Você está na página 1de 16

AULA 1

MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS

Profª Marilia Malvezzi


TEMA 1 – CRESCIMENTO MICROBIANO

Nesta aula, falaremos sobre o crescimento microbiano e quais são os


fatores que o influenciam. Nesse contexto, é muito importante ter conhecimento
das fases que compõem o ciclo de crescimento microbiano e consequentemente
os fatores que vão influenciá-lo. O ciclo de crescimento microbiano é composto
pelas seguintes fases (Figura1):

Figura 1 – Fases do crescimento microbiano

Fonte: Forsythe, 2013.

1. Fase lag: as células não estão se multiplicando, mas sintetizando as


enzimas necessárias de acordo com o ambiente.
2. Fase aceleração: uma proporção crescente de células está se
multiplicando.
3. Fase exponencial (ou log): a população está duplicando; no gráfico os
valores são exponenciais (logarítmicos).
4. Fase de desaceleração: uma crescente proporção de células não está mais
se multiplicando.
5. Fase estacionária: a taxa de nascimento é igual à de morte, resultando em
um número igual de células em dado tempo. A morte é causada pelo
esgotamento de nutrientes, acúmulo de produtos finais tóxicos e/ou
mudanças no ambiente. A duração desta fase depende de diversos fatores,
por exemplo, a temperatura. Os microrganismos esporulados formarão
esporos devido a condições de estresse.
6. Fase de morte: o número de células morrendo é maior do que o de células
nascendo. As células que formam esporos sobreviverão mais tempo do que
as que não formam. A duração de cada fase depende do organismo, do
ambiente de crescimento e dos fatores extrínsecos e intrínsecos.

2
TEMA 2 – FATORES INTRÍNSECOS

A multiplicação microbiana e a capacidade de os microrganismos


sobreviverem em determinado alimento depende de fatores intrínsecos e
extrínsecos. Os fatores intrínsecos são relacionados a características próprias dos
alimentos, por exemplo, a atividade de água (Aa), o potencial hidrogeniônico (pH),
o potencial de óxido-redução (Eh), a composição química dos nutrientes e os
antimicrobianos naturais.

2.1 Atividade de água (Aa)

O primeiro fator intrínseco é a atividade de água (Aa). Assim como os seres


humanos, os microrganismos precisam de água para sobreviver, mas água livre,
e não a água ligada a macromoléculas por forças físicas. A água livre participa
dos processos metabólicos e da multiplicação microbiana, e sua disponibilidade
no alimento é chamada de atividade de água (Aa).
Por definição, sabe-se que Aa é a relação que existe entre a pressão parcial
de vapor da água contida em um alimento (P) e a pressão parcial de vapor da
água pura (Po) a certa temperatura. Os valores de Aa variam de 0 a 1, sendo que
1 representa a água pura, e, neste valor, os microrganismos não se multiplicam.
Na Tabela 1 são descritos os valores da Aa de alguns alimentos. Observa-
se que para alimentos frescos (frutas, vegetais, carnes em geral e ovos), o valor
é acima de 0,95 (Franco; Langraf, 2008).

Tabela 1 – Atividade de água em determinados alimentos

Alimento Aa Alimento Aa
Frutas frescas e vegetais >0,97 Geleia 0,75 a 0,80
Aves e pescados frescos >0,98 Gelatina 0,82 a 0,94
Carnes frescas >0,95 Arroz 0,80 a 0,87
Ovos 0,97 Farinha de trigo 0,67 a 0,87
Pão 0,95 a 0,96 Mel 0,54 a 0,75
Queijos (maioria) 0,91 a 1,00 Frutas secas 0,51 a 0,89
Queijo parmesão 0,68 a 0,76 Caramelos 0,60 a 0,65
Carnes curadas 0,87 a 0,95 Cereais 0,10 a 0,20
Bolo assado 0,90 a 0,94 Açúcar 0,10
Nozes 0,66 a 0,84
Fonte: Banwart, 1989.

3
Mas qual a Aa ideal para a multiplicação microbiana? Esta é uma resposta
um tanto complexa, pois a interação dos fatores é que vai determinar. Todavia,
pode-se afirmar que os microrganismos têm um valor máximo, mínimo e ótimo
para sua multiplicação. Entretanto, o comportamento microbiano em relação à Aa
mínima e ótima é bem variável. São relatados na literatura valores de Aa mínima,
conforme a Tabela 2 (Franco; Langraf, 2008):

Tabela 2 – Aa mínima de alguns microrganismos importantes em alimentos

Organismos Aa Organismo Aa
Grupos Grupos
Bactérias deteriorantes 0,90 Bactérias halofílicas 0,75
Leveduras deteriorantes 0,88 Bolores xerofílicos 0,65
Bolores deteriorantes 0,80 Leveduras osmofílicas 0,61
Organismos específicos Organismos específicos
Clostridium botulinum tipo E 0,97 Candida scottii 0,92
Pseudomonas spp 0,97 Trichosporon pullulans 0,91
Acinetobacter spp 0,96 Candida zeylanoides 0,90
Escherichia coli 0,96 Staphylococcus aureus 0,86
Enterobacter aerogenes 0,95 Alternaria citri 0,84
Bacillus subtilis 0,95 Penicillium patulum 0,81
Candida utilis 0,94 Aspergillus echinulatus 0,64
Vibrio parahaemolyticus 0,94 Zygosaccharomyces rouxii 0,62
Botrytis cinerea 0,93 Xeromyces bisporus 0,61
Rhizopus stolonifer 0,93
Mucor spinosus 0,93
Fonte: Jay, 2005.

Via de regra, as bactérias Gram-negativas são mais exigentes que as


Gram-positivas em termos de Aa. Grande parte das bactérias deteriorantes são
impedidas de se multiplicar em uma Aa menor que 0,91, já os fungos deteriorantes
conseguem se multiplicar em Aa de até 0,80. Valores mais baixos envolvendo a
multiplicação microbiana são para: bactérias halofílicas (0,75), bolores xerofílicos
(0,65) e leveduras osmofílicas (0,60). Assim, pode-se afirmar que 0,60 é
considerado o valor limitante para a multiplicação de qualquer microrganismo
(Franco; Langraf, 2008).

4
2.2 Potencial hidrogeniônico (pH)

O segundo fator intrínseco é o pH, que é a medida da acidez ou da


alcalinidade de um alimento. O valor considerado ideal para o crescimento de
microrganismos varia entre 6,5-7,5, isto é, em torno da neutralidade. Assim como
a Aa, o pH pode apresentar um valor mínimo, ótimo e máximo para a multiplicação
microbiana, como apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 – Valores de pH mínimo, ótimo e máximo dos microrganismos

Organismo pH
Mínimo Ótimo Máximo
Bactérias (maioria) 4,5 6,5 a 7,5 9,0
Bacillus subtilis 4,2 a 4,5 6,8 a 7,2 9,4 a 10
Clostridum botulinum 4,8 a 5,0 6,0 a 8,0 8,5 a 8,8
Clostridium perfringens 5,0 a 5,5 6,0 a 7,6 8,5
Escherichia coli 4,3 a 4,4 6,0 a 8,0 9,0 a 10
Lactobacillus (maioria) 3,0 a 4,4 5,5 a 6,0 7,2 a 8,0
Pseudomonas ( maioria) 5,6 6,6 a 7,0 8,0
Salmonella 4,5 a 5,0 6,0 a 7,5 8,0 a 9,6
Staphylococcus aureus 4,0 a 4,7 6,0 a 7,0 9,5 a 9,8
Leveduras 1,5 a 3,5 4,0 a 6,5 8,0 a 8,5
S. cerevisiae 2,0 a 2,4 4,0 a 5,0 -
Bolores 1,5 a 3,5 4,5 a 6,8 8,0 a 11
Aspergillus niger 1,2 3,0 a 6,0 -
Penicillium 1,9 4,5 a 7,6 9,3
Fonte: Banwart, 1989.

Em geral, as bactérias patogênicas são mais exigentes em relação ao pH


comparando-se com as demais bactérias. Já os bolores e as leveduras são mais
tolerantes ao pH, sendo que os bolores se multiplicam em pH mais baixos em
relação às leveduras. Por sua vez, as leveduras são mais tolerantes a pH menores
em comparação com as bactérias. A Tabela 4 demostra o valor de pH de algumas
categorias de alimentos.

5
Tabela 4 – Valores de pH de alguns alimentos

Vegetais pH Carnes pH
Alface 6,0 Bovina ( moída) 5,1 a 6,2
Aspargos 5,7 a 6,1 Frango 6,2 a 6,4
Brócolis 6,5 Presunto 5,9 a 6,1
Espinafre 5,5 a 6,0 Pescados pH
Milho 7,3 Peixe fresco ( maioria) 6,6 a 6,88
Tomate 4,2 a 4,3 Salmão 6,1 a 6,3
Frutas pH Camarão 6,8 a 7,0
Banana 4,5 a 4,7 Laticínios pH
Laranja (suco) 3,6 a 4,3 Leite 6,3 a 6,5
Maçã 2,9 a 3,3 Manteiga 6,1 a 6,4
Uva 3,4 a 4,5 Queijo 4,9 a 5,9
Fonte: Jay, 2005.

Em relação ao valor de pH, os alimentos são classificados em três grupos


principais: de baixa acidez (pH > 4,5), ácidos (pH entre 4,0 e 4,5) e muito ácidos
(pH < 4,0). Esse critério foi estabelecido em função do pH mínimo para
multiplicação de parte das bactérias (4,0) e também no pH mínimo para
multiplicação e produção da toxina do Clostridium botulinum. Isto significa que
alimentos de baixa acidez são os mais propensos à multiplicação microbiana tanto
de bactérias patogênicas como das deteriorantes. Em relação aos alimentos
ácidos, existe maior incidência de crescimento de bolores, leveduras e poucas
bactérias (láticas e Bacillus). Já nos alimentos ácidos, são as leveduras e os
bolores que crescem quase que exclusivamente (Franco; Langraf, 2008).

2.3 Potencial de óxido-redução (Eh)

O terceiro fator intrínseco é o potencial de óxido-redução (O/R, Eh), definido


como a capacidade de um substrato ganhar ou perder elétrons. Dessa forma,
quando um elemento ou composto ganha elétrons, diz-se que foi reduzido; do
contrário, quanto perde elétrons, tornou-se oxidado. A facilidade de um substrato
em ganhar ou perder elétrons o define como um bom agente redutor ou agente
oxidante, respectivamente. Um potencial elétrico é gerado quando ocorre a
transferência de elétrons entre dois compostos. Essa diferença é medida com o
auxílio de um instrumento adequado, e a unidade de medida é expressa em volts
(V) ou em milivolts (mV). Se a concentração de oxidante e redutores é igual, tem-
se o potencial elétrico igual a zero; por outro lado, se a substância for reduzida, o
potencial é negativo; e se for oxidada, o potencial é positivo.

6
Os microrganismos que necessitam de uma condição redutora (Eh em
torno de –200mV) são as bactérias anaeróbias (gênero Clostridium), e as que
precisam de Eh positivo são as bactérias aeróbias (alguns membros do gênero
Bacillus). Entretanto, algumas bactérias, apesar de aeróbias, crescem melhor sob
condições levemente redutoras e são chamadas de microaerófilas (lactobacilos e
campilobactérias). Já outras bactérias têm a habilidade de crescer tanto em
condições de aerobiose como em anaerobiose e são chamadas de anaeróbias
facultativas, como algumas espécies de mofos e leveduras, apesar de a maior
parte desses microrganismos serem aeróbios.
Analisando-se a Eh de alguns alimentos percebe-se que sucos tendem a
possuir valores entre 300 e 400 mV, sendo interessante observar que as bactérias
aeróbias e os fungos são os maiores causadores de deterioração nesses
produtos. Em relação aos produtos cárneos, pedaços de carne e carne moída
possuem valor em torno de –200 mV e 200 mV, respectivamente (Jay, 2005).

2.4 Composição química

O quarto fator intrínseco é a composição química. A multiplicação


microbiana necessita de nutrientes como água, fonte de energia, de nitrogênio,
vitaminas e sais minerais. A importância da água já foi abordada no início desta
aula. Em relação aos outros nutrientes, os que menos têm necessidades são os
mofos, leveduras, bactérias Gram-negativas e as Gram-positivas (Jay, 2005).
As principais fontes energéticas são os açúcares, álcoois e aminoácidos,
entretanto alguns microrganismos conseguem utilizar amido e celulose, que são
açúcares complexos, transformando-os em açúcares mais simples. Um número
reduzido de microrganismos utilizam os lipídios como fonte de energia.
Aminoácidos são as mais importantes fontes de nitrogênio, mas nucleotídeos e
peptídeos também são metabolizados por alguns microrganismos. As vitaminas,
entre elas complexo B, biotina e ácido pantotênico, fazem parte de diversas
coenzimas que participam de várias reações metabólicas.
As bactérias Gram-negativas e os bolores são capazes de sintetizar quase
ou todas as substâncias de que necessitam, mas as bactérias Gram-positivas
precisam ser supridas de um composto essencial antes de iniciar seu crescimento.
Os minerais são indispensáveis para a multiplicação microbiana, embora em
quantidades reduzidas, pois participam de reações enzimáticas. Entre eles,
merecem destaque o sódio, potássio, cálcio e magnésio (Franco; Langraf, 2008).

7
2.5 Antimicrobianos naturais

O quinto fator intrínseco é a presença de antimicrobianos naturais, que são


assim chamados por estarem presentes naturalmente nos alimentos e ainda
possuírem a capacidade de retardar ou mesmo impedir a multiplicação
microbiana. Algumas especiarias possuem óleos essenciais com atividade
antimicrobiana, por exemplo, o timol e o carvacrol (orégano), o eugenol e timol
(sálvia), o isotiocianato de alilo (mostarda), o aldeído cinâmico e o eugemol
(canela), a alicina (alho) e o eugenol (cravo-da-índia) (Jay, 2005).
O ovo contém lisozima, uma enzima antimicrobiana eficiente que age na
parede celular de bactérias Gram-positivas e contém outros inibidores enzimáticos
como a avidina e a conalbumina (Franco; Langraf, 2008). Já a ovotransferrina,
presente na clara, parece ter efeito inibitório sobre a Salmonella Enteritidis (Jay,
2005). Frutas, verduras, legumes, chá e outros vegetais têm em sua composição
derivados do ácido hidroxicinâmico (ácido p-coumárico, ferúlico, caféico,
clorogênico) que apresentam capacidade antifúngica, além da antibacteriana. Já
repolho, couve, brócolis e nabo produzem glucosinolatos em seus vacúolos
celulares após sofrerem algum dano mecânico e também possuem atividade
fúngica e antimicrobiana (Jay, 2005). No leite, a lisozima produzida pelas bactérias
láticas também é um antimicrobiano muito importante (Franco; Langraf, 2008).

2.5.1 Sistema lactoperoxidade (SLP)

O sistema lactoperoxidade, presente no leite de vaca, é composto por três


substâncias: a lactoperoxidase, o tiocianato e o peróxido de hidrogênio (H 2O2). O
mecanismo de ação desse sistema ocorre pela quebra do H2O2 que libera
oxigênio e oxida os grupamentos SH (tiol) de enzimas metabólicas importantes
para os microrganismos. Seu efeito antimicrobiano é mais evidente em bactérias
Gram-negativas, especialmente as Pseudomonas, mas também pode ter efeito
bacteriostático contra bactérias Gram-positivas (Franco; Langraf, 2008; Jay,
2005). Quando o SLP está presente, isto é, em torno de 0,5 a 1 ppm de
lactoperoxidase, 100 U/mL de H2O2 e por volta de 0,25 mM de tiocianato, o shelf
life do leite aumenta para 5 dias, enquanto o controle dura somente 48 horas
(Björck, 1978). Em leite de cabra, o SLP também mostrou-se eficiente contra
P.fluorences e E. coli, em que o crescimento bacteriano foi controlado a 8°C, por
2 e 3 dias, respectivamente (Zapico et al., 1994).

8
2.5.2 Estruturas biológicas

Estruturas biológicas são as coberturas naturais dos alimentos que


fornecem algum tipo de proteção contra a entrada de microrganismos. Nesta
classe, encontram-se os diferentes tipos de cascas de frutas, sementes e nozes,
casca dos ovos e também a pele dos animais. A casca das nozes quando intacta
não permite a entrada de nenhum microrganismo, mas quando é quebrada torna-
se vulnerável ao ataque de mofos. Os ovos quando rachados ou quebrados e
armazenados em condições inadequadas também permitem a entrada de
microrganismos que contaminam o alimento. Já as frutas quando sofrem algum
tipo de dano podem deteriorar com mais facilidade. Por fim, a pele dos animais
(suíno, bovino e peixes) funcionam como uma barreira física impedindo que ocorra
perda de água na superfície, mantendo a carne mais fresca (Jay, 2005).

TEMA 3 – FATORES EXTRÍNSECOS

Fatores extrínsecos são os inerentes ao ambiente: temperatura, umidade


relativa do ar e composição atmosférica. Estes estão diretamente relacionados às
etapas de armazenamento, transporte e distribuição dos alimentos e, quando
controlados, mantêm sua qualidade ao longo do prazo de validade.

3.1 Temperatura

A temperatura é, sem dúvida, o fator ambiental mais importante que


influencia a multiplicação dos microrganismos. A mais alta temperatura de
crescimento conhecida até hoje é de 90° C e a mais baixa,–35°C, demostrando
que os microrganismos podem se multiplicar em um ampla faixa de temperatura.
Apesar de haver grande discussão a respeito da classificação dos
microrganismos em relação à temperatura ótima de crescimento, a mais aceita os
subdivide da seguinte maneira (Tabela 5):

Tabela 5 – Classificação os microrganismos de acordo com a temperatura

GRUPOS Temperatura ( °C)


Mínima Ótima Máxima
Psicrófilos -5 °C a 5 °C 10 °C a 15 °C 15 °C a 20 °C
Psicrotróficos -5 °C a 5 °C 0 °C a 7 °C 30 °C a 40 °C
Mesófilos 5 °C a 25 °C 25 °C a 40 °C 40 °C a 50 °C
Termófilos 35 °C a 45 °C 45 °C a 65 °C 60 °C a 90 °C
Fonte: Mossel; Garcia, 1985; Franco; Langraf, 2008.

9
Para microrganismos psicrotróficos, que possuem diferentes velocidades
de multiplicação, foram propostas duas novas categorias: europsicrotrófico e
estenopsicrotrófico. O primeiro grupo não forma colônias visíveis até o 6-10° dia
entre 0 °C e 7 °C e são das espécies Enterobacter cloacae, Yersinia enterocolitica
e Hafnia alvei. O segundo grupo forma colônias visíveis nesta faixa de temperatura
e são as espécies Pseudomonas fragi e Aeromonas hydrophyla.
Alimentos refrigerados, como carnes, pescados, ovos e frangos, são
susceptíveis a multiplicação por psicrófilos e psicrotróficos, incluindo os gêneros
Pseudomonas, Alcaligenes, Flavobacterium e Micrococcus. Boa parte das
bactérias termófilas de importância em alimentos são as dos gêneros Clostridium
e Bacillus, incluindo-se as espécies deterioradoras (B. coagulans e C.
thermosaccharolyticum) e as patogênicas (C. botulinum e C. perfringens). Os
mesófilos têm grande relevância em alimentos pelo fato de fazerem parte do grupo
de patógenos de interesse (Franco; Langraf, 2008).
Os mofos, assim como as bactérias, têm a capacidade de crescer a uma
ampla faixa de temperatura. Muitos crescem em temperaturas de refrigeração e
são encontrados em ovos e superfícies de carnes e frutas, como as linhagens de
Aspergillus, Cladosporium e Thamnidium. As leveduras não crescem em
temperaturas termofílicas, mas em psicróficas e mesófilas (Jay, 2005).
Pode parecer interessante armazenar os alimentos em temperatura de
refrigeração ou ainda menores, mas nem sempre essa prática é adequada. Por
exemplo, bananas são melhor conservadas em temperatura de 13 a 17°C do que
de 5 °C a 7 °C. Ainda, boa parte dos vegetais, como aipo, batata e repolho,
mantém melhor sua qualidade se armazenada em temperaturas de 10°C. A
escolha certa da temperatura sempre deve estar associada à presença ou
ausência de gases (CO2 e O3) e da umidade relativa dor ar (Jay, 2005).
O binômio tempo X temperatura é o fator mais importante para controlar,
diminuir ou eliminar microrganismos durante o processamento dos alimentos, pois
altas temperaturas são capazes de eliminar microrganismos patogênicos. Sabe-
se que o alimento deve atingir temperatura mínima de 74°C no centro geométrico
para eliminar os microrganismos de forma rápida e eficaz (Silva Junior, 2020).

3.2 Umidade relativa (UR)

Quando pensamos em umidade relativa do ar no ambiente de


armazenamento, devemos pensar tanto na atividade de água no interior do

10
alimento como no crescimento superficial de microrganismos dentro dele. Sendo
assim, é de extrema importância que determinado alimento, com Aa 0,60, seja
estocado em condições que não aumente sua Aa e que não absorva umidade do
ar. Por exemplo, quando alimentos com alta Aa são armazenados em ambientes
baixa UR, eles perdem umidade. De modo contrário, quando alimentos com baixa
Aa são estocados em locais com alta UR, absorvem umidade do ambiente.
Existe também uma relação entre umidade relativa e temperatura de
armazenamento. De modo geral, quanto menor a temperatura, maior a UR, e vice-
versa. Condições de baixa UR devem ser empregadas em alimentos que sofrem
deterioração por mofos, leveduras e bactérias em sua superfície. Já condições de
alta UR em ambiente de refrigeração, as carnes de frango e bovina, quando mal
embaladas, tendem a sofrer deterioração superficial, uma vez que a microbiota da
carne é predominantemente anaeróbia.
Embora seja possível diminuir as chances de deterioração superficial de
certos alimentos em condições de baixa UR, existe a possibilidade de o alimento
perder umidade para o ambiente e, assim, sua qualidade. Práticas de alteração
da atmosfera gasosa retardam o crescimento superficial de microrganismos sem
diminuir a UR (Jay, 2005).

3.3 Composição atmosférica

A composição atmosférica do alimento determina a predominância dos


tipos de microrganismos. Existe uma classificação baseada na necessidade de O 2
para os microrganismos crescerem e multiplicarem. São chamados de aeróbios
aqueles que necessitam de oxigênio, de anaeróbios aqueles que precisam da
ausência de oxigênio e os facultativos que se desenvolvem independentemente
da existência ou não do oxigênio (Silva Junior, 2020).
Composições atmosféricas/gasosas modificadas são capazes de alterar a
sobrevivência e multiplicação da microbiota no alimento. As chamadas atmosferas
modificadas são ambientes em que o oxigênio é totalmente ou parcialmente
substituído por outros gases com o objetivo de aumentar o shelf life do alimento.
As principais combinações de gases envolvem o uso de oxigênio, nitrogênio e gás
carbônico, embora o monóxido de carbono, óxido nitroso e dióxido de carbono
também possam ser empregados. O nitrogênio é um gás inerte com reduzido ou
nenhum efeito antimicrobiano. O gás carbônico tem este efeito, mas depende de
uma série de fatores. O primeiro e o mais importante é a temperatura, sendo que

11
em temperaturas baixas seu efeito é mais eficiente. Os outros fatores são o pH, a
Aa, os microrganismos presentes (suas condições metabólicas) e, evidentemente,
a concentração de CO2. Atmosferas com CO2 têm sido utilizadas em carnes
vermelhas e em frutas (na concentração de 10%), prolongando seu tempo de
armazenamento (Franco; Langraf, 2008).

TEMA 4 – INTERAÇÕES ENTRE MICRORGANISMOS

Os alimentos possuem microrganismos naturalmente presentes capazes


de produzir substâncias inibidoras ou letais para outros microrganismos. Entre
essas substâncias merecem destaque os antibióticos, as bacteriocinas, o peróxido
de hidrogênio e os ácidos orgânicos (Jay, 2005).
Como exemplo podemos citar as bactérias ácido-láticas que acidificam de
tal forma o alimento inviabilizando o crescimento de outros microrganismos. De
modo contrário, a produção de compostos alcalinos, como as aminas, aumenta o
pH do alimento deixando favorável para o crescimento daquelas bactérias que
foram anteriormente inibidas pelo pH ácido. É esse fenômeno que ocorre quando
as leveduras presentes em alimentos fermentados degradam o ácido lático
deixando o meio favorável para o crescimento e produção de toxinas pelo C.
botulinum. Outro exemplo são produtos metabólicos de determinadas bactérias
que se tornam essenciais para o crescimento de outras. Assim, alimentos
contaminados com Pseudomonas auriginosa, que tem como metabólito a tiamina
e o triptofano, são propícios à proliferação de Staphylococcus aureus, uma vez
que estes aminoácidos são essenciais para esse microrganismo. A água
oxigenada, agente inibidor para Pseudomonas spp., Bacillus spp. e Proteus spp,
é produzida pelos estreptococos e lactobacilos (Franco; Langraf, 2008).
As bacteriocinas podem ser definidas como proteínas ou peptídeos
sintetizados no ribossomo e liberados no meio extracelular que possuem ação
bactericida ou bacteriostática sobre patógenos veiculados por alimentos, por
exemplo, Listeria monocytogenes, Clostridium botulinum, Bacillus cereus e
Staphylococcus aureus (Hernández et al., 2005). Podem ser produzidas por pelo
menos 23 gêneros bacterianos, entre eles Acetobacter, Bacillus, Lacobacillus,
Leuconostoc, Pediococcus, entre outros (Montville; Kaiser, 1993).
O grande interesse na área de alimentos é pelas bactérias láticas que
produzem algumas bacteriocinas importantes, como a pediocina, produzida pelo
gênero Pediococcus; a nisina, produzida pelo Lactococcus lactis subsp. Lactis; e

12
a sacacina, plantaricina e helveticina, produzidas pelo gênero Lactobacillus
(Kone; Fung, 1992).
A nisina tem sido utilizada como antimicrobiano em alimentos para impedir
o desenvolvimento de Gram-positivos e a germinação de seus esporos, mas não
é efetiva contra Gram-negativos, sendo reconhecida pelo FDA como segura
(GRAS) (Delves-Broughton et al., 1996; Franco; Langraf, 2008). Ela possui dois
mecanismos de ação: interfere na síntese da parede celular e promove a
formação de poros na membrana celular. Como resultado, ocorre alteração na
permeabilidade, consequentemente efluxo de moléculas essenciais (íon K+,
aminoácidos e ATP) por meio dos poros, culminando em morte celular (Breukink
et al., 1999). Esta bacteriocina tem sido utilizada, em larga escala, na indústria de
alimentos de vários países, como agente antibotulínico em queijos e ovo líquido,
além de molhos e alimentos enlatados (Benkerroum et al., 2002; Rilla et al., 2004).
No Brasil, a nisina é largamente utilizada em produtos lácteos, como queijos e
requeijão, e mais recentemente foi aprovado seu uso em produtos cárneos
industrializados cozidos (Brasil, 2019).
Outra forma de interação é a exclusão competitiva, em que microrganismos
inócuos, administrados via oral, colonizam o epitélio intestinal de aves jovens
impedindo que patógenos como Salmonella e Campylobacter cresçam.

TEMA 5 – OBSTÁCULOS DE LEISTNER

Nos temas anteriores foram apresentados isoladamente os fatores


intrínsecos e extrínsecos relacionados ao crescimento dos microrganismos. Neste
tema, falaremos sobre o conceito dos obstáculos (hurdle theory), em que são
utilizadas diversas técnicas simultaneamente para controlar o crescimento
microbiano. O nome Leistner tem origem do cientista alemão que idealizou este
conceito na metade dos anos 1980 e que tem sido utilizado ao longo do tempo
(Franco; Langraf, 2008).
A prevenção da germinação do esporo do Clostridium botulinum é um
exemplo de simples e de fácil entendimento. Vejamos quais seriam os parâmetros
intrínsecos e extrínsecos que podem ser utilizados conjuntamente: pH menor que
4,6, Aa menor que 0,94, 10% de NaCl (cloreto de sódio), 120 ppm de NaNO 2
(nitrito de sódio), temperatura de incubação menor que 10°C e uma grande
microbiota aeróbia. Então, para a germinação do esporo, é necessário que o

13
microrganismo transponha todas as barreiras citadas anteriormente; do contrário,
a ação conjunta de todas não permitirá a esporulação (Jay, 2005).
Por meio do conceito dos obstáculos foi possível dar origem à tecnologia
dos obstáculos (hurdle technology), que tem como base a utilização de métodos
combinados de conservação de alimentos, como a salga, a acidificação, o
tratamento térmico, o uso de aditivos etc., a fim de produzir alimentos com maior
qualidade, seguros, que satisfaçam o consumidor e que tenham um shelf life
prolongado. Falaremos sobre estes métodos posteriormente.

14
REFERÊNCIAS

BANWART, G. J. Basic food microbiology. 6. ed. Nova York: Van Nostrand


Rheinhold, 1989.

BRASIL. Resolução n. 272, de 14 de março de 2019. Diário Oficial da União,


Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Brasília, DF, 18
mar. 2019.

BJÖRCK, L. Antibacterial effect of the lactoperoxidade system on psychrotrophic


bacteria in milk. J Dairy Res., v. 45, n. 1, p. 109-118, fev. 1978.

BENKERROUM, N.; GHOUATI, Y.; GHALFI, H.; ELMEJDOUB, T.; ROBLAIN, D.;
JACQUES P.; THONART, P. Biocontrol of Listeria monocytogenes in model
cultured milk by in situ bacteriocinproduction from Lactococcus lactis lactis.
International Journal of Dairy Technology, Cumbria, v. 55, n. 3, p. 145-151,
2002.

BREUKINK, E.; WIEDEMANN, I.; VAN KRAAIJ, C.; KUIPERS, O. P.; SAHL, H. G.;
KRUIJFF, B. Use of the cell wall precursor lipid II by a pore-forming peptide
antibiotic. Science, Washington, v. 286, n. 5448, p. 2361-2364, 1999.

CODEX ALIMENTARIUS. General Standard for Food Additivies - Codex Stan


192-1995. Adopted in 1995. Revision: 2015.

DELVES-BROUGHTON, J.; BLACKBURN, P.; EVANS, R.J.; HUGENHOLTZ, J.


Applications of the bacteriocin Nisin. Antonie van Leeuwenhork, v. 69, p. 193-
202, 1996.

FORSYTHE; STEPHEN, J. Microbiologia da segurança dos alimentos. 2. ed.


Porto Alegre: Artmed, 2013.

FRANCO, B. D. G. M.; LANDGRAF, M. Microbiologia dos alimentos. São Paulo:


Atheneu, 2008.

HERNÁNDEZ, D.; CARDELLE, E.; ZÁRATE, V. Antimicrobial activity of lactic acid


bacteria isolated from Tenerife cheese: initial characterization of plantaricin TF
711, a bactriocin-like substance produced by Lactobacillus plantarum TF 711.
Journal of Applied Microbiology, Bedford, v. 99, n. 6, p. 77-84, 2005.

JAY, J. M. Modern food microbiology. 6. ed. Nova York: Van Nostrand Reinhold,
2005.

15
KONE, K.; D.Y.C. FUNG. 1992. Understanding bacteriocins and their use in foods.
J. Dairy Food and Env. Sanitation. v. 12, n. 5, p. 282-285, 1992.

MONTVILLE, T.J.; KAISER, A. Antimicrobiol proteins: classification nomenclature,


diversity and relationship to bacteriocins. In: HOOVER, D. G.; STEENSON, L. R.,
(Ed.). Bacteriocins of lactic bacteria. New York: Academic Press, p.1-22, 1993.

MOSSEL, D. A. A.; GARCIA, B. M. Microbiologia de los alimentos. Zaragoza:


Acríbia, p. 375, 1985.

RILLA, N.; MARTINEZ, B.; RODRIGUEZ, A. Inhibition of a methicillin-resistant


Staphylococcus aureus strain in Afuega’I Pitu cheese by the nisin Z producing
strain Lactococcus lactis lactis IPLA 729. Journal of Food Protection, Des
Mones, v. 67, n. 5, p. 928-933, 2004.

SILVA JUNIOR, E. A. Manual de controle higiênico-sanitário em serviços de


alimentação. 8. ed. São Paulo: Varela, 2020.

ZAPICO, P.; GAYA, P.; NUÑEZ, M.; MEDINA, M. Activity of goats' milk
Lactoperoxidase System on Pseudomonas fluorescens and Escherichia coli at
refrigeration temperatures. J Food Prot., v. 58, n. 10, p. 1136-1138, out. 1995.

16

Você também pode gostar