial induzida pela gravidez, diabetes gestacional.
Assim, trata-se de uma gravidez de risco, pelo que não pode ser acompanhada no Centro de
Saúde, mas sim vigilância em contexto hospitalar.

2 Irmãos (não gémeos): um óvulo é


fecundado por um espermatozoide e,
posteriormente, ao fim dessa gestação, há
nova fecundação (óvulos e espermatozoides
sempre diferentes).

Gémeos dizigóticos: dá-se o mesmo


acontecimento que ocorreu no caso dos 2
irmãos, no entanto, as 2 fecundações são
simultâneas.

Gémeos homozigóticos ou idênticos: são concebidos na mesma gestação, fruto da fecundação


de apenas um oócito por um espermatozoide; este produto divide-se em duas massas
embrionárias separadas.

Porém, quando estamos perante uma grávida de gémeos não conseguimos distinguir se os
gémeos são dizigóticos ou homozigóticos, já que não estamos a analisar o material genético,
mas sim o número de placentas e de sacos amnióticos.

Assim sendo, e olhando para o diapositivo ao


lado, se, numa ecografia, virmos 2 placentas
e 2 sacos amnióticos não vamos poder aferir
se são gémeos dizigóticos ou não, a não ser
que o sexo dos bebés seja diferente. Nesse
caso, sabe-se que serão dizigóticos (gémeos
‘falsos’).

O risco de aparecimento de complicações


durante a gravidez aumenta no sentido da
seta.
No caso dos que partilham a placenta, pode haver crescimento deficitário, dado que se trata de
uma placenta única para oxigenar e nutrir 2 gémeos. Ao partilharem, também, a bolsa amniótica
soma-se o risco de se poderem enrolar no cordão umbilical um do outro, ou formar um nó num
dos cordões umbilicais, podendo levar à morte do feto.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Caso Clínico 3

Mulher de 35 anos, grávida pela 3ª vez, tendo os dois partos anteriores sido vaginais. História
clínica sem fatores de relevo.
Tempo de gestação: 37 semanas e 1 dia.
Feto com apresentação pélvica.

Opções a propor à grávida:

• Manobra cefálica externa: consiste em manobras que manipulam o abdómen da


grávida, em que se tenta que o feto fique em apresentação cefálica; utilizada apenas no
fim da gravidez; em 50% dos casos consegue obter-se o objetivo; feito em contexto
hospital (existe risco, ainda que baixo, de bradicardia fetal, rotura de membrana,
descolamento de placenta, ...)
• Parto pélvico por via vaginal: já não é muito usado nos dias de
hoje, mas é uma opção caso o feto se enquadre nos critérios de
seleção (extremamente restritos.
• Cesariana eletiva: não se marca para idades gestacionais
inferiores a 39 semanas devido à possibilidade de ter Síndrome
de Dificuldade Respiratória.

Caso Clínico 4
Mulher de 31 anos, na sua 1ª gravidez, com história de hipotiroidismo.
Idade gestacional de 40 semanas e 6 dias (só depois das 42 semanas é que é gravidez pós-termo;
no entanto, depois das 40 semanas existe um risco aumentado de morte intrauterina).
Assintomática.

Indução do trabalho de parto


Estimulação artificial da entrada em trabalho de parto. Podem ser utilizados métodos mecânicos
ou farmacológicos, que podem ser utilizados sequencialmente.
• Método mecânico: colocação de uma algália no colo uterino (com auxílio de um
espéculo), insuflação do balão da algália com soro fisiológico ou água destilada, que
conduzirá a uma dilatação do colo do útero.
• étodo farmacológico: principais fármacos utilizados são as prostaglandinas (podem ser
sob a forma de dispositivos vaginais, gel, comprimido) e a ocitocina (via endovenosa)
(hormona responsável pela contração uterina)

Caso Clínico 5
Mulher de 27 anos, 2ª gestação, tendo a 1ª culminado em parto vaginal. História clínica sem
acontecimentos a destacar.
Idade gestacional de 38 semanas e 5 dias.
Recorre ao SU por suspeita de ter rompido as membranas, pois estava a perder líquido
amniótico.

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O que devemos fazer?


• Após colheita adequada da história clínica deve-se proceder ao exame físico para
confirmar. Inicialmente observamos ao espéculo (coloca-se o espéculo, pressiona-se as
pegas, abrindo as pás do espéculo e, portanto, observa-se o colo do útero).
Pode, ainda, utilizar-se a avaliação ecográfico dos níveis do líquido amniótico.

• Caso se verifique perda do líquido amniótico, prossegue-se para admissão hospitalar da


grávida e, seguidamente, induz-se o parto, caso ainda não esteja em trabalho de parto
(pode ter havido rompimento de membrana sem existir contrações uterinas). Não se
deve esperar muito tempo para que a grávida entre em trabalho de parto, quando já
houve rompimento das membranas, sob o risco de aumentar a probabilidade infeciosa.

Caso Clínico 6
Mulher de 31 anos, grávida pela 1ª vez e sem
história clínica relevante.
Idade gestacional de 39 semanas e 2 dias.
Admitida no bloco de partos, em trabalho de
parto
Esteve 5 horas (do total das horas de trabalho
de parto) com a mesma dilatação e com o bebé na
mesma posição (situação anormal, tendo em conta que se encontra O nível 0 é o
numa fase ativa do trabalho de parto) das espinhas
isquiáticas
Diagnóstico: Paragem do trabalho de parto

As fases de trabalho de parto são diferentes


entre a mulher nulípara e multípara.
Na mulher multípara a progressão do trabalho
de parto é mais rápida.

O que devemos fazer?


• Promover as contrações uterinas, se
necessário
• Executar uma cesariana

Caso Clínico 7
Mulher de 31 anos, 1ª gravidez, tem diabetes gestacionais
controlados com a dieta.
Foi a uma consulta de rotina às 32 semanas de gestação e
levou consigo o relatório de ecografia da imagem ao lado
Polihidramnios: líquido amniótico excessivo
A partir das 31 semanas, 80% dos fetos já estão em apresentação cefálica.

Percentil: distribuição de normalidade do peso do feto pela idade gestacional; considera-se


normal quando localizado entre o percentil 10 e o percentil 90
• Acima do percentil 90: feto macrossómico
• Abaixo do percentil 10: feto com restrição de crescimento

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O elevado percentil do feto deve-se à diabetes da mãe, já que, se a mãe tem hiperglicemia, o
feto também terá (glicémia atravessa a placenta). Assim, de modo reflexo, irá produzir insulina
fetal (produzida no pâncreas fetal), que é a principal hormona de crescimento do feto na sua
vida intrauterina. Desta forma, quanto mais descontrolada for a diabetes da mãe, mais
macrossómico será o feto.
O polihidramnios também se prende com o descontrolo da diabetes, já que, quanto maior o
nível glicémico do feto, mais massa corporal terá e, consequentemente, mais urina irá produzir.

Nota: O líquido amniótico é quase exclusivamente urina fetal

Doppler: avaliação ecográfica feita no 3º trimestre da gravidez, que avalia o grau de oxigenação
fetal, analisando como ocorre a circulação no cordão umbilical (análise da vascularização da
placenta); avalia-se, também, o doppler na artéria cerebral média do feto.

Caso Clínico 8
Mulher de 29 anos, grávida pela 3ª vez, sendo que nenhuma das anteriores culminou em parto
vaginal. História clínica relata depressão tratada com sertralina.
Idade gestacional 34 semanas e 4 dias.
Queixa-se de diminuição dos movimentos fetais.

Nota: Os movimentos do feto começam a sentir-se por volta das 20 semanas, 16 se já não for a
1ª gravidez (o feto não se começa a mexer mais cedo, a mãe é que já associa mais facilmente
aquela sensação com movimentos fetais).

O que devemos fazer?


• Auscultação cardíaca fetal
• Ecografia (ver biometrias e doppler)
• CTG (indicador do estado oxidativo daquele momento)

Todos os exames tiveram resultados normais.

O que aconselhar a esta grávida?


• Contagem objetiva dos movimentos (o valor normal é o bebé mexer-se, pelo menos, 10
vezes em 10/12 horas).
• Estimulação do feto (sons, mexer na barriga, ingestão de alimentos um pouco mais
açucarados.)
• Avisar a grávida para os sinais de alarme (um bebé que esteja com falta de oxigenação
estará naturalmente mais parado, daí a importância de estar atenta aos movimentos
fetais).

Caso Clínico 9
Mulher de 41 anos, grávida pela 1ª vez. História clínica revela infertilidade. A gestação deveu-se
a FIV com dadora de oócitos.

Nota: A idade da mulher é um fator extremamente importante, dado que, quando a mulher
nasce, já tem todos os oócitos formados até ao final da sua vida reprodutiva. Assim,
naturalmente, quanto mais próximas do término, menor a qualidade dos oócitos, logo, menor
a probabilidade de engravidar. A idade torna, ainda, mais suscetível o acontecimento de aborto.

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Na consulta de rotina às 36 semanas, a grávida apresenta dúvidas sobre a via de parto (questiona
se não é mais seguro uma cesariana em vez de uma cesariana).

O feto está em apresentação cefálica e no percentil 50.


O que diríamos à mãe?
O parto por via vaginal é mais seguro, tanto para a
mãe como para o feto, pelo que, estando o bebé
nas condições ideais, a via vaginal é a preferível.
Por outro lado, no parto vaginal, do ponto de vista
respiratório o feto nasce muito mais ativo, tem
menor propensão a asma, diabetes, obesidade, ...

Exercício Verdadeiro ou Falso

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Aula 4 – Principais Complicações da Gravidez / Principais

Complicações do Trabalho de Parto

Data Docente
22/11/21 Prof. Susana Santo

Pergunta 1: será que os cuidados obstétricos fizeram alguma diferença, nas últimas 2 décadas,
nos desfechos maternos e neonatais (como os conhecemos actualmente)?
Casos históricos:
1º D. Isabel de Castela (1470-1498), casada com D. Manuel I que morreu dando à luz o seu
primeiro filho. A morte por questões relacionadas com o parto era muito frequente na altura,
sendo que as mulheres estivessem em idade reprodutiva por quererem ser mães viam muitas
vezes comprometida a sua vida e o seu futuro.
2º D. Maria II (1819-1853) na altura rainha de Portugal que terá morrido durante o parto do seu
11º filho (nado-morto).

Neste gráfico vemos que a mortalidade materna, isto é, a morte que ocorre durante a gravidez
ou nos primeiros 42 dias após a gravidez, geralmente expressa em número de mortes por
1000000 partos. Sendo que observamos no gráfico que ocorreu uma diminuição muito
significativa da mortalidade nos 2 últimos séculos: tínhamos 600-700 mortes por cada 100000
partos e agora o número ronda as 10-12 mortes
por cada 1000000 partos. Portanto, ocorreu, de
facto, uma melhoria nos cuidados de saúde,
nomeadamente os obstétricos, para chegarmos a
estes números.

Neste gráfico notamos que actualmente os


números de mortalidade materna são bastante
baixos na Europa, sendo inferiores nos países
nórdicos.

Conclusão: os cuidados obstréticos fizeram


diferença nos desfechos obstétricos! (*yey*)

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Pergunta 2: Quais os factores responsáveis pela redução da mortalidade materna durante as


décadas de 1930 e 1940?
Pontos históricos muito importantes na prática clínica obstétrica:
• Séc. XV – primeiros relatos de realização de uma cesariana (claro que muito diferente
das cesarianas que vemos nos dias de hoje)
• Séc. XVIII – descritos os primeiros batimentos cardíacos fetais; Família Chamberlain
desenvolve o Forcéps - instrumento muito importante para auxiliar o período expulsivo
para algumas mulheres que não conseguiam ter um parto eutócico (parto normal). A
família Chamberlain manteve este instrumento em segredo familiar durante quase 100
anos.
• Séc. XIX – desenvolvidos os estetoscópios fetais (“Estetoscópio de Pinard”); No final do
século, começou a encerrar-se a parede uterina no final da cesariana, inicialmente ficava
“tubo aberto” para cicatrizar e existia um elevado risco infeccioso pelo facto de terem
um abdómen aberto antes sequer do aparecimento dos antibióticos (sendo que muita
gente acabava por morrer a seguir a uma cesariana).
• 1930’s – foram descobertos os antibióticos e revolucionaram muito a medicina em
várias áreas, tendo particular importância na obstetrícia por terem diminuído a
incidência de infeções.
• 1940’s – foi possível começar a realizar transfusões sanguíneas com segurança;
• 1950’s – foram desenvolvidas as ventosas, que são um instrumento para auxiliar a
extracção do feto. Num parto instrumental podemos utilizar uma ventosa ou um fórceps
ou, muito excecionalmente, uma ventosa seguida de forcéps (parto sequencial).
• 1960’s – apareceu a cardiotocografia, que é o que nos permite monitorizar
continuamente a frequência cardíaca do bebé e as contracções no período ante-parto
ou no período intra-parto. É particularmente importante no período intraparto porque
nos permite avaliar como é que o feto vai reagindo ao stress do trabalho de parto, ou
seja, às contracções uterinas (sem as quais o trabalho de parto não avança) e que podem
determinar diminuição dos níveis de oxigenação em alguns fetos.
• 1970’s – desenvolvimento da ecografia. Até este momento, era muito baseada na
semiologia, na palpação do abdómen, na medição da altura uterina. Assim que a
ecografia apareceu permitiu a observação deste binómio grávida-feto de uma forma
muito diferente e revolucionou os cuidados em obstétricia.
• 1980’s – aparecimento da analgesia e epidural, podendo ser administrado às grávidas
que o desejam e podendo, assim, melhorar a experiência das mulheres relativamente
ao parto.
Não foi só a mortalidade materna que diminuiu mas também a mortalidade perinatal.
Desde 1925 até 2005 houve uma
diminuição muito importante na
mortalidade perinatal, devendo-se à
melhoria dos cuidados perinatais
nos prematuros, à assistência global
do parto, à mudança do parto de
casa para hospital.
Na segunda metade do séc XX, as
expectativas da sociedade mudaram
significativamente face ao outcome
da gravidez, particularmente
quando uma mulher grávida entrava
no 3º trimestre. Os abortos sempre
existiram, contudo nesta altura a mortalidade por prematuridade ainda era bastante elevada e

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portanto a grávida sabia que até ao 3º trimestre que a probabilidade de a gravidez não ter um
bom desfecho era grande.
Contudo, as grávidas sentiam segurança ao chegar ao 3º trimestre, sendo que atualmente as
expectativas são altíssimas, ou seja, na maioria dos casos tudo corre bem com a grávida e com
o recém-nascido. Logo torna-se difícil na sociedade aceitar um desfecho mau e dramático, que
apesar de serem situações raras não podemos reduzir o risco a 0.
Também nos custa quando não corre bem, mas a obstetrícia tem este carácter inesperado e,
enquanto profissionais de saúde temos de saber lidar com estes maus desfechos e saber dar
más notícias.

Principais complicações da gravidez

Em cerca de 2% das gravidezes, ocorrem malformações congénitas, sendo que é importante


conseguirmos detetá-las durante a gravidez de forma a que se for uma situação muito grave
poder permitir ao casal solicitar uma interrupção da gravidez ou para preparar o casal para
aquilo que os espera depois do nascimento e também para preparar a equipa técnica que vai
tratar daquele bebé. Esta poderá envolver uma equipa multidisciplinar, por exemplo num caso
de malformação abdominal em que o recém-nascido poderá ser sujeito a cirurgias nas primeiras
horas de vida, sendo necessário envolver a cirurgia pediátrica que esteja disponível e com os
neonatalogistas que serão
responsáveis pelo bebé nas
primeiras horas.
Uma das malformações
congénitas mais frequentes é
o Síndrome de Down ou
Trissomia 21, caracteriza-se
por um cromossoma 21 a mais
e tem algumas características
que a maioria de vocês já
conhece: Fácies típica com a
boca aberta, hipertelorismo,
as orelhas são um bocadinho
mais afastadas, o nariz é
alargado e têm um osso nasal mais pequenino.
Pode ocorrer também um recém-nascido com mielomeningocele, que é um defeito de
encerramento da canal da coluna com exposição da medula espinhal ao liquído amniótico,
sendo que o líquido amniótico é tóxico para o SNC.
Depois temos uma situação rara designada por anencefalia em que o feto não desenvolveu o
crânio, sendo que o SNC ficou mais uma vez exposto ao líquido amniótico (tóxico), levando a
uma destruição do SNC. Ou seja, esta doença dá-nos esta imagem de fetos com fácies de sapo
com globos oculares muito grandes com praticamente toda a massa encefálica em cima dos
globos oculares.
O abdómen geralmente forma-se em 2 partes que é o nome da embriogénese em que existe um
crescimento em torno da zona central um encerramento da parede abdominal com
recolhimento das vísceras dentro do abdómen.
Quando há um defeito ao nível desse encerramento, temos uma gastrosquisis, ou seja, é um
defeito da parede abdominal em que se exteriorizam ansas intestinais habitualmente ou
conteúdo intestinal. É uma situação geralmente benigna que tem possibilidade de correção
cirúrgica e geralmente os bebés ficam bem. O problema é quando algumas destas ansas sofrem
isquémia e, quando o bebe nasce, não são viáveis acabando por ser ressecadas. Nessas situações
o recém-nascido pode sofrer uma síndrome do intestino curto, uma síndrome de má absorção
decorrente desta excisão de intestino, sendo uma situação mais rara.

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Também relativamente frequente, pode haver lábio leporino, que pode ser bilateral ou
unilateral, podendo ser uma fenda do lábio isolada ou associar-se a uma fenda do palato. Nos
dias de hoje, este tipo de defeitos tem correcção cirúrgica, são operados até aos 6 meses não
sendo correções de tempo único, ou seja, são feitas em várias cirurgias. É muito importante
excluirmos que esteja associado a uma síndrome genética, sendo algo isolado, e também para
preparar os pais para o período pós-natal porque são bebés que podem ter algumas dificuldades
na alimentação. Deve ser proporcionado logo no período pré-natal consultas de neonatalogia,
de cirurgia plástica, diminuindo assim a ansiedade dos pais face a esta situação.
Portanto, algumas situações são incompatíveis com a vida (outras não), sendo que todas estas
situações podem ser diagnosticadas com ecografia. A síndrome de Down pode não ser porque
às vezes não existem as malformações típicas da trissomia 21, para detetarmos podemos utilizar
um rastreio combinado com a idade da grávida, uma análise de sangue em que se doseia hCG e
PAPP-A e ainda os dados da ecografia (teste com sensibilidade de 95%). Podemos também fazer
um exame bioquímico nas grávidas que já chegam tarde para realizar a ecografia do 1º trimestre,
contudo a sensibilidade é inferior. No entanto, estes testes de rastreio não dizem se o feto tem
ou não tem, dizem se a probabilidade de ter é alta ou baixa.
Depois mediante esse risco podemos tomar a decisão de realizar um teste não invasivo em que
se pesquisa DNA fetal em circulação no sangue da mãe, que também é um teste de rastreio mas
tem uma sensibilidade à volta dos 99%. Ou, se o casal quiser ter mesmo a certeza que o bebé
tem trissomia 21 (por exemplo se existir uma fenda labiopalatina e queremos saber se está
associado a outra malformação) aí teremos de recorrer ao diagnóstico pré-natal invasivo que
irei mostrar mais à frente mas que compreende uma biopsia das vilosidades coriónicas (ou seja,
uma biopsia da placenta) ou, em alternativa, uma amniocentese.
Depois devemos ter presente que podemos oferecer ao casal a alternativa de interrupção da
gravidez se estiver enquadrada na lei portuguesa, que apenas permite até às 24 semanas e 6
dias ou excecionalmente se existirem malformações incompatíveis com a vida pode ser
ultrapassado.
Passando às situações de aborto, estas são muito frequentes, sendo que complicam cerca de
15% das gestações.
Trago-vos estas 2 imagens de
ecografia do útero, na imagem do
lado esquerdo na parte “interior”
conseguimos ver o saco
gestacional, onde o embrião se
implanta (gravidez
anembriónica). Do lado direito, na
vesícula vitelina vemos outro
embrião mas que não tem
actividade cardíaca, sendo, portanto, um aborto retido. Quando damos este diagnóstico à
grávida, temos de confirmá-lo com outro profissional de forma a garantir que não hajam dúvidas
que o diagnostico foi bem estabelecido. Devemos também ter cuidado com o ambiente onde
damos estas más notícias, principalmente se a gravidez for desejada.
Quais são as complicações potenciais de um aborto? Podemos ter:
• Hemorragia vaginal (muitas vezes é esta hemorragia que motiva que as grávidas se
dirijam ao SU)
• Choque hemorrágico (se a hemorragia for muito grande)
• Infeção intra-uterina (mais raro)

Como é que estas situações são conduzidas na prática clínica? Quando a mulher chega à minha
frente e lhe diagnosticado um aborto, depois de lhe dar a má notícia e depois de lhe dar tempo

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para respirar e para eventualmente informar o companheiro, podemos falar-lhe das opções que
tem para a abordagem desta situação:
• Propor atitude expectante (“vamos esperar um tempo para que o organismo expulse
todo o conteúdo uterino”) → abordagem terapêutica mais fisiológica, contudo requer
muito tempo tendo uma taxa de sucesso de 80% às 6 semanas e muitas mulheres
psicologicamente não aguentam mais do que 1 ou 2 semanas nesta situação
• Tratamento médico: abrir o colo do útero e promover a contracção uterina, levando À
expulsão do produto de contraceção. Feito muitas com drogas como o mifepristone
(que é um antagonista da progesterona) que vai sinalizar o organismo de que a mulher
vai deixar de estar grávida, seguindo o tratamento 36-48h com misoprostol.
• Tratamento cirúrgico: geralmente reservado em situações de hemorragia grave ou de
sépsias, porque pode ter outras complicações, nomeadamente uma perfuração uterina.

Gravidez ectópica: cerca de 2% das gestações, o óvulo e o espermatozóide encontra-se algures


na trompa e o blastocisto, em vez de seguir este percurso e se implantar na cavidade uterina é
perdido algures no percurso ou pode implantar-se no colo do útero ou na cicatriz de uma
cesariana anterior. Existem também casos raros descritos de gravidezes ectópicas abdominais.
O útero é um órgão muito musculado, que permite que o produto da conceção se desenvolva
ao longo da gestação e depois quando ocorre o parto consegue contrair e se controlar a
hemorragia que ocorre no período pós-parto. Se a gravidez se implantar na trompa (local mais
frequente da implantação da gravidez ectópica), sabendo que a trompa é uma estrutura muito
fininha (apesar de ter algumas fibras musculares não deixa de ser muito fininha), a dada altura
com o crescimento do blastocisto a trompa
rompe e há uma hemorragia que pode levar ao
choque hemorrágico e à morte da grávida.
Como suspeitamos deste diagnóstico? Fazemos
uma ecografia que muitas vezes tem história de
amenorreia (ausência de menstruação) e até
pode ter um teste de gravidez positivo mas
depois não se consegue visualizar no interior da
cavidade uterina o saco gestacional. Quando na
ecografia, nos dirigimos para as áreas anexiais
(entre o ovário e o útero), notamos um sinal de
Donut com um embrião no interior e a vesícula
vitelina, sendo altamente suspeito de uma
gravidez ectópica.
Podemos abordar por 3 condutas com uma
gravidez ectópica:
• Atitude expectante: resolução espontânea que equivale a um aborto tubário a uma
mulher que tem uma imagem anexial suspeito, sendo que vamos monitorizando a hCG
(que vai diminuir) não precisando de instituir terapêutica. Ocorre em muito poucos
casos, especialmente quando há dúvida do diagnóstico.
• Tratamento médico: podemos usar metotrexato, que é um fármaco citostático, ou seja,
que vai impedir o crescimento das células do trofoblasto e consequentemente levar à
reabsorção de gestação. Em determinadas situações, quando o saco gestacional já é
grande, quando o embrião já tem batimento cardíaco e quando (principalmente) os
níveis de HCG já são superiores a 5000, podemos ter eu optar por um tratamento
cirúrgico.

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• Tratamento cirúrgico: abertura da trompa (salpingostomia) e aspiração do conteúdo ou


então a retirada mesmo da trompa (salpingectomia).

Mola hidatiforme: uma situação relativamente rara que compreende 0,2% das gravidezes. Vão
aprender no 5º ano que existem vários tipos de mola: mola parcial, como se vê aqui, em que há
desenvolvimento da placenta e do embrião; mola completa, em que só se forma placenta. O
que é típico em ambas as situações é que a placenta tem um aspeto dismórfico e na ecografia
traduz-se na presença de zonas hipoecogénicas que correspondem a estas vesículas. É uma
situação em que a placenta se forma e cresce de forma anómala, podendo ter uma alteração
génica na sua base.
No caso das molas completas, nunca irão culminar num feto normal; no caso das molas parciais
pode culminar num recém-nascido normal se o feto tiver um cariótipo normal. Em ambas as
situações existe um risco de transformação maligna e isto significa que estas células podem
invadir o útero localmente ou estruturas à distância, entre as quais as mais frequentes: pulmão
e o cérebro. Deve ser explicitado à grávida com uma situação de mola parcial os riscos da
evolução desta gravidez, nomeadamente um tumor maligno, sendo que posteriormente o casal
deverá tomar a decisão de prosseguir com a gravidez ou terminar a gravidez (a maioria dos
casais opta pelo término da gestação).
A conduta é remover este conteúdo do útero, realizando uma aspiração uterina. São mulheres
novas, geralmente em idade reprodutiva, algumas podem ainda nem ter filhos e portanto
querem manter o útero. Deveremos fazer um follow up desta situação, com o doseamento de
HCG sendo que as mulheres devem manter anticontraceção eficaz porque temos de manter o
follow up durante pelo menos 6 meses e se elas engravidarem neste período nós não vamos
perceber se é uma doença trofoblástica persistente ou se é novamente positiva pela nova
gestação.

Infeções congénitas: nomeadamente a sífilis, a rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus e o


parvovírus B19. Vão falar mais disto no 5º ano, mas a sífilis é uma DST que pode originar um
quadro congénito importante com envolvimento do SNC.
Se a grávida contrair rubéola até ao 2º trimestre da gravidez pode levar ao desenvolvimento de
catarata congénita e de atraso de crescimento.
Depois ao nível da toxoplasmose, temos uma doença congénita assintomática na grávida, sendo
que as grávidas que não são imunes devem ter cuidados alimentares para evitar que a infecção
ocorra durante a gestação.
O citomegalovírus é uma causa importante de surdez no recém-nascido. Atualmente, fazemos
o seu rastreio no primeiro trimestre da gravidez.
O parvovírus B19 que pode originar anemia fetal importante.
A maioria destas infecções cursa com uma restrição de crescimento fetal, isto é, um feto que in
útero consoante o seu peso estimado por ecografia encontra-se abaixo do percentil 3 ou abaixo
do percentil 10 com alterações dos fluxos na artéria umbilical ou na artéria cerebral média.
Podem afetar o SNC, o fígado, sendo situações que podem levar à morte.
Nalgumas destas infeções está indicada o início da antibioterapia, noutras poderá oferecer-se
um término da gravidez se estiver antes das 24 semanas e haja sinais para prever que o feto
estará gravemente afectado.
Em situações de anemia fetal, é possível fazer o tratamento in útero com uma transfusão de
sangue intra-uterina.

Doença hemolítica fetal: complica 0,2% das gravidezes, havendo causas imunes (+ frequente) e
não imunes para isto acontecer. As causas imunes têm a ver com a incompatibilidade do sistema
Rh da grávida e do outro progenitor.
Muitas vezes quando a grávida é Rh – e o parceiro é Rh +, pode ocorrer sensibilização e produção
de anticorpos anti-Rh +. Se o feto for Rh+, os anticorpos podem infiltrar-se na placenta e entrar

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em circulação fetal e destruir os glóbulos vermelhos do feto. Irá condicionar uma anemia, uma
insuficiência cardíaca (acumulação de líquido nas cavidades serosas da pele – hidropsia) como
consequência da tentativa do aumento do débito cardíaco para suprir as necessidades do feto.
São fetos que têm um grande edema cutâneo e muitas vezes têm derrame pleural, ascite e tem
um risco acentuado de morte.
A conduta destas situações prevê que quando temos uma incompatibilidade de Rh, se faça
sempre uma imunoglobulina anti-D por uma questão profilática. Mas se a isomerização já se
estabeleceu, devemos avaliar o feto e determinar se possui ou não anemia e nas situações em
que o feto ainda se mantém longe da anemia promover a realização de uma transfusão uterina.

Parto pré-termo: pode ser espontâneo ou iatrogénico, ou seja, ter início espontâneo ou quando
o médico provoca o parto pré-termo. Existem situações em que é necessário terminar a
gravidez, quer pelo lado da mãe como pelo lado do feto, por exemplo pode ter uma pré-
eclampsia grave (que obriga ao término da gestação) ou uma restrição de crescimento fetal (com
elevado risco de morte in útero).
O parto pré-termo antes das 37 semanas complica mais ou menos cerca de 10% das gestações
e antes das 32 semanas cerca de 2%. Sendo este o último o mais importante, por estar associado
a uma maior morbilidade e mortalidade neonatal.

Complicações do parto pré-termo: sistema pulmonar ainda não está desenvolvido → falta de
autonomia respiratória, necessitando de ser ventilados e internados em unidades de cuidados
intensivos neonatais. São internamentos prolongados, podendo levar a sépsis neonatal com
isquémia intestinal (enterocolite necrotizante); hemorragias intracranianas (estruturas
vaculares são muito sensíveis) que pode ser mais ligeira ou mais grave ditando o prognóstico da
situação.
Quando temos um parto pré-termo, o ideal é administrar corticóides, que podem ser a
betametazona ou dexametazona, que vão promover a maturação fetal e proporciando menor
probabilidade de ventilação invasiva e menor desempenho de cuidados intensivos. Podemos
fazer sulfato de magnésio, que é um estabilizador da placa neuronal, sendo que os fetos que
fizerem esta medicação possuem melhor desenvolvimento neonatal. Depois temos os fármacos
tocolíticos (abolição das contracções) e a progesterona que não são propriamente para o feto.
Se o preciso de administrar corticóides e normalmente preciso de 48h para que tenham efeito
máximo tem que travar a evolução do trabalho de parto com, por exemplo, fármacos tocolíticos.
A progesterona é uma medicação que nos permite, em casos de mulheres com partos
prematuros prévios ou um colo muito curto, diminuir o risco de voltarem a ter um parto pré-
termo.

Rutura prematura de membranas: bolsa de águas que rompe antes do trabalho de parto e pode
ser pré-termo (antes das 37 semanas) ou no termo. No pré-termo, temos as questões da
prematuridade e tudo depende da idade gestacional a que ocorre a rutura. Pode se associar a
uma infecção, originando um trabalho de parto pré-termo.
Se ocorrer às 20 semanas (longe da viabilidade), isso pode condicionar um oligohidrâmnio, ou
seja, uma diminuição do volume de liquído amniótico e pode ser uma causa de hipoplasia
pulmonar, sendo que, para os pulmões, é necessário que o líquido amniótico entre na árvore
traqueo-brônquica e vá permitindo a expansão das estruturas pulmonares. Se houver pouco
líquido este processo poderá estar comprometido.
Depois temos ainda deformações posturais, imaginando um feto que passa a gestação com uma
posição fixa, sem conseguir mover os membros (não há líquido suficiente) poderá levar a
deformações dos membros ou até mesmo da face em consequência das paredes uterinas
estarem muito opostas ao feto.
A conduta passa principalmente pelas estações pré-termo pela instituição de antibióticos,
tomar uma atitude expectante e excluir a infecção, mas se tivermos longe do termo (24, 26

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semanas) o ideal é esperar. Muitas vezes o líquido vai se refazendo porque nesta fase o líquido
é essencialmente urina do feto e conseguimos ter um período de latência até ao momento do
parto. Se tiver uma infecção e já tivermos no termo, não há grande vantagem em promover o
prolongamento da gestação e aí passamos para a indução do trabalho de parto.

Descolamento de placenta: no parto primeiro sai o recém-nascido e só depois a placenta, sendo


que a placenta apenas deve descolar depois de sair o recém-nascido. Quando ocorre antes do
trabalho de parto, designa-se por descolamento da placenta.
Na imagem denota-se a placenta e uma zona mais
escura com um coágulo, mostrando a zona onde a
placenta se descolou. Pode haver um descolamento
muito grande da placenta, que ocorre em poucos
minutos, ou pode haver um descolamento ligeiro
numa pequena zona em que a grávida vai perdendo
sangue paulatinamente.
Pode estar associada a hipoxia fetal aguda ou
crónica (dependendo da gravidade do
deslocamento). São situações em que temos de avaliar o crescimento do feto pois pode ocorrer
restrição do crescimento fetal e nalgumas circunstâncias podem associar-se a morte fetal,
especialmente num descolamento >50% e a grávida estiver muito longe do hospital. Na maioria
dos casos, apresenta-se como uma hemorragia vaginal e uma dor abdominal intensa com
abdómen pétrio à palpação do mesmo. Se a hemorragia for muito importante pode levar ao
choque hemorrágico.
Esta é uma emergência obstétrica e a nossa conduta irá depender duma atitude expectante
(por exemplo se tivermos longe do termo com uma hemorragia escassa com um bebé sem sinais
de hipoxia) ou o parto imediato se for uma situação associada a hipoxia fetal e instabilidade da
grávida.

Placentação anómala: isto significa que a placenta ou se localiza num local onde não devia ou
se chegou para um local onde não devia. A placenta previa é uma situação em que a placenta
se implanta sob o orifício interno do colo. São situações que podem estar associadas a
descolamento de placenta e a elevado risco hemorrágico e impossibilitam o parto por via
vaginal, para feto passar pelo canal vaginal teria de romper a placenta, o que comprometeria a
oxigenação fetal. Placenta
accreta que “invade” a
parede do útero, sendo que
depois existem vários tipos:
placenta increta se invade
substancialmente a parede
do endométrio e placenta
percreta cresce para fora do
útero e invade outros
órgãos como a bexiga ou o reto. São situações associadas a elevado risco hemorrágico sendo
que depois do nascimento não conseguimos fazer a dequitadura da placenta pois está muito
aderente à parede uterina.
A nossa conduta segue pela promoção do repouso, da abstinência sexual e depois depende da
idade gestacional: se tivermos muito longe do termo devemos tentar manter uma atitude
expectante, se tivermos perto do termo com uma situação relativamente instável devemos
realizar a cesariana. Nas situações com acretismo placentário, a cesariana tem de ser seguida
por uma histerectomia.

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Pré-eclampsia: situação relativamente comum, caracteriza-se pela grávida apresentar


hipertensão arterial, sistólica acima dos 140mmHg e a diastólica acima dos 90mmHg, associada
a proteinuria (geralmente uma proteinuria nas ultimas 24h superior a 300). Situação
potencialmente grave, pode-se associar a alterações na função hepática ou nalgumas situações
a ocorrência de edema cerebral e convulsões (Eclampsia). O quadro pode associar-se a
trombocitopenia ou a uma situação que pode comprometer a oxigenação fetal e que pode
coexistir com restrição do crescimento fetal (insuficiência placentária).
A conduta pode passar pela administração antihipertensivos, de sulfato de magnésio (profilaxia
das convulsões/eclampsia). A atitude obstétrica a adotar é uma atitude expectante, po exemplo
quando uma grávida possui uma proteinuria mas as análises são relativamente expectatáveis,
apenas devemos induzir o parto em cesariana se o quadro clínico for grave ou se existir uma
restrição de crescimento fetal grave que pode contraindicar uma atitude expectante.
Condições médicas que podem complicar uma gravidez:
• Diabetes mellitus tipo 2: incapacidade de metabolização dos hidratos de carbono. É
muito importante que as grávidas decidam engravidar com a diabetes controlado,
sendo esse o ponto chave para um bom desfecho. Podem associar-se a malformações
fetais (cardíacas são as mais frequentes), risco associado de macrossomia fetal (fetos
muito grandes com pesos estimados acima dos 4kg) e consequentemente maior risco
de trauma obstétrico no parto, maior risco de morte perinatal (morte súbita ou restrição
do crescimento fetal) e de doença da membrana hialina, sendo que do ponto de vista
pulmonar os fetos são mais imaturos com fetos da mesma idade gestacional de mães
sem diabetes.
Prática clínica: instituir dieta, mudança de estilo de vida, medição de glicémia, promover
o exercício e monitorizar o controlo das glicémias. Se o controlo da glicémia não for
possível apenas com medidas dietéticas é necessário recorrer à utilização de insulina e
de antidiabéticos orais. São grávidas que requerem muitas vezes indução de trabalho de
parto antes das 41 semanas pelo risco de morte perinatal e pela macrossomia fetal.
• Hipertensão crónica: importante terem a situação controlada. Está associada a maior
risco de descolamento da placenta, risco de restrição do crescimento fetal e de
hemorragia intracraniana. Devem fazer os hipertensivos durante a gravidez de forma a
manter a tensão controlada e a indução do trabalho de parto está indicada para as 39
semanas porque estas grávidas têm maior risco de pré-eclampsia enxertada neste
quadro de hipertensão crónica.
• Asma grave: a ligeira não tem implicações na gestação. A asma grave pode ser uma
causa de hipoxia fetal crónica e pode agravar durante o momento do parto quando são
necessários esforços expulsivos. A condução destas grávidas é similiar à mulher não
grávida, pode fazer oxigenoterapia e usar antiasmáticos, nomeadamente os
broncodilatadores e muitas vezes a corticoterapia.
• Anemia: situação em que a grávida apresenta uma hemoglobina inferior a 11 no
primeiro trimestre ou 10,5 no segundo trimestre. Algo fisiológica da gravidez porque o
crescimento do feto irá pressupor a necessidade dos níveis de ferro da mãe, sendo
necessária suplementação. Pode ser uma causa de hipoxia fetal crónica (se for uma
anemia muito grave e prolongada no tempo). É normal que a anemia agrave durante a
gravidez, sendo necessário perceber se é uma anemia ferropénica ou se a causa é outra
como hemoglobinopatia hereditária. No caso da anemia ferropénica (+ comum e a única
que vou falar), a conduta passa pela suplementação com ferro, pode ser oral ou
endovenosa. Nos casos resistentes a estas duas terapêuticas pode ser mesmo
necessário utilizar transfusões de sangue (raro).
• Doença cardíaca: congénita ou valvular. São situações habitualmente graves que
motivam uma articulação com o cardiologista, podem associar-se a hipoxia fetal crónica
(cursando nas situações de diminuição do débito cardíaco), a restrição do crescimento

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fetal. O decurso da gravidez pode, por si só, desencadear uma insuficiência cardíaca e
enfarte do miocárdio ou aumentar o risco de endocardite bacteriana (podendo estar
indicada profilaxia antibiótica no momento do parto). A condução destas situações
dependem da cardiopatia em causa e o tratamento é muito específico de cada situação.
• Epilepsia: muitas vezes são grávidas que já sabiam que tinham epilepsia antes da
gravidez e é muito importante que tenham a sua epilepsia controlada com fármacos.
Algumas grávidas que não estejam bem informadas desta situação tendem a parar os
anticonvulsionantes e podem ter crises convulsivas durante a gravidez. Estas crises
podem ser uma causa de hipoxia fetal aguda. Os anticonvulsionantes devem ser
mantidos, mesmo que aumentem o risco de malformações (por exemplo: valproato de
sódio – risco de lábio leporino e de cardiopatia), sendo que por isso estas grávidas estão
indicadas para a realização de ecocardiografia fetal e de um estudo morfológico
detalhado para exclusão dessas malformações. Contudo em obstetrícia é importante
pesar os riscos: qual o maior risco? O risco de ter uma convulsão ou o risco de ter uma
malformação fetal? (geralmente a convulsão)

Doenças que complicam frequentemente a gravidez:


• Infeções urinárias (cistite, pielonefrite, bacteriúrias assintomáticas) – podem ser uma
causa de parto pré-termo ou de sépsis materna. Em qualquer uma destas patologias,
está indicada a realização de uma urocultura e iniciação de antibioterapia.
• Tromboembolismo (venoso ou pulmonar) – a gravidez é um estado pró-trombótico para
evitar que no parto haja uma grande hemorragia, sendo que esse estado pode originar
um tromboembolismo e, consequentemente, insuficiência respiratória na grávida.
Conduta passa essencialmente pela terapia anticoagulante e depois dependendo da
gravidade da situação a grávida terá que ficar internada e ser monitorizada.

Métodos de diagnostico que usamos mais frequentemente na gravidez:


• Análise da urina – permitir a realização de um teste de gravidez, um teste rápido
(Combur) para detetar proteinúria. Por exemplo, uma grávida que chega ao SU com
hipertensão de novo iremos realizar uma proteinúria de 24h para a grávida guardar a
urina toda que fizer durante um dia inteiro e é isso que vai dar o diagnóstico. A urgência
não tem imensa capacidade, sendo que se fizer um teste rápido e for positivo podemos
suspeitar de uma pre-eclampsia e isso pode condicionar a nossa atitude: promover o
internamento e depois ela fará a prova de urina das 24h. Também muito importante:
uroculturas nas infeções urinárias mencionadas anteriormente.
• Análises ao sangue – fazemos pelo menos 3 vezes na gravidez, não vou particularizar as
análises que fazemos em cada trimestre mas vamos ter que:
o Dosear a β-hCG (por exemplo numa gravidez em que não sabemos a localização da
mesma);
o Saber o grupo de sangue da grávida e, caso seja negativo, saber o grupo de sangue
do progenitor;
o Pesquisa de anticorpos irregulares vai-nos permitir procurar anticorpos anti
glóbulos vermelhos sejam do sistema Rh ou de outro, visto que existem outros
grupos de antigénios na superfície dos eritrócitos;
o Rastreio bioquímico das aneuploidias (1º trimestre) em que doseia hCG e PAPP-A,
para o 2º trimestre são doseadas outras substâncias como a AFP e o esteriol livre;
o Pesquisa de DNA fetal no sangue materno sendo este o princípio básico do teste
pré-natal não invasivo que é um teste de rastreio à trissomia 21 muito sensível
(acima de 99%);

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

o Hemograma – para avaliarmos a hemoglobina e se há anemia ou não, se há sinais


de infecção, se há trombocitopenia;
• Rastreio de diabetes gestacional - é também no sangue que conseguimos fazer o
rastreio da diabetes gestacional no primeiro trimestre com a glicémia em jejum e no
segundo trimestre com a prova de tolerância oral à glicose;
• Rastreio de infeções maternas – hepatite B, toxoplasmose, sífilis, HIV, citomegalovírus
e rubéola.
• Ecografia – muito utilizada, habitualmente as grávidas em Portugal fazem 3 ecografias
mas se os ciclos forem irregulares ou se ocorrer perda de sangue poderá ser necessário
realizar uma ecografia precoce. 1ª ecografia entre as 11 e as 13 semanas que é quando
se faz o rastreio combinado às aneuploidias; 2ª ecografia (morfológica entre as 21-22
semanas para ver se existem algumas alterações na morfologia do feto)no 2º trimestre
e 3ª no 3º trimestre (à volta das 32 semanas) que nos permite avaliar o crescimento
fetal, se existe malformações congénitas de manifestação tardia, avaliar líquidos, fluxos
de sangue e localização da placenta. Todas as situações faladas anteriormente (como a
pré-eclampsia) podem motivar a realização de ecografias em diferentes timings.

Diagnóstico pré-natal invasivo:


• A amniocentese e a biopsia das vilosidades coriónicas: A amniocentese é uma técnica
em que nós guiados por ecografia introduzimos uma agulha dentro da cavidade
amniótica e aspiramos um bocadinho de líquido, o liquído tem fibroblastos fetais e por
isso permite o estudo fibroblástico fetal; Na biopsia das vilosidades coriónicas, aquilo
que vamos colher é uma amostra de placenta, que pode ser colhida por via
transabdominal e transvaginal dependendo da localização da placenta. Ambas as
técnicas têm igual taxa de aborto (0,3%), a grande vantagem da biopsia é que pode ser
feita a partir das 11 semanas e pode permitir diagnósticos mais precoces. A
amniocentese é feita a partir das 16 semanas.
• Cordocentese, que é uma situação em que nós pulsionamos o cordão umbilical e
injetamos sangue para fazer uma transfusão de sangue ou um fármaco.
• Ressonância magnética – exame complementar que pode ser útil para complementar a
informação ecográfica, sendo particularmente útil nas malformações do sistema
nervoso central, porque nos permite avaliar a mielinização do SNC (que não
conseguimos avaliar por ecografia). Existem situações como a ventriculomegalia que
pode associar-se alterações graves a esse nível estando indicada, por isso, uma RM às
32 semanas de gestação; Permite também no caso da placenta percreta avaliar o grau
de invasão na bexiga e avaliar cirurgias de risco maior como a cesariana;
• Cardiotocografia – método que permite avaliar a frequência cardíaca fetal e a
contractilidade uterina. Aquilo que se faz é por uma sonda Doppler sobre a área
cardíaca fetal e um tocodinamómetro no fundo útero que nos permite avaliar as
contracções uterinas; O primeiro traço é referente ao batimento cardíaco fetal, que
neste caso é normal, com uma boa variabilidade de acelerações (vamos ouvir isto mais
tarde) e o traço inferior refere-se à contractilidade uterina. Pode ser utilizada no
anteparto para vigiar o feto nas gestações de alto risco ou de baixo risco a partir das 40
semanas, sendo também um método de monitorização do feto no trabalho de parto.

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Complicações do parto: felizmente a maior parte destas situações tem resolução mas é para
saberem que pode acontecer, sendo que no 5º ano vão aprofundar a maior parte destas
questões.

Parto pélvico: falaram do parto em apresentação cefálica (com o feto de cabeça para baixo) mas
em 4% das gravidezes no momento do parto o feto não se encontra nessa posição, ou seja,
encontra-se em apresentação Pélvica. Isto é, aquilo que aparece quando nós fazemos o toque é
a pelve do feto. Este tipo de parto está associado a algumas complicações mas se a grávida
estiver muito motivada para ter um parto vaginal com um feto em apresentação pélvica e o feto
tiver algumas características, podemos permitir que este parto aconteça.
Caraterísticas essas que incluem: estimativa de peso de 2kg a 3,5kg, que a cabeça não está muito
desfletida, que tem apresentação pélvica e não dos pés. Se estes pré-requisitos e depois de
informarmos a grávida devidamente, podemos permitir que esse parto aconteça. Ao contrário
do outro parto, em que a primeira parte a sair para o exterior é a cabeça, neste é a pelve do
feto. Sai primeiro a pelve, depois os membros inferiores, depois fazemos uma ansa do cordão,
ou seja, prolongamos o cordão para não ficar demasiado estirado, depois saem os braços e
finalmente a cabeça.
O grande risco deste parto é haver uma retenção da cabeça (“retenção de cabeça última”),
vocês sabem que a cabeça do feto é a porção fetal de maiores dimensões e pode passar todo o
corpo e a cabeça ficar “impactada” ou encravada.
Pode-se resolver com várias manobras, a forma de normalmente extrair a cabeça num parto
pélvico é colocando uma mão com 2 dedos sobre o lábio superior do feto e a outra mão cá em
cima promovendo a flexão da cabeça (se ele desfletir a cabeça, não irá ocorrer a exteriorização
da mesma).
Depois muito importante, e isto tem de se conversar com a grávida pois nos tempos que correm
já ouviram falar na comunicação em violência obstétrica e isto não é violência obstétrica é uma
manobra essencial ao parto pélvico: é haver uma pessoa que não está a realizar o parto
propriamente dito mas que tem uma mão a acompanhar a descida da cabeça ao longo do
útero, esta mão faz uma pressão abdominal muito importante, às vezes ligeiramente dolorosa
dependendo da sensibilidade das pessoas mas é muito importante pois a pressão vai impedir a
deflexão do polo cefálico e vai ajudar na exteriorização da cabeça. Isto não é pressão fúndica,
como se faz no parto de apresentação cefálica (manobra de Kristeller), isto é uma manobra
diferente e muito importante. É
mesmo importante informar a grávida
destas manobras caso a grávida
decida fazer um parto de
apresentação pélvica para que no
momento não seja surpreendida por
esta manobra desconfortável.
Caso a cabeça não saia com estas
manobras poderemos aplicar um
forcéps, há um operador que levanta ligeiramente o feto pelos pés e com uma mão guia a
introdução do forcéps na região parieto-occipital, introduzindo uma colher e depois a outra.
Depois deixamos descansar o feto sobre esta porção do fórceps e tracionamos em direção ao
operador e na maioria dos casos ocorre a exteriorização da cabeça.

Paragem do trabalho de parto: complica cerca de 5% dos partos, ou seja, a paragem da dilatação
do trabalho de parto. O trabalho de parto é um processo que se inicia com o ínicio da
contractilidade regular e dolorosa, traduz-se por alterações tais como o apagamento e dilatação
cervical. O colo do útero funciona como uma porta do útero e, portanto, durante o trabalho de
parto essa porta tem que abrir. Durante a gravidez, o colo deve estar fechado mas no momento
do parto deve-se abrir para permitir a saída do feto. O trabalho de parto teve o seu início mas a

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dada altura a dilatação pára e isso pode ocorrer em qualquer fase (aos 6cm, aos 7, aos 8) e às
vezes mesmo na dilatação completa.
Muitas vezes temos que esperar 4h para perceber que o trabalho de parto parou. O trabalhos
de parto pode parar porque as contracções não são eficazes ou não são muito pouco regulares,
ou seja, quando o motor do trabalho de parto não está a funcionar muito bem. Por outro lado,
pode ser uma situação em que o feto posicionou-se mal ou a bacia não permite a passagem
daquele feto (quando a bacia é demasiado pequena para o feto ou o feto é demasiado grande
para a bacia).
São situações associadas a:
• Exaustão materna - a grávida fica muitas horas em trabalho de parto;
• Hipoxia fetal - particular atenção quando o trabalho de parto em dilatação completa
ou grávidas com cesariana anterior;
• Fístulas vesico-vaginais - pouco frequente em países industrializadas, mas é muito
comum por exemplo em países africanos onde as mulheres não têm acesso a cuidados
de saúde e podem ficar em várias dias em trabalho de parto fragilizando os tecidos,
tendo posteriormente muito impacto na qualidade de vida destas mulheres que podem
ficar com incontinência urinária, incontinência fecal e do ponto de vista social são
mulheres que depois são muito discriminadas por isto.

Em situações de paragem do trabalho de parto:


• administrar oxitocina (sintético da oxitocina) para acelerar o trabalho de parto, sendo
uma droga muito utilizada na sala de partos mas também é uma droga muito perigosa
porque apesar de ser um análogo da oxitocina endógena, este fármaco é muito
individual e há pessoas que podem responder de forma exagerada à eoxitocina exógena
mesmo com baixas doses. Esta resposta exagerada pode se traduzir num aumento
exagerado de contracções, por exemplo ao ter mais do que 6 contrações em 10min, se
o útero estiver sempre a contrair e o espaço entre contracções for menor o feto irá ser
menos oxigenado, sendo que devemos ter muito cuidado quando administramos estes
fármacos.
• Se existirem contracções regulares, imaginem 4-5 contrações a cada 10 min durate 4h e
a dilatação não passa dos 7cm, devemos decidir uma cesariana. Em situações de
dilatação completa com apresentação encravada e que o bebé não desce no canal de
parto, podemos equacionar um parto instrumental, ou seja, a realização de uma
ventosa ou de um fórceps ou de uma ventosa + forcéps, se estiverem estabelecidos
todos os critérios de segurança para aplicação do instrumento e se estivermos convictos
que aquele bebé vai nascer por via vaginal.

Hipóxia fetal intraparto – complica cerca de 2% dos partos. Pode ser devida a várias causas,
uma delas é o prolapso do cordão: imaginem que a grávida está em trabalho de parto e cabeça
do feto está muito alta e de repente há uma ansa do cordão que consegue “passar à frente da
cabeça” e exteriorizar-se através da vagina. Pode ser mesmo visível por fora da vulva (se for
muito cordão) ou ficar mesmo retido dentro da vagina, obviamente que a cabeça depois
comprime o cordão e originará uma bradicardia fetal que, se não for resolvida, vai levar à morte
do feto. Outras circunstâncias que podem levar a hipoxia fetal intraparto são a rutura do útero,
um descolamento da placenta, uma hipotensão da grávida, a actividade uterina excessiva.
Todas estas situações depois têm condutas muito particulares que não vou aqui particularizar,
mas o que importa é que a maior parte destas situações são emergências obstétricas e que se

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não conseguirmos atuar nos próximos 12-15min há sério risco de má oxigenação fetal e do feto
ficar com sequelas que vão desde a paralisia cerebral grave ou mesmo a morte perinatal.
A conduta vai depender muito da situação, muitas vezes, por exemplo, se for uma
contractilidade uterina excessiva podemos administrar os fármacos tocolíticos (falados na aula
anterior – abolição das contrações). Noutras situações está indicada a cesariana de emergência
ou o parto instrumental em casos em que o parto é mais fácil/rápido com uma ventosa ou
forcéps do que uma cesariana. Na maioria destas situações, é necessária a realização de uma
cesariana.

Distócia de ombros: vamos agora ao parto vaginal com apresentação cefálica (em que sai
primeiro a cabeça), é uma situação eu complica 2% dos partos. É relativamente rara e
imprevisível pois tanto pode acontecer em fetos grandes como em fetos pequenos embora
saibamos que a macrossomia fetal e particularmente as grávidas com diabetes têm maior risco
de distócia de ombros pois têm tendência para acumularem gordura na cintura escapular,
tornando mais difícil extrair os ombros. Quando vocês falaram dos movimentos cardinais do feto
ao longo do parto, na rotação
externa em que depois se segue
a exteriorização dos ombros.
Quando há uma distócia de
ombros, os ombros ficam
impactados atrás da sínfise
púbica da mãe e é o que
chamamos o sinal de tartaruga:
temos na imagem um bebé em
que não conseguimos ver o
queixo e está a ficar cianótico porque não se estão a conseguir extrair os ombros. Claro que
podemos puxar mas não podemos fazer uma tração exagerada porque pode causar lesão do
plexo braquial.
É também uma emergência obstétrica porque se deixarmos passar mais do que 12 min pode-se
associar a lesões cerebrais graves e, em casos mais graves/raros, à morte perinatal. Existem
várias manobras para resolver a distócia:
• Manobras de McRoberts – consiste em fletir as coxas sobre o abdómen, normalmente
existem 2 operadores que vão permitem esta hiperflexão da coxa sobre o abdómen e
isto vai aumentar a que o espaço de saída do canal de parto aumente e permite a
extracção do ombro. Depois há um operador que faz pressão no sentido oposto do
ombro, tentando que o ombro saia de trás da sínfise pública e rode para um dos lados
e isso muitas vezes possibilita a extracção do ombro. São consideradas manobras
externas, quando não conseguem resolver passamos a manobras internas.
• Manobras internas: colocar
uma mão através da cabeça no
ombro e promovendo a
rotação no eixo oblíquo, pode
ser o ombro que esteja a
anterior ou posterior
consoante aquele que
tivermos muito acesso. Se
estas manobras de rotação
não forem eficazes, podemos

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tentar extrair o ombro posterior do feto e com isso conseguimos extrair o ombro
anterior.

- Hemorragia pós-parto – é a principal causa de morte materna, particularmente em países não


industrializados. Complica cerca de 5% dos partos e nessas circunstâncias aquilo que acontece
é o choque hemorrágico que pode levar à morte materna. Após o parto e a dequitadura, o útero
pode sangrar bastante. Imaginem um útero gravídico, que vai quase até ao apêndice xifoideu,
quando sai o feto e a placenta ele tem que contrair se não vai sangrar imenso. O caudal desta
hemorragia pode parecer “uma mangueira de jardim aberta”, é mesmo uma hemorragia muito
importante. A principal causa de hemorragia pós-parto é a atonia uterina, é um útero que fica
mole e não contrai (não ficando ao nível do umbigo). Existem outras razões para isto acontecer,
nomeadamente: lacerações do canal de parto, uma extensão de uma epísio, uma lesão ou
laceração do colo do útero. Às vezes quando sai a placenta, devemos inspecioná-la ao ver por
exemplo se está completa, se os bordos são regulares, mas pode haver um cotilédone acessório
ou ficar retida uma parte da placenta dentro do útero que justifique esta hemorragia. Nalgumas
circunstâncias, podem existir alterações da coagulação, adquiridas ou hereditárias, ou então ser
a atonia uterina se consuma os fatores de coagulação e isso potencie depois a hemorragia.
Vou-vos falar um bocadinho do tratamento da atonia uterina: se temos um útero mole que não
contrai, temos que lhe dar fármacos para contrair e nós habitualmente a todas as grávidas
depois do parto damos oxitocina como medida profilática da hemorragia pós-parto. Nas
situações de hemorragia pós-parto por atonia uterina damos também oxitocina mas em doses
superiores e podemos também dar ainda outro tipo de prostaglandinas, nomeadamente o
misoprostol por via sublingual ou retal.
Se estas medidas não forem
eficazes, temos alguns métodos
mecânicos, por exemplo a
compressão bimanual do útero em
que se poe uma mão por via vaginal
e uma mão na zona abdominal,
obviamente que a grávida deve
estar anestesia e que é esta é uma
medida bastante eficaz. Podemos também por um balão intra-uterino nas situações em que há
por exemplo onde saiu a placenta existir uma zona que está a sangrar e o balão vai comprimir
esses vasos e promover a hemóstase.
Se estes tratamentos não forem eficazes, podemos prosseguir para o tratamento cirúrgico, que
pode consistir numas suturas à volta do útero, passar uns fios longitudinais e eventualmente
transversais à volta do útero, a chamada técnica de Belinch ou técnica de Alcides Pereira. E o
útero fica com um aspeto de “chourição” ou de “rolo de carne que vai ao forno com um fio”.
Podemos ainda laquear as uterinas diminuindo a vascularização do útero.
Quando há falência de todas estas hipóteses, poderemos ter que avançar para uma
histerectomia, que será life-saving mas que impossibilitará a mulher de engravidar no futuro.

Algumas intervenções comuns em obstetrícia e durante o trabalho de parto:


• Episiotomia – corte que se faz ao nível do
períneo em que há 2 formas de o fazer (ou
mediana ou médio-lateral) em que queremos
alargar a zona de saída do feto, facilitando a sua
extracção ou evitando, quando o períneo não
distende o suficiente, a laceração para outros
órgãos nomeadamente os esfíncter anal ou para
o reto. Hoje em dia, considera-se que não se

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deve fazer episiotomia de rotina, ou seja, não devemos fazer a todas grávidas mas sim
seletivamente: por exemplo quando percebemos que o períneo não distende aquando
a saída da cabeça ou da pelve e que há sinais que os tecidos vão começar a lacerar ou
quando percebemos que vamos precisar de mais algum espaço para a extração do feto.
Em determinado tipo de partos distócicos, nomeadamente o parto por forcéps, a
episiotomia está geralmente recomendada. Em Portugal, estima-se que a percentagem
de episiotomias encontra-se à volta dos 40%. Em termos de expansão perineal, é mais
fácil fazer num parto sem epísio num 2º, 3º ou 4º parto do que num primeiro porque os
tecidos têm outra elasticidade.
• Extração com ventosa – 2
exemplos de ventosas, existem
vários tipos: ventosa de kiwi,
mityvac, etc. A ventosa tem um
sistema de vácuo que é aplicado a
esta campânula, tem aqui uma
bomba com escala de pressão, que
induz o vácuo através desse
sistema. Quando vocês têm um
bebé em apresentação cefálica,
têm de tentar identificar 2 fontanelas: a pequena fontanela que tem esta forma
triangular e grande fontanela que tem esta forma losangica. Deve ser posta a 3cm da
pequena fontanela (posterior), permite que quando fazem tração da ventosa ocorre
distensão da cabeça sendo mais fácil o sucesso da ventosa. Se colocarem mais à frente,
a ventosa agarra e podem induzir algum grau de desflexão e ser mais difícil a extracção
do feto. * A professora prossegue a mostrar um vídeo de um parto*. A campânula é
relativamente pequena, entra bem no enteroide vaginal, ao sendo obrigatório fazer
uma epísio nestes partos e depois sentam-se (depois de induzirem a pressão) e acaba
por ocorrer a extracção do feto.
• Extração por forcéps – forcéps é
um instrumento metálico que tem
3 porções: as colheres, a peça
intermediária e os cabos (onde o
operador vai colocar as suas mãos).
Temos que saber muito bem como
é que o feto está posicionado no
canal de parto porque a ideia é por
o fórceps nas regiões
parietoccipitais e não na face pois
pode induzir uma fratura do maciço facial. Como podem, apesar de ser um instrumento
que impressiona, só deve ser posto cerca de 2 dedos sem que seja forçada a sua entrada.
O operador segura com uma mão no cabo, a outra mão guia a cabeça do feto e as
paredes vaginais. 1º entra a primeira colher depois a 2ª e a seguir articula-se e promove-
se a tração e saída do feto. O espaço entre as colheres condiciona uma grande
resistência do períneo, sendo necessário epísio na maioria dos casos se não vai ocorrer
uma laceração grave do períneo.

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• Cesariana – aqui vemos alguns instrumentos para realizar esta cirurgia. Nesta cirurgia,
em média perde-se 1L de sangue pelo que precisamos de compressas para limpar o
campo. E veem aqui uma grávida deitada com os panos operatórios previamente à
cesariana. A cesariana é uma cirurgia segura (hoje em dia), depois da evolução falada na
aula anterior mas tem alguns riscos cirúrgicos e alguns riscos anestésicos. É preciso que
as doentes saibam os riscos que incorrem quando se submetem a uma cesariana. A
cesariana, relativamente ao parto vaginal, está associada a um maior risco de
hemorragia, perde-se mais sangue num parto por cesariana do que num parto normal.
Há maior risco de infecção embora minimizemos este risco com a administração
profilática de antibióticos no início da cirurgia e a um maior risco de tromboembolismo.
Os riscos absolutos são baixos mas lembrem-se que a gravidez é um estado pró-
trombótico e que a cirurgia aumenta este risco particularmente em grávidas que
tenham outros fatores de risco para tromboembolismo sejam obesidade, consumo
tabágico, existência de tromboses nos antecedentes. Essas grávidas devem ser
identificadas e devem fazer profilaxia do tromboembolismo do pós-parto. Também
sabemos que os bebés que nasceram por cesariana têm maior incidência (20%) de asma
e diabetes, o que parece estar relacionado com o facto de não estarem em contacto
com a flora vaginal do canal de parto. A cesariana implica uma cicatriz no útero,
originando maior risco de anomalias da placentação numa gravidez futura, podendo
condicionar um risco completamente diferente para uma gravidez seguinte. A placenta
previa já falamos, é aquela que se apresenta anormalmente no útero sobre o orifício
interno que impossibilita um parto por via vaginal e pode estar associado a um maior
risco de descolamento de placenta. Depois temos suspeitas mais graves de acretismo
placentário, em que a placenta cresce para o interior do miométrio ou atinja alguns
órgãos pélvicos e nestas circunstâncias são cirurgias de alto risco porque sangram muito
e normalmente acabam na realização de uma histerectomia, sendo esta histerectomia
muito particular porque está associada a maior risco de órgãos como os ureteres, a
bexiga, maior risco cirúrgico e há muitas vezes necessidade de reoperação nos dias
subsequentes.

* professora mostra vídeos de cesariana* primeiro faz-se uma incisão de Pfannestiel, que é uma
incisão 2 cm acima da sínfise púbica, permitindo que os doentes fiquem com uma incisão baixa
e que possam continuar a usar biquíni. Fazemos uma incisão com o bisturi, abrimos o tecido laxo
subcutâneo em bizel em direcção ao topo superior, depois a aponevrose dos grandes retos com
uma pequena incisão e o restante é aberto digitalmente; Depois encontramos a linha média,
fazemos uma incisão no peritoneu parietal (tudo digitalmente), depois no peritoneu visceral e
depois fazemos o resto com a pinça porque não queremos atingir o feto, saindo liquido
amniótico e sangue (principalmente se a cesariana for electiva), incisão lateralmente e
chegamos ao feto.
Se o bebé nascer em boa condição (se não for uma situação de hipoxia aguda) devemos aguardar
com calma e fazer cortagem tardia do cordão para mostrar o feto à grávida e eventualmente ao
acompanhante. A seguir à extração do feto, temos que tirar a placenta, podemos fazer uma
ligeira tração no cordão e pedem à anestesia para administrar a oxitocina, também para a
profilaxia da hemorragia. (Aconselho verem o vídeo por causa dos detalhes anatómicos)
Começamos a suturar de um canto para o outro (conhecendo bem os bordos de útero) e vemos
que a hemorragia é menor, sendo que o útero está contraído.
Depois de encerrado o útero, temos de limpar a cavidade abdominal, pois lembram-se que saiu
sangue e líquido amniótico (e muitas vezes há muito líquido livre) e limpar bem as goteias

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porque se não se a grávida tiver dor e for fazer uma ecografia vocês vão ver muito líquido livre
e podem ser induzidos em erro. Também esse liquído será um bom meio de cultura, por isso
devemos tentar limpar o máximo possível de cada lado e depois ver os anexos porque se houver,
por exemplo, uma massa no ovário poderá estar indicada a sua excisão.
No fim de suturarmos o útero, vamos suturar a aponevrose dos grandes retos, temos que
suturar bem o angulo para evitar a formação de hérnias. Depois de suturarem ate podem passar
com o dedo por isso para ver se ficou alguma descontinuidade que não é desejável e que deve
ser encerrada neste momento. Depois encerramos o tecido celular subcutâneo, não sendo
obrigatório em todas as grávidas, especialmente quando este é inferior a 2 cm (neste caso não
era) e podemos por agrafos ou fazer uma sutura intradérmica. A sutura intradérmica não
pressupõe uma retirada dos agrafos entre o 7º e o 10º dia e por isso considero mais vantajosa e
mais confortável para agrávida. Em termos estéticos é similar, não fica com pontos à vista.
Devem depois informar a grávida do tipo de sutura, para informar os cuidados que deve ter no
pós-parto e se necessita ou não de tirar os agrafos ou os pontos.
Depois da cirurgia, é preciso aferir qual foi o motivo da cirurgia e se a placenta está indicada
para um estudo anátomo-patológico ou não, por exemplo se for de uma restrição deve ir, se
houver uma patologia materno-fetal também deve ir mas se for uma gravida de baixo risco com
uma paragem de dilatação aos 7 cm não é necessário enviar a placenta para a anatomia
patológica.

Terminologia comum nas histórias obstétricas:


• Parto – expulsão fetal que ocorre após as 22 semanas. Temos vários tipos de parto pode
ser: vaginal (eutócico/normal), instrumental (utilização de fórceps e/ou ventosa);
cesariana (parto cirúrgico/distócico).
• Gravidezes gemulares ou trigemulares ou mais elevadas (maior número de fetos) –
podemos ter partos combinados, por exemplo um parto eutócico + parto de fórceps ou
parto de ventosa seguido de cesariana (no caso de complicação com o segundo gémeo);
parto diferido nos partos antes das 24 semanas em que nasce um dos fetos podemos
laquear o cordão para evitar que nasça o segundo feto;
• Aborto – expulsões que ocorrem antes das 22 semanas, podem ser espontâneos
(podemos recorrer à terapêutica médica para os resolver ou esvaziamento uterino
cirúrgico que inclui a aspiração e a cortagem uterina).
• Gravidezes ectópicas
• Terminações de gravidez – que podem estar medicamente indicados por patologia da
grávida ou do feto
• Interrupção voluntária da gravidez

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Aula 5 – Casos Clínicos Sobre Complicações da Gravidez

Data Docente
25/11/21 Prof. Susana Santo

Caso Clínico 1

Mulher, 37 anos, G1P0, grupo sanguíneo B positivo, 9+2 semanas de gravidez confirmadas por
ecografia.
“Como é que eu posso ter a certeza de que o meu bebé não tem Síndrome de Down?”

Como é nós devemos aconselhar esta doente? O que lhe diríamos?

A história clínica é fundamental. A senhora pode estar muito ansiosa por ter alguém da família
com esta síndrome ou porque tem alguém próximo que viveu uma situação difícil relacionada
com a Trissomia 21 (porque já teve um bebé com este problema, porque um casal amigo já teve
de interromper a gravidez por este motivo, …).

Esta é uma situação em que, realmente, é indicado fazer o rastreio para esta síndrome em todas
as gestações (desde que o casal assim o consinta). Não se pode fazer nada que não seja
consentido (à partida). Devemos abordar a mulher (apesar de, neste caso, ser a mesma a
questionar) em relação ao desejo de realizar um rastreio para esta síndrome. Nestes casos,
precisamos de perceber se as pessoas sabem realmente o que é a Trissomia 21 e, se não, explicar
algumas características da doença (fácies, comportamento, …) para que a pessoa possa perceber
se, efetivamente, reconhece alguém na sociedade com essas características e o possa entender.
Se estas dúvidas não forem esclarecidas, todo o aconselhamento pode ficar comprometido.

Como se faz o rastreio das aneuploidias? (que inclui não só a Trissomia 21, mas também as
Trissomias 13, 18)

O melhor teste de que se dispõe comparticipado pelo SNS até à data é o rastreio combinado do
primeiro trimestre (teste mais sensível que temos para oferecer). Existe a combinação de três
coisas:
• Idade da grávida (à medida que a idade materna aumenta, maior o risco de alterações
a nível da divisão celular e, logo, maior o risco de Trissomia 21 – este é um ponto
particularmente importante hoje em dia, pois a mulher cada vez mais adia os seus
projetos reprodutivos);
• Análise de sangue (em que se doseiam duas substâncias: PAPP-A (proteína derivada da
placenta) e a fração livre da βHCG);
• Ecografia: imagem de um feto em corte longitudinal/sagital quase perfeito*, às 12
semanas, onde se avaliam os principais marcadores de Trissomia 21:
o Translucência da nuca: espaço hipoecogénico – preto na ecografia. Fetos com
a síndrome têm este espaço aumentado – acima dos 3,5 mm;
o Osso nasal: fetos com a síndrome não apresentam/não se visualiza este osso.
Se repararmos, as pessoas com esta síndrome têm um nariz mais pequeno, mais
achatado (também se pode relacionar com uma questão de raça: pessoas de
raça negra têm a porção óssea do nariz muito curta ou mesmo inexistente).
*vê-se o diencéfalo, o tálamo, a translucência magna da nuca intracraniana, apenas o ramo
horizontal do maxilar superior e o osso nasal.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Existem softwares específicos que comparam estes três parâmetros e que nos dizem qual é a
probabilidade de o bebé ter Trissomia 21.
Ex. Risco de 1/5000, como explicar? Se eu tivesse nesta sala 5000 mulheres com a mesma idade
materna, com um doseamento laboratorial igual ao da grávida e uma ecografia igual também, 1
mulher (entre as restantes 4999) tinha um bebé com Trissomia 21.

É muito importante explicar ao casal que isto não é um teste de sim/não, não é um teste de
diagnóstico, mas sim de rastreio. Vai dar-nos uma ideia da probabilidade/do risco.

Nas situações de risco acrescido, por exemplo de 1/4 (risco muito alto), podemos oferecer um
teste diagnóstico, com biópsia das vilosidades coriónicas ou amniocentese, apesar de serem
testes com risco de perda fetal (0,3%).

Porque é que não se oferecem testes invasivos a todas as grávidas? Pois iríamos perder muitos
fetos, não se justificando o risco.

Este rastreio combinado do primeiro trimestre tem:


• Uma taxa de deteção de 95% do risco para Trissomia 21 (apesar de algumas grávidas só
descobrirem que o estão após as 12/13 semanas, que é a janela de oportunidade para
a realização da ecografia do rastreio combinado – impossibilitando a realização deste
rastreio). Podemos ter que optar pelo teste de rastreio do segundo trimestre ou pelo
seguinte teste;
• Pesquisa de DNA fetal no sangue materno (durante a gravidez existe esta passagem – é
possível a pesquisa com sondas específicas a existência das Trissomias 13, 18 ou 21,
sendo um teste de pesquisa de sangue periférico da grávida sem risco para a gravidez,
com uma taxa de deteção de 99,8%);
• Nos países em que aderiram a esta técnica, em grávidas em que o risco de trissomia é
de 1/100, faz-se diretamente um diagnóstico pré-natal invasivo (0,3% de risco de
aborto); em grávidas em que o risco é de 1/1000 oferece-se pesquisa de DNA fetal no
sangue materno; se o risco for inferior a 1/1000 fica-se só pelo rastreio combinado.

Quando se está a fazer este aconselhamento ao casal, temos de explicar o que é que os testes
nos permitem saber (rastreio ≠ disgnóstico), quais são as limitações do teste, quais os riscos e
perceber quais são as suas dúvidas e aquilo que o casal quer fazer.

Existem casais que não querem ser confrontados com esta informação, nunca na vida
conseguiriam optar por terminar a gestação e nós temos que respeitar, sendo que nem se faz
sequer o rastreio da síndrome, fazendo-se apenas a ecografia sem calcular o risco.
Em Portugal, é possível interromper a gestação até às 24 semanas e 16 dias nestes casos de
doença.

Caso Clínico 2

Mulher, 24 anos, G3P2C1, grupo sanguíneo A positivo, amenorreia (última menstruação) há 7+2
semanas com sangramento vaginal moderado há 4 horas. (Mais à frente a professora disse que
se esqueceu de referir mas que neste caso a grávida, como é Rh positiva, não teve de fazer
profilaxia de isoimunização Rh – se fosse Rh negativa e o marido Rh positivo teria de fazê-la).

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Como é que esta doente deve ser orientada?


Esta é uma situação em que a mulher deve recorrer à ajuda médica, pois, partindo do
pressuposto de que sabe da sua gravidez, a perda de sangue não representa algo normal,
podendo significar gravidez ectópica, uma vez que a gravidez ainda não foi localizada.
Para além desta hipótese, poderia ainda tratar-se de, por exemplo, uma ameaça de aborto, uma
causa ginecológica, uma patologia no colo do útero, uma laceração vaginal decorrente, por
exemplo, da atividade sexual, etc.

História clínica: temos de perceber a quantidade de sangue que a senhora está a perder (em
algumas gravidezes, perder 1 gota de sangue já é muito importante), perguntando, por exemplo,
quantos pensos utilizou, se é uma hemorragia igual à menstruação ou não, etc… Excluir outros
sintomas também pode ser importante (sintomas do aparelho urinário, se sente dor abdominal,
se se sentiu mal, se tem alguma sensação de desmaio, etc).

Exame físico: primeiro observam-se os genitais externos (tentar sempre adotar uma posição de
respeito face à paciente, uma vez que se trata de uma zona muito íntima, podemos mesmo até
tapá-la com um lençol), passando-se depois para os genitais internos utilizando um espéculo
para a distensão vaginal, permitindo a observação de todas as suas paredes, incluindo o colo do
útero. Podemos ainda verificar se existe sangue na vagina e se existe uma hemorragia ativa que
se exterioriza através do orifício externo do colo do útero, confirmando a sua origem como
uterina.
Este exame com espéculo é desconfortável podendo, por vezes, ser doloroso, pelo que temos
de ter cuidado e esperar até que ocorra o relaxamento da examinada.

Exame pélvico bimanual: consiste na introdução de dois dedos no interior da vagina e, com a
outra mão, fazemos a palpação abdominal. O que é que este exame nos permite? Permite
avaliar o tamanho do útero (se tem dimensões aumentadas ou não – devido à presença, por
exemplo, de miomas ou por estar grávida), os fundos de saco vaginais (zonas que estão em
maior relação com os anexos, sendo possível detetar uma possível massa ou perceber se existe
dor a esta palpação) e se existe dilatação cervical (se o colo do útero está a abrir – em casos de
ameaças de aborto, o colo do útero vai estar aberto).

Ecografia com sonda vaginal: útil em casos de gravidez precoce, que permite a visualização das
estruturas da cavidade pélvica, nomeadamente a ecoestrutura do útero, se a cavidade uterina
tem algum saco ou não e, depois, visualizar as estruturas anexas: ovários e trompas. Para além
disto, verificamos também se existe líquido livre no fundo de saco posterior, que pode ser uma
informação indireta de uma rotura de uma gravidez ectópica. A presença de líquido neste fundo
de saco deve ser sempre documentada em qualquer ecografia!

Nesta ecografia, em corte transversal do útero,


verificamos que no interior da cavidade uterina se
encontra uma estrutura anelar, com uma
ecogenicidade um bocadinho superior (mais
preto – hipoecogénico) que é um saco
gestacional, sendo que no seu interior existe uma
estrutura que é o embrião. Este embrião mede 7,1
mm. A partir dos 7 mm de comprimento crânio
caudal, temos de ver atividade cardíaca do
embrião. Caso contrário, podemos diagnosticar
morte embriológica intrauterina (gravidez não
evolutiva – aborto).

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No caso deste embrião medir 3 mm, não poderíamos afirmar que a gravidez é não evolutiva.
Tínhamos de proceder a uma reavaliação ecográfica em 11 a 14 dias para confirmar. Poderia
tratar-se inicialmente de uma gravidez de menos tempo, e temos de ter cuidado com isso para
não fazer diagnósticos errados.

Como é que nós orientamos estas situações de gravidezes não viáveis? Claramente que, quando
existe diagnóstico de uma gravidez não evolutiva do primeiro trimestre, é uma má notícia e deve
ser encarada como tal. Portanto, devemos arranjar um espaço adequado, pedir à senhora para
se vestir e depois explicar-lhe tudo o que está a acontecer.

Devemos ir transmitindo informação ao longo da realização da ecografia para que a pessoa


possa ver e perceber o porquê de estarmos a fazer aquele diagnóstico (seja de uma gravidez
normal ou de uma gravidez não evolutiva). Em casos de gravidez não evolutiva, devemos chamar
um colega para confirmar o nosso diagnóstico. Depois de se explicar tudo à doente e de lhe dar
tempo para assimilar a informação, respirar fundo e falar com algum familiar, temos de decidir
o que fazer com a situação. Por isso, existem três opções terapêuticas:

• Ter uma atitude expectante, esperando que a Natureza resolva a situação – neste caso
através do aumento das perdas hemáticas, acabando por excluir o produto de
concepção (taxa de sucesso de 80% às 6 semanas). Este processo, em alguns casos, pode
demorar muito tempo e, do ponto de vista psicológico, é difícil de esperar tanto tempo
para a resolução desta situação;
• Fazer um tratamento médico: pode usar-se uma combinação de fármacos, por exemplo,
Mifepristona (antagonista dos recetores da progesterona, hormona fundamental para
o desenvolvimento da gravidez) + Misoprostol (abre o colo do útero, promover a sua
contração e expulsão do produto de concepção). (Taxa de sucesso de 92% às 48h);
• Esvaziamento uterino cirúrgico que compreende uma cortagem e aspiração uterina,
sendo uma abordagem mais eficaz e rápida. A doente entra, é sedada, faz-se a aspiração
que é um procedimento relativamente rápido (10 minutos), sendo que apresenta alguns
riscos: rotura uterina, infeção, formação de sinéquias que impedem a menstruação em
ciclos subsequentes ou mesmo comprometendo a fertilidade. Por estas razões, esta
modalidade terapêutica deve ser reservada para situações em que há uma hemorragia
muito importante (ou mesmo choque), sépsis ou falha do tratamento médico descrito
anteriormente (não respondem aos fármacos).

Caso Clínico 3
Mulher, 24 anos, G2P1, grupo sanguíneo AB positivo, amenorreia há 8 semanas com
sangramento vaginal ligeiro há 2 horas. Apresenta uma dor moderada e contínua no hipogástrio
que começou há 3 horas.

Como é que esta doente deve ser orientada?

Este é um caso semelhante ao anterior e, portanto, vai incluir os mesmos passos: história clínica
(caracterizando bem os sintomas), fazer o exame ao espéculo, exame com palpação bimanual e
ecografia transvaginal.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Aqui o que vemos é um


bocadinho diferente da
ecografia do caso anterior.
À esquerda, vemos uma
imagem do útero, sendo que
no seu interior (cavidade
uterina) verificamos uma
zona hipoecogénica que
corresponde a uma lâmina
de líquido (que não é o saco
gestacional). Na imagem da
direita, rodámos a sonda 90
graus e fomos a cada uma
das estruturas anexas.
O que se vê na área anexa esquerda, é que existe uma parte em “doughnut” hiperecogénica que
corresponde a um saco gestacional tendo, no seu interior, um embrião e a vesícula vitelina.
Trata-se, portanto, de uma gravidez ectópica tubárica (às vezes podem dar-se ao nível da cicatriz
da cesariana anterior). Observa-se, então, um útero vazio, com um aumento da espessura do
endométrio, um saco para-uterino, sem frequência cardíaca e líquido livre no fundo de saco de
Douglas.

Temos de explicar à gravida que isto não é uma gravidez viável, uma vez que a trompa não tem
capacidade, à medida que o embrião se desenvolve, de aguentar o aumento do volume,
rompendo e pondo em causa a vida da grávida.
Algumas grávidas perguntam se é possível voltar a colocar a gravidez no sítio e a resposta é que
não e, portanto, temos de ser muito assertivos e detalhados na explicação: algo aconteceu que
impediu que o embrião caminhasse até ao sítio certo e aí se implantasse.
Mesmo sabendo que a mulher está grávida e já tendo localizado essa gravidez, temos de fazer
um doseamento da βHCG pois isto tem implicações a nível de tratamento.

Como se trata a gravidez ectópica?


Existem também três modalidades terapêuticas:

• Atitude expectante: raramente é realizada (apenas para βHCG inferior a 1500 e a


decrescer). Pode ser um mulher que, por exemplo, tem uma imagem dúbia na estrutura
anexa, se corresponde ou não a uma gravidez ectópica ou porque ainda não vê embrião
ou porque está muito adjacente ao ovário. Tem βHCG a 1200, mandamo-la vir 2/3 dias
depois para realizar reavaliação e a βHCG passa a 900: realmente poderia ser uma
gravidez ectópica , uma vez que a βHCG está a decrescer e, provavelmente, vai ocorrer
um aborto tubário, sendo o produto de concepção absorvido, os níveis de βHCG anulam
e não precisamos de fazer nada;
• Tratamento médico com Metotrexato (citostático utilizado para o tratamento de
tumores, impedindo a proliferação celular – impede o crescimento das células do
trofoblasto). É uma terapêutica médica muito utilizada, sobretudo ao ver um embrião
sem batimentos cardíacos e com níveis de βHCG inferiores a 5000 (apesar de poder ser
feita para valores superiores, mas a taxa de sucesso seria mais baixa – inferior a 95%);
• Tratamento hospitalar e cirúrgico urgente: ou porque a grávida apresenta um quadro
de choque hemorrágico ou porque já não apresenta critérios para terapêutica médica.
Pode passar pela realização de uma salpingectomia (tirar a trompa) ou salpingostomia
(incisão na trompa, aspiramos o seu conteúdo e fechamos ou deixamos cicatrizar por
segunda intensão). Este último processo é o ideal no sentido de preservar a trompa e a

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fertilidade, no entanto, há um maior risco de a grávida voltar a ter uma gravidez ectópica
naquela trompa ou mesmo a própria mobilidade da trompa ficar alterada.

Caso Clínico 4
Mulher, 25 anos, G1, grupo sanguíneo A positivo, grávida há 14+5 semanas, ecografia do primeiro
trimestre normal, assintomática.
Resultados das análises do primeiro trimestre (hemograma): positivo para VDRL (teste de
rastreio da sífilis, mas também outras doenças infeciosas, como é o caso da tuberculose ou
lepra), todos os restantes normais.
Como é que esta doente deve ser orientada? Pedíamos mais algum teste?

Começar sempre pela história clínica (questionar acerca de sintomas e a história recente de
tratamentos): pesquisa de sífilis, se existe alguma úlcera na região genital ou não, se já teve sífilis
no passado, se já teve algum companheiro com essa condição, etc.
Depois, devemos repetir as análises, nomeadamente, neste caso, o VDRL e pedir testes
treponémicos específicos (como o teste da hemaglutinação – TPHA – ou o teste de anticorpo –
FTA-ABS – que nos vão permitir confirmar se a grávida tem, ou não, sífilis).

Se os testes vierem positivos, como vamos tratar a sífilis?

Este é um passo bastante importante para evitar a sífilis congénita que pode ter consequências
graves, principalmente ao nível do desenvolvimento do sistema nervoso central do recém-
nascido. O tratamento da sífilis faz-se:

• Penicilina Benzatina 2,4 milhões Unidades Internacionais (UI) (2 doses com 1 semana de
intervalo);
• Devemos manter estas grávidas em vigilância em consulta com ecografias para ver o
bem estar fetal e para avaliar se existem alguns sinais indiretos de infeção congénita:
hepatomegália, ascite, hidropisia (o feto tem um edema muito significativo dos
tegumentos, com acumulação de líquido numa das cavidades serosas: seja ela a pleura
ou a cavidade abdominal), anemia fetal (conseguimos diagnosticar através da
velocidade do sangue do feto – significa que tem menos glóbulos vermelhos e, por isso,
o sangue fica menos viscoso e medimos essa velocidade na artéria cerebral média do
feto) ou aumento das dimensões da placenta (em espessura).

Caso Clínico 5
Mulher, 29 anos, G3P2, grupo sanguíneo A negativo, grávida há 24+2 semanas, ecografias do
primeiro e segundo trimestres normais, testes/análises do primeiro trimestre normais,
assintomática.
Como é que esta doente deve ser aconselhada? Relativamente a esta questão do grupo
sanguíneo?

Primeiro temos de perceber se o grupo sanguíneo do pai é Rh positivo ou negativo. Porquê? Se


este for Rh negativo, o feto também o será e, portanto, mesmo que passem eritrócitos fetais
para a circulação materna, isto não vai desencadear nenhuma resposta imune da mãe e,
portanto, não precisamos de fazer profilaxia de isoimunização Rh.

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Profilaxia de isoimunização Rh?

➔ Isoimunização é o processo em que há produção de anticorpos. O que nós queremos é


profilaxia da isoimunização.

• Saber o grupo de sangue do outro progenitor (por vezes, a grávida não sabe quem é o
pai) – se este tiver o mesmo grupo sanguíneo Rh da grávida, não é necessária profilaxia;
• Caso não se saiba esta informação ou não seja do mesmo tipo Rh, podemos realizar um
teste indireto (pesquisa de anticorpos irregulares – Teste de Coombs) que vai ver se a
grávida tem anticorpos anti-eritrócitos, nomeadamente Anticorpos Anti-D (anticorpos
anti sistema RhD) ou outros anticorpos contra os eritrócitos fetais (existem também os
sistemas kell, kidd e duffy, que também podem ser causa de anemia fetal, apesar de
mais raros).

Imaginemos o seguinte cenário: a grávida é Rh negativa e o pai do feto é Rh positivo e esta teve
um aborto que não percebeu que tinha sido um aborto e não fez profilaxia e isoimunizou-se. Se
ela tiver anticorpos anti sistema RhD detetados no teste de Coombs, não vale a pena fazer a
profilaxia porque ela já está isoimunizada. Mas, se o teste de Coombs for negativo, devemos
fazer a profilaxia de isoimunização com administração de Imunoglobulina Anti-D (derivado do
sangue) por volta das 28 semanas. Além disto, faz-se também no pós-parto, após determinar o
grupo sanguíneo do feto. Se este for Rh negativo, não precisamos de voltar a Imunoglobulina
Anti-D; se for Rh positivo, teremos que o fazer.

Por vezes, quando a grávida faz uma amniocentese, para além dos estudos cromossómicos,
pode pedir-se também o estudo do grupo sanguíneo do feto quando existe incompatibilidade
entre os progenitores e, se este vier Rh negativo, escusamos de estar a fazer a profilaxia às 28
semanas, apesar de a termos de realizar no momento da amniocentese por este ser um
procedimento invasivo que pode potenciar uma hemorragia e, assim, partilha dos sangues
materno e fetal mas, depois consoante o resultado das análises, decidimos se vale a pena ou
não repetir a profilaxia.

Caso Clínico 6
Mulher, 36 anos, G2P1V1, grupo sanguíneo A positivo, grávida há 28 semanas, ecografias do
primeiro e segundo trimestres normais, testes/análises dos primeiro e segundo trimestres
normais com contrações dolorosas e rítmicas (de 5 em 5 minutos) há 2 horas.
Como é que esta doente deve ser orientada?

Face a esta situação, devemos ter em conta a possibilidade de um parto prematuro (pré-termo),
devido às contrações rítmicas e dolorosas (contrações típicas de trabalho de parto). Se estas não
forem rítmicas e não forem dolorosas, em princípio, não ficamos preocupados.

Esta possibilidade de parto pré-termo deve preocupar-nos ou não? É uma situação se que
justifica ser avaliada rapidamente? Que deve ser triada como emergente?
Sim!! É um bebé bastante prematuro, podendo associar-se a mortalidade e morbilidade
perinatal importante. Idealmente, não se quer que os bebés nasçam às 28 semanas…

Começar por fazer a história clínica (perceber se teve partos pré-termo no passado ou não – pois
este é o maior fator de risco para voltar a ter um parto pré-termo; perceber quando é que
começou a dor, como é que evoluiu, as suas características, …, excluir se existem outros
sintomas – se perdeu sangue, líquido, se o bebé se continua a mexer ou não).

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Fazer exame objetivo: começar com o exame do espéculo e observar se o colo está ou não
entreaberto, com a existência de um “balão” que é a bolsa de águas – dilatação cervical. Tentar
perceber se há perdas de sangue, líquido, podemos fazer uma colheita com o teste de
fibronectina fetal (que tem um valor preditivo negativo muito importante para a exclusão de
trabalho de parto pré-termo – neste caso a dilatação do colo não é essencial).

Depois, passamos para o exame pélvico bimanual: ter sempre a certeza de que não existe uma
placenta prévia (implantação da placenta sobre o orifício interno do colo ou próximo dele: pois,
se houver, este passo não pode ser realizado, pois pode desencadear uma hemorragia).

Podemos realizar uma ecografia transabdominal, que nos permite perceber se o feto está de
cabeça para baixo ou não, tendo esta informação uma importância posterior na via de parto a
ser “escolhida”; podemos também avaliar a localização da placenta, a frequência cardíaca fetal
e o líquido amniótico.

A ecografia transvaginal pode ser particularmente importante para a avaliação das dimensões
do colo do útero, uma vez que nem sempre existe a dilatação do mesmo e, portanto, ao realizar
estas ecografias seriadas permite-nos ter uma ideia da evolução do trabalho de parto (se é
verdadeiramente um parto pré-termo ou se foi só uma ameaça).

Depois, muito importante é fazer um CTG (cardiotocografia), que avalia, por um lado, a
frequência cardíaca fetal (oxigenação) e, por outro lado, quantifica o número de contrações
uterinas (a duração e a amplitude não são fiáveis por este método! – pois é um método de
avaliação externo da contratilidade).

Aqui, vemos um traçado cardiotocográfico que, apesar de não ter escala, tem uma linha de base
normal, com variabilidade da frequência cardíaca normal com algumas acelerações e

desacelerações pontuais/esporádicas sem significado.


Na parte de baixo, verificamos que a grávida tem contratilidade uterina regular.

Neste caso temos contrações, temos as alterações do colo e temos documentado no CTG a
contratilidade. É um parto pré-termo! Como vamos orientar esta situação?

Qual é o nosso objetivo nesta circunstância? Deixar a Natureza ter o seu curso natural?
Nesta situação podemos tentar parar o trabalho de parto.

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Qual o tratamento para um parto pré-termo de 28 semanas?


• A grávida terá de ser internada;
• Fazer repouso;
• A administração de corticoides vão potenciar a maturação fetal que, futuramente, vai
diminuir a necessidade de ventilação invasiva, tendo melhor desempenho na Unidade
de Cuidados Intensivos. Implica fazer duas doses de betametasona ou quatro doses de
dexametasona e, idealmente, devem nascer 24h após a última toma (efeito máximo dos
corticoides).
• Para parar o trabalho de parto temos de tentar reduzir ou abolir as contrações. Isto faz-
se com a administração de tocolíticos (por exemplo, atosibano, que é um antagonista
dos recetores da oxitocina).
• Pode administrar-se sulfato de magnésio que se sabe ter um mecanismo protetor a
nível da placa neuronal, prevenindo a paralisia cerebral.

O objetivo dos tocolíticos não é darmos até ao final da gravidez, até atingirmos as 40 semanas,
mas sim permitir que os corticoides tenham o seu efeito máximo!

Depois disto, o trabalho de parvo volta a instalar-se e a avançar, ou, às vezes, como foi só uma
ameaça pré-termo, as contrações param e o trabalho de parto não evolui.

Em situações mais críticas (quando há uma infeção, por exemplo), mesmo fazendo os tocolíticos,
não conseguimos travar o trabalho de parto e ele avança, chegando a mulher à dilatação
completa em poucas horas, não havendo tempo de o ciclo dos corticoides se ter realizado. Esta
situação é bastante difícil de prever na prática clínica.

Caso Clínico 7
Mulher, 30 anos, G3P2C1, grupo sanguíneo A positivo, grávida há 25+3 semanas, ecografias do
primeiro e segundo trimestres normais, testes/análises dos primeiro e segundo trimestres
normais. A ecografia do segundo trimestre revela uma placenta baixamente inserida e apresenta
sangramento vaginal ligeiro há 2 horas.
Como é que esta doente deve ser orientada?

Começar pela história clínica, de uma forma semelhante aos casos clínicos apresentados
anteriormente em que também existia sangramento vaginal (quantificar as perdas, saber se
existe dor) e depois passar para o exame físico com espéculo (que nos permite ver de onde vem
esta hemorragia e quantificá-la).

Neste caso, NÃO SE PODE FAZER A PALPAÇÃO BIMANUAL! Como existe placenta baixa, se o
colo estiver aberto, pode tocar-se na placenta e desencadear uma hemorragia cataclísmica.

Depois, passa-se para a ecografia transabdominal, que nos permite ver onde está a placenta,
ver o feto (se está em apresentação cefálica ou não) e ver o líquido. Se houver dúvidas
relativamente à localização da placenta, se existem ou não descolamentos, podemos completar
o exame com uma sonda transvaginal, que pode ser particularmente importante nestas
situações de placenta prévia, de acretismo placentar e para avaliar os sinais de descolamento
da placenta. É um exame que tem de ser feito com alguma cautela mas não aumenta o risco de
hemorragia.

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Depois, faz-se o CTG (importante sobretudo numa


idade gestacional superior às 24 semanas).

Como é que nós orientamos estas situações de


placenta prévia/baixamente inserida às 25 semanas
com hemorragia vaginal?
Nesta imagem vemos o colo do útero, seguido do
saco gestacional com o feto lá dentro (o que está a
preto é o líquido amniótico) e vemos que a placenta
se insere na parede anterior do útero, sendo que o
seu bordo atinge o orifício interno do colo (é esta
relação da placenta com o colo do útero que nos
permite fazer o diagnóstico de placenta baixa/prévia).

Até às 28 semanas fala-se em placenta baixa, a partir daí fala-se em placenta prévia, uma vez
que, muitas das vezes, com o decorrer da situação, as placentas baixas deixam de o ser.

• Se a grávida está a perder sangue, já sendo uma gestação viável (com mais de 24
semanas), devemos interná-la para a vigilar durante algumas horas;
• Como já é um feto viável, devemos fazer os corticoides para indução da maturação do
mesmo (se o sangramento persistir ou se as contrações rítmicas aparecerem);
• Se a grávida apresentar contrações de trabalho de parto, administrar também o sulfato
de magnésio;
• Se a hemorragia parar ou for escassa podemos eventualmente dar alta, com a indicação
de abstinência sexual e evitar fazer esforços.

Caso Clínico 8
Mulher, 23 anos, G2PE1, grupo sanguíneo 0 positivo, grávida há 37+3 semanas, ecografias do
primeiro, segundo e terceiro trimestres normais, testes/análises dos primeiro, segundo e
terceiro trimestres normais. Apresenta uma perda vaginal intensa de líquido transparente há 2
horas.
Como é que esta doente deve ser orientada?

Esta situação poderia corresponder ou ao rompimento do saco amniótico ou a uma perda de


urina.

Começar com a história clínica (quantificar a perda de líquido, se o bebé se tem mexido bem,
excluir outro sintomas como perda de sangue, se tem dor abdominal, se tem contrações, se tem
queixas urinárias, …), passando depois para o exame ao espéculo, sendo fundamental nesta
situação, uma vez que se virmos líquido a sair através do colo confirmamos a rotura de
membranas. Se não virmos, precisamos de pedir à grávida para fazer manobras de Valsalva (por
exemplo, tossir), para ver se sai líquido. Por vezes, temos mesmo de mobilizar o feto, levantando
a sua cabeça (se for um feto em apresentação cefálica), pois pode estar a tamponar o orifício
através do qual sairia o líquido.

Depois, fazer a palpação bimanual, particularmente se a grávida tiver queixas de dor, para se
confirmar a rotura de membranas e fazer o CTG para avaliar o bem estar fetal e a existência de
contrações.

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Agora, imaginemos que se confirma a rotura de membranas. A senhora está grávida há 37


semanas mas… não tem contrações! O que fazer? Nesta situação, como o líquido amniótico se
exteriorizou antes do início do trabalho de parto (rotura prematura de membranas), temos de
explicar que se trata de uma situação relativamente frequente mas que o bebé já é de termo,
mas que não existe benefício em adiar a indução do trabalho de parto, pois só estaríamos a
aumentar o risco de infeção (o mesmo já não seria verdade se estivéssemos perante uma rotura
prematura de membranas às 28 semanas! – aqui existe benefício em prolongar a gestação).

Para a indução do trabalho de parto a grávida é internada. Esta indução é feita consoante as
características do colo do útero: ou com um cateter de Foley (inserido nos colos que ainda estão
muito rijos), ou com a administração de prostaglandinas (capazes de favorecer a maturação do
colo do útero e desencadear as contrações) ou ainda com oxitocina.

Habitualmente, nas situações de rotura prematura de membranas, o que se utiliza mais são as
prostaglandinas e a oxitocina. O cateter de Foley, apesar de mencionado, raramente é utilizado
porque é um método mecânico de ação mais lenta e é pouco provável que a grávida entre em
trabalho de parto dessa forma.

É fundamental monitorizar o feto através do CTG e monitorizar a mãe através de avaliação


analítica, nomeadamente do hemograma e os sinais físicos maternos, como a presença de febre
ou taquicardia (sinais de infeção).

E se fosse um bebé muito pré-termo? Como ultrapassávamos esta falta de líquido amniótico?
O líquido amniótico, a partir das 15/16 semanas, passa a ser constituído essencialmente por
urina fetal, o qual também é deglutido pelo feto. Aquilo que acontece nas roturas, a menos que
haja uma patologia renal, o bebé vai urinando, refazendo o líquido que foi perdido. Em situações
muito raras, pode haver um anidrâmnios total, em que todo o líquido que é produzido sai
imediatamente. Apesar disto, na maior parte dos casos há um oligodrâmnio (redução do
líquido). Se tivermos muito longe do termo (por exemplo, 24 semanas) e não houver líquido
nenhum, há um risco de o bebé vir a ter hipoplasia pulmonar (30%) (desenvolvimento
incompleto do parênquima pulmonar), uma vez que os pulmões sem líquido vão ter dificuldade
em se desenvolver, para além do risco de deformidades da face e dos membros pois este não
se consegue mexer, embora isso possa não ser incompatível com a vida.
Portanto, na maior parte dos casos em que o feto ainda é muito pré-termo, o que se faz é
internar a grávida, administrar antibióticos para reduzir o risco de infeção e aquilo que se verifica
é a capacidade de prolongar a gestação muitas semanas, evitando uma grande prematuridade.

Muitos destes casos são grandes desafios, uma vez que o que nós queremos é chegar o mais à
frente possível, mas não nos podemos esquecer de que também temos a mãe para cuidar.
Portanto, na obstetrícia temos sempre de colocar ambas as perspetivas nos pratos da balança e
avaliar o que é melhor.

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Aula 6 – Casos Clínicos Sobre Complicações do Trabalho

de Parto

Data Docente
26/11/21 Prof. Susana Santo

Caso 1

38 anos
G1
O+
37 semanas + 6 dias
Correu tudo bem com a gravidez nos 1º, 2º e 3º trimestres
Análises do 1º e 2º trimestres normais (ainda não fez as do 3º - provavelmente esqueceu-se)
Vem ao SU por uma cefaleia persistente de moderada intensidade, que começou à cerca de 2h.

É uma situação que nos preocupa? Diriam à grávida que é uma situação normal?
• Pode ser só cansaço;
• Numa mulher com cefaleia, no termo, (olhando apenas para aspetos obstétricos) pode
ser mais qualquer coisa, por isso, temos de avaliá-la melhor.

História clínica - devíamos ter uma história mais detalhada: quando é que começou, ao certo, a
dor de cabeça; se já houve episódios anteriores; se a cefaleia se faz acompanhar de outra
sintomatologia, nomeadamente náuseas, vómitos, dor epigástrica, alterações da visão;
perguntar à cerca movimentos fetais; excluir outros sintomas;

Nota: antes das 37 semanas – gravidez pré-termo; a partir das 37 semanas – gravidez de termo
(se o bebé precisar de nascer já não é uma situação tão crítica como nas situações pré-termo).

Exame objetivo – Tensão arterial: 159/97 mmHg + Edema dos membros inferiores, que se
instalou recentemente (+/- 1 semana).

Pode ser uma pré-eclâmpsia – as causas de cefaleias podem ser muitas, mas numa gravidez,
uma cefaleia, obriga sempre à medição da tensão arterial e à avaliação de outra sintomatologia
associada que possa estar relacionada com pré-eclâmpsia (situação potencialmente grave tanto
para a grávida como para o feto).

Análises – hemograma com doseamento de plaquetas; avaliação analítica, com doseamento das
enzimas hepáticas, ADH, bilirrubina + avaliação da proteinúria (quantidade de proteínas na
urina).
Para o resultado da avaliação da proteinúria ser fidedigno, a doente tem de colher a urina das
24h: a doente tem de colher a urina durante um período de 24h (colhe toda a urina durante as
24h exceto a primeira urina da manhã – podem ser volumes consideráveis (pode até ser preciso
usar uma garrafa de 1.5L)).

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Avaliação do feto – CTG, que permite a avaliação da FC fetal (através do sensor Doppler) e da
contratilidade uterina (tocodinamómetro que se encontra no fundo do útero – mede a
deformação do fundo uterino, permitindo avaliar a frequência das contrações).

Ecografia transabdominal porque a pré-eclâmpsia pode interferir com o crescimento fetal (a


ecografia do 3º trimestre podia já ajudar a identificar algum atraso no crescimento, contudo há
atrasos tardios, por isso é sempre melhor confirmar). Avaliamos:
• Crescimento fetal;
• Volume líquido amniótico;
• Dopplers
o Doppler do cordão umbilical, que nos dá as características do fluxo no cordão
umbilical, dando-nos uma ideia indireta de como a placenta está a funcionar;
o Doppler da artéria cerebral média – fazemos um corte cerebral do cérebro do
bebé, identificamos o pedículo de Willis, conseguindo ver bem a imergência da
artéria cerebral média. Esta avaliação indica-nos se a quantidade de sangue que
chega ao feto é normal. Se tivermos um feto com restrição de crescimento e
com alteração Doppler da artéria umbilical, podemos também ter alterações no
Doppler da artéria cerebral média, ou seja, se chegar pouco sangue ao bebé,
esse sangue é redistribuído pelo organismo, sendo desviado para o cérebro
porque é o órgão mais nobre que nos temos. Assim, os vasos cerebrais
diminuem a sua resistência, sendo que esta resistência pode ser avaliada por
fluxometria de Doppler. Por isso, se houver uma diminuição no índice de
pulsatilidade ou resistência da artéria cerebral média, significa que o feto está
a tentar redistribuir o sangue que lhe chega, tentando evitar eventuais situações
de hipoxia no SNC, o que é um fator que nos obriga a pôr termo à gravidez.

Exame bimanual da pelve – permite avaliar as características do colo. É importante porque se


tivermos uma pré-eclâmpsia e se formos interromper gravidez, então precisamos de avaliar as
características do colo: características do colo definem que tipo de indução é que vai ser feita.

Diagnóstico de pré-eclâmpsia:
2 valores de TA > 140/90 num intervalo de 4h;
Proteinuria > 300 mg em 24h;

Contudo, às vezes quando recebemos a grávida na urgência não é possível ter o valor
de proteinuria nas 24h, por isso, a proteinuria é avaliada numa amostra ocasional de urina: se
for positiva internamos a grávida e depois confirmamos com o doseamento das 24h.

A pré-eclâmpsia é uma situação induzida pela gravidez/patologia da gravidez (induzida


pela placenta). Não se sabe bem a causa mas pensa-se que está relacionada com uma alteração
do processo de angiogénese de invasão das artérias espiraladas no trofoblasto, portanto é um
processo muito precoce na gravidez, onde há uma alteração na forma como os vasos se formam
e que se pode estabelecer na 2º metade da gravidez (entre as 20 e 40 semanas), é mais grave
quanto mais precoce se iniciar na gravidez (é diferente ter uma pré-eclâmpsia às 25 semanas do
que uma às 37) porque podemos tentar controlar os sintomas mas o tratamento desta situação
é o termo da gravidez, ou seja, a pré-eclâmpsia não vai passar enquanto a doente continuar
grávida, portanto se for uma gestação de 25 semanas, por um lado, não queremos que nasce
um bebé tão prematuro assim, mas temos de ter muito cuidado porque é uma situação
potencialmente grave e com risco para a grávida. Já quando isto se instala no termo, não temos
vantagem em continuar com a gestação, sendo que está indicada a indução do trabalho de
parto, atualmente com realização de cesariana se o quadro for bastante grave e o colo bastante

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desfavorável, em que se prevê que o parto vá demorar muito tempo (mais que 8h), o que vai
condicionar risco elevado para a grávida.

Como atuamos?
• Controlar TA (principalmente quando é superior a 180/100 mmHg) – instituir
terapêutica anti hipertensora porque não queremos que a grávida tenha consequências
de TA muito alta; TA na grávida pode ser controlada com fármacos como administração
nifedipina oral, α-metildopa e labetalol IV ou até hidralazina;
• Se a pré-eclâmpsia for grave, com valores de TA acima de 160/100 ou se tiver
sintomatologia como cefaleias, alterações da visão muito marcadas, devemos fazer
profilaxia das convulsões, profilaxia da eclâmpsia: faz-se com a administração de sulfato
de magnésia;
• Induzir parto na maioria das situações, podendo ser necessária cesariana.

Nota: Eclâmpsia = Pré-eclâmpsia + Convulsões – situação grave que pode levar a situações de
hipoxia grave e complicações maternas e que devemos de todo evitar

Caso 2

38 anos
G2P1
B+
26 semanas + 1dia
Ecografia e análises normais 1º e 2º trimestres.
Análises do 2º trimestre mostram que glicémia = 98 mg/dl e está assintomática.

O que diriam à grávida? É normal?


Pode já ser considerada Diabetes Gestacional

Diagnóstico Diabetes Gestacional:


• Glicémia ≥ 92 mg/dl (no 1º como 2º trimestre)
• 1h depois da ingestão da solução glicosilada, glicémia ≥ 180 mg/dl ou 2h depois ≥ 153
mg/dl
(A grávia faz uma colheita analítica, em jejum, onde se regista a glicémia base e depois ingere uma solução
glicosilada com 75g de glicose e faz-se o doseamento da glicémia aos 60 e 120min).

Tem de se dizer isto à grávida com algum cuidado porque dizer à grávida “olhe tem
diabetes” pode ser muito assustador. É preciso dizer que, durante a gravidez, muitas vezes a
forma de como os açúcares são metabolizados fica alterada e temos este diagnóstico; é, na
maioria das situações, um diagnóstico transitório, em que, após a gravidez, a grávida fica sem
diabetes, mas que é uma situação que precisa de ser controlada e bem vigiada durante este
período porque pode ter complicações fetais importantes. É também importante, numa
consulta mais à frente, explicar à grávida que isto aumenta o risco de ela vir a desenvolver
diabetes no futuro e que deve ter cuidado com esta situação e com manter um estilo de vida
saudável tanto em termos de alimentação como de exercício físico.

Diabetes gestacional – temos de promover uma monitorização dos níveis de glicémia; o que se
faz é uma automonitorização das glicémias, em que se disponibiliza à grávida um aparelho que
permite puncionar geralmente o dedo e avaliar a glicémia; deve-se medir, por um lado, glicémia
8h após um jejum noturno e depois cerca de 1 a 2h após refeições (2/3 vezes por dia).

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É importante ensinar à grávida e à família como é que se reconhece uma hipoglicémia: sinais de
irritabilidade ou outros mais graves como perda consciência. (Tratamento hipoglicémia: Açúcar
sublingual)
Tratamento Diabetes Gestacional:
• Manter uma dieta saudável sem açúcares simples (basicamente a dieta que todas as
pessoas deveriam fazer);
• Exercício físico, que pode ser apenas marcha, adaptado ao que a grávida consegue fazer:
não vale a pena estabelecermos um plano muito exigente que depois a grávida não
consegue realizar porque tem de ser sempre um compromisso das duas partes;
• Número de consultas na gravidez vai aumentar (vigilância mais apertada);
• CTG iniciados numa fase mais precoce da gravidez (32-34 semanas) dependendo do
controlo da diabetes e se é necessário ou não tomar algum fármaco para o controlo da
glicémia;
• Avaliar o crescimento fetal de 4 em 4 semanas porque há bebés que podem crescer mais
(macrossómicos). A maior parte dos bebés de mães diabéticas com alteração do
crescimento são macrossómicos mas podemos ter também fetos com restrição
crescimento;
• Administração insulina ou antidiabéticos orais quando não há um bom controlo da
diabetes apenas com dieta e exercício.

Caso 3

25 anos
G2P1
AB+
15 semanas até agora sem quaisquer problemas
Começou com queixas respiratórias: sensação de falta de ar, alguma tosse e uma respiração
ruidosa desde à cerca de 2h. Apresenta alguns síbilos;
História de asma nos últimos 5 anos e tem evitado fazer o tratamento para a asma durante a
gravidez.

Como é que a doente deve ser orientada?


As grávidas muitas vezes acham que os fármacos fazem mal ao feto e que não devem
fazer qualquer terapêutica na gravidez. Claro que a maioria dos fármacos não estão bem
estudados para a gravidez e que até o paracetamol, na sua bula, diz que a administração na
gravidez deve ser aconselhada pelo médico. Assim, muitas vezes, as grávidas param a medicação
sem dizer ao médico, podendo ter consequências disso mesmo.
Temos de fazer a história clínica detalheda: perceber se é a primeira vez que está a
acontecer, se já houve episódios destes no passado, se antes da gravidez o tratamento fazia
efeito, excluir outros sintomas para percebermos se é uma crise asmática isolada ou associada
a um quadro de infecioso.
Exame objetivo: auscultação pulmonar, perceber se há ruídos adventícios que nos façam
suspeitar apenas de broncoespasmo ou eventualmente de uma condensação pulmonar ou de
uma pneumonia.

Tratamento crise asmática: (trata-se da mesma forma que na mulher não-grávida!!)


• Oxigénio
• Corticoides inalados
• Betamiméticos
Toda esta terapêutica broncodilatadora pode ser feita sem quaisquer problemas e deve ser
feita, porque o importante é aliviar esta sintomatologia.

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Pode ser bastante importante no 2º e 3º trimestres da gravidez porque o útero cresce


(aumenta volume uterino), diafragma tem menor capacidade de se mobilizar, porque o útero
chega quase ao apêndice xifoideu. Isso por si só, numa crise asmática, pode causar um quadro
muito complicado daí ser importante a terapêutica e a grávida perceber que pode fazer sem
estar a prejudicar o feto.

Caso 4

29 anos
G2P1
1F (1 forceps)
AB+
23 semanas, normal até à data
Últimas semanas sente-se fraca, com cansaço fraco, muito pálida desde há 3 semanas

Será normal? Ela tem um bebé pequeno, o que também pode ser uma causa para ela andar
cansada, mas… nestas circunstâncias, para além de avaliar a vida profissional e familiar e
perceber se está a correr tudo bem ou se alguma coisa tem mudado recentemente que possa
explicar isto, é importante excluirmos a ANEMIA.

A anemia é quase uma situação fisiológica da gravidez porque, por um lado, há um


aumento do plasma fazendo com que a concentração de eritrócitos diminua e, por outro, o
crescimento fetal também se associa a consumo de ferro – ferro é muito importante para o
desenvolvimento feto – numa grávida que já tenha baixas reservas de ferro quando começa a
gravidez, pode também ser uma causa de anemia fetal.

História clínica (o que ter em atenção):

• Perceber se há episódios de perda de sangue;


• Hábitos alimentares – muito importante hoje em dia porque há muitas mulheres com
outros regimes dietéticos (vegetarianos, vegan…) e é importante perceber como é que
é a ingestão de alimentos: se é equilibrada, diversificada, se inclui os elementos
fundamentais para a formação de eritrócitos como ferro, vitamina B12, folatos…
• História de doença/infeção crónica – pode haver alguma doença de base que justifique
o aparecimento de anemia;
• História familiar de hemoglobinopatias (ex.: drepanocitose, talassémia).

Exame objetivo:

• Avaliar as mucosas (forma mais fácil através da avaliação das conjuntivas), unhas e face
palmar das mãos;
Suspeitamos de anemia quando há palidez das mucosas, no leito das unhas e as linhas palmares também
nos podem dar alguma ideia da existência de anemia.

Hemograma:

Dá-nos a hemoglobina, mas também outros parâmetros eritrocitários: volume globular médio,
concentração média de hemoglobina (dão-nos uma pista sobre o tipo de anemia).

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Se a anemia for microcítica, ou seja, associada a um baixo volume globular médio, hipocrómica
(baixa hemoglobina) e baixa concentração ferritina faz o diagnóstico de Anemia Ferropénica por
défice de ferro.
Diagnóstico de anemia é diferente na mulher grávida e na mulher não grávida:

• Não grávida: Hg < 12 g/dl


• Grávida:
1º e 3º trimestre: Hg < 11 g/dl
2º trimestre: Hg < 10.5 g/dl

O valor é mais baixo no 2º trimestre porque, nesta fase, há a tal hemodiluição, o que explica
níveis mais baixos de Hg.

Tratamento da anemia ferropénica na gravidez:

• Optar por alimentos mais ricos em ferro como carne, espinafres, beterraba;
Contudo, a alimentação por si só não ajuda a tratar a anemia logo:
• Suplementação com ferro
o Oral – tomado 30 min antes das refeições (tomar o ferro juntamente com outros
alimentos diminui a sua absorção); um dos problemas do ferro oral é essa tal
mal absorção e o aparecimento de queixas gastrointestinais (obstipação,
desconforto gástrico aquando toma…). Podemos ter de alterar o tipo de ferro
de acordo com a sua tolerância. Isto é importante porque, muitas vezes, a
grávida vai parar de tomar o ferro sem nos avisar, não corrigindo a anemia. Ao
utilizar o ferro oral este demora mais tempo a corrigir a anemia e aqui o que nos
interessa é corrigir isto durante a gravidez, já que a grávida, durante o parto, vai
perder algum sangue… Ora, se a grávida já tiver 10 g/dl de Hg e durante o parto
perder 2 ou 3g corremos o risco de precisarmos de fazer uma transfusão.
o Ferro IV – normalmente até são os colegas da imunohemoterapia que gerem
este tipo de terapêuticas e nós referenciamos os doentes para eles;
o Transfusão – em casos muito raros e graves em que não foi possível resolver a
anemia através da toma oral nem IV.

Caso 5

20 anos
G1
B+
20 semanas e 4 dias
Ecografia e análises 1º semestre normais
Começou com disúria e aumento da frequência urinária nos últimos 2 dias

O que é que pode ter?


Infeção urinária! Contudo, raramente as mulheres na gravidez apresentam assim estas queixas
tão evidentes de infeção urinária; normalmente, são queixas menos específicas: só um
desconforto pélvico põe-nos logo a pensar em infeção urinária.

História clínica:
• Quantificar os sintomas – há quantos dias começou, como começou, etc;
• Outros sintomas como febre, polaquiúria, hematúria, etc;

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• Se há história de litíase renal (pedras nos rins) – pode ser algum motivo para
sintomatologia de foro urinário;
• Se tem dor lombar – para excluir infeção urinária mais alta.

Exame ao espéculo - sempre que há queixas urinárias é necessário observar a doente com o
espéculo para excluir infeções da vagina.

Palpação bimanual pelve - para garantir que o colo está formado e fechado – o colo do útero só
deve abrir no fim da gravidez. Estas condições infeciosas podem levar a um parto pré-termo logo
deve-se avaliar o colo (mas normalmente quando isso acontece, a doente também apresenta
queixas de contratilidade dolorosa).

Análises Urina:

• Teste rápido (utilizado em contextos de urgência) – temos uma tira com uma escala que
nos vai permitir avaliar vários parâmetros como leucócitos, nitritos… e que vai ser
mergulhada na urina. Depois funciona com um sistema de cruzes: por exemplo, se
tivermos leucócitos e nitritos então é altamente sugestivo de infeção urinária.
Quando é sugestivo de inf. urinário começasse o tratamento com antibióticos já que a maior parte dos
agentes são bacterianos
• Urocultura – idealmente até deveria ser feito antes de se começar a antibioterapia para
sabermos que microrganismo está a causar a infeção e, assim, escolhermos a
terapêutica mais adequada.

Tratamento cistite aguda:

• Antibióticos – Amoxicilina, Amoxiclav, Nitrofurantoina, Fosfomicina;


São administrados de forma oral, ou seja, tratamento pode ser feito em casa… Caso seja uma
pielonefrite aguda já é aconselhado internamento porque podem ser situações potencialmente
graves que podem levar a sépsis ou até mesmo a parto pré-termo;
• Hidratação – reforçar a importância da hidratação

É importante perguntar se a doente costuma ter inf urinárias porque se ela tiver tido antes da
gravidez muitos episódios de inf urinária (nestes casos, as doentes sabem muitas vezes qual é o
agente que costuma ser isolado, p. ex: E. Coli) há alguma probabilidade do agente já ter algumas
resistências nomeadamente a amoxicilina.

Se a grávida fizer uma urocultura e for positiva, mas estiver assintomática (bacteriúria
assintomática), tem de fazer o tratamento na mesma!! Isto porquê? Porque durante a gravidez
predomina uma hormona que é a progesterona que causa relaxamento do miométrio, evitando
a sua contração, mas também o relaxamento da bexiga, promovendo a estase urinária, havendo
maior risco de haver infeções ascendentes para o sistema urinário superior (daí ser importante
tratar!)

Caso 6

28 anos
G1
A+
39 semanas + 2 dias
Gravidez ocorreu sem qualquer tipo de intercorrências
Está na sala de partos à cerca de 8h

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Solicitou epidural à cerca de 5h atrás (não é necessário fazerem epidural durante o trabalho de
parto, mas é uma mais valia no controlo da dor, portanto se a grávida assim o desejar pode fazê-
lo);
Colo com 100% apagamento – o colo do útero é como se fosse um cilindro e durante o trabalho
de parto, o cilindro tem de apagar, ou seja, diminuir o seu comprimento e depois dilatar
(aumentar o espaço entre as paredes do colo), chegando até à dilatação completa que são os
10 cm. Numa mulher nulípara (que vai ter o 1º filho), o processo é um bocadinho diferente das
mulheres multíparas (que já tiveram filhos): numa nulípara o colo apaga e depois dilata, numa
multípara o colo apaga e dilata ao mesmo tempo. Neste caso, a grávida já tinha um colo
apagado, muito fininho (se tocarmos é como uma folha de papel, não tem espessura)
Dilatação com 5cm
CTG normal e apresenta no traçado cerca de 3 contrações em 10 min.

CTG
Através dos CTGs temos o traçado cardiotocográfico que pode ser classificado em uma de três
categorias:
Traçados normais – não têm alterações nenhumas e indicam-nos que o feto está bem
oxigenado;
Traçados suspeitos – apresentam alterações no CTG, mas em que a probabilidade de
hipoxia é relativamente baixa; temos de manter uma monitorização fetal apertada;
Traçados patológicos – têm alterações importantes e que são altamente sugestivos de
que o feto se encontra em hipoxia fetal, portanto obrigam a uma intervenção muito rápida para
reverter o evento que pode estar a condicionar a hipoxia que pode ser, por exemplo, um excesso
de contrações.

Partograma – onde registamos a dilatação ao longo do trabalho de parto (pomos com uma cruz),
a descida da cabeça (pomos uma bolinha no estadio de apresentação da cabeça).

Conseguimos ver que esta grávida, 1h depois


de entrar tinha 5cm e que passado 4h tinha
na mesma 5cm; reavaliaram às 6h e
continuava com a mesma dilatação, ou seja,
não passa dos 5cm.
A apresentação também continuava no
mesmo estadio, o normal é haver uma
descida da apresentação ao longo do
trabalho de parto;

O que é que significa? É normal ou não?


Para o parto ocorrer a dilatação tem de chegar aos 10cm e se parou aos 5cm alguma coisa não
está bem… Ou seja, o trabalho de parto está parado.

O que é que pode estar na base da paragem do trabalho de parto? (lembrem-se sempre que,
para o trabalho de parto avançar, têm de existir contrações; as contrações são os motores do
trabalho de parto; sem contrações o trabalho de parto não avança).
Não existem contrações suficientes! Assim temos de fazer aquilo que designamos por
uma aceleração do trabalho de parto que consiste em administrar oxitocina sintética que vai
ajudar a que as contrações reapareçam, que sejam mais frequentes e mais eficazes.

Se olharem para o traçado cardiotocográfico isso pode ajudar a estabelecer o diagnóstico:

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Imaginemos que olhamos para o traçado e a grávida tem 1 contração em 10/15 min,
isso não é suficiente para o trabalho de parto avançar (normalmente são necessárias 3 a 4
contrações em 10 min para o trabalho de parto avançar).
Já é diferente se eu tiver esta paragem do trabalho de parto e olho para o traçado nas
últimas 2/3h e vejo que a cada 10 min a grávida tem 4 contrações… aí o “motor está ligado”,
mas a dilatação não avança. Neste caso faríamos uma cesariana. Ou seja, se a dilatação parou
aos 5cm e existe contratilidade uterina, não há uma distocia dinâmica para corrigir, mas com
5cm aquele bebé não vai nascer logo tem de sair por uma via alta. A causa mais provável é ser
uma incompatibilidade feto-pélvica em que o tamanho da bacia e do feto não são compatíveis,
não deixando que aquele bebé passe por via vaginal.
O diagnóstico de incompatibilidade feto-pélvica é apenas possível através da evolução
do trabalho de parto, ou seja, só depois da grávida estar em trabalho de parto durante algum
tempo (que pode durar um dia inteiro) é que conseguimos realmente perceber que não vai ser
possível o parto por via vaginal e que temos de recorrer à cesariana. Ora, isto é uma situação
muito chata para as grávidas porque, muitas vezes, estas estavam muito expectantes de ter um
parto por via vaginal e que possivelmente passaram o dia inteiro em trabalho de parto com
contrações intensas.
É importante explicar esta situação ao casal para eles perceberem o porquê de termos
esperado tanto tempo para realizar a cesariana (não porque os médicos não quiseram saber ou
porque estavam ocupados) e ir, ao longo do trabalho de parto, falando com eles e explicar que
“agora está com 5 cm de dilatação e vamos esperar mais tempo a ver se a dilatação avança ou
não, senão poderemos ter de tomar outra decisão”, ou seja, é importante irmos antecipando
aquilo que eventualmente teremos de fazer para que não sejam depois surpreendidos com a
decisão de se fazer uma cesariana e para esta ser bem recebida (perceberem que aquilo é o
melhor tanto para o bebé como para a mãe);

Caso 7

31 anos CTG:
G1 Eixo Y – escala para avaliação da frequência
B+ fetal
41 semanas e 1 dia (Neste CTG a frequência fetal está normal, à
Gravidez normal volta do 140 bpm)
Admitida no bloco de parto à cerca de 4h Na parte de cima do gráfio (linha vermelha)
Epidural à 3h atrás temos o registo do batimento fetal e em baixo
Colo com 100% apagamento (linha azul) as contrações;
10 cm dilatação Quadrados grandes – 1min
CTG patológico/anómalo;

CTG anómalo

É um CTG um bocadinho irregular, em que é difícil estimar a linha de basal;


Parte final do traçado:
(O feto tem frequência cardíaca normal entre os 110 e 160 bpm portanto é uma frequência cardíaca mais
aumentada do que no adulto/vida extrauterina)
Neste caso, há alguma coisa que acontece porque a frequência cardíaca passa dos 140 para os
80… Chamamos a isto uma desaceleração prolongada porque é uma diminuição da frequência
cardíaca superior a 15 bpm e é prolongada porque dura mais do que 3 min (neste caso é uma
desaceleração prolongada que dura 5 min). Esta desaceleração juntamente com uma
variabilidade diminuída, indica-nos que estamos perante um traçado patológico em que o risco
de hipoxia fetal é muito elevado.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Isto pode acontecer por várias razões: quando me chamam a uma sala de parto com
este traçado tenho de pensar rapidamente se é uma situação que posso reverter, por exemplo,
imaginem que a grávida está deitada em decúbito dorsal, sendo que esta posição faz com que
haja uma compressão dos vasos aórtico-cávicos (diminui o retorno venoso e pode diminuir o
aporte sanguíneo ao útero) e pode ser uma causa para isto estar a acontecer, por isso, devemos
reparar como é que a grávida está deitada; devemos também medir a tensão arterial, por
exemplo, se ela fez epidural, a tensão arterial diminui muito e pode ser uma causa de uma
desaceleração prolongada.
Contudo, há aqui algo no CTG que me faz pensar noutra causa: reparem nas
contrações… no início eram mais irregulares e, de repente, num espaço de 5 min, o útero contraí
5 vezes. O que é que significa que o útero está a contrair rapidamente? Significa que o período
de relaxamento entre contrações é muito curto e, portanto, há uma diminuição do aporte
sanguíneo nesse período e o feto ressentiu-se; As contrações funcionam como se o bebé
estivesse a mergulhar numa piscina: imaginem que estavam com um bebé numa piscina, cada
vez que vem uma contração é como se o bebé mergulha-se e quando a contração passa ele vem
ao de cima respirar, ou seja, enquanto estes mergulhos forem espaçados no tempo, o bebé faz
apneia e vem cá acima respirar e recupera, mas agora se o bebé mergulha e vem ao de cima e
nós o mergulhamos logo a seguir, quase que ele não consegue respirar e isto pode ter tradução
no CTG como uma diminuição da frequência cardíaca fetal (uma desaceleração prolongada),
mas se não revertermos esta situação, isto pode evoluir para uma situação de bradicardia fetal
e mesmo morte.
Portanto, quando vemos esta situação temos de pensar em causas reversíveis que são
aquelas que eu consigo alterar que são 3: hipotensão, posicionamento da grávida e excesso de
contrações; depois há aquelas situações irreversíveis, chamadas emergências obstétricas, que
podem ser, por exemplo, um prolapso do cordão, uma rutura uterina ou um descolamento da
placenta que normalmente implicam a realização de uma cesariana.

Neste caso em que eu olho para o CTG, palpo a barriga da mãe e vejo que a causa são
contrações a mais posso tentar reverter isso, posso tentar diminuir as contrações e muitas vezes
consigo fazer isso através da administração de um fármaco tocolítico como Salbutamol ou
Atosiban. Claro que se a grávida tiver a fazer oxitocina, imaginem que aqui atrás as contrações
eram muito irregulares e alguém lhe deu oxitocina e, às vezes, com uma dose baixa a reação da
grávida é exagerada (com contratilidade excessiva). Aqui obviamente que é parar a oxitocina,
que demora algum tempo a ter repercussão no CTG pelo menos 15 min e, portanto, no intervalo
pode ser necessário a administração dos tocolíticos (tocolíticos são os fármacos que vão
diminuir as contrações – Salbutamol é o fármaco que usamos mais, contudo o seu grande
problema é que muitas vezes induz taquicardia materna e pode associar-se a desconforto
importante, nomeadamente, edema do pulmão – temos de ir monitorizando a FC materna).

Se é uma grávida que está em dilatação completa, devemos promover o parto; (esta 4ª
feira tive urgência e entrou uma grávida que ia ter o 3 filho, entrou com 7cm muito queixosa;
nos 3º filhos muitas vezes os trabalhos de parto são muito rápidos; ela fez epidural e logo depois

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

o feto teve uma desaceleração prolongada como esta; fez-se a avaliação e a dilatação era de
8cm mas a cabeça do feto estava muito descida e tinha a bolsa intacta e o que se fez foi romper
a bolsa, pediu-se à grávida para fazer esforços e com uma ventosa extraiu-se o feto após 8min
de desaceleração prolongada e o feto acabou por nascer, fazendo-se uma reanimação
superficial com um bocadinho de oxigénio mas ficou ótimo).
O importante é nós não deixarmos de detetar estas situações agudas porque podem ter
maus desfechos obstétricos; se não nos apercebermos que isto está a acontecer e se se mantiver
no tempo, isto vai desencadear uma acidose metabólica do feto que, se for prolongada no
tempo, pode causar danos no SNC e ocorrer uma encefalopatia hipoxicoisquémica, que é depois
um fator de risco para o desenvolvimento de paralisia cerebral.

Caso 8

39 anos
G2 1AS (aborto espontâneo)
O+
40 semanas e 1 dia
Gravidez sem intercorrências
Está no bloco de parto há 10h
Epidural há 8h
Parto teve o seu início (vemos na imagem já a cabeça do bebé)
Quem estava a fazer o parto era a enfermeira, que chamou o médico e que fez 2 tentativas
falhadas de extrair o ombro

Como é que chamamos a isto?


Distocia de ombros – dificuldade em extrair os ombros fetais após saída da cabeça,
muitas vezes é devido a uma retração da cabeça, a que nós chamamos de sinal de tartaruga, em
que, depois de sair a cabeça quase que ela retrai e quer ir para dentro novamente e isto é uma
verdadeira emergência obstétrica porque se não resolvermos o feto vai entrar em hipoxia.

O que é que se faz numa distocia de ombros?

• 1º - Pedir ajuda! Normalmente as enfermeiras podem estar sozinhas a fazer o trabalho


de parto (geralmente estamos sozinhos a fazer o parto em si, mas há sempre alguém na
sala a ajudar) - “Chame ajuda! Tenho uma distocia de ombros” – é muito importante
dizer o que é, para quando dissermos à outra pessoa ela saber do que se trata;
Realmente é muito importante pedir ajuda porque não conseguimos resolver, na maior
parte dos casos, a distocia de ombros sozinhos… Podemos fazer alguma tração contínua
da cabeça mas não pode ser exagerada senão vamos causar lesão no plexo braquial com
consequência em termos de mobilidade desse membro superior;

• Manobra de McRoberts – primeira manobra de todas a realizar; é uma hiperflexão da


coxa sobre o abdómen em que normalmente fica uma pessoa de cada lado da grávida a
fazer essa hiperflexão das coxas, empurrado o pé, a perna e o joelho sobre a coxa, isso
vai aumentar o ângulo de saída do canal de parto e, muitas vezes, ajuda a ganhar
espaço; Depois existe uma pessoa que faz força na região
suprapúbica de modo a empurrar o ombro para o outro lado,
saindo debaixo da sínfise púbica, indo para um diâmetro mais
oblíquo e muitas vezes isso ajuda a desempatar o útero.

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Quando estas manobras externas não são eficazes, temos as manobras internas que podem
consistir em colocar uma mão no ombro anterior, dentro do útero, e rodá-lo para o diâmetro
oblíquo; em algumas situações poderá ser necessário introduzir a nossa mão até ao cotovelo do
ombro posterior e com isso conseguir a extração do membro posterior e depois, saindo o
posterior acaba por sair o ombro anterior.
Em situações muito raras, poderá ser necessário fazer uma sinfisectomia ou mesmo tentar
introduzir a cabeça no canal de parto e extrair o feto por cesariana, está descrita nos livros de
obstetrícia mas, habitualmente, só se faz em situações de grande desespero e associadas a maus
desfechos porque, entretanto, pode ser muito complicado reverter a cabeça dentro do canal de
parto.
Ou seja, isto é uma emergência que pode complicar qualquer parto e que pode ocorrer em
bebés tanto pequenos como grandes, mas obviamente a diabetes e macrossomia são fatores de
risco para que isto aconteça sendo que muitas vezes é imprevisível e precisamos de, pelo menos,
2 pessoas para ajudar nas manobras e se não conseguirmos a outra pessoa tem de fazer as
manobras todas para ver se temos sucesso.

Caso 9

21 anos
G1
O+
38 semanas e 5 dias até agora sem intercorrências
Trabalho de parto, na sala de partos, de 12h
Fez epidural
Parto ocorreu à cerca de 30 min e a placenta saiu há 20 min
Enfermeira chama por causa de uma hemorragia vaginal grave

O que é que isto pode traduzir?


Hemorragia pós-parto. Normalmente fazemos oxitocina pós-parto para que isto não aconteça,
mas mesmo assim aconteceu.

Causas de hemorragia pós-parto:


• Retenção de um segmento da placenta (embora quando saia a placenta é nossa
obrigação olharmos para a face materna desta e perceber se a placenta é regular ou se
falta algum segmento, isso pode ser sugestivo que ficou lá dentro); mesmo assim
quando está completa pode haver um segmento acessório que tenha ficado retirado;
• Atonia uterina – causa mais importante e mais frequente de hemorragia pós-parto!!!
O útero cresce até ao apêndice xifoideu e depois de sair o feto e a placenta ele tem de contrair
para conter a hemorragia, é a função do útero no pós-parto; em algumas mulheres pode haver
fatores de risco para que isto não aconteça, nomeadamente: trabalho de parto muito
demorado, bebé macrossómico ou uma infeção. Na atonia uterina, o útero não contrai para
controlar a hemorragia;
• Lacerações do canal de parto – laceração do colo do útero, laceração de um epísio…

Às vezes perdesse-se tanto sangue que há consumo dos fatores de coagulação e a grávida
pode entrar em coagulação intravascular disseminada ou ter alterações da coagulação
importantes que isso por si só seja um fator que esteja a contribuir para a hemorragia. Portanto,
quando temos uma grávida com hemorragia pós-parto, temos que tentar identificar
rapidamente a causa, avaliar a coagulação para saber eventualmente o que precisamos de
repor.

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Como é que as grávidas são orientadas?


Avaliar a causa (atonia uterina, laceração canal parto ou placenta incompleta);
Instituir uma medida dirigida à causa;

A atonia uterina é a causa mais frequente e aquilo que eu faço é palpar o útero – se o
útero está mole e muito aumentado de volume a primeira coisa a fazer é massajá-lo para
promover a contração – esta medida é muito eficaz portanto devem dizer à grávida “Vou ter
que massajar aqui com muita intensidade (é doloroso)”; assim o útero acaba por comprimir.
Devemos fazer isto até que cheguem os fármacos que estão indicados para esta situação que
são: Oxitocina, Misoprostol… Se estas medidas falharem podemos colocar um balão dentro do
útero que vai causar hemostase na zona que esteja a sangrar mais.
Se não houver na mesma sucesso com estas medidas, passamos para a linha das
medidas cirúrgicas que consistem em passar uns pontos à volta do útero para ajudá-lo a ficar
contraído (não tem qualquer consequência para a fertilidade futura porque os pontos depois
são absorvidos); se não for eficaz podemos ter de fazer, como life-saving, uma histerectomia,
apesar de ser uma situação que queremos evitar porque é uma cirurgia de alto risco e porque
compromete a fertilidade da grávida para o futuro.

É possível estancar a hemorragia apenas com massagens?


Muitas vezes é, o problema é que depois largamos a mão e o útero volta a sangrar, ou
seja, ajuda-nos a controlar a hemorragia enquanto estabelecemos outras medidas para controlo
da mesma (enquanto o fármaco entra em circulação e o útero fica mais contraído, por exemplo).

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Aula 7 – Ciclo Menstrual e Suas Alterações /

Planeamento Familiar

Data Docente
29/11/21 Prof. Catarina Policiano

Ciclo menstrual: sequência repetitiva de eventos que culmina na descamação endometrial,


manifestando-se clinicamente sob a forma de menstruação.
Para que esta repetição mensal, cíclica e sincronizada, a partir da idade menarca, seja
conseguida é necessária uma interação entre o eixo hipotálamo-hipófise, o ovário e o
endométrio. Estas estruturas são interdependentes e a comunicação é predominantemente
hormonal. Na ausência de gravidez, a descamação resulta em hemorragia.
No ciclo menstrual, existe um ciclo ovárico, um ciclo hormonal (em paralelo com o ciclo ovárico)
e um ciclo endometrial.

Ciclo morfológico ovárico


O ovário, desde o período embrionário, é composto por uma zona externa, o córtex ovárico, e
uma zona mais central, a medula ovárica, que é ocupada pelo estroma e vasos sanguíneos de
suporte.
No córtex, encontram-se os folículos ováricos que contém no seu interior os oócitos, a célula
reprodutora feminina, parada na primeira divisão meiótica em prófase I. Quando começa o
período de menarca, todos os meses são escolhidos um grupo de folículos. Desse grupo só 1 é
selecionado mensalmente para ser o folículo pré-ovulatório e dar origem a um ovócito, que já
completou a 1ª divisão meiótica.
No ovário, existem folículos que apresentam vários estádios de diferenciação que representam
a relação entre o oócito e as células do estroma que o rodeiam, as células da granulosa.
Folículos primordiais: 1 camada de células da granulosa fusiformes à volta do oócito;
Folículos primários: a camada fusiforme passa a camada cuboide;
Folículos secundários: passam a várias camadas de células cúbicas;
Folículos antrais: estrutura organizada em cumulus oophorus, que é a camada de células da
granulosa a rodear o oócito, e em antro, preenchido por um líquido. São os candidatos a ovular
nesse mês. Aproxima-se da parede do ovário, rompe-a e liberta o oócito maduro para o espaço
peritoneal.

No ovário, fica um remanescente


de células da granulosa que vão
formar o corpo amarelo. Se não
houver gravidez vai durar 14
dias, em média, depois deixa de
haver um suporte hormonal por
parte do ovário e o mesmo vai
involuir e cicatrizar num corpo
albicans.

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Estas alterações ocorrem em 2 fases: fase folicular e fase lútea.


Morfologicamente, ao longo da fase folicular, há etapas que são dependentes das
gonadotrofinas e outras que são independentes. Até a fase de folículo secundário o
desenvolvimento folicular é independente e a partir daí é dependente da presença das mesmas,
nomeadamente na fase folicular que predomina a hormona folículo estimulante (FSH).
Quando ocorre ovulação, existe uma relação anatómica próxima entre a trompa de Falópio e o
ovário que permite que esta consiga captar o oócito maduro, se a relação for normal.
Posteriormente, transporta-o e permite na eventual presença de espermatozoide, fecundação.

Ciclo menstrual hormonal


Para que ocorra este ciclo sincronizado, existe a presença de hormonas que circulam entre o
hipotálamo, a hipófise e o ovário sendo esta relação interdependente.
Eixo hipotálamo-hipófise
O hipotálamo funciona como um centro integrador que controla a homeostasia de várias
funções do organismo. Este é constituído por vários núcleos em que cada um deles tem uma
função especial específica como comandar uma determinada função no organismo.
Concretamente no ciclo menstrual é o núcleo arcuato, responsável pela secreção de uma
hormona específica que é a hormona libertadora de gonadotrofinas, GnRH. Tendo em conta a
relação funcional e a continuidade anatómica/vascular, esta hormona vai ter o seu efeito a nível
da adenohipófise, estimulando a produção de gonadotrofinas. Esta secreção a nível do
hipotálamo é pulsátil, apresentando diferenças tendo em conta a fase que se encontra o ciclo.
Condicionando a secreção da gonadotrofina específica, na fase folicular, a secreção tem maior
frequência e menor amplitude, enquanto que na fase lútea tem menor frequência mas maior
amplitude dos picos.
Na fase folicular secreta-se mais a FSH enquanto que na fase lútea secreta-se a hormona
luteinizante, LH. A hipófise e o hipotálamo estão ligados pela haste hipofisária ou infundibulum
onde existe um plexo rico vascularmente que comunica estas duas estruturas. O ovário depois
responde a esta secreção. À volta das células da granulosa estão outras células do estroma, as
células da teca interna, que se encontram em estreita relação com as da granulosa. Para a
produção hormonal ovárica, estes dois conjuntos de células vão cooperar.

Esteroidogênese ovárica
O ovário segue as regras em termos de biossíntese da esteroidogênese do nosso organismo. O
percurso começa no colesterol captado da corrente sanguínea e, por uma sequência de
transformações enzimáticas, é convertido em androgênios que posteriormente são convertidos
em estrogénios pela enzima aromatase. Estes dois tipos de células são diferentes em pontos de
vista funcional e enzimático mas ambas vão cooperar para produzir estrogénios - teoria das duas
gonadotrofinas.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

As células da teca interna tem uma


predominância de receptores de LH enquanto
que as células da granulosa na sua membrana
tem uma predominância de receptores para a
FSH. As células da teca captam o colesterol e
convertem este em androgénios, produzindo-
se a androsterona e a testosterona e são
transportados para as células da granulosa
que com a ação da aromatase vão aromatizar
os androgênios em estrogénios,
transformando estes a estrona e estradiol,
respetivamente.
No entanto, existem outros péptidos
produzidos pelas células da granulosa que por
um mecanismo autócrino ou parácrino tem
uma ação estimulante ou inibidora nas
próprias células ou nas células da teca e esta
ação pode ser diferente tendo em conta a fase do ciclo. FSH produzida pela hipófise desencadeia
nas células da granulosa a produção de Activina que por um lado estimula ação da hormona FSH
promovendo a proliferação das células da
granulosa e a sua ação e, por outro lado, nesta
fase folicular precoce, a activina tem um efeito
inibidor da ação da LH nas células da teca.
Existe também outra hormona produzida
pelas células da granulosa, que é a Inibina, que
por outro lado vai estimular as células da teca
a produzir androgênios para serem utilizados
pelas células da granulosa. Numa fase mais
tardia, o objetivo passa a ser a seleção do
folículo dominante e candidato a ovular e para
tal a Activina e a Inibina passam a ter um efeito
global de inibir a ação da FSH a nível das
células da granulosa de modo a que, como
esta hormona baixa, é selecionado o folículo
dominante, ou seja, que tenha mais
receptores para a FSH e que tenha maior
sensibilidade para estes receptores.

É também importante referir que existe um


ambiente intrafolicular muito mais complexo que
este com a produção de fatores que tem uma ação
autócrina e parácrina como a insulina, TGF, IGF, etc.

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Mecanismos de feedback

Estes processos todos devem ser incorporados e pensados como interdependentes, funcionais
e dinâmicos. Quando ocorre um estímulo vindo, por exemplo, do eixo hipotálamo-hipófise ou
quando existe uma acumulação/diminuição de uma hormona, existem mecanismos de feedback
que permite que a concentração de uma determinada hormona se mantenha dentro de um
intervalo de valores. Tem como objetivo manter a homeostasia do organismo e permitir a
continuação das funções do mesmo, mesmo que ocorram estas variações.

Feedback negativo

Feedback positivo
O mecanismo de feedback positivo presente no ciclo existe na fase folicular precoce, em que
ocorre aumento da produção de FSH, que aumenta a produção de estradiol, o que faz com que
exista um feedback negativo sob a hipófise e a secreção da FSH diminua. Ao aproximar-se o fim
da fase folicular, os níveis de estrogénios vão subir rapidamente e quando ultrapassam um
limiar, aproximadamente 200 pg/mL, vão deixar de exercer um feedback negativo sob a LH e
passam a exercer um mecanismo de feedback positivo, o que vai causar um pico de LH sendo
um mecanismo fundamental para que ocorra ovulação.
No final da fase folicular, para que ocorra ovulação vai ocorrer então o pico de LH que reativa a
divisão meiótica, fazendo com que esta seja completada, libertando o oócito deste estado
quiescente. Desde o período embrionário que os oócitos estão parados em prófase I pela
produção do fator inibidor da maturação oócitaria, OMI. O pico de LH vai ser essencial para
libertar o oócito da ação deste fator local.

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O pico também vai ter efeitos locais na produção de prostaglandinas que altera localmente o
tecido conjuntivo e a vascularização. Já durante a ovulação nota-se a presença de outras
substâncias decorrentes da ação das hormonas, como por exemplo, metaloproteinases da
matriz que são proteínas que degradam o tecido conjuntivo ou a produção de prostaglandinas
que provocam vasoconstrição que tem como função a rotura da parede do ovário.

A ovulação ocorre um pouco depois do pico de LH. Depois da ovulação, o remanescente das
células da granulosa reorganiza-se e origina o corpo amarelo. Na fase lútea, o corpo amarelo vai
produzir progesterona sendo esta a hormona predominante nesta fase e enquanto o mesmo
durar este vai produzi-la.
Na ausência da gravidez, o corpo amarelo cessa a produção de progesterona e involui para o
corpo albicans. O final resulta na descamação endometrial e clinicamente na menstruação.
Se ocorrer fecundação, a fase folicular é completamente igual e a implantação ocorre cerca de
cinco dias depois da ovulação. A implantação do embrião no endométrio vai levar a que o
trofoblasto, uma estrutura do embrião, comece a produzir a gonadotrofina coriónica humana,
hCG, ocasionando um suporte para o corpo amarelo, e logo mantendo a produção de
progesterona, não ocorrendo descamação nem involução do corpo amarelo.

Ciclo endometrial
Neste ciclo existem 2 fases que ocorrem em paralelo com o ciclo ovárico. Logo existe a fase
folicular que corresponde à fase proliferativa no útero e a fase lútea que corresponde à fase
secretora. Geralmente convencionou-se começar a contagem a partir do primeiro dia da
menstruação. Ou seja, em termos endometriais, o ciclo começa com a descamação e
hemorragia.
O endométrio é composto por 2 camadas de células: camada basal e a camada funcional. A basal
não descama e serve de suporte para que, todos os meses, se renove a camada de células
funcionais, que é a que descama em forma de hemorragia menstrual. Na fase proliferativa, o
endométrio passa de fino pós menstrual para um mais espesso e, na fase secretora, as glândulas
tornam-se mais tortuosas e produzem a sua secreção glicolípida com o aumento do calibre das
artérias espiraladas. Do ponto de vista estrutural, o endométrio é constituído por glândulas e
estas são nutridas por uma rede vascular que é fundamental para esta proliferação cíclica da
camada funcional, a partir da camada basal. Anatomicamente, a irrigação do útero provém da
artéria uterina que vai dar a artéria arcuata e esta por sua vez dá várias artérias radiais e são
estas artérias que vão penetrar a camada basal. Dos ramos destas vão surgir artérias espiraladas
que vão irrigar a parte funcional do endométrio.

Só ocorre menstruação de forma


cíclica, regular e previsível se
ocorrer esta comunicação entre o
eixo hipotálamo hipófise, o ovário
e o endométrio, todos os meses.
Quando, na clínica, uma mulher
nos diz que tem intervalos
regulares com perdas constantes
nós podemos dizer que esta
apresenta ciclos ovulatórios. Os
ciclos não ovulatórios apresentam-
se como ciclos irregulares ou muito
longos.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Implicações clínicas
Quando ocorre uma falha numa destas
estruturas lidamos com uma disfunção
ovulatória e esta pode manifestar-se com
infertilidade, ausência de menstruação ou
amenorreia, irregularidades menstruais como
em quantidade ou duração da hemorragia ou
irregularidade de ciclos.

Infertilidade: doença em que um determinado casal está a tentar obter uma gravidez e tem
relações sexuais desprotegidas há mais de 1 ano sem sucesso.
Só vamos ter gravidez se as 3 estruturas anatómicas de que já se falou estiverem funcionais,
como o desenvolvimento folicular, o recrutamento, o libertamento para uma trompa normal e
permeável, o transporte e a implantação.
Não esquecer que o espermatozoide também tem que atingir a trompa de falópio.
A fecundação ocorre na trompa e o embrião vai ter que se deslocar para a cavidade uterina, à
medida que se desenvolve. Tem que existir um endométrio secretor com glândulas funcionais e
normais ramificadas com produção de conteúdo e o embrião tem que invadir a parede do
endométrio para ocorrer a implantação.
Existe então um conjunto de etapas necessárias para que ocorra a gravidez espontânea.
Qualquer falha numa destas partes não ocasiona uma gravidez normal e assim quando se estuda
um casal infértil temos que pensar que possíveis causas estão na origem desta infertilidade e
em termos de grupos temos:

Aqui só se estudará os fatores de infertilidade femininos:

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

Quando vamos investigar as causas da infertilidade fazemos uma anamnese cuidada com
perguntas dirigidas (colher a história clínica), depois podemos fazer um exame objetivo e se
justificado pedir testes de diagnóstico. Na maior parte dos casos, temos uma mulher que não
ovula (ciclos anovulatórios manifestam-se clinicamente por ciclos irregulares) ou então que não
menstruam de todo.
Uma mulher regular não é objetivo de estudo para disfunções ovulatórias. Mas quando se
observa ciclos irregulares podemos pedir testes de diagnóstico como o doseamento da
progesterona a partir do 21º dia (ou seja, a segunda fase) ou ecografia pélvica para verificar se
existe um folículo a ser recrutado. Em termos de terapêutica induzimos ovulação por fármacos.
Se o problema persistir podemos ter que investigar outras causas ou administrar outras
terapêuticas mais invasivas.

Amenorreia: ausência de menstruação. Pode-se dividir em:


• primária, que é a ausência de menstruação desde o nascimento sem ter a idade
menarca. Se ocorrer a ausência de caracteres sexuais secundários pode diagnosticar-se
por volta dos 13 anos mas se ocorrer a presença dos mesmos deixamos para mais tarde
o diagnóstico, por volta dos 15 anos de idade.
• secundária, se a mulher atingir a idade menarca, observar-se menstruação prévia e foi
só a partir de uma determinada idade que se observou a ausência de menstruação por
mais de 3 meses.
Há que ter atenção porque existem mulheres com ciclos mais longos e a isso se chama
oligomenorreia. Assim uma mulher com ciclos que duram 2 meses não se poderá diagnosticar
ao fim de 3.
Dentro das causas mais comuns de amenorreia (especificamente a primária) temos a síndrome
ovárico policístico. Nesta patologia, é clássico descrevermos um hiperandrogenismo, ou seja, o
excesso de androgénios que pode manifestar laboratorialmente ou então pode haver mesmo
androginismo clínico, e pode manifestar-se como hirsutismo (um excesso de pelos não
característico do sexo feminino) ou também pode manifestar-se como acne excessivo ou
alopecia. Também se observam ovários com tamanho aumentado. Anatopatologicamente são
constituídos por múltiplos folículos com distribuição muito periférica. Como diagnóstico temos
que ter pelo menos 2 de 3 critérios:
• oligoovulação ou anovulação
• sinais clínicos ou bioquímicos de hiperandrogenismo
• ovários policísticos em ecografia

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Hemorragia uterina anômala: hemorragia uterina anormal na ausência de causa física, que
pode ter como fundamento a estimulação estrogênica não balanceada por progesterona. Na
fase folicular, um folículo predominante não consegue ser recrutado e não há ovulação, o que
faz com que não haja transição para a fase secretora e não há descamação nem hemorragia. Há
uma estimulação por estrogênios que não é contrabalanceada pela progesterona da 2ª fase
porque não há ovulação.
Existe uma continuação da estimulação por estrogénios pelos folículos todos os meses e o
endométrio continua a proliferar até que o endométrio sem a ação da progesterona atinge um
ponto sem vascularização e começa a descamar imprevisivelmente e anomalamente.

Contraceptivos
Contracepção: Uso de métodos para evitar uma gravidez não desejada.

Em Portugal é legal a interrupção voluntária da gravidez mas uma consulta de planeamento


familiar eficaz é o evitar que uma família utilize este meio. O objetivo é discutir com as famílias
qual o método mais adequado de contracepção para as mesmas sendo bastante importante que
ambas as partes estejam envolvidas.

Para tal existe o conceito do triângulo contraceptivo: significa que para escolher um
determinado método nós temos em conta 3 aspetos:
• o contexto em que aquela mulher se insere;
• o perfil da mulher e aqui inserem-se as expectativas e;
• o perfil dos vários métodos que temos à nossa disposição.

Perfil da mulher: as expectativas que uma mulher tem referente a um determinado


contraceptivo e aqui inserem-se os seus objetivos como por exemplo a duração, os riscos, os
custos, aspetos religiosos, riscos como as suas comorbilidades;

Contexto: não depende só da mulher mas depende do contexto em que está inserida
socialmente, culturalmente, relacional, etc.

Perfil do método: referente à eficácia do método e as suas características físico-químicas: a via


de administração, efeitos secundários e adicionais;

Existe a avaliação da eficácia do método contraceptivo pelo Índice de Pearl que conta o número
de mulheres que engravidam em 100 mulheres que utilizam o determinado método
contraceptivo em 12 meses de utilização desse método.

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Observam-se 2 tipos de eficácia totalmente diferentes.


• eficácia que tem a ver com o uso correto do método
• uma eficácia que se agarra a um uso habitual, i.e., não é 100% correto

Ao analisar estes fatores todos podemos escolher então o melhor ou o mais adequado
contraceptivo para cada caso.

Alguns dados da contracepção geral em Portugal: métodos em uso

(Info adicional: 68% para uma combinação da pílula com o preservativo)

Em cada método contraceptivo será discutido mecanismo de ação, contraindicação e benefícios


e estes podem ser hormonais ou não hormonais.

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A escolha da contracepção é um caminho complexo que se pretende que seja atingida numa só
consulta que é para que a mulher seja aconselhada e use a contracepção desde o dia um.

Dica da professora: uma


mulher vai ser muito mais
adesiva a uma contracepção
quanto mais estiver
envolvida no processo.

Contraceptivo Hormonal Combinado

Pode ser administrado por várias vias como oralmente. Utiliza-se estrogénio e progestativa, o
principal componente contraceptivo.

A progestativa inibe a LH produzida na fase lútea e a ovulação. Tem um efeito inibidor do eixo
hipotálamo-hipófise assim não há pico da LH, não há ovulação e este representa o principal
mecanismo de ação. Outros mecanismos adicionais em termos de contracepção causados pelo
mesmo pode ser o espessamento do muco cervical que condiciona o acesso dos
espermatozoides à cavidade uterina e com o uso continuado pode causar atrofia endometrial,
desfavorável à implantação do embrião. Já o estrogénio tem um efeito inibidor particular da FSH

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produzido na fase folicular. O objetivo da associação destes é o controlo do ciclo menstrual para
que este se torne o mais regular possível.

Benefícios: diminui a hemorragia menstrual e a dor; melhor controlo do ciclo menstrual e uma
diminuição da incidência do cancro ovárico e endometrial;

Efeitos secundários: pode ocorrer uma hemorragia intermenstrual (que pode ser bastante
comum e há que tranquilizar as mulheres sendo mais frequente no início da terapêutica e
desaparece espontaneamente), eventos tromboembólicos (especialmente em mulheres que
usam doses elevadas de estrogénio), sintomas gastrointestinais, mastalgia ou dor mamaria
(ligados à progestativa);

Contraindicações: mulheres com risco tromboembólico, com mais de 35 anos e fumadoras,


doença arterial coronária, doença cerebral vascular e enxaqueca com aura;

A desmitificar: não existe nenhum contraceptivo hormonal combinado superior a outros, o que
acontece é que os perfis das mulheres são diferentes e a combinação funciona melhor numas
do que noutras; não existe nenhum benefício em interromper intermitentemente a
contracepção;

Regra geral: quando temos uma mulher e queremos escolher uma primeira combinação, por
uma questão de evitar efeitos secundários, escolhemos uma pílula com baixa dose estrogénios
sem efeitos secundários;

Outros tipos de CHC temos o anel vaginal e o penso transdérmico que são menos dependentes
de uma adesão da mulher porque a frequência de administração é mais baixa. O penso só é para
ser trocado semanalmente e o anel vaginal só se troca a cada 3 semanas. Evitam o efeito de
“primeira passagem” que ocorre no fígado que podia causar a ação de outros metabolitos que
dão efeitos não desejados. Também os níveis hormonais tendem a ser mais estáveis ao longo
do tempo evitando se picos hormonais como ocorre por via oral.

Contracepção hormonal progestativa isolada

Existe na forma oral, de implante, injetável, dispositivo intrauterino com a libertação de


progestativa. Independente da via de administração, todos estes métodos contraceptivos atuam
na inibição primária da ovulação, inibindo o pico de LH e a ovulação. E como mecanismo
secundário temos o espessamento do muco cervical.

Vantagens: é uma alternativa para mulheres que têm contraindicações para estrogénios e para
as que estão a amamentar (estrogênios prejudicam a produção de leite materno);

Efeitos secundários: hemorragia intermenstrual, dor mamária e um pior controlo do ciclo


menstrual;

Implante: dispositivo que se administra no braço no tecido celular subcutâneo.


Administra a progestativa ao longo do tempo.

Vantagem: muito eficaz em mulheres que não aderem pois não depende da mulher; com uma
duração de cerca de 3 anos logo é um contraceptivo de longa duração e totalmente reversível;
Efeitos secundários: hemorragias imprevisíveis e irregulares podendo ser muito frequentes em
60% das mulheres

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Injeção: injeção intramuscular a cada 3 meses.


É mais eficaz a níveis de adesão, mas existem estudos que indicam que diminui a densidade
óssea mineral quando se usa durante um longo tempo. Mas este efeito é totalmente reversível
aquando da descontinuidade.

Dispositivos intrauterinos: Existem 2 grandes tipos:


• dispositivos intrauterinos com a libertação hormonal, que são chamados de SIUs. O
único que temos no mercado é o DI libertador de levonorgestrel. A implantação pede
uma intervenção médica porque tem de ser introduzido na cavidade uterina assim
prevenindo a passagem do espermatozoide e a implantação do embrião. Também
espessa a mucosa cervical. A absorção sistêmica da progestativa é muito baixa e isto
implica um baixo controlo da ovulação mas também significa menos efeitos
secundários. Tem que se trocar entre 3-5 anos.

• dispositivos intrauterinos não hormonais: só temos o DI de cobre. É espermicida e


espermotoxico, inibindo a motilidade do esperma. De referir que em termos de
mecanismos e eficácia, como este só depende do dispositivo em si é muito importante
que este esteja bem colocado; assim na tabela inicial nota-se uma diferença entre o uso
correto e o uso habitual e nos SIUs não se nota esta diferença. Durabilidade de 10 anos.

Contraindicações: gravidez, malformações uterinas (tem forma triangular logo tem de encaixar
no útero), doenças uterinas com distorção da cavidade endometrial, doença inflamatória
pélvica, doença do trofoblasto e a doença do Wilson (para o de cobre);

Métodos barreira

Aqui entram o diafragma (que dependem da colocação médica), os preservativos, os


espermicidas. Este tipo de método depende totalmente do uso correto ou seja dependem da
mulher ou do homem. Tem uma alta taxa de falha e menor taxa de eficácia em uso habitual. No
entanto, protegem contra infecções sexualmente transmissíveis que nenhum dos métodos
anteriores tinha como benefício.

Métodos naturais ou fertility awareness methods


Tem uma eficácia baixa no uso habitual e só funcionam em mulheres com ciclos muito regulares
implicando que a mulher conheça o seu ciclo menstrual, praticando a abstinência aquando da
ovulação ou do período fértil, na expectativa de evitar o encontro do ovócito com o
espermatozoide. SÓ funciona em mulheres que conheçam o ciclo e que este seja regular.

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São TOTALMENTE desadequados e devem ser completamente desaconselhados. Também pode


ser associado, na altura do período fértil, um método de barreira. A estes estão associados um
método calendário (a mulher avalia em meses consecutivos a duração do seu ciclo menstrual e
vai calcular a duração mínima e a duração máxima e com base nesses intervalos define o período
fértil e no mesmo pratica abstinência sexual), método da temperatura basal corporal ou método
do muco cervical.

É comum associarem-se vários métodos para o aumento da eficácia.

Contracepção definitiva: ocorre com uma intervenção médica cirurgica no sentido de evitar o
percurso do gameta. Na mulher faz-se uma laqueação das trompas e nos homens, uma
vasectomia com oclusão dos canais deferentes. De referir que a partir do momento que se laceia
as trompas a mulher fica infértil, é definitivo. No caso dos homens é necessário esperar 10
semanas porque podem ficar espermatozoides no ejaculado. Devem ser métodos em casos
muito selecionados pois tem inerente todos os riscos de cirurgia.

Contracepção de emergência: este não se encontra numa consulta de planeamento familiar,


NÃO é uma opção. Ocorre quando uma mulher tem uma relação sexual desprotegida e não
pratica nenhum contraceptivo. Ocorre na tentativa de se prevenir a gravidez. Serve para não se
utilizar a interrupção voluntária da gravidez. Podemos utilizar um progestativo em dose única
que são fármacos de emergência sendo muito mais eficazes nas primeiras 24-72 horas depois
da relação. Existe outra alternativa que é o dispositivo intrauterino que não é um método
abortivo. Este impede a implantação e pode ser utilizado em emergências e pode ser colocado
até 5 dias depois da relação. Tem como vantagem uma contracepção de longa duração pois fica
logo implantado.
Importante referenciar esta mulher a uma consulta de planeamento familiar e aconselha-la a
não continuar a praticar esta contracepção.

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Aula 8 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas

Frequentes

Data Docente
02/12/21 Prof. Catarina Policiano

O raciocínio clínico em Medicina (da anamnese ao tratamento)


• Colheita da história clínica (explorar a queixa do doente, conhecer antecedentes)
• Exame objetivo
• Diagnósticos prováveis
• Exames subsidiários (ECD)
• Diagnóstico clínico
• Tratamento

Caso 1
Uma mulher saudável de 30 anos, menarca aos 11 anos. Vem à consulta por ausência de
menstruações há 4 meses.

Anamnese:

1-Até há 4 meses atrás qual o padrão dos ciclos e como eram as menstruações
o Desde sempre ciclos irregulares, por vezes com intervalos superiores a 3 meses sem
menstruação
2-Se faz algum tipo de contraceção e se o faz corretamente? Parceiro sexual?
o Não faz contraceção
o Não está a tentar engravidar
3-Antecedentes como cirurgias, alergias, etc
o Nega cirurgias, medicação habitual, desconhece alergias
o Nega hábitos tabágicos

Exame objetivo:

Sinais vitais (FC, PA) - normal

Exame ginecológico (normal): procurar patologia obstrutiva do foro genital como causa da
amenorreia secundária relatada (embora não seja muito frequente)

1-Inspeção dos genitais externos, períneo, vagina e colo do útero (com a ajuda do espéculo)
2-Retirada do espéculo
3-Exame pélvico/toque vaginal: introduz-se dois dedos na vagina, palpando-se o colo do útero
e com a mão não dominante faz-se pressão no hipogastro, acima da sínfise púbica, verificando
o tamanho do útero, a sua mobilidade e os fundos de saco

Nota: Aproveitar este exame ginecológico para realizar o rastreio do cancro do colo do útero
(citologia)

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o Exame indolor, sem corrimentos, útero de dimensões normais à palpação, ausência de


massas

Outros: aumento da pilosidade facial e abdominal

Diagnósticos prováveis: Síndrome dos ovários poliquísticos, hiperandrogenismo

Exames complementares de diagnóstico (ECD):

Doseamento hormonal
o estradiol
o FSH
o TSH (distúrbios da hormona tiroideia como possíveis causas de amenorreia secundária)
o Prolactina (prolactinomas da hipófise como possíveis causas de amenorreia secundária)
o βhCG – hormona coriónica)
o androgénios (+)

Nota: o doseamento da progesterona apenas faz sentido pedir após ovulação (21.º dia) para
investigar se ocorreu ovulação
Porque não doseamos LH? Como FSH e LH andam a par, apenas doseamos a primeira.

Ecografia pélvica (procurar quistos nos ovários):


o Diagnóstico ecográfico de síndrome dos ovários poliquísticos: ter pelo menos 20
folículos em cada ovário

Diagnóstico clínico:

PCOS – Síndrome dos ovários poliquísticos


O diagnóstico requer 2 de 3:
o Oligo-ovulação e anovulação (ciclos longos)
o Hiperandrogenismo clínico ou bioquímico
o Diagnóstico ecográfico

Terapêutica:

Muitos folículos, os quais nenhum se chega a desenvolver o suficiente para ocorrer oculação.
Sem ovulação -> sem progesterona -> sem menstruação
Estrogénio com ação proliferativo -> espessamento do endométrio -> hiperplasia do endométrio
-> fator de risco para neoplasias
o Pílula ou 10 dias de progestativo cíclico -> hemorragia de privação

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Tratamento de hiperandrogenismo: efeitos secundários e quando é descontinuado há um


aumento dos sintomas, logo, recomendar tratamento estético

Se um dia pretender engravidar, deverá ser submetida a terapêutica de indução da ovulação

Caso 2

Uma mulher saudável de 28 anos, menarca aos 11 anos, ciclos regulares 32 dias/5 dias, recorre
ao serviço de urgência por atraso menstrual. Última menstruação há 7 semanas.

Anamnese:
Contraceção irregular com preservativo
Parceiro sexual desde há 1 ano
Refere dor pélvica desde há 2 semanas
Nega perdas hemáticas ou outras queixas
Nega antecedentes pessoais relevantes ou cirurgias
Nega medicação habitual. Desconhece alergias

Exame objetivo:

Sinais vitais (FC, PA) - normal

Exame ginecológico:

o Dor à palpação bimanual do hipogástrico, sem defesa; sem dor nas fossas ilíacas

Diagnósticos prováveis: gravidez, o facto de ter dor pélvica pode fazer suspeitar de gravidez
ectópica (tríade: atraso menstrual, dor pélvica e hemorragia vaginal. No entanto uma gravidez
normal pode ter estes mesmos sintomas).

ECD:
βhCG (a partir de 1500 já podemos observar o local da gravidez na ecografia)
Ecografia: saco gestacional, saco vitelino e embrião (CRL), 6 semanas e 2 dias (normal pequena
discordância, principalmente em mulheres com ciclos longos).

Caso 3
Uma mulher de 45 anos, recorre a consulta de ginecologia por irregularidades menstruais. Data
da última menstruação há 2 semanas. Refere ciclos menstruais mais curtos (cerca de 23 dias nos
últimos meses) e menstruações muito abundantes.

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Anamnese:
Caracterizar a menstruação (com que frequência troca tampões/pensos, presença/ausência de
coágulos e duração)
o Refere menstruações com duração superior a 8 dias com necessidade e trocar o penso
a cada hora
Classificar cansaço, se tem repercurssão na vida diária (anemia)
o Refere cansaço
Contraceção:
o Com preservativo (sem esquecimentos)
Antecedentes pessoais:
o Fumadora 15 cigarros por dia
o Colecistectomia laparoscópica (retirada da vesícula)
Descartar toma de anticoagulantes
o Nega medicação habitual, desconhece alergias

Exame objetivo:

Sinais vitais (FC, PA) – taquicardia (hipotensão é mais característica de hemorragia aguda e não
crónica)

Verificar se pele e mucosas estão descoradas

Exame ginecológico (normal, sem alterações):

Diagnósticos prováveis: perimenopausa

ECD:
Ecografia pélvica (para descartar alterações no endométrio, ex: pólipo; mioma no miométrio)
Nota: adenomiose (glândulas endometriais no miométrio; cursa com menstruações abundantes
e dolorosas, dá úteros aumentados de dimensões -> não observável no exame objetivo)

Sem alterações!

Análises clínicas:
o Hemograma – Hb 10,3 g/dL (-)
o Ferritina – 15 ng/mL (-) – anemia ferropénica, causa mais frequente: hemorragia
anómala

Diagnóstico clínico: perimenopausa


o Perguntar idade menopausa no historial familiar (precoce: antes dos 45 anos)
o Perguntar outros sintomas de perimenopausa: afrontamentos, alterações de humor,
alterações do sono, sintomas vasomotores, secura vaginal e atrofia genitourinária
(devido a falta de estrogénios)
Logo, hemorragia uterina anómala disfuncional perimenopausa

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Se há menos folículos, menos produção de inibina (- células da granulosa), aumento dos níveis
de FSH, recrutamento do folículo dominante mais rápido, fase folicular mais curta (ciclos mais
curtos).

Terapêutica:
Suplemento de ferro
Hormonal:
o Pílula? Não, pois é fumadora e tem + de 35 anos. Não deve tomar estrogénios. Evento
tromboembólico.
o DIU hormonal (porque DIU de cobre tem como efeito secundário hemorragia) –
levanostrel; efeito secundário: amenorreia e diminui a dor
o Progestativo, injetável, implante (menos eficazes, porque podem causar hemorragia)
Se afrontamentos moderados a graves:
o Incentivar à cessação tabágica, para poder adotar terapêutica de estrogénios com
efeitos vasomotores

Caso 4

Mulher com 45 anos, menarca aos 12 anos, multípara, com 2 partos vaginais, ciclos regulares 28
dias, contraceção com preservativo.
Última menstruação há 2 semanas. Recorre à urgência por referir menstruações abundantes
com 8 dias de hemorragia menstrual e necessidade de trocar o tampão a cada hora, nos últimos
6 meses. Como sintomas acompanhantes refere cansaço. Sem antecedentes médicos ou
cirúrgicos relevantes.

Anamnese:
o História clínica muito completa, podendo apenas complementar com pergunta de:
o Sintoma acompanhante da hemorragia (Ex: dor pélvica),
o Quando teve os filhos,
o Como era antes a hemorragia,
o Excluir fármacos anticoagulantes
o hemorragias de outros sistemas (gengivorragia, epistaxe)

Exame objetivo:

Sinais vitais (FC, PA) – taquicardia


Palidez da pele e mucosas

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Exame ginecológico:

o Útero tem dimensões aumentadas, móvel e indolor à mobilização


o Não se palpam massas anexiais

Diagnósticos prováveis: miomas, adenomiose (não concordável com exame físico, ausência de
dor)

ECD:
Ecografia pélvica: massa nodular da serosa à cavidade endometrial;
Soro na cavidade endometrial para visualizar o mioma (histerossonografia)

Mioma submucoso

Diferença entre pólipo e mioma?


Pólipo hiperecogénico, “mais branco” semelhante a
miométrio; e mioma mais parecido a endométrio
Mioma com vascularização mais periférica e pólipo
central (visível em doppler)

Análises sanguíneas:
o Hb 10,1 g/dL (-)
o Ferritina – 15 ng/mL (-)

Nota: Sem dor? Mais terminações nervosas na serosa. Miomas submucosos raramente doem, +
hemorragia; subserosos: + dor, - hemorragia (pressão sobre estruturas adjacentes)

Tratamento:
Podemos considerar retirar o útero dada a idade e situação.
No entanto, fazendo parte do suporte do pavimento pélvico, corremos riscos.
Sendo um mioma submucoso, temos uma alternativa pouco invasiva sem complicações:
o Miomectomia
Se houver reincidência do mioma e novas perdas hemáticas, poderíamos pensar numa
histerectomia

Suplemento de ferro inicial, antes da cirurgia!

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Aula 9 – Casos Clínicos Sobre Planeamento Familiar

Data Docente
03/12/21 Prof. Catarina Policiano

CASO 1
Uma mulher saudável, de 30 anos, não fumadora, recorre a consulta de ginecologia por
insatisfação com o método contracetivo. Tem um filho de 12 meses que deixou de amamentar
aos 10 meses. Desde o parto que se encontra a fazer a pilula com progestativo (desogestel) em
toma continua, e refere que tem perdas menstruais frequentes e irregulares que afetam
consideravelmente a sua qualidade de vida. Refere que pretende engravidar novamente dentro
de 12 meses. Qual o aconselhamento mais correto?

Progestativo oral:
Vantagens:
-Alternativa à contraceção hormonal combinada com estrogénios, principalmente em
mulheres com que têm alguma contraindicação em tomas destes contracetivos, com é
o caso de fumadoras, mulheres antecedentes de eventos tromboembólicos, …
- Vantagem também para mulheres que estejam a amamentar como acontece no caso
referido.
Efeitos secundários:
- Hemorragia intermenstrual, na medida em que a contraceção com progestativo oral
se associa a um muito menor controlo menstrual, quando comparada com contraceção com
progestativo isolado.

Neste sentido, as alternativas para esta senhora, que poderiam ajudar a controlar o ciclo e as
perdas hemáticas:
-Contracetivos reversíveis de longa duração: dispositivo intrauterino
Ótimo para controlo da hemorragia.
No entanto, esta senhora não é uma boa candidata, uma vez que pretende
engravidar num espaço de um ano, o que não é compatível com um dispositivo
de longa duração.
- Contraceção hormonal conjugada.
Depois de se explicar à senhora todas as possibilidades de métodos de
contraceção hormonal conjugada, escolhia-se: oral, vaginal, através do anel
vaginal ou transdémica, com o penso.

CASO 2
Uma mulher, 51 anos, menarca aos 12 anos, G3P2 (duas cesarianas), 1 aborto, fumadora (20
cigarros/ dia), nega cirurgias, antecedentes pessoais ou familiares relevantes. Nega medicação
habitual. Recorre à consulta porque mantem períodos menstruais abundantes com
dismenorreia intensa (5-9 pensos grandes/dia, cataménios de 9 dias) e pretende contraceção
definitiva- vem com a idade de realizar laqueação tubária bilateral. Refere cansaço e que tal
interfere com a sua qualidade de vida. Realizou interrupção voluntaria da gravidez há 2 anos por
gravidez indesejada, e desde então faz progestativo diário com esquecimentos frequentes.

O que devemos fazer?


Antes de avançar com a intervenção cirúrgica, devido à hemorragia excessiva e dismenorreia,
tem de ser realizados vários exames, como por exemplo, um hemograma, para perceber se há
uma anemia, fazer um exame ginecológico e pélvico, para perceber se tem alguma alteração

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(útero aumentado da dimensões, alguma lesão na vagina, no colo do útero, ou outra anomalia
que mereça ser investigada), uma ecografia (para descartar uma patologia orgânica, como um
mioma, uma distorção da cavidade uterina que justifique as queixas). Não podemos avançar
para qualquer cirurgia sem excluir a possibilidade de alguma patologia orgânica, como mioma
ou pólipos, e que na prática não seja o progestativo diário que esteja a criar esta hemorragia.
Temos dois problemas nesta história clínica:
1º) As queixas de dismenorreia e hemorragia
2º) O método contracetivo para esta senhora, claramente, não é o adequando.
A senhora indica esquecimentos frequentes e na sua história clínica tem uma
evidencia da falha do método contracetivo, com a gravidez indesejada, que foi
voluntariamente interrompida. Assim, claramente que precisa de um método
mais seguro.
Imaginando que a ecografia já foi pedida e realizada e o resultado veio e está tudo normal. Qual
será o próximo passo? Passaríamos para a laqueação? Pediríamos mais algum teste? Dávamos
outras opções a esta senhora de 51 anos? Que outras medidas contracetivas deverias discutir
com a senhora?
Outro meios de contraceção:
Diu: não tem estrogénio (fumadora); é e longa duração (não há esquecimentos).
No entanto, a senhora vem mentalizada de que quere fazer a laqueação. Como é que
poderíamos convencer a senhora de que o DIU é a melhor opção para o seu problema?
O DIU é um mecanismo mais seguro, uma vez que todas as cirurgias têm riscos
associados. Por outro lado, devido à idade da senhora, o mais provável é estar perto de
atingir a menopausa, pelo eu, resolveria o problema, tendo de aguentar só mais um
tempinho. Ao atingir a pós-menopausa, todas as suas queixas vão, naturalmente,
desaparecer.
Outro ponto importante de ser abordado é o facto de que a laqueação apenas
funcionaria como método contracetivo, havendo um corte ou bloqueio das trompas, o
que impede que o esperma entre em contacto com o ovulo. No entanto, o ovário vai
continuar a produzir hormonas até à pós-menopausa, pelo que o ciclo menstrual se vai
manter, continuando assim com as queixas de períodos menstruais abundantes e
dismenorreia.

Assim: métodos reversíveis de contraceção Vs. laqueação bilateral


Diminui hemorragias e dor;
Aumenta amenorreia com dispositivo intrauterino que liberta levonorgestrel.

CASO 3
Uma mulher de 23 anos, menarca aos 11 anos, vem a uma consulta de planeamento familiar
porque teve uma interrupção voluntaria de gravidez há dois meses, Contraceção com
contracetivo hormonal combinado oral, com esquecimentos frequentes. Não pretende gravidez.

Que opções é que vamos por à consideração desta senhora?


DIU hormonal
Que outra(s) pergunta(s) seria relevante fazer?
Perguntar o motivo do esquecimento frequente;
A educação é muito importante, explicar como é que funciona a toa do
contracetivo oral, de toma diária, explicar o intervalo de segurança. No entanto,
como a paciente já teve uma interrupção voluntaria da gravidez, é mais fácil
trocar o método do que tentar forcar o mesmo.
Perguntar se fuma
para ver se existe outra alternativa de métodos contracetivos hormonais
combinados, ou se é melhor apenas passar para um progestativo.

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Perguntar quando é que pretende engravidar.


A senhora diz que não pretende engravidar. No entanto é completamente
diferente não querer engravidar agora, mas ser pensar em engravidar num
espaço de 2 ou 3 anos, não querer engravidar agora nem ter qualquer pretensão
de o fazer num futuro próximo.
Imaginemos que esta senhora nos diz que não tenciona engravidar num futuro próximo e que
não quere nenhum método invasivo, como DIU. Afirma que não fuma.
Qual as melhores hipóteses para esta senhora?
Implante: alternativa para os esquecimentos, é uma picada subcutânea no braço e não
se preocupa mais com o assunto (duração de 3 anos). Resolve o problema dos
esquecimentos.
Era importante saber como é que são os ciclos menstruais. Ciclos regulares com menstruação
controlada é diferente de ciclos irregulares e abundantes.
Para uma senhora com ciclos menstruais irregulares um progestativo sem levonorgestrel não
são uma boa solução porque não controlam o ciclo. Progestativo oral não seria sequer uma
hipótese para esta senhora devido aos esquecimentos. O implante seria uma boa solução se os
ciclos menstruais da senhora forem regulares.
O implante tem como consequência a desregulação do ciclo o que pode ser um motivo de falha
na contratação.

Outros dispositivos que podem ser utilizados e que não dependem do uso dela seria o anel
vaginal e o penso transdémico.
Com estas opções, apenas teria de trocar de 3 em 3 semanas, co caso do anel, ou semanalmente,
no caso do penso, sendo que ambos dão um bom controlo menstrual e não requerem toma
diária, o que é bom para quem se esquece de tomas os contracetivos diários.

Para alem de explicar os métodos contracetivos indicados, é igualmente importante falar com
esta senhora, uma jovem de 23 anos sem parceiro sexual estável, sobre a prevenção de infeções
sexualmente transmissíveis, uma vez que estes métodos contracetivos são eficazes para
prevenir gravidezes indesejadas, mas não são uma barreia para a transmissão de IST´s. Para
prevenir a transmissão de IST´s é importante associar o uso do preservativo para alem do
método contracetivo, não para ser mais um método contracetivo, mas para ser uma barreia à
transmissão de IST´s.

CASO 4
Uma mulher com 28 anos, hospedeira, menarca aos 11 anos, vem a uma consulta de
planeamento familiar. Contraceção hormonal combinada com esquecimentos frequentes.
Pretende mudar de método contracetivos.

O que fazer?
Saber os ciclos menstruais:
Ciclos regulares na interrupção da pilula; teve sempre menstruações com
duração de 5 dias; antes da pilula os ciclos eram de 30 dias.
Perguntar contexto familiar: se pretende uma gravidez próxima ou não:
Tem um parceiro estável, mas, por agora, não estão a pensar engravidar.
Perguntar se é fumadora:
Ex-fumadora; a medica avisou que para tomar a contraceção combinada deveria
deixar de fuma; como fumava pouco, conseguiu parar.
Podíamos sugerir um método contracetivo que não seja de toma diária:
(Há dois grupos de senhoras para os quais, métodos contracetivos diários não são uma boa
solução: as senhoras que se esquecem, simplesmente porque se esquecem, e as senhoras que

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trabalham por turnos e nem sempres estão disponíveis na hora de tomar o contracetivo, como
é o caso da enfermeira, medicas, hospedeiras, …)

Estas mulheres que trabalham por turnos são candidatas ideais para uso de métodos
como o anel ou o penso transdémico, uma vez que apena requer que seja trocado 3 em
3 semanas ou semanalmente, respetivamente.
Apesar do DIU não ser contraindicado na mulher nulípara, estas mulheres têm um certo
preconceito, relativamente a estes dispositivos intrauterinos, em eventuais
complicações que terá no seu útero e numa perspetiva de fertilidade e gravidez futura.
Não há nenhuma associação entre o uso destes dispositivos e a perda ou alteração na
fertilidade.

CASO 5
Uma mulher com 38 anos, menarca aos 11, G1P1 (parto vaginal há 1 mês). Vem a uma consulta
de revisão de parto. A amamentar. Nega antecedentes pessoais relevantes. Nega hábitos
tabágicos.
Na consulta quere saber se pode retomar a sua vida sexual e pergunta qual o método
contracetivo que pode fazer.

Uma opção seria um contracetivo progestativo, sem estrogénio (estrogénio afeta a produção de
leite e a senhora está a amamentar).
Teríamos de avisar sobre as hemorragias intermenstruais, uma vez que estava habituada a uma
pilula combinada com estrogénios e progestativos (tem muito melhor controlo do ciclo).
Devemos avisar também que a pilula combinada com estrogénio e progestativo tem uma
margem de segurança muito longa, pelo que, se houver um atraso na toma da pilula até 12h,
teoricamente, não há grandes implicações na eficácia contracetiva. A margem de segurança da
pilula progestativa é de 3 a 4h. Como a senhora tem um bebé muito pequenino e está a
amamentar, é capaz de ser difícil tomar a pilula sempre há mesma hora, pelo que se deve alertar
para esse facto.
Em termo de vida sexual, o que é que teríamos de fazer?
Exame ginecológico, para ver se o parto provocou alguma laceração no períneo; pode
ter tido uma episiotomia. Nesta consulta aproveitamos para ver se existe uma
cicatrização completa no canal de parto. Desde que esteja tudo bem cicatrizado e que a
senhora não tenha queixas, a senhora pode retomar vida sexual se estiver confortável
com isso.
Relativamente aos métodos, poderíamos sugerir ainda o implante de progestativo. No caso de
ter sido uma gravidez não planeada seguida pelo parto, poderíamos sugerir a injeção
intramuscular, única que resolve o problema durante 3 meses.

Métodos com progestativos:


Pilula (problema de ser toma diária)
Métodos de longa duração: DUI
Injeção
Implante.

CASO 6
Uma mulher com 37 anos, menarca aos 11 anos, hábitos tabágicos (20 cigarros/dia), G2P2 ( 2
cesarianas, a última há 4 meses). Não se encontra a amamentar. Vem a uma consulta de
planeamento familiar.

Primeiro será necessário perceber como eram os seus ciclos menstruais antes das cesarianas, a
sua história familiar, alguma doença prévia, se pretende engravidar de novo, sendo que já teve

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duas cesarianas, e durante um ano após cada uma delas não deverá engravidar (pela cesariana
deverá esperar um ano até engravidar de novo), mas se perspetiva uma nova gravidez, em dois/
três anos.
Esta senhora tinha: (1) ciclos irregulares, sem menstruações abundantes, com períodos de
espera longos (menstruava, depois estava um mês e meio sem menstruar, depois vinha mais
cedo) → tinha ciclos irregulares, mas sem perdas no meio das menstruações. Foi sempre assim
desde a menarca; (2) de antecedentes familiares, não apresenta nada relevante e, que a própria
saiba, não tem doenças; (3) neste momento não pretende uma gravidez, não fazendo parte dos
seus planos ter mais algum filho.

Quais as alternativas de contraceção a colocar?


Dada a idade (> 35 anos) e os hábitos tabágicos, seria apenas possível um contracetivo
progestativo. Pela história é percetível que tem contraindicação para contraceção hormonal
combinada com estrogénios. A partir deste ponto seria discutido com a paciente as vantagens
dos métodos de contraceção hormonal com progestativo.
(1) DIU → Um método que permitiria controlar os ciclos menstruais irregulares, se isso
fosse um problema, é o DIU, com libertação de levonorgestrel (dado que não se poderia
utilizar a pílula combinada com estrogénios, ou uma contraceção hormonal combinada
com estrogénios para controlar o ciclo, que provavelmente seria o mais eficaz neste
caso), e que preveniria uma gravidez.
(2) Implante;
(3) Progestativo Oral;
(4) Injeção;
(5) Laqueação (aquando da cesariana). → Não é obrigatório, mas, numa mulher que tem
37 anos, que já vai ter uma segunda cesariana, podemos abordar a possibilidade da
laqueação intra cesariana, mediante a perspetiva de querer ter mais filhos ou não, e, se
a paciente assim o desejar, pode fazer a laqueação intra cesariana. Isto põe-se
sobretudo quando temos duas ou mais cesarianas porque é uma contraceção eficaz e,
sobretudo a partir das duas cesarianas, o risco de complicações maternas aumenta,
sendo um fator a considerar/abordar aquando da marcação de uma cesariana,
sobretudo nas cesarianas eletivas. A partir do caso não sabemos, mas esta cesariana
poderá ter sido marcada, agendada, ou pode ter sido uma cesariana por que o trabalho
de parto não progrediu.
A laqueação será uma medida extrema? Depende bastante das convicções de cada
mulher. Nenhum médico obriga a sua paciente a fazer uma cesariana e num primeiro
filho tal nunca é proposto. Só em casos muito extremos, como uma gravidez numa
mulher com muita patologia (renal, cardíaca, pulmonar grave, …), em que a gravidez é
tida como não planeada, colocou em risco a vida da mãe, mas que evoluiu até ao fim e
resultou numa cesariana, nesses casos extremos, em que a gravidez futura pode pôr em
risco a saúde da mãe, é lícito fazer uma laqueação de trompas intra cesariana.
Nestes casos, numa segunda ou terceira cesariana, pode ser discutível, não sendo
incentivado (no sentido de que o médico não obriga), mas pode ser falado aquando da
marcação e uma cesariana eletiva.
Quando é uma cesariana durante o trabalho de parto não existe muito tempo para
pensar sobre o assunto, de forma que o ideal será, no contexto de consulta, levem o
consentimento para casa, que pensem no assunto com o companheiro, em casal e que
seja uma decisão consolidada. Uma decisão urgente, em trabalho de parto, não é de
todo o momento ideal para a mulher decidir uma laqueação de trompas intra cesariana.
Pode levar a um arrependimento ou a uma decisão sem segurança.
Será a laqueação das trompas um procedimento necessário em urgência? Necessário
é um termo pouco aplicável à laqueação de trompas. Uma mulher que entre em
trabalho de parto e que tenha um risco de vida numa gravidez subsequente porque

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

tenha patologia cardíaca ou patologia renal ou patologia pulmonar, que contra indique
uma nova gravidez após esta, a potencial laqueação é previamente discutida em
consulta, de forma que, se a paciente entrar em trabalho de parto antes do tempo
previsto, sem que tenha tido tempo para preparar e assinar o consentimento de
laqueação, nestes casos extremos, pode ser abordada a hipótese durante o trabalho de
parto. Sendo, portanto, uma situação extrema e rara, em que a maioria das laqueações
de trompas feitas em contexto de cesariana sejam procedimentos decididos no
contexto de uma cesariana eletiva e bem maturados numa consulta. Ou seja, o que é
suposto é que uma paciente leve o consentimento para casa, vá falar com o
companheiro, discuta e casal, traga a decisão, discuta outra vez a decisão que está a
tomar de uma contraceção definitiva e irreversível e que vá para a cesariana muito bem
resolvida em relação a isto.

O (2) e o (3) podem levar a desregulação dos ciclos menstruais, mas são hipóteses a colocar.

O implante e o progestativo oral têm mau controlo de ciclo? A contraceção com progestativo
isolado tem, no geral, um mau controlo de ciclo. São sobretudo os estrogénios que dão o
controlo de ciclo menstrual. Quando se utiliza o dispositivo intra uterino com libertação de
levonorgestrel, o progestativo isolado daria também um mau controlo de ciclo, mas como o
efeito a nível endometrial da libertação local do progestativo dá uma certa atrofia do
endométrio acaba por não dar tão mau controlo de ciclo e coloca muitas mulheres em
menorreia. O progestativo oral e o implante não têm uma taxa de menorreia nada parecida com
o dispositivo intra uterino com libertação de levonorgestrel e por isso não dá tão bom controlo
de ciclo, sendo esta uma desvantagem destes dois métodos.
Neste caso, a paciente apresenta contra indicações para contraceção hormonal combinada,
dado que tem mais de 35 anos e tem hábitos tabágicos, não sendo esta adequada. Por outro
lado, a contraceção adequada seria
uma contraceção com
progestativo, sendo uma
alternativa para mulheres que
apresentem contra indicações para
estrogénios, como é o caso, e
mulheres que estejam a
amamentar num período pós-
parto. Dentro dos progestativos
temos a (1) pílula, com as
desvantagens da toma diária, os (2)
contracetivos de longa duração,
com as vantagens da contraceção
de longa duração e com as
especificidades de cada um deles
(do implante, da injeção e do
dispositivo intra uterino).

CASO 7
Uma mulher de 23 anos, nulípara, recorre a consulta de Ginecologia por coitorragia (hemorragia
com a relação sexual) e corrimento vaginal. Refere mudança de parceiro sexual há 1 mês. Nega
antecedentes pessoais relevantes, medicação habitual ou hábitos tabágicos. À observação
apresenta leucorreia esverdeada, arejada com cheiro fétido, sugestiva de tricomoníase (infeção
sexualmente transmissível→ é uma infeção por um microrganismo que se chama trichomonas

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

vaginalis e que dá uma vaginite- uma infeção vaginal- e uma cervicite – que é uma infeção do
colo).
Vaginose bacteriana é uma infeção da vagina que corresponde sobretudo a um desvio da flora
vaginal. A Vaginose bacteriana não é sexualmente transmissível.

Vem à consulta porque está preocupada com esta coitorragia, com o corrimento vaginal e
porque também quer aconselhamento contracetivo. Começou agora uma relação com o
parceiro há um mês e quer aconselhamento em termos de contraceção.
Como deve ser orientada esta consulta de contraceção e de queixa (de corrimento e de
coitorragia)?
1º- perguntar se está a utilizar algum método contracetivo, dado que veio a uma consulta de
planeamento familiar;
Resposta: Mudou de parceiro sexual há um mês, não tinha tido nenhum parceiro estável até
então e, portanto, usou apenas preservativo, não tendo usado mais nenhuma contraceção na
sua vida.
2º- Averiguar se o usa corretamente, dado que não faz muito sentido utilizar preservativo e
apresentar uma doença sexualmente transmissível. Provavelmente tem uma utilização
incorreta, ou irregular, ou teve alguma falha do método porque o preservativo rompeu ou algo
do género, e indagar a senhora nesse sentido, dado que tem um corrimento típico de uma
infeção sexualmente transmissível e geralmente isto implica que o método contracetivo não
esteja a ser corretamente utilizado e rever como se utiliza corretamente o método e aconselha-
la a manter esse método, independentemente das decisões de contraceção alternativa. É,
portanto, importante que esta mulher de 23 anos continue o método e melhore a utilização do
preservativo.
O surgimento destes sintomas tem um período muito variável, de forma que não podemos
garantir que tenha sido este parceiro sexual tenha causado esta infeção ou outro, sendo que há
senhoras que têm estas tricomoníases mais evidentes na clínica e outras que têm estas infeções
menos evidentes, mais assintomáticas. Estas infeções surgem geralmente a seguir a uma
mudança de parceiro, sendo que nós, enquanto médicos, dizemos que é uma infeção
sexualmente transmissível, não sabemos há quanto tempo lá está, também para não instigar o
conflito. Portanto, pode ter sido este parceiro ou pode ter sido um parceiro anterior a transmitir-
lhe esta infeção. A tricomoníase causa inflamação no colo do útero, dá que o colo seja friável
com o traumatismo da relação sexual, levando a uma coitorragia, que são bastante frequentes
no contexto destas cervicites. Sendo, portanto, a tricomoníase provavelmente a causa desta
coitorragia.
Cervicite→ inflamação e infeção do colo do útero.
Neste contexto da coitorragia temos uma causa muito obvia, sendo, no entanto, necessário
rastrear outras doenças sexualmente transmissíveis porque, normalmente, uma infeção
sexualmente transmissível pode implicar risco de ter outras.
O diagnóstico de uma tricomoníase obriga a tratamento da mulher e, mesmo que parceiro seja
assintomático, sendo este o caso mais frequente no contexto de uma tricomoníase, deve
também ser tratado. Devem ser ambos tratados porque o risco de uma reinfeção torna-se
evidente se apenas se tratasse a mulher. Estas infeções, as tricomoníases, podem dar infeções
ascendentes para a cavidade endometrial, darem endometrites, darem doenças inflamatórias
pélvicas e podem ser causa de dor pélvica crónica ou mesmo de infertilidade, sendo, por isso,
tão importante tratar essas mulheres e os parceiros.
Esta senhora deveria fazer também rastreio de cancro do colo do útero. Em Portugal, o rastreio
organizado do cancro do colo do útero é um rastreio que se faz em consulta (daí ser organizado
e não oportunista, ou seja, as mulheres normalmente são convocadas aos centros de saúde
onde estão registadas para fazerem o rastreio, iniciando-se a partir dos 25 anos). Esta mulher,
aos 23 anos, poderia ainda não ter indicação para fazer o rastreio de cancro do colo do útero.
No entanto, perante estas queixas de coitorragia, deveria ser indagada sobre o número de

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parceiros sexuais e quando é que começou a ter vida sexual, que seria importante para perceber
se esta senhora deveria ter um rastreio mais cedo ou não. Pela DGS, o rastreio começaria aos
25 anos, no entanto, o rastreio oportunista começa geralmente por volta dos 21 anos ou três
anos após o início da vida sexual. Em Portugal faz-se mais rastreio organizado do que
oportunista.
Em termos de contraceção, a tónica será o preservativo, sendo importante rever a sua utilização
correta, mas, se a paciente já usa o preservativo e veio a uma consulta de planeamento familiar
é porque procura algo mais para a contraceção.
Poderíamos propor a pílula combinada, dado que à partida é uma jovem saudável, não
fumadora.
Há pilulas em que se toma os 21 dias e se faz a pausa de 7 e se tem a hemorragia de privação e
há pílulas em que os últimos comprimidos são placebo, não têm hormona, fazendo com que as
doentes possam fazer a pilula em toma continua, não se esquecendo de a tomar, nem de se
preocupar quando começara, quando pararam, tendo uma maior adesão. É, portanto,
importante discutir se quer uma pílula de 21 comprimidos ou uma de toma contínua.
As pílulas têm várias combinações de estrogénios e progestativos. O progestativo se, por um
lado, é responsável por efeitos secundários (náuseas, tensão mamária), por outro tem alguns
benefícios não contracetivos: alguns progestativos na contraceção hormonal combinada têm
um efeito anti androgénico, que pode ser selecionado como benefício não contracetivo da
contraceção hormonal combinada para resolver de acne, de hirsutismo. Muitas vezes as
pacientes vêm à consulta à procura de um método contracetivo, mas também de algo que lhes
ajude com o acne, hirsutismo, etc.
Um outro aspeto a ter em consideração, que é uma regra em termos de escolha da contraceção,
é que se escolhe como contraceção hormonal combinada numa primeira linha a combinação de
estrogénios e progestativos com a dose mais baixa possível de estrogénio, uma vez que
queremos evitar qualquer efeito secundário derivado da utilização dos estrogénios,
nomeadamente eventos trombo-embólicos, e efeitos secundários gastrointestinais, cefaleias,
que são efeitos relativamente frequentes nestas pílulas. Se, por exemplo, uma mulher começa
uma pílula hormonal combinada com uma baixa dose de estrogénios e se queixa de spotting
(sangramento genital fora do período menstrual) e de algumas irregularidades menstruais, a
solução para isso é subir a dose de estrogénios, é mudar para uma pílula combinada com uma
maior dose de estrogénios, pois são estes que vão dar controlo do ciclo, sendo assim orientada
a contraceção destas mulheres. Começa-se com a dose mais baixa possível, tenta-se adequar
um progestativo que lhe dê algum benefício não contracetivo, dependendo de cada caso, e

depois, nas consultas de planeamento familiar de seguimento, tenta-se averiguar efeitos


secundários e se há outras alternativas a ter em conta.
A contraceção de barreira seria fundamental (fundamental, fundamental) para permitir
proteção contra infeções sexualmente transmissíveis e mesmo durante esta infeção
sexualmente transmissível é muito importante que a senhora não tenha relações sexuais e que,
se tiver, que utilize preservativo. Falar que a contraceção com preservativo é totalmente
dependente da utilização adequada, sendo importante rever como se utiliza adequadamente
um preservativo e que, se não for utilizado adequadamente está associado a uma elevada taxa
da falha. Nestas senhoras muitas vezes é importante, já que vêm a uma consulta de

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planeamento familiar, falar nas alternativas de contraceção hormonal combinada: as pílulas,


com várias doses de estrogénio, vários tipos de progestativo. Caso seja uma senhora com
esquecimentos frequentes, falar na possibilidade do anel vaginal ou do patch transdérmico.
O progestativo oral pode aumentar a retenção de líquidos, podendo, nesse sentido, dar
pequenas oscilações de peso, mas na maior parte dos casos a pequena oscilação de peso é mais
pelo que a pessoa come do que propriamente dessa retenção hídrica. No máximo dos máximos
a retenção hídrica associada ao progestativo pode resultar no aumento de 1 kg, nunca mais que
isso.

CASO 8
Uma mulher de 39 anos, com antecedentes de cancro da mama com recetores de estrogénio e
progesterona positivos*. Tem novo parceiro sexual e não pretende engravidar.

Pontos a abordar m consulta:


1. Métodos barreira (preservativo) → importante para a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, dado que tem um novo parceiro sexual;
2. Laqueação de trompas → a paciente não pretende engravidar e com antecedentes de
cancro da mama com recetores de estrogénio e progesterona positivos uma gravidez
não será muito recomendada para esta senhora, dado que a gravidez dará um ambiente
hormonal desfavorável. Embora seja uma excelente candidata, a laqueação de trompas
não deixa de ser uma cirurgia, pelo que deve ser discutido em consulta.
3. DIU de cobre→ esta senhora, ao ter tido um cancro com recetores de estrogénio e
progesterona positivos, tem contra indicação para qualquer método de contraceção
hormonal combinada e progestativo. Não pode fazer nenhum método com contraceção
hormonal.
Em relação ao DIU de cobre, é importante avisar que, após a sua colocação, a sua
proteção dura 10 anos. Ou seja, até aos 49 anos não tem de se preocupar mais com
contraceção, que será uma vantagem nesta senhora que não quer engravidar. É
também importante avisar que o DIU de cobre causa, como efeito secundário,
hemorragias, pelo que, se os ciclos menstruais desta senhora não são regulares
deveremos ter isso em conta. Muitas vezes doentes que tenham feito quimioterapia
não menstruam regularmente.
Idealmente o dispositivo é inserido durante uma menstruação, não é obrigatório que
assim o seja, mas se assim for, por um lado temos a certeza de que a senhora não está
grávida, sobretudo em mulheres que têm ciclos irregulares (nestes casos pede-se um
teste de gravidez antes de se introduzir o dispositivo intrauterino). Após a colocação do
dispositivo intrauterino deixamos a senhora alerta para estas hemorragias, para
corrimento vaginal com mais cheiro, na medida em que há associação entre a colocação
de um dispositivo intrauterino e uma doença inflamatória pélvica é sobretudo nas
primeiras três semanas após colocação do dispositivo intrauterino.
Contraindicações: Na história clínica, devemos perguntar antes da introdução do
dispositivo intrauterino é outros antecedentes, para além do cancro da mama, ou seja,
se tem antecedentes de patologia do útero, nomeadamente antecedentes de miomas,
malformações uterinas, de pólipos, na medida em que não são introduzidos dispositivos
em úteros com alterações anatómicas (só são introduzidos dispositivos em úteros com
anatomia normal), podendo ser uma contra indicação. Por fim, perguntar se tem
antecedentes de doença inflamatória pélvica, na medida em que não se introduz
dispositivos intrauterinos em mulheres que tenham tido doença inflamatória pélvica
nos últimos três meses.
O dispositivo intrauterino de Cooper tem como mecanismo o efeito espermatotóxico do
cobre, que vai alterar a motilidade dos espermatozoides, mas também o efeito de um
corpo estranho na cavidade intrauterina serve como barreira à produção de

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espermatozoides e em termos de cuidados na história clínica, embora seja uma doença


muito rara, temos de assegurar que a senhora não tem nenhuma contraindicação para
a administração do dispositivo de cobre, como a doença de doença de Wilson**.
Nota: existem dois tipos de dispositivos intra uterinos com libertação de progesterona ( que não
seria o mais indicado neste caso, porque tem progestativo): (1) um DIU com libertação de
levonorgestrel que tem duração de 3 anos, tem um calibre mais estreito e é particularmente
utilizado em nulíparas que não pretendem uma contraceção de tão longa duração; (2) um
dispositivo intra uterino com libertação de levonorgestrel com uma duração de 5 anos, com um
calibre maior.
*os cancros da mama são tumores que aparecem na mama e que não são mais do que uma
proliferação descontrolada/ desregulada das células glandulares ou do estroma. Essa célula
maligna pode ter recetores positivos para progesterona, o que significa que com estrogénios e
progesterona a célula vai responder com atividade proliferativa mais intensa. Se não tiver
recetores de estrogénio e progesterona significa que aquela célula maligna da mama não
responde de forma proliferativa aos estrogénios e progesterona.
** Doença de Wilson; toxicidade de cobre hereditária→ A doença de Wilson resulta em
acúmulo de cobre no fígado e em outros órgãos. Sintomas neurológicos e hepáticos se
desenvolvem. O diagnóstico baseia-se em baixos níveis de ceruloplasmina, alta excreção urinária
de cobre e, às vezes, biópsia hepática.

CASO 9
Uma mulher de 29 anos, com antecedentes de doença inflamatória intestinal, menarca aos 12
anos, nulípara. Tem novo parceiro sexual e não pretende engravidar.

A doença inflamatória intestinal é um grupo de doenças que inclui a doença de crohn, a colite
ulcerosa e que tem como sintomas diarreias, dor abdominal e é uma doença crónica que implica
medicação crónica, sendo que a doente pode ter crises de diarreia com dor abdominal. Não
implica necessariamnet um maior risco de infeção urinária a não ser pelas dejeções diarreicas,
que podem implicar um maior risco de ascensão da E. coli para a bexiga.

Pontos a abordar em consulta de planeamento familiar:


1. Há quanto tempo tem este diagnóstico? R: desde os 21 anos. Neste momento a doença
está controlada, mas teve um ajuste de medicação há pouco tempo.
2. Se faz algum método contracetivo? R: usou preservativo, mas queria algo mais eficaz
para estar mais descansada.
3. Se faz medicação para a doença de crohn? R: Sim, faz medicação para o crohn, faz uns
anti-inflamatórios, mas que não tem qualquer tipo de contra indicação para qualquer
contracetivo que lhe queiramos dar.
4. Se é fumadora? R: não.
5. Se os seus ciclos são regulares? R: Sim, tem ciclos regulares, de 28 dias, todos os meses
no dia que está previsto e com menstruações normais.
A pílula, a contraceção oral, não é uma estratégia eficaz nesta senhora, pois, como tem esta
doença inflamatória intestinal, com inflamação da mucosa intestinal, a pílula dada por vi oral vai
ser mal absorvida, sendo, portanto, uma péssima candidata para contraceção hormonal oral
pois os níveis de hormonas que são absorvidos para a corrente sanguínea podem ser muito
abaixo dos níveis necessários para o efeito contracetivo.

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A Christmas Miracle – Tronco Comum II b)

O anel vaginal e
o penso/patch
são boas
hipóteses na
medida em que
estes métodos
evitam a via
oral, que vai ser
mal absorvida,
evitam o efeito
de primeira
passagem
hepática (
quando um
fármaco é
administrado por via oral vai primeiro ser distribuído ao fígado, pela corrente sanguínea, no
fígado é metabolizado e são devolvidos à corrente sanguínea metabolitos ativos desse fármaco
e outros metabolitos inativos que muitas vezes são responsáveis pelos efeitos gastrointestinais
hepáticos. Neste caso, como a absorção do fármaco está limitada logo na parede intestinal, esta
senhora não seria uma candidata a fármacos orais e não queremos de todo efeitos
gastrointestinais de fármacos, queremos é que esta senhora não tenha efeitos gastrointestinais
e que não precise da via oral para ser absorvido. Desta forma, o anel vaginal e o penso
transdérmico seriam alternativas muito úteis para estas mulheres com doença inflamatória
intestinal.

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Aula 10 – Principais Doenças Ginecológicas Infeciosas e

Tumorais Benignas / Principais Doenças Ginecológicas

Malignas

Data Docente
06/12/21 Dra. Catarina Carvalho

INTRODUÇÃO

As doenças ginecológicas são várias e têm um largo espetro, a mesma doença pode ter uma
manifestação muito leve ou ser mais grave; a história clínica e o exame físico são primeira linha
para o diagnóstico e somente depois é que entram os exames complementares de diagnóstico.

SINTOMAS DA PATOLOGIA GINECOLÓGICA

Dor pélvica crónica – tem critérios muito específicos para ser diagnosticado – a dor tem de estar
presente pelo menos há 3 meses
Hemorragia uterina anómala:
∙ Menorragia - hemorragia abundante durante o período menstrual (dura mais de 8 dias
ou fluxo muito elevado – superior a 200 mL)
∙ Metrorragia – hemorragia que ocorre entre os períodos menstruais
Dismenorreia - dor durante o ciclo menstrual. Esta é muito comum pelo que pode não ser uma
patologia fazendo parte da fisiologia normal do ciclo menstrual, mas se se tornar incomodativo
ao ponto de impedir as mulheres de fazerem a sua vida normal pode ser considerado uma
doença.
Dispareunia - dor durante a relação sexual
Sintomas compressivos – existem algumas doenças ginecológicas que se manifestam através de
massas abdominais e que podem levar a sintomas compressivos sejam ees o aumento do
volume abdominal que levam à compressão do estomago dando uma sensação de saciedade
precoce ou náuseas, inchaço, ou compressão na bexiga com sensação de ter de estra sempre a
ir à casa de banho.
Sintomas vulvares e vaginais (prurido, sensação de ardor, sensação de massa vaginal…)

Espéculo – coloca-se na vagina para conseguir ver o colo do útero

VULVAR, VAGINAL E COLO DO ÚTERO

Condilomas acuminado - alterações da pele irregulares com


relevo - relacionada com a infeção pelo vírus do HPV

A vulva tem derme (pele) e por isso algumas das doenças


estão na barreira com a dermatologia.

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Líquen escleroso – zonas brancas, rugosas e


grossas. Esta alteração surge antes da menarca e
depois da menopausa (nos extremos de idade) e
está associada a inflamação crónica que leva a
prurido impactante na vida das mulheres e se não
for tratado, existindo cronicamente pode levar ao
aparecimento de doenças neoplásicas.

Esta é uma doença de pele, mas que afeta muito a


zona vulvar.

Dermatite de contacto – a pele dos grandes e pequenos


lábios esteve em contacto com algo que irritou. Neste caso
tem uma forma ovalada apenas na parte mais interna dos
lábios e poderá ter sido causada pelo uso de pensos
higiénicos – esta lesão está localizada numa zona específica
razão pela qual não terá sido provocada pela roupa interior.

Infeção do quisto de Bartholin – Na vagina existem as glândulas de Skene e as de Bartholin que


são as mais comuns de infetar. Na infeção ocorre o preenchimento das glândulas com pus
causando muita dor. Como tratamento faz-se a abertura da glândula para drenar o pus e deixa-
se a glândula fechar por si própria ou em determinadas situações é necessário retirá-la.

Quistos de Naboth – quistos de inclusão amarelados; são


normais e benignos

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Ectrópio cervical – O epitélio do endométrio do útero é


colunar e glandular e o da vagina é escamoso e está mais
preparado para sofrer agressões. Nalgumas mulheres,
principalmente as mais jovens e as que tomam a pílula,
existe a saída através do orifício externo do útero do
epitélio glandular uterino. Quando este epitélio está em
contacto com as agressões da vagina forma-se uma área
de ectrópio que é mais sensível e pode levar a sintomas
como hemorragia irregular fora dos períodos
menstruais: spotting se for em pequena quantidade e metrorragia se for em grande quantidade
e a coitorragia.

ÚTERO

Camada funcional (interna) - cresce ao longo do ciclo menstrual e depois desaparece –


ENDOMÉTRIO
Camada muscular (medial) - MIOMÉTRIO
Camada coberta de peritoneu (externa) – SEROSA DO ÚTERO

ENDOMETRIOSE E ADENOMIOSE

Tanto a endometriose como a adenomiose fazem com que existam células do endométrio em
locais exteriores ao útero ou no miométrio.

Uma das teorias da origem da endometriose é a existência de uma menstruação para trás em
que o sangue em vez de sair para a vagina sai pelos óstios das trompas e ir para a cavidade
endometrial levando à deposição de pequenos focos de células noutros locais.

Na adenometriose pensa-se que haja uma invaginação do tecido endometrial para dentro para
a zona miometrial levando a estas alterações.

ENDOMETRIOSE

É uma doença bastante comum afetando 7-10% da população feminina em idade fértil, assim
cerca de 1 a cada 10 mulheres vai ter endometriose.

Presença de tecido endometrial (glândulas endometriais e estroma) ectópico, que pode variar
desde a presença de focos microscópicos até grande cisto endometriótico (endometriomas).
Este encontra-se noutros sítios que não o endométrio, especificamente fora do útero. Os locais
mais comuns são o ovário (quistos de endometriose), trompas, fundo do saco do útero, serosa
do útero, reto, bexiga, umbigo, pulmões.

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Mulheres com nódulos de endometriose no umbigo perdem sangue pelo umbigo durante os
períodos menstruais e têm dores intensas. Por vezes pode haver endometriose torácica – no
pulmão – pelo que quando as mulheres estão a menstruar podem ter hemoptises.

Hemoptises – presença de sangue que vem da cavidade pulmonar (traqueia, brônquios,


pulmões) e aparece quando tossimos na saliva.

Os principais sintomas estão relacionados com dor, sendo que esta depende dos locais onde
está a endometriose. Esta é uma doença inflamatória pelo que os órgãos podem ficar colados e
fixos uns aos outros devido à inflamação e pode levar à a ascite – líquido dentro da barriga.

Sintomas:
∙ Dispareunia
∙ Dismenorreia – diferente da normal com elevado impacto socioeconómico afetando a
vida das mulheres (as pacientes classificam a dor num 10 em 10). Deve ser suspeitada
em caso de resistência a contracetivos orais e a anti-inflamatórios não esteroides.
∙ Dor pélvica crónica (fora dos períodos menstruais)
∙ Infertilidade

Cerca de 60-80% das mulheres com dor pélvica crónica e infertilidade têm endometriose.

Nas mulheres com endometriose parece haver uma alteração da sensibilidade e da perceção da
dor o que faz com que existam mulheres com inúmeras lesões de endometriose quase sem
sintomatologia e outras com menos lesões, mas com mais sintomas. Assim, existe pouca
correlação entre a extensão das lesões e os sintomas.

A endometriose está associada a depressão, fibromialgia, síndrome do intestino irritável e a


outras doenças relacionadas com o sistema nervoso central.

Diagnóstico:
O diagnóstico por norma é feito por ecografia, sendo que a ressonância e a tomografia
computadorizada (TC) podem ser úteis, mas o golden standard é a cirurgia idealmente por
laparoscopia ou por laparotomia que permitem a visualização direta das lesões e biópsia (para
o diagnóstico definitivo).

C – Lesões em Chumbo (as mais características da endometriose)


D – Quistos de Chocolate (contém sangue hemolisado no interior pelo que o seu conteúdo é
castanho)

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ADENOMIOSE

Alterações em que há a presença de tecido endometrial (glândulas e


estroma) na camada muscular do útero – miométrio.

Prevalência estimada de 20% sendo que as mulheres afetadas são


mais velhas do que na endometriose em que estas têm 20/30 anos.
Assim a idade média de apresentação é de 40 anos, em mulheres que
muitas vezes já tiveram um filho pelo que a doença não acarreta
tantas consequências socais.

Um terço das mulheres são completamente assintomáticas e 2/3 vão ter hemorragia uterina
anómala (menorragia) e dismenorreia. Uma vez que o tecido endometrial está no útero as
pacientes não apresentam sintomas sistémicos.

Ao exame objetivo os sinais clínicos são:


∙ Aumento difuso do útero (usualmente < 14cm)
∙ Útero mole
∙ Sinal de Halban – útero doloroso à palpação
durante a menstruação
∙ Nódulos uterinos palpáveis

MIOMAS UTERINOS

Tumores de tecido conjuntivo benignos com elevada quantidade de fibroblastos e tecido


conjuntivo.

Classificação:
Submucosos - contacto com a cavidade endometrial
Intramurais - dentro do miométrio
Subserosos - para fora do útero

Destes miomas 75% são intramurais.

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Os sintomas e sinais dependem do tipo de miomas existentes. Os miomas que crescem para fora
do útero, ou seja, os subserosos podem levar a sintomas de compressão de estruturas
adjacentes – a compressão da bexiga e do estômago leva ao aumento do volume abdominal e a
desconforto. Os submucosos, que crescem dentro do útero, originam hemorragia uterina
anómala com grandes perdas de sangue levando anemia e a infertilidade.

PÓLIPOS UTERINOS

Os pólipos uterinos (endometriais) é uma das etiologias mais frequentes da hemorragia uterina
anómala. Estes resultam da hiperplasia das glândulas e do estroma endometrial com um centro
vascular que se projeta da superfície do endométrio, são de dois tipos: pediculado – zona fina
que é o seu canal vascular e séssil – base larga e pode existir apenas um ou múltiplos.

Cerca de 95% dos pólipos são benignos, contudo há medida que as mulheres são mais velhas a
probabilidade dos pólipos serem malignos é maior. Por este motivo, quando existem pólipos há
indicação para os retirar especialmente se tiverem mais de 1 cm. Este procedimento é realizado
através de uma cirurgia minimamente invasiva designada histeroscopia em que o médico entra
com uma câmara pelo orifício externo do colo do útero e ao encontrar o pólipo corta-o pelo
pedículo ou base e retira-o.

MASSAS ANEXIAIS

QUISTOS OVÁRICOS

Por vezes existem alterações no ciclo menstrual que levam à formação de quistos sendo que a
maior parte dos quistos benignos nos ovários são funcionais e formam-se a partir de folículos
dominantes ou corpos amarelos. 25% destes são não funcionais.

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Nos quistos funcionais existe uma acumulação de líquido rodeado por uma fina parede epitelial
dentro do ovário. Para que as massas que se formam no ovário sejam consideradas anormais e
designadas de quistos têm de ter 2 cm ou mais, caso contrário estas são ou o folículo dominante
ou o corpo amarelo normais em cada ciclo ovárico.

Os sintomas dependem do tamanho e da causa dos quistos. Numa mulher cujo quisto tem
grandes dimensões entre os 5/6 cm (estes podem atingir os 30 cm) apresentam sintomas como:
∙ Pressão no abdómen
∙ Spotting ou metrorragias – hemorragias fora do período menstrual
∙ Relações sexuais dolorosas
∙ Náuseas
∙ Sensação de inchaço
∙ Urinar frequentemente (relacionada com a compressão da bexiga)
∙ Dor nos quadrantes inferiores do abdómen

Existem massas anexais benignas derivadas do ovário ou de fora do ovário.

Benignos do ovário:
∙ Quistos funcionais
∙ Endometriomas
∙ Cistoadenomas serosos
∙ Cistoadenomas mucinosos
∙ Teratoma maduro

Benigno não do ovário:


∙ Quisto paratubal
∙ Hidrossalpinge
∙ Abscesso tubo-ovariano
∙ Pseudocistos peritoneais
∙ Abscesso apendicular
∙ Abscesso diverticular
∙ Rim pélvico

Massas com ponto de partida do ovário:

Quisto Funcional – já foram um folículo dominante ou corpo


amarelo, mas devido a uma alteração cresceram mais de 2 cm.
Contêm líquido no interior.

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Quisto Hemorrágico – depois do folículo romper para a


ovulação há uma hemorragia para o interior do próprio
folículo que leva à formação de coágulos de sangue. São
diagnosticados por ecografia – zonas brancas
representam o sangue a coagular.

Quisto de Chocolate – sangue hemolisado (com cor acastanhada)


que se encontra no interior do quisto cronicamente.

Cistoadenomas – quistos benignos muito grandes com mais de


cerca de 3/5/6 cm.

Quistos Dermoides ou Teratomas – origem mesenquimatosa com


representação das três linhas germinativas pelo que pode conter
pedaços de ossos, dentes e cabelo. Os teratomas maduros são
benignos, mas raramente podem ter um componente maligno
designando-se por teratomas imaturos.

Fibroma Ovárico – duro pelo que não tem líquido no interior.

O exame de diagnóstico mais importante para a ginecologia é a ecografia intravaginal realizado


através de uma sonda intravaginal. Este é o exame golden standard para o diagnóstico de massas
anexiais. A ressonância pélvica também pode ser utilizada.

O tratamento depende da situação e tendo em consideração que estes são quistos benignos o
principal objetivo é tentar impactar o menos possível os ovários. Assim, na maior parte dos casos
utiliza-se o watchful waiting em que se espera para ver qual é o curso do quisto – se forem

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quistos funcionais pode desaparecer ao fim de 3/4 ciclos menstruais normais. Também se pode
suprimir a função do ovário para tentar impedir a formação de novos quistos funcionais através
da toma da pílula ou se estes forem grandes (> 5cm), torcerem, provocarem muita dor ou se
houver dúvida se é benignos ou maligno faz-se uma cirurgia.

INFEÇÕES

VULVOGAGINITES

A vagina para além de ter uma barreira epitelial que confere integridade apresenta um ambiente
vaginal que é constituído por uma microbiota com bactérias, fungos e bacilos sendo importante
destacar os lactobacilos que são importantes para a produção de muco protetor e de ácido
láctico (mantém o pH entre 4,0-4,5).

No dia a dia existem agressões à flora vaginal seja pela vida sexual, pelo uso de produtos de
higiene incorretos, pela menstruação ou contacto com algo externo que levam ao
desenvolvimento de infeções.

Estas infeções manifestam-se por norma pelo mesmo tipo de sintomas e aquele que é mais
comum é o corrimento vaginal. Este muda ao longo do ciclo menstrual e se for claro, sem odor,
elástico, branco e sem outros sintomas é normal, mas se mudar as suas características (aumento
do volume de descarga, cor e odor) e se estiver acompanhado por outros sintomas como
prurido, ardor, irritação, eritema, dispareunia, spotting e disúria poderemos estra perante uma
infeção.

Existem três principais infeções vaginais que explicam 90% de todas as que existem sendo que
a mais comum é a vaginose bacteriana (20-50% dos casos) seguida da candidiase vulvo-vaginal
(20-40%) e da tricomonisase vulvo-vagial (5-30%) – mais grave das três infeções.

VAGINOSE BACTERIANA

A vaginose bacteriana é provocada pelo crescimento da bactéria Gardnerella vaginalis que está
associada a um desequilíbrio da microbiota bacteriana com uma diminuição dos lactobacilos
que permite o crescimento desta bactéria. Esta não é uma infeção, mas sim um desequilíbrio
em que não existe inflamação, razão pela qual é designada VAGINOSE e não vaginite. Há
recorrência em 20-40% das mulheres afetadas.

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Nestes casos o único sintoma é o corrimento alterado sendo que as suas principais
características é o mau cheiro – a peixe – que é branco ou amarelo, fino e pode ser arejado. Está
associada a um pH elevado e pode ocorrer em qualquer altura do ciclo.

Não é doença sexualmente transmissível pelo que não é preciso tratar o parceiro sexual. Os
fatores de risco são os que provocam agressão tal como o uso de espermicidas e lubrificantes
ou duches vaginais e outros produtos agressivos.

TRICOMONIASE

Esta é a doença sexualmente transmissível não viral mais comum do mundo, é provocada pelo
protozoário Trichomonas vaginallis. Cerca de 80% das doentes são assintomáticas portadoras e
20% apresentam queixas tal como prurido, ardor, mal-estar, disúria e poliaquiúria, coitorragia e
dispareunia. O corrimento cheira mal (não a peixe), é esverdeado, abundante e arejado (bolhas
de ar), também se observa o colo em morango que está relacionado com o aparecimento de
petéquias no exocolo.

CANDIDÍASE

A candidíase pode afetar somente a pele e por isso ser vulvar em que há inflamação,
vermelhidão, ardor e eritema ou haver alteração da parte vaginal em que há um corrimento
branco, espesso e aderente às paredes vaginais – corrimento em requeijão.

Esta não é sexualmente transmissível, mas está associada a um desequilíbrio da microbiota com
um crescimento excessivo da Candida albicans (espécie mais comum) não sendo necessário
tratar o parceiro sexual.

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A sintomatologia frequente da candidíase é o prurido e mal-estar sendo frequente as mulheres


referirem que antes da menstruação os sintomas são mais graves.
A candidíase é pré-menstrual o que significa que no período menstrual a sintomatologia
melhora. Isto acontece, pois, o pH ideal para o crescimento da Candida é ácido, no entanto o pH
do sangue é mais básico o que dificulta a proliferação do fungo. Esta aparece muitas vezes
associada à imunodepressão em mulheres que estão doentes, que fizeram antibióticos (por
exemplo na sequência de uma infeção urinária) ou se tiverem outras comorbilidades.

DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA (DIP)

As doenças inflamatórias pélvicas são um espetro de doenças que podem envolver o colo do
útero, útero, as trombas uterinas e ovários.

A sua causa é atribuída à disseminação ascendente de microrganismos da vagina e do endocérvix


para o endométrio, trompas uterinas e estruturas contíguas – infeção do trato genital superior.
Os principais microrganismos envolvidos são a Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis,
contudo pode ser uma infeção polimicrobiana.

85% dos casos são infeções naturais, não iatrogénicas em mulheres sexualmente ativas e 15%
das infeções ocorrem após procedimentos que quebram a barreira mucosa cervical.

A doença inflamatória pélvica pode ter várias complicações mesmo após a fase aguda –
sequelas:
∙ Dor pélvica crónica (30%) – devido a aderências, hidrossalpinge (trompa inflamada com
líquido no interior) e piossalpinge (pus na trompa uterina)
∙ Infertilidade tubária (20%)
∙ Gravidez ectópica (5%)
∙ Aumento da suscetibilidade às doenças sexualmente transmissíveis – disrupção da
mucosa vaginal

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A doença inflamatória pélvica tem um diagnóstico de exclusão, isto é, quando não se encontra
mais nenhuma causa óbvia para as queixas que a doente esta é diagnosticada com este quadro.
Isto porque as manifestações clínicas são inespecíficas.

Manifestações agudas:
∙ Temperatura > 38º
∙ Dor do abdómen inferior (90%)
∙ Corrimento vaginal ou cervical anormal (purulento e com mau cheiro)
∙ Movimento e sensibilidade cervical
∙ Sensibilidade anexial
∙ Náuseas e vómitos (sintomas tardios)
∙ História de novo parceiro sexual ou múltiplos parceiros
∙ Dor à mobilização do útero (por estar inflamado)

Todos os sintomas são inespecíficos e nem sempre estão todos presentes. A febre, corrimento
vaginal e leucocitose está presente apenas em 15-30% dos casos de doença inflamatória pélvica.

O diagnóstico é feito através de análises, culturas do corrimento vaginal (despistar infeção por
N. gonorrhoeae ou C. trachomatis), ecografia transvaginal (permite ver abcessos nas trompas
ou ovário e líquido infecioso no abdómen), biópsia endometrial e laparoscopia para observar
anormalidades consistentes com a DIP.

Analisando a imagem podemos ver que a trompa direita está aumentada de tamanho com
líquido purulento e líquido inflamatório à volta do útero e ovário que está a criar aderências o
que faz com que no futuro a paciente possa ter dor pélvica crónica e infertilidade.

O tratamento recorre a antibioterapia e deve ser iniciado assim que o diagnóstico seja
confirmado ou fortemente suspeitado. Pacientes que não respondem à terapia oral dentro de
72 horas devem ser reavaliadas para confirmar o diagnóstico ou passar para antibioterapia
parental (ambulatório ou hospitalar), se o caso for grave ou houver abcessos pode ser necessária
cirurgia para os drenar.

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Principais Doenças Ginecológicas Malignas


As doenças malignas ginecológicas são das mais comuns sendo que nas mulheres o cancro da
mama e do útero são dos mais comuns.

NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

As neoplasias trofoblásticas gestacionais são um espetro clínico que inclui todas as neoplasias
que derivam de proliferação placentária anormal (trofoblasto).

Mola hidatiforme – proliferação anormal do sinciciotrofoblasto e substituição do tecido


trofoblástico placentário normal por vilosidades placentárias hidrópicas.

Mola completa – um óvulo que não tem um componente genético no seu interior é fecundado
por um espermatozoide, se o espermatozoide levar um cromossoma X existe uma duplicação
apenas do material genético do espermatozoide o que não é material suficiente para criar um
embrião. Assim, forma-se apenas a placenta que é anormal e tem capacidade de se dividir
múltiplas vezes.

Mola incompleta – um óvulo com um componente genético é fecundado por dois


espermatozoides um com o cromossoma X e outro com Y – material genético triploide XXY. Esta
mola hidatiforme tem um embrião que se pode desenvolver embora com muitas anomalias,
mas a placenta e a sua proliferação são anormais.

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Numa ecografia duma mola completa vê-se apenas a placenta anormal e não se vê o saco
gestacional, na mola incompleta identifica-se o saco gestacional com o embrião e a placenta
anormal.

Nesta doença a HCG está muito aumentada (100 000 de HCG), as mulheres perdem sangue e o
útero está aumentado.

Em cerca de 20% dos casos as molas hidatiformes têm a capacidade de se tornar invasivas e
malignizar e por isso nos casos em que há suspeita ou confirmação de uma neoplasia
trofoblástica gestacional o tratamento deve-se aspirar o conteúdo do útero e enviar para
patologia para ver se existe algum componente displásico.

Quando têm este componente agressivo designa-se


mola hidatiforme invasiva (<5%) cujas células têm
displasias e capacidade invasiva. Outra possibilidade
é criar-se um coriocarcinoma (<1%) – carcinoma raro,
mas grave que pode aparecer após uma gravidez
normal e em que há ausência de vilosidades
coriónicas. O cancro tem capacidade de
metastização à distância (pulmão) ou local (vagina) e
tem uma boa resposta à quimioterapia com
metotrexato, no entanto em casos mais graves
poderá ser necessário retirar o útero.

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NEOPLASIA VAGINAIS OU VULVARES

As neoplasias vaginais ou vulvares são muito raras sendo apenas 8% dos cancros ginecológicos
e aparece normalmente em mulheres mais velhas na pós-menopausa e em mulheres
imunodeprimidas.

Os principais sintomas são o prurido, ardor, irritação não específica e sensação de uma massa.
Os fatores de risco são a infeção com HPV, HIV, fumo (elevado tropismo para as células vaginais
e vulvares) e inflamação crónica vulvar (líquen).

Não existe um rastreio específico, sendo que as mulheres devem ir ao ginecologistas todos os
anos e caso o médico veja alguma alteração deve retirar uma amostra para análise.

Estas neoplasias são raras, mas extremamente agressivas especialmente porque são
diagnosticadas em fases tardias.

NEOPLASIA DO COLO DO ÚTERO

Tem havido um decréscimo muito significativo da incidência e mortalidade do cancro do colo do


útero. Nos países em desenvolvimento, em que as mulheres são tardiamente diagnosticadas
este cancro pode provocar morte por volta dos 40/50 anos.

As medidas que ajudaram à diminuição da incidência desta neoplasia foram o rastreio


organizado em que as mulheres são chamadas para fazerem a citologia vaginal – vulgo
Papanicolau – e o rastreio oportunista em que faziam a citologia quando fossem ao centro de
saúde mesmo que por outra razão. Mais recentemente apareceu a vacinação que está
contemplada no Programa Nacional de Vacinação com um esquema de duas doses a administrar
a raparigas e rapazes de 10 anos.

O cancro do colo do útero (CC) é a oitava causa de cancro em mulheres europeias,


correspondendo a cerca de 3% de todos os novos casos de cancro em 2018.

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No endocolo (interior do útero) o epitélio é colunar e no exocolo (exterior do útero) este é


escamoso, entre estes epitélios existe a zona de transformação onde aparecem as principais
lesões. 90% nas neoplasias cervicais surgem da junção escamo-colunar.

O facto de sabermos o local onde as lesões são mais comuns permite-nos saber onde devemo
procurar as lesões precursoras do cancro cuja designação é neoplasia intraepitelial cervical –
NÃO é cancro é displasia, mas é uma alteração que se for identificada numa fase precoce
permite o tratamento antes de atingir a fase de cancro.

A etiologia do cancro do colo do útero são os HPV de alto risco dos quais os mais importantes
são o HPV16 e HPV18. Existe atualmente uma vacina nonavalente que cobre 9 tipos de HPV
designadamente o tipo 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58 chamada Gardasil 9.
Outros fatores de risco para a neoplasia cervical são a imunossupressão (pacientes
transplantados, com doenças renais ou reumatológicas) e grandes fumadoras pois o tabaco tem
um elevado tropismo pelas células da vulva e vagina prejudicando as células do colo do útero.

O HPV de baixo risco tipo 6 e 11 levam ao aparecimento de condilomas que são mais externos
e por isso mais fáceis de diagnosticar levantando a suspeita de que uma mulher com alterações
de baixo risco também pode ter alterações de alto risco e por isso deve estar sob vigilância.

A zona de transformação é uma zona onde o HPV se vai instalar e provocar alterações nas
células. Se forem poucas alterações e houver lentamente displasia e multiplicação temos a
neoplasia intraepitelial cervical de baixo grau – CIN 1, quando se começa a multiplicar mais passa
a CIN 2 e quando se começa a multiplicar mais e com a presença de alterações nas células
designa-se CIN 3. CIN 1, CIN 2, CIN 3 são os graus de displasia cujo objetivo é identificar com o
rastreio.

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Se o HPV permanecer nas células durante muito tempo (cerca de 20 anos numa mulher
imunocompetente ou 5 anos numa mulher imunodeprimida) passa a ser cancro invasivo que
pode provocar a metástases. A progressão da neoplasia por norma é lenta, mas pode ser mais
rápida na presença de uma imunodepressão.

Rastreio e Diagnóstico:

A citologia é um esfregaço das células da zona de transição que procura alterações nas células,
através desta também é possível fazer a genotipagem em que se identifica o DNA do vírus e
identifica se a mulher tem HPV ou não; se a mulher for positiva é preciso manter uma vigilância
mais apertada.

Esta vigilância faz-se numa consulta da ginecologia numa área designada colposcopia em que
com recurso a um microscópio específico designado colposcópio se olha para o colo do útero e
com o auxílio de corantes específicos que coram as zonas com displasia faz-se uma biópsia das
zonas assinaladas.

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Inicialmente o cancro do colo do útero pode não apresentar sintomas, no entanto as mulheres
referem alterações no corrimento que pode ser aquoso, ter sangue e cheirar mal, este
corrimento está relacionado com a produção de líquido das células que estão infetadas. As
pacientes numa fase inicial apresentam spotting intermitente ou sangramento após as relações
sexuais, mas em casos mais graves podem sofrer de hemorragias tão graves que levam a choque
hemorrágico. Outro dos sintomas é dor abdominal em cancros mais avançados quando há
invasão das células que através do vasos linfáticos chega aos gânglios paracervicais e aos
músculos e tecido conjuntivo à volta do útero – paramétrio.

O tratamento numa fase inicial (CIN1, CIN 2 e CIN3) é eficaz e pouco invasivo e designa-se
conização ou LEEP – procedimento de excisão eletrocirúrgica com alça em que através do
colposcópio e de uma ansa com energia é possível cortar um cone da zona de transição do colo
do útero. Este tecido é enviado para análise e se houver tecido saudável à volta de todo o cone
a lesão foi retirada e a mulher está tratada. Esta técnica é realizada em consulta sem necessidade
de anestesia geral apenas local e em que não se tira capacidade da paciente engravidar.

No caso de uma neoplasia mais avançada é necessário realizar uma histerectomia radical, um
procedimento com alguma morbilidade associada em que se retira o útero e gânglios. Se os
casos forem mais graves e o cancro estiver espalhado não se realiza esta operação sendo
necessário um tratamento com quimioterapia e radioterapia que apesar de serem eficazes
numa primeira fase tem problemas de recidivas e comorbilidades para o futuro (especialmente
devido à radioterapia).

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NEOPLASIA UTERINA

A neoplasia uterina é a mais comum do trato genital feminino afetando 2-3% das mulheres ao
longo da vida. Em 97% dos casos tem origem nas glândulas do endométrio – carcinoma
endometrial e 3% estão relacionados com o componente mesenquimatoso uterino – sarcomas.
Os sarcomas são cancros muito agressivos!

O carcinoma do colo do útero acontece após a menopausa em cerca de 99% dos casos exceto
em mulheres com síndromes genéticos – síndrome de Lynch.

Uma das vantagens desta neoplasia é que as queixas aparecem cedo e permite diagnóstico
precoce tendo boas taxas de tratamento e prognóstico. O principal sintoma é a hemorragia
uterina anómala pelo que nos deve chamar particularmente à atenção em mulheres pós-
menopausa. Apenas cerca de 5-20% das mulheres são assintomáticas.

O diagnóstico é por ecografia transvaginal – exame prático, barato e com poucos riscos
associados, no entanto depende do operador – que permite ver o interior do útero e sempre
que se verifica um espessamento do órgão e haja suspeita de neoplasia é necessário recolher
uma amostra de tecido – biópsia endometrial que pode ser feita em consulta ou dirigida através
de histeroscopia.

O principal tratamento é a histerectomia sendo que o tipo de histerectomia e a necessidade de


retirar os ovários, nódulos e outras partes do peritoneu depende do estadio do cancro.

NEOPLASIA DO OVÁRIO

Esta neoplasia não é comum, mas é a 5ª causa de morte por cancro nas mulheres nos Estados
Unidos tendo a taxa de mortalidade mais alta de todas as malignidades ginecológicas. A

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neoplasia do ovário é mais comum no pós-menopausa especificamente entre a quinta e sexta


décadas de vida.

Na pós-menopausa até 25% das massas anexiais não funcionais são neoplasmas e o risco de
malignização aumenta com a idade.

Os tumores do ovário podem ter diferentes origens e conforme a zona que está alterada. Se for
uma alteração na zona das gónadas (no interior do ovário) temos os tumores gonadais, da teca,
das células de Sertoli-Leydig e os fibromas das células lipídicas que são raros (5-10%). Podem
existir tumores que aparecem nas células germinativas designadamente os disgerminomas,
teratomas e coriocarcinomas que também não são muito comuns (8-20%). Apesar dos tumores
com origem nos gónadas e nas células germinativas não serem usuais são os mais frequentes
nas mulheres mais jovens.

Os tumores que têm origem no epitélio do ovário que podem ser serosos, mucinoides ou
endometrioides representam cerca de 65-70% dos casos dos quais os mais comuns são os
serosos. Estes tumores nascem da parte de fora do ovário e como tal rapidamente disseminam
para outros órgãos.

Há tumores que são metastáticos chamados tumores de Krukenberg (5%) – tumores do ovário
com origem noutros locais em que os mais comuns são a mama, o pulmão, o sistema gástrico e
o útero.

A maioria das mulheres é assintomática até estádios tardios pelo que são diagnosticadas muito
tarde por vezes já com disseminação por toda a barriga com presença de ascite e compressão
de outros órgãos como o estômago e a bexiga.

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Os sintomas mais comuns são:


∙ Distensão e inchaço abdominal
∙ Dor abdominal ou pélvica
∙ Diminuição da energia e letargia
∙ Saciedade precoce
∙ Urgência urinária (vontade de urinar várias vezes)
∙ Fadiga
∙ Indigestão

O diagnóstico precoce do cancro do ovário é dificultado pela falta de testes de rastreio eficazes,
pois ainda não se provou que fazer uma ecografia de rotina (todos os anos) seja útil para
diagnosticar o início do tumor.

Quando há suspeita de cancro a ecografia é a primeira linha de diagnóstico. Existe um marcador


tumoral – CA 125 que só deve ser pedido para monitorização de tratamento e avaliação do
follow up e NÃO para diagnóstico e está aumentado em casos de tumores malignos e
disseminados para o peritoneu.

Imagens representativas da malignidade dos tumores do ovário.

O tratamento é complicado – a cirurgia só faz sentido se conseguirmos retirar todo o cancro que
houver, contudo no ovário as lesões estão espalhadas pelos órgãos adjacentes.

A cirurgia citoredutora é uma operação em que são retirados todos os tecidos afetados pela
neoplasia, todavia está associada a uma elevada morbilidade devido à quantidade de tecidos e
órgãos adjacentes tal como intestino, bexiga e estômago que seria necessário retirar para
eliminar todas as lesões. Assim, o tratamento é complementado com quimioterapia antes –
neoajuvante e após cirurgia cujo objetivo é reduzir as lesões cancerígenas. A radioterapia não
te grande efeito no cancro do ovário.

CANCRO DA MAMA

O cancro da mama é o principal cancro, que não o da pele, das mulheres com uma incidência
elevada, mas baixa mortalidade em virtude dos rastreios e tratamento precoce.

Quando um cancro é diagnosticado este pode ser in sito – não tem capacidade invasiva e o
invasivo pode ter originado micrometastases podendo voltar a desenvolver-se mais tarde.

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O carcinoma ductal é o tipo histológico mais comum de cancro da mama, sendo responsável
por até 80% das neoplasias da mama.

Existem vários fatores de risco sendo os principais uma mulher estar muito tempo sujeita à ação
de hormonas – menarca cedo ou menopausa tarde, ou associados a estilos de vida como a
obesidade, não amamentar, ter filhos depois dos 35 anos, familiares de 1º grau com cancro.

A obesidade está relacionada com o aumento do risco de cancro da mama e do endométrio –


neoplasias hormono-dependentes, especialmente na pós-menopausa, devido ao aumento de
estrogénios. Isto acontece porque o tecido adiposo tem uma enzima designada aromatase com
capacidade de produzir estrogénios ativos.

As mutações genéticas BRAC 1 e BRAC 2 estão associadas ao cancro da mama e dos ovários e
aumentam o risco de neoplasia na mama e ovário, sendo que mulheres com estes genes têm
cerca de 80% de hipóteses de vir a desenvolver o cancro. As mulheres descobrem que têm este
gene porque tiveram cancro muito jovens (abaixo dos 35 anos) ou porque na família havia
história de cancro (avó, mãe, tias) e fizeram estudo genético. Estas acabam por fazer
mastectomia ou anexectomia (retirar os ovários) profilática.

Sinais e sintomas:
∙ Nódulos na mama
∙ Corrimento mamilar (normalmente só de um mamilo e pode ser hemático)
∙ Retração da mama (buraco na pele – neoplasia na zona que está a repuxar a pele)
∙ Dor na mama ou mamilo
∙ Mamilo retraído ou invertido – é preciso ter atenção pois há mulheres com o mamilo
retraído deste sempre pelo que é preciso perguntar se a retração é nova ou não

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∙ Vermelhão e alterações da pele


∙ Mudança de textura da pele (pele rugosa em casca de laranja relacionado com o
edema inflamatório da pele)
∙ Edema dos gânglios linfáticos – linfadenopatias (principalmente axilares)
∙ Edema da mama

Imagens Reais:

Pele em casca de laranja Retração da pele

Vermelhidão da pele –
Carcinoma inflamatório com Mamilo retraído
células neoplásicas na pele

Rastreio

A autopalpação mamária deve ser feita depois do período menstrual de forma circular e depois
do manho, quando feita corretamente permite a identificação de nódulos e o diagnóstico
precoce principalmente em mulheres mais jovens que ainda não são abrangidas pelo rastreio.

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Embora exista muita discussão em volta da idade de início e intervalo para a realização das
mamografias entre as diferentes sociedades científicas, em Portugal, a DGS recomenda que o
rastreio comece aos 50 anos para as mulheres sem risco específico e deva ser realizado de 2 em
2 anos.

A mamografia classifica-se nas categorias BI-RADS que nos dá-nos uma taxa de probabilidade de
termos uma alteração benigna ou maligna. Esta está dividida num sistema de 1 ao 6 sendo que
0 é quando é incompleto.

Se o BI-RADS for de 1 e 2 não nos preocupamos, se for de 3 devemos repetir os exames daqui a
6 meses, se for de 4 há uma alteração suspeita, o 5 é altamente sugestivo pelo que nos dois
casos deve ser feita uma biópsia e quando há um diagnóstico confirmado por biópsia o BI-RADS
passa a ser de 6.

O diagnóstico é feito por mamografia cujas descobertas típicas são uma massa sólida estrelada
ou microcalcificações fundidas pleomórficas. Esta é pedida em conjunto com a ecografia
mamária que auxilia no caso das mamas serem muito densas (com elevada quantidade de tecido
fibroso) ou das mulheres serem muito jovens pois a mama é mais densa o que dificulta a
visualização através da radiografia. Este método imagiológico não permite identificar as
calcificações que são o principal sinal do cancro inicial (a não ser que haja uma massa já
palpável).

A ressonância magnética tem um papel relevante nos casos em que se faz quimioterapia como
uma forma de reavaliar as lesões que ficam em caso de planeamento cirúrgico.

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A biópsia é fundamental e podendo ser realizada de diversas formas (técnica assistida a vácuo,
localização da agulha de imagem e biópsia cirúrgica aberta) sendo que quando as lesões não são
palpáveis é necessário fazer uma biópsia guiada por imagem seja mamografia ou ecografia.

O tratamento depende do estadio do cancro. As neoplasias menos graves permitem uma


cirurgia conservadora sem mastectomia, contudo se o cancro estiver muito alastrado é
necessário fazer radioterapia e se existirem metástases à distância pode ser necessário
quimioterapia adjuvante.

Cancros da mama não palpáveis (sub-clínicos) têm uma taxa de melhoria e de sucesso superior
usando os métodos atuais de tratamento. Cancros da mama palpáveis têm um resultado menos
favorável. Geralmente, a sobrevivência do cancro palpável correlaciona-se inversamente com o
tamanho do mesmo.

Imagens de cirurgias conservadoras:

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Aula 11 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas

Frequentes

Data Docente
09/12/21 Dra. Catarina Carvalho

1. Hemorragia Uterina Anómala


Só se usa este termo para mulheres que estão em idade reprodutiva.
- Menorragia: Durante a menstruação
- Metrorragia: Entre as menstruações

- 48 anos
- G3P3
- Contraceção com pílula de progesterona desde há 5 anos
- Há 2 meses tem uma hemorragia intermenstrual a qualquer altura do ciclo que dura 1-6 dias
e que é mais leve que o período normal
- Faz uma vigilância ginecológica normal
- última citologia há 3 anos atrás
- Não toma outra medicação
- Não tem nenhuma história médica relevante

Do que diferem as pílulas que tem progesterona das que tem estrogénio e progesterona?
As que tem só progesterona são tomadas de uma forma contínua, enquanto as outras são
tomadas de modo cíclico. O facto de ser tomada de forma contínua leva a irregularidades na
menstruação porque não há um período de pausa.

O que temos de perguntar?


Se tem mais algum sintoma associado porque com 48 anos e devido à toma da pílula pode estar
a ter sintomas de menopausa.
Os sintomas de menopausa são sintomas vasomotores(calores), suores noturnos,
secura vaginal. A senhora não demonstrou nenhum destes quadros descritos, logo é
improvável estar na menopausa.
Menopausa precoce é antes dos 40 anos.

À examinação
O abdómen não tem nenhuma alteração e no exame de espéculo vê-se uma ligeira atrofia na
vagina e cérvix, mas não tem nenhum sangramento.
Para alem disso, à examinação manual vê-se que o útero está movel, tamanho normal e sem
massas anexiais.

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O que dizemos agora à paciente?


Pedimos uma ecografia por via
transvaginal porque suspeitamos
que ela possa ter uma destas
alterações:

Seguidamente pedíamos uma investigação / análises

Na ecografia observa-se uma massa dentro do útero e como a senhora não está grávida, isto
pode significar ou um pólipo ou um mioma. Procedeu-se ao diagnóstico de pólipo.
O que se vai fazer agora é uma cirurgia e a senhora fica curada.

A mensagem a reter é:
- Temos uma senhora que toma a pílula e isto podia ser apenas um
resultado da sua toma, contudo temos de avaliar com uma ecografia que
é maioritariamente o primeiro exame que os ginecologistas pedem
porque dá para obter muitas informações, para além de ser um exame
barato e com pouca radiação.
Aqui mostrou-nos uma alteração que era um pólipo que é das patologias
benignas mais comuns (95% no caso de mulheres em idade reprodutiva).
Mas como nunca podemos excluir o risco de malignidade, procedemos à
sua remoção.

2- Dor no abdómen inferior

- 31 anos
- G0, sem contraceção
- Menarca aos 14 anos
- AP: síndrome depressivo
- Queixa-se de ter períodos muito dolorosos (dismenorreia) e uma dor no abdómen inferior
que não é cíclica, todas as semanas durante os últimos 7 meses (dor pélvica crónica). Para
além disso toma regularmente paracetamol, ibuprofeno e mesmo assim tem tantas dores que
tem de ir para a cama e colocar uma garrafa de água quente.
- Os seus períodos são regulares (sem alterações hemorrágicas)

Mais perguntas clínicas?


Temos de perguntar se tem dores relacionadas com as relações sexuais, dores a evacuar
(disquesia), dor a urinar(disúria) e se tem outras perdas de sangue, pex quando tosse.

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A senhora refere que tem dores nas relações sexuais(dispareunia) (9/10) e tem
disquesia (7/10), não tem disúria nem qualquer outra dor.
Ela está a tentar engravidar há 14 meses.
Para se considerar que uma pessoa tem infertilidade significa que já está a
tentar engravidar há pelo menos 1 ano.

Temos de perguntar como é que ela está a tentar engravidar, se esta a tentar da forma certa,
várias vezes por mês,… . Mas se ela estiver a fazer isto tudo certinho, podemos considerar que
ela tem infertilidade.
Portanto ela tem Dispareunia, disquesia, dismenorreia e infertilidade. Numa mulher jovem
estes sintomas são muito indicativos de endometriose e não de adenomiose (porque está
associada a mulheres mais velhas e a hemorragias mais abundantes).

Examinação
- Tem alguma dor no abdómen inferior
- Sem alterações no exame ao espéculo
- Na examinação bimanual mostra um útero muito fixo e rígido. Sente-se uma massa no fundo
de saco de Douglas.

Após fazer a ecografia, confirmamos a nossa suspeita de endometriose.


Às vezes podemos pedir também RM para ver se há mais lesões. Nesta paciente, mostrou que
o útero estava demasiado dobrado. Isto é muito sugestivo de endometriose. Para além disso, a
senhora tinha dores a evacuar o que sugere que lesões da endometriose estejam a infiltrar no
intestino. Quando isto acontece é preciso fazer cirurgia ao intestino. Nestas situações, faz-se
uma retosigmoidoscopia.

Tratamento
Há duas opções de tratamento: tratar os sintomas e tentar diminuir as dores, por exemplo com
a pílula porque ela assim não menstrua, ou remover as lesões de endometriose para ela
conseguir engravidar. O grande risco da endometriose é que tem grande probabilidade de
recidiva.

Estas seriam as opções:

3- Febre e dor abdominal


- 22 anos
- G2P0 (2 IVG)
- Sem alergias
- Sem história pessoal relevante
- Apareceu no SU com queixas de dor abdominal e febre (38,2)

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Que perguntas devemos fazer?


• Se tem história de infeção urinaria, se tem polaquiúria, se tem disúria.
• Analisar se há apendicite ou gastroenterite
• Analisar se há doença inflamatória pélvica
Sintomas: alterações no corrimento vaginal, dor à palpação do útero ou dos
anexos, dor na mobilização do útero, febre;
Fatores de risco: Relações sexuais desprotegidas, parceiros recentes

Ela refere que não tem disúria, não tem dores gastrointestinais, não tem náuseas, não
tem polaquiuria e que não consegue confirmar se tem corrimento vaginal alterado ou
não.
Tem um novo parceiro mais ou menos há um mês.

À observação com espéculo:


• Vê-se que tem um DIO (que se for de cobre aumenta a probabilidade de ter infeções)

À palpação bimanual:
• Útero doloroso à mobilização

Nas análises vemos que a PCR está muito elevada.

O que pedimos mais?


Uma ecografia. Nesta, vimos que o útero tinha líquido dentro da sua cavidade, e que
apresentava uma massa muito heterogénea (abcesso tubo- ovárico). Isto é um marcador de
doença inflamatória pélvica. Nesta doença muitas vezes não são manifestados grandes
sintomas.
Os possíveis microorganismos que vão invadir a mucosa são a N. Gonorreia e a Clamydia e são
os potenciais agentes capazes de gerar líquido no útero. Estes microorganismos vão passar pelos
óstios das trompas, migram para os ovários e geram uma grande inflamação.

O diagnóstico de doença inflamatória pélvica é de EXCLUSÃO porque os sintomas são muito


inespecíficos.
A partir daqui procede-se à antibioterapia.

4- Dismenorreia
- 18 anos
- Menstruações muito abundantes
- Refere que nos primeiros 3 dias do período não consegue sair de casa, ir à escola, estar com
os amigos
- Não tem nenhum antecedente relevante

O que lhe vamos perguntar?


Há quanto tempo já tem este quadro, como são os ciclos menstruais anteriores, se faz
contraceção, se é sexualmente ativa, se tem dores fora dos períodos menstruais, se tem disúria.

Ela responde que não usa contraceção e que não é sexualmente ativa. Foi menarca aos
14 anos. Refere que sempre teve menstruações abundantes, mas que neste último ano
tem estado bastante pior. Diz que só tem dor no período menstrual e que os seus ciclos
são um pouco irregulares (tem ciclos que duram mais de 35 dias- oligomenorreia).

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O que se vai fazer?


Ecografia abdominal

E se a ecografia estivesse bem, o que lhe dizíamos? Que não havia problema nenhum porque
muitas mulheres jovens (por volta dos 18 anos) e com ciclos irregulares tem este problema.
Nestes casos temos de tranquilizar.
Estas dores da dismenorreia resultam do aumento das prostaglandinas que tornam o útero
muito reativo e que comece a contrair e na maioria dos casos a dismenorreia não são mais que
contrações uterinas, daí serem tipo cólicas (uma dor intermitente).
Que fármaco receitávamos para inibir as prostaglandinas?
- AINES (que inibem as COX1) como o brufen, por exemplo.

Se não funcionar a opção é iniciar uma pílula para diminuir a função ovárica e diminuir o volume
das menstruações.

5- Ardor e prurido vaginal

- 25 anos
- G1P0
- Saudável
- 18 semanas de gestação
- Muito prurido e sente a vulva edemaciada e com eritema.
- História pessoal: diabetes gestacional (conduz a maior imunossupressão)

O que perguntamos?
Há quanto tempo tem os sintomas, se tem corrimento vaginal, se o corrimento cheira mal, que
cor tem, se tem disúria, se tomou antibióticos, se já teve infeções anteriores.

Ela refere que a única coisa que aconteceu foi que mudou de produto de higiene e usa
sabão azul e branco.

À observação:
- Colo uterino normal, corrimento branco e espesso e que adere às paredes da vagina-
corrimento tipo requeijão
- Sugere-se infeção por Candida Albicans

De seguida vamos tratar a paciente porque esta está sintomática e porque a Candida aumenta
o risco de parto pré-termo e aumenta as complicações no parto.
A medicação oral é teratogénica na grávida!
Na grávida damos antifúngicos tópicos.

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6- Corrimento anormal
- 50 anos
- G2P1
- Refere que tem tido muitas hemorragias vaginais e sabe que tem um mioma uterino. Já
colocou 2x o DIU mas mesmo assim não diminuiu a hemorragia porque eles eram sempre
expulsos. Conversou com o seu medico e decidiram operar.
- Sem outras queixas

Fez-se a observação, antes de se proceder


à cirurgia e verificou-se que o colo uterino
não tem nenhuma lesão, mas tem um
corrimento anormal, branco, pH está
acima de 4,5(elevado), útero grande.
- O corrimento é branco, com bolinhas de
ar (chamado o corrimento arejado) e
cheira mal
- No colo há petéquias (colo em morango) e o pH como vimos está elevado. Tudo isto aumenta
a nossa suspeita de Tricomoníase.
Esta é uma DST não viral.

É necessário proceder ao seu tratamento e ao do parceiro com Metronidazol. É necessário tratar


antes da cirurgia.

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Aula 12 – Casos Clínicos Sobre Queixas Ginecológicas

Frequentes

Data Docente
10/12/21 Dra. Catarina Carvalho

Caso clínico 1 – Hemorragia pós-menopausa


Senhora de 64 anos e que vai à nossa consulta porque está a perder sangue há 3 meses. Desde
então, nega ter qualquer outra queixa incluindo dor, febre, distensão abdominal e alterações na
sensação cerebral.

Perguntas importantes

Como a nossa paciente tem 64 anos, muito provavelmente está em pós-menopausa, ou seja, já
não é suposto estar a perder sangue. Quando ela nos diz que está a perder sangue há 3 meses
ficamos obviamente preocupados.

Existem dois sítios de onde pode vir o sangue. O sangue pode ter um ponto de partida uterino
/ vaginal ou muitas vezes tem um ponto de partida urinário.

Portanto temos de perceber qual é o ponto de partida e para isso podemos perguntar se o
sangue perdido é só quando está a urinar ou se o sangue também fica na roupa interior.
Se for sangue que fica na roupa interior então nós ficamos com mais certezas de que muito
provavelmente tem um ponto de partida ginecológico. Nestes casos, o mais provável é que seja
uterino, mas não podemos excluir que seja vaginal ou do colo do útero.

É muito importante perceber também a história obstétrica, quantos filhos é que esta senhora
teve, como é que tem sido a sua vigilância ginecológica e, muito importante, quando é que ela
teve a menopausa (perguntamos à doente quando é que foi a última vez que menstruou e,
normalmente, é por volta dos 50 anos). Temos também de recolher a história clínica da doente.

No nosso caso clínico, temos que:


● Menopausa: 51 anos
● Costuma fazer uma vigilância ginecológica
● Tem uma citologia do colo do útero normal (feita no ano anterior)

História clínica relevante


● Diabetes tipo II
● Hipertensão
● Cirurgias anteriores: colecistectomia (removeu a vesícula)

Tendo em conta as informações que nos são dadas, conseguimos perceber que se trata de uma
senhora obesa e que para além disso, tem algum síndrome metabólico (apresenta diabetes e
hipertensão). Isto é preocupante uma vez que na pós menopausa não é suposto que os ovários
estejam a funcionar, o que faz com os estrogénios estejam muito baixos e por isso não

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estimulam o útero. O útero deveria encontrar-se quiescente e sem sofrer modificações o que
diminui a probabilidade de ter cancros.

O que acontece nas mulheres pós-menopausa é que uma das fontes de estrogénio pode ser o
tecido adiposo. Isto acontece devido à existência de uma aromatase (enzima presente no tecido
adiposo) que transforma a androstenediona em um tipo de estrogénio ativo que é a estrona.
Este estrogénio ativo vai levar a uma estimulação constante do útero que não é suposto
acontecer na menopausa. O que faz com que as mulheres obesas tenham um alto de risco de
desenvolver patologias do endométrio sejam pólipos ou coisas mais graves.

A estimulação constante do útero no período pós-menopausa aumenta a probabilidade das


mulheres virem ter problemas no útero. Esta estimulação pode ser devida:
● À toma de medicamentos para substituir as hormonas porque têm muitos calores e
afrontamentos (sintomas vasomotores)
● À medicação como profilaxia do cancro da mama (para as mulheres já tiveram cancro
da mama) – Tamoxifeno é uma das mais comuns
● Ao grande aumento de tecido adiposo que leva a que haja um aumento do número de
estrogénios ativos.

Observação

Depois, vamos então passar para a observação da nossa doente:


● Abdómen normal, mole, depressível, sem dor, sem defesa
● Exame com o espéculo – vagina e colo atróficos, sem lesões cervicais aparentes e sem
hemorragia corrente
o Na menopausa todas as mulheres têm algum tipo de atrofia normal e que está
relacionado com a diminuição dos níveis sistémicos de estrogénio. Portanto,
não nos surpreende que a vagina e o colo estejam atrofiados.
● Palpação bimanual – útero mole, de tamanho normal, móvel e não palpamos qualquer
tipo de massas.

Posto isto, devemos pedir uma ecografia trans vaginal (para ver se tem alguma coisa no útero).

Exames

Ecografia:
Nesta ecografia vemos o útero como se fosse
de lado (como se tivesse a cortar uma fatia
longitudinal do útero).

Como se trata de uma mulher pós-menopausa


seria de esperar que o endométrio estivesse
fino como uma folha de papel porque não
estaria a ser estimulado (como na seta roxa).

Neste caso, vemos uma zona do endométrio


aumentada com um espessamento de quase 1
cm (seta azul). Isto é preocupante porque
podem ser muitas coisas, nomeadamente:
pólipos, mioma ou neoplasia uterina.

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Para além disso, como vimos anteriormente, esta doente apresenta fatores de risco para uma
neoplasia do colo do útero uma vez que se apresenta na pós-menopausa, que está sintomática
e que com queixas, que tem este espessamento e que é obesa.
Para perceber, o que se passa podemos fazer uma biópsia. Para tal, temos duas opções:
1. Fazer uma biópsia às cegas no consultório 🡪 o que muitas vezes resulta. Nestes casos,
utilizamos umas pipetas de plástico, introduzimos no útero através do orifício externo e
aspiramos. Às vezes temos resultado embora seja uma técnica em que temos muitos
falsos negativos uma vez que vamos às cegas e por isso não vamos diretos à zona lesada.

Vantagens:
o Mais rápido
o Mais seguro
o Sem anestesia
o Pode fazer-se logo no consultório

Desvantagens:
o Biópsia cega e por isso tem muitos falsos
negativos

2. Histeroscopia. Nestes casos, entramos com


uma câmara através o orifício externo do
colo para ver o interior do colo e faríamos
assim uma biópsia dirigida.

Vantagens:
o Biópsia certeira e dirigida

Desvantagens:
o Procedimento mais complexo
o Envolve mais riscos
o Mais demorado

Após ter sido feita uma biópsia, chegámos a um diagnóstico: adenocarcinoma endometrial de
grau I (no primeiro estadio)

Os próximos passos seriam TAC e RM para perceber até onde é que este tumor ia e se tinha
metástases e com isto decidiríamos qual a cirurgia.

O carcinoma do útero é um carcinoma muito lento e que dá sintomas em estadios iniciais de


desenvolvimento o que é importante porque é muito mais fácil prevenir.
Quando temos tumores em estádios 4 (tumores com muitas metástases) já não conseguimos
curar completamente. Isto acontece porque por muito que tratemos com quimioterapia podem
ficar umas micrometástases.

Tratamento

Vamos supor que no caso desta senhora conseguimos detetar os tumores a tempo e só tinha o
carcinoma no útero. Retiraríamos o útero e poderia ter de fazer radioterapia ou quimioterapia
para sedimentar o tratamento e isto nunca mais apareceria.

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Caso clínico 2 – dor abdominal nos quadrantes inferiores


● 46 anos
● Desloca-se ao médico porque sente um aumento do volume abdominal. Relata que tem
tentado perder peso e sente que perde peso em todo o lado menos na região
abdominal.

Perguntas importantes

Resumindo, devemos perguntar a história ginecológica e obstétrica, os antecedentes pessoais


(História clínica? Medicamentos habituais? Cirurgias anteriores?) os antecedentes familiares e
outros sintomas que acompanhem o aumento do volume abdominal. Neste caso temos que:

História ginecológica e obstétrica é:


● Menarca - 12 anos
● Ciclos são regulares, de 28 em 28 dias e duram 5 dias. No entanto, há 1 ano atrás sente
que tem algumas irregularidades não propriamente no ciclo mas sente que vai perdendo
pequenas quantidades de sangue irregularmente ao longo do mês – Spotting
● Não faz contracepção e não tem parceiro sexual
● Nunca teve filhos portanto é uma gesta-0

Antecedentes pessoais - irrelevantes

Antecedentes familiares – mãe teve cancro da mama aos 35 anos (costuma fazer os rastreios e
tem estado tudo bem)

Outros sintomas - refere também dor abdominal nos quadrantes inferiores, constante sem
irradiações e com uma intensidade de 3/10.

Quem tem cancro da mama, tem mais probabilidade de ter cancro ao nível do ovário. Mutações
nos genes BRCA1 e BRCA2 que se associam a este componente genético e que se associam ao
mesmo tempo ao cancro da mama e do ovário, levam a um maior risco de ter cancro da mama,
sendo que o risco de vir a ter cancro da mama ao longo de toda a vida sobe para acima dos 90%
e o de ter cancro do ovário também aumenta. Ter um cancro numa idade muito jovem, aumenta
a probabilidade deste ter origem genética.

Observação

● Abdómen distendido, parece meio flutuante e com


líquido (ascite) e doloroso ao toque profundo
o A ascite (líquido dentro da barriga) quando
em conjunto com uma massa abdominal é
particularmente preocupante porque
significa que, independentemente do que
tenha acontecido, já infiltrou as paredes do
peritoneu e já está a provocar a ascite.

● Exame com o espéculo: vulva, vagina e colo com aspeto normal


● Exame bimanual: massa redonda, dura com os contornos irregulares (e que até doi um
pouco quando pressionada)

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Hipóteses de diagnóstico:
● Mioma (vão dar massas duras e com contornos irregulares e podem dar algum
desconforto)
● Gravidez (iria aumentar o útero e não se iria observar uma massa de contornos
irregulares por isso não deve ser)
● Quistos nos ovários (podem ser benignos ou malignas) – é muito provável

Exames

O próximo passo é fazer uma ecografia.

Ecografia
Onde vemos uma massa com ponto de partida
no ovário direito que tem 15 cm e um aspeto
que não parece benigno (é vascularizada, tem
componentes sólidos).

Existem algumas características utilizadas na


ecografia (chamadas características IOTA –
International Ovarian Tumor Analysis) que nos
dão a probabilidade de uma massa ser mais
benigna ou mais maligna. Neste caso, parece ser
maligna.

Para perceber se é maligna, há um exame de sangue (marcador tumoral CA125) que nos ajuda
a ver isso mesmo. No nosso caso clínico, este marcador vinha muito aumentado.

Posto isto, tudo indica que a nossa doente tenha um cancro do ovário.

Para confirmar que é um tumor maligno, podemos recorrer a uma biópsia guiada por imagem
(utiliza-se uma agulha, guia-se através de uma TAC ou ecografia, pica-se a massa e tira-se um
bocadinho para análise). No caso disto não ser possível, operamos a doente e durante a
operação tira-se um bocadinho do ovário e mandamos para análise.

Tratamento

Neste caso, a senhora tinha um tumor seroso do ovário (que é um dos mais comuns) e nós
decidimos operá-la. Normalmente começa-se por fazer quimioterapia para diminuir a invasão
do tumor e depois sim opera-se. Na cirurgia tira-se os dois ovários e o útero. Neste caso, trata-
se de uma doente que já tinha muitas metástases e por isso nunca vai estar 100% curada.

Caso clínico 3 – Hemorragia pós-coital (ou coitorragia)


● 37 anos
● Nos últimos 5 meses, tem perdido sangue após as relações sexuais
● Nunca engravidou
● Antecedentes pessoais: irrelevantes

Perguntas importantes:
● Saber se tem dispareunia (dor durante as relações) – não tem
● História ginecológica (ciclos regulares, tem algum spotting (hemorragia entre as
menstruações)

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● Também não dor ao longo do mês


● Contracepção? – toma a pílula
● Se faz uma vigilância ginecológica normal – última visita antes da pandemia e nessa
visita não fez citologia (deve ser feita de 3 em 3 anos)

Observação

● Exame com o espéculo – normal


● Palpação bimanual – normal
● Colo no orífico externo um pouco mais vermelho (ectrópia)
o Pode estar apenas associado à idade jovem e à pílula

Exames

Citologia
Esfregaço das células do colo do útero que permite perceber
se há alguma disfagia das células no colo do útero.

Encontramos algumas células atípicas (LSIL) – neoplasias


intracervicais (pré-cancerígena). Não é um cancro, mas um
estadio pré-neoplásico.

Genotipagem
Permite ver se há HPV.
Neste caso, temos um HPV 18.

A relembrar, HPV16 e HPV18 são os HPV de alto risco e que são contemplados nas vacinas.

Colposcopia
É feita através de um microscópio e de alguns líquidos (o
ácido acético) que desnaturam as células com algum grau de
displasia, sendo que as células desnaturadas ficam com um
aspeto mais esbranquiçado.

Na imagem vemos o colo do útero desta senhora, este é friável


(ou seja, quando tocamos parece que fica logo a sangrar) e
apresenta um aspeto esbranquiçado. Vemos ainda uma área
com alterações em pedras da calçada (seta branca) e que nos
parecem ser alterações de alto grau. Fazemos, então uma
biópsia dessa zona.

O resultado da biópsia diz-nos que temos uma neoplasia


cervical de grau 3. Esta é mais grave de todas e surge
imediatamente antes de se desenvolver uma alteração neoplasia (mais grave do que isto passam
a ser cancros do colo do útero).

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Tratamento

Vamos então retirar o colo do útero através de


uma conização – procedimento excisional do
colo do útero.

Neste procedimento utiliza-se uma ansa com


energia bipolar para retirar toda a parte do
útero afetada. A parte do útero retirada vai
para análise. Na análise, o nosso objetivo é não
só encontrar a neoplasia cervical mas também que há volta todo o tecido é saudável (a isto
chamamos ter margens livres). Se se verificar que a parte retirada tem margens livres (e como
não passou tempo suficiente para se ter desenvolvido uma neoplasia), a nossa doente está
curada. O HPV também desapareceu muito provavelmente porque retirámos o local onde ele
vivia.

Este procedimento em princípio não terá implicações para uma futura gravidez. Caso seja
retirada uma porção muito grande do colo, pode levar a um maior risco de parto antes do termo
(uma vez que retiramos uma parte do colo, este poderá estar mais frágil e não aguentar tanto
tempo de gravidez).

Resumindo:
Nestes casos, começamos por fazer um teste
de HPV. Se o teste der positivo, fazemos uma
colposcopia. Se na colposcopia tivermos uma
neoplasia de alto grau, então nesse caso
fazemos o tratamento tirando uma parte do
colo do útero – conização.

Caso clínico 4 – Hemorragia do 1º trimestre


● 29 anos, natural da China
● Grávida pela 1ª vez
● Amenorreia de 8 semanas
● DIG + (testes de gravidez de urina)
● Queixa-se de náuseas severas e, desde o dia anterior,
tem uma hemorragia vaginal ligeira.

Perguntas

Se tem doenças ou não, tipo de sangue (B+)

Observação

● Exame com o espéculo: hemorragia ligeira que vem do


orifício externo do colo do útero
● Palpação bimanual: útero na zona supra-púbica o que é compatível com uma altura
uterina de 12 semanas de gravidez

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Exames

Ecografia
Não se vê nenhum embrião e é suposto ver-se um embrião
a partir das 5/6 semanas. Apenas se vê a placenta.

Suspeita: Mola hidatiforme

Análises
● Hemoglobina 11.4 g/dL
● TSH 3,24 (normal)
● hCG 120 000 (muito elevada, o expectável seria 5 000 – 6 000)

Como a mola hidatiforme pode ser invasiva, fazemos um raio x


do pulmão (o pulmão é um dos órgãos que é mais
frequentemente invadido).

Raio X
Observamos um nódulo no pulmão esquerdo que pode
eventualmente ser uma metástase da mola hidatiforme.

Tratamento

Aspiração ou cortagem
É feita na urgência e utiliza-se um aspirador ou uma coreta. Envia-se para análise e na maioria
dos casos e isto resolve o problema.

Nestes casos, a hCG funciona como um indicador tumoral. Vamos sempre vigiando e fazendo
testes de gravidez até esta dar negativa. Se virmos que não está a dar negativo, então estamos
perante uma mola hidatiforme persistente e nessas situações podemos ter de fazer
quimioterapia.

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