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Conceitualização Cognitiva

Elementos da Conceitualização

Profa. Dra. Angela Donato Oliva


Aula 04
Elementos da
Conceitualização - Parte 2
TÓPICOS

01. Pilar dos níveis de conceitualização


02. Pilar dos pontos fortes do cliente
Três pilares que estruturam
a conceitualização
Os terapeutas de TCC precisam balancear os elementos
da conceptualização de caso:

e
a) Empirismo colaborativo; m f
n
p o
í
b) Níveis de conceitualização; e i
v r
r ç
e
c) Incorporação dos pontos fortes i a
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do cliente s s
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Fonte: iStock, 2021


Princípios da conceitualização

01. Pilar - Níveis da Conceitualização


01. Níveis de conceitualização (serve como princípio orientador)
a) “Colher” os problemas (descrição)

Terapeuta identifica no relato o que é pensamento, emoção, comportamento. Isso ocorre na fase de
avaliação do cliente, logo na primeira sessão. É o primeiro “ingrediente ou elemento” a ser colocado no
cadinho.

b) Fatores Precipitadores e Perpetuadores (explicativo transversal)

“Colhidos os problemas” cliente e terapeuta tentam identificar como esses problemas são
DESENCADEADOS e MANTIDOS. São os segundos ingredientes colocados no cadinho.

c) Origem e explicação (explicativo longitudinal)

Em seguida, buscam-se as ORIGENS/GÊNESE desses problemas, situando-os nos contextos, descrevendo


os fatores Predisponentes e Protetores, tentando dar uma EXPLICAÇÃO ao que está sendo descrito
aplicando o modelo teórico da TCC. Esses fatores compõem “o terceiro ingrediente” do cadinho, que vai
sendo “aplicado” aos poucos, longitudinalmente, proporcionando um entendimento dos problemas nos
contextos históricos.

(Bieling & Kuyken, 2003)


1. Níveis de conceitualização
No terceiro nível (explicativo longitudinal) há um salto indutivo - uma visão retrospectiva do cliente e
possivelmente um certo “descolamento” da realidade. É uma reconstrução histórica, uma construção
narrativa, uma visão ou entendimento da situação pelo viés do cliente. Pensamento indutivo representa
um salto, que envolve margem de erro, mas permite uma ação instrumental mais sofisticada, que cria um
ambiente propício para reestruturações/ressignificações.

Fonte: iStock, 2021 Fonte: iStock, 2021

Nem todos os casos atingem o terceiro nível. Alguns casos são resolvidos no primeiro nível de
conceitualização. Muito frequentemente o segundo nível de conceitualização, com explicações sobre
fatores desencadeantes e mantenedores, leva ao sucesso do tratamento. Clientes com dificuldades
crônicas e casos difíceis, tendem a demandar os três níveis de conceitualização.
Princípios da conceitualização

02. Pilar - pontos fortes (forças)


do cliente
02. Forças e resiliência – (papel das forças do cliente)

O cliente tem suas dificuldades e problemas, é isso o que o faz buscar a terapia. É
compreensível o foco nas vulnerabilidades. Porém, ele não tem apenas adversidades e o
terapeuta precisa identificar e trabalhar com as forças e pontos fortes do cliente em cada
estágio da conceitualização.

Usar os pontos fortes pode motivar o cliente a se engajar e se comprometer com mudanças
duradouras. O trabalho de aumentar a resiliência (capacidade de passar por uma situação
adversa sem se desestruturar / tolerância ao sofrimento) faz parte desse processo. Uma visão
mais positiva de si tende a reforçar a resiliência.

Forças e resiliência são ingredientes que são acrescentados no cadinho.


02. Forças e resiliência – (papel das forças do cliente)

Terapeutas que procuram os pontos fortes, são mais holísticos. Os clientes não devem ser
vistos como sendo apenas doenças/transtornos, mas como pessoas que precisam de ajuda
em alguns pontos. Usar essas forças dá para o cliente a ideia de que o terapeuta tem interesse
pela sua vida como um todo, visto que o terapeuta tenta encontrar na história do cliente
elementos que podem ajudar.

As pessoas podem ser assertivas e seguras em uma esfera da vida, exemplo, no trabalho, mas
podem se mostrar inseguras e frágeis nos papéis familiares com dificuldades para saber como
cuidar bem dos filhos, ou serem assertivas com o cônjuge.

Identificar os pontos fortes são recursos úteis no processo terapêutico.


03. Forças e resiliência – (foco nas forças)

Importa saber como a dificuldade se manifesta esfera da vida do cliente


(ex.: não se exercita, não visita os amigos, não apresenta o trabalho)

Contudo, não basta perguntar:


“Quais são as dificuldades atuais da pessoa?”; “Como essas dificuldades têm afetado ou se
manifestado na vida do cliente?”; Em quais esferas de sua vida estão presentes?”; “Qual o impacto
que as dificuldades têm no dia-a-dia do cliente?”.

➢ Importa identificar em que áreas estão os pontos fortes. Se o cliente não conseguir
informar, perguntar se alguém de seu convívio reconhece qualidades na pessoa.

Explorar ao máximo os pontos fortes que o cliente têm. Pode ser por intermédio de lembranças
ou por crenças e valores que apresenta.
(ser bom para acalmar cães; cuidar bem dos filhos e da casa).
03. Forças e resiliência – (ensina a passar por uma dificuldade)

Resiliência não é qualidade absoluta, é dinâmica, maleável – estratégias que a pessoa usa
para lidar com as dificuldades.

Qual o impacto que cada dificuldade tem na sua vida? ou Como a sua dificuldade se manifesta
em outras esferas de sua vida?

Exemplos:

C evita reuniões, pois não fez o trabalho que precisava.


C: “Se eu fosse na reunião eu me sentiria um fracasso. Eu não posso ir à reunião, eu me sentiria
muito mal”.
T: Você participou de uma reunião onde tenha apresentado o seu trabalho?
C: Sim.
T: Como você avalia a opinião das pessoas sobre sua apresentação?
C: Acho que elas gostaram da apresentação.
03. Forças e resiliência – (uso de habilidades, valores e crenças)
Exemplos (Kuyken, Padesky & Dudley, 2010):

Z ouve vozes, tentou suicídio, tem dois filhos. Pontos fortes - Ela sempre cuidou da família, é
muito proativa e enfrenta as dificuldades tomando a posição de liderança. É um pilar de
sustentação da casa. Valor pessoal/cultural: Z: “É importante ser forte para minha família”.
T: Podemos pensar juntos sobre como usar sua coragem para enfrentar as dificuldades da casa e
que pudessem, de alguma forma, ser utilizadas para resolver problemas para desafiar essas vozes
que tanto lhe atormentam.

M tem dificuldade de lidar com os problemas no trabalho – Pontos fortes – Ele trabalhou como
voluntário em um abrigo de cães, pois sempre teve jeito para aquietar os animais que estão
nervosos.
T: Podemos pensar juntos sobre como usar os seus recursos/habilidades para lidar com os
cães, para resolver problemas no seu ambiente de trabalho.
03. Forças e resiliência – (valores e crenças são fatores protetivos)
Exemplos (Kuyken, Padesky & Dudley, 2010):

K tem depressão, teve perdas recentes, diz que está destruída e só enxerga o lado negativo.
Pontos Fortes - Embora diga que não está sendo boa mãe, ela cuida dos filhos, vai buscá-los na
escola, faz a janta, cuida das roupas e da limpeza básica da casa.
T: “Cuidar das crianças não é tarefa fácil para ninguém, mesmo quando está tudo indo bem. Você
está conseguindo cuidar das crianças nas piores circunstâncias. Isso pode parecer pouco para
você, mas é algo notável”.

Terapeuta introduz uma força que a paciente não identifica que são seus valores pessoais e
crenças sobre o papel de uma mãe, que podem ser fonte de força para as pessoas. Apesar do
sofrimento, as crenças de K funcionam como fatores protetivos.
03. Forças e resiliência – (identificação do problema)

R apresenta insônia e ansiedade no trabalho (hipóteses: estresse pelas dificuldades da


função?; discriminação por ser mulher?; ansiedade social?). Acorda à noite pensando nos
projetos de trabalho inacabados. Não consegue ser assertiva no trabalho (manda avisos
tímidos sobre risco de vírus no software) e acha que será responsabilizada se surgirem falhas
no software.
R se sente constrangida com as brincadeiras dos colegas.
Fala dos colegas:“Vamos ver se uma mulher pode ser jogadora nesse time. Já praticou algum
esporte na escola?”

A ansiedade de R está ligada a estresse ou discriminação e não à ansiedade social.


R: Eu não me importo se eles gostam de mim ou não. Eu quero fazer um bom trabalho para
conseguir ser promovida. Se eu não seguir as “regras do time” deles, eles podem dificultar muito o
meu trabalho.

A carga de trabalho não era a causa do seu sofrimento, mas sim o preconceito de gênero. R
sentia raiva em resposta aos comentários sexistas e tinha pensamentos automáticos de raiva
(que achava que não podia expressar) e seu comportamento era calmo e silencioso.
Kuyken, Padesky e Dudley (2010) e J. Beck (2022)
mudam o foco das crenças disfuncionais e usam as forças dos clientes.

O ponto é que as pessoas, antes do transtorno ou dos problemas, são razoavelmente


funcionais, se relacionam de maneira adaptativa. Possivelmente as crenças flexíveis e úteis
sobre si, sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre o futuro poderiam estar ativadas.

O modelo que se apoiava em crenças negativas se beneficia (se completa) com a introdução
das crenças positivas em um papel importante (ambas as crenças tem função de adaptar a
pessoa à situação e de lidar com um problema).
Categorias de crenças centrais Exemplos de crenças centrais (nucleares) negativas sobre si
(nucleares) negativas sobre si

“Não consigo fazer as coisas; Sou inadequado, ineficiente, incompetente, inútil (comparado aos
outros); Eu não consigo lidar com as coisas; Eu não sou capaz de me proteger.”
Desamparo “Sou fraco, incapaz; Eu não consigo mudar; Não tenho controle da situação, vou me dar mal; Não
tenho atitude, objetivo, sou uma vítima.”
“Sou vulnerável, fraco, sem recursos, passível de maus-tratos.”
“Sou inferior, um fracasso, um perdedor, não sou bom o suficiente para realizar coisas; não estou à
altura dos outros.”

“Sou diferente, indesejável, feio, monótono; não tenho nada a oferecer e tem algo de errado
comigo; não tenho importância, sou dispensável.”
Desamor (de não ser amado) “Não sou amado, não sou querido, sou negligenciado.”
“Sempre serei rejeitado, abandonado; ficarei sozinho.”
“Sou diferente, imperfeito, sou defeituoso, não sou bom o suficiente para ser amado.”

“Não tenho valor, sou inaceitável, sou imoral, moralmente mau, sou indigno, sou um pecador,
Desvalorização (de não ter desprezível e inaceitável.”
valor) “Sou um louco, um derrotado, um nada, um lixo.”
“Sou cruel, uma pessoa ruim, perigoso, tóxico, venenoso, maligno.”
“Não mereço viver.”

Tabela adaptada de J. Beck (2007/2014, p. 35/2022, p. 81).


Diagrama de Conceitualização Cognitiva (Beck, 1997)
Dados relevantes da infância/história de vida
Que experiências contribuíram para o desenvolvimento
e manutenção da crença central?

Crença Central
Qual é a crença mais central sobre si mesmo?

Crenças Condicionais (regras, pressuposições subjacentes) - “S e .... , então ....”


Que suposição positiva o ajudou a lidar com a crença central?
Qual é a contraparte negativa para essa suposição?

Estratégias Compensatórias (Comportamentos de segurança)


Que comportamentos o ajudam a lidar com a crença?

Situação 1 Situação 2 Situação 3

Qual foi a situação problemática?

Pensamentos Automáticos Pensamentos Automáticos Pensamentos Automáticos

O que passou por sua cabeça?

Significado do PA Significado do PA Significado do PA

O que o pensamento automático significou para você?

Emoção Emoção Emoção

Que emoção esteve associada ao pensamento?

Comportamento Comportamento Comportamento

O que você fez então?


Categorias de crenças centrais Exemplos de crenças centrais (nucleares) adaptativas (positivas) sobre si
(nucleares) adaptativas sobre si

Sou razoavelmente competente, eficiente; Consigo relativamente estar no controle; Sou


bem-sucedido e útil.”
Eficiência “Sou capaz de realizar razoavelmente a maioria das coisas; Posso me proteger e cuidar de
mim mesmo.”
“Tenho pontos forte e também tenho pontos fracos quando penso no sentido de ter
eficiência, produtividade e realizações.”
“Tenho relativa liberdade, posso fazer muitas coisas.”
“De modo geral, estou à altura da grande parte das pessoas.”
“Sou razoavelmente desejável, agradável, afável, atraente, querido, amado e interessante.”
“Estou bem e as coisas que me fazem diferente dos outros não afetam nem prejudicam
Amabilidade minhas relações.”
“Sou bom o suficiente para ser amado pelas outras pessoas.”
“É improvável que eu seja abandonado ou rejeitado ou termine sozinho.”

“Tenho valor, sou razoavelmente digno, sou aceitável, sou moralmente bom, sou generoso,
Valor sou correto.”

Tabela adaptada de J. Beck (2022, p. 79).


Diagrama de Conceitualização Cognitiva Baseado nos Pontos Fortes (J. Beck, 2022)
HISTÓRIA DE VIDA RELEVANTE (incluindo realizações, pontos fortes, qualidades pessoais e recursos anteriores às
dificuldades atuais)

CRENÇAS NUCLEARES ADAPTATIVAS (anteriores ao começo das dificuldades atuais)

CRENÇAS INTERMEDIÁRIAS ADAPTATIVAS: REGRAS, ATITUDES PRESSUPOSTOS (anteriores ao começo das


dificuldades atuais)

PADRÕES DE COMPORTAMENTO ADAPTATIVOS (Anteriores ao começo das dificuldades atuais)


Que estratégias de enfrentamento e comportamentos adaptativos o cliente apresenta?

Situação 1 Situação 2 Situação 3

Qual foi a situação problemática?

Pensamentos Automáticos Pensamentos Automáticos Pensamentos Automáticos

O que passou por sua cabeça?

Emoção Emoção Emoção

Que emoção esteve associada ao pensamento?

Comportamento Comportamento Comportamento

O que você fez então?


Em Síntese...
Em síntese,

Os elementos da conceitualização cognitiva precisam ser contemplados nesse processo,


é um esforço contínuo para se aproximar dessas metas.

1. Empirismo Colaborativo (empatia);

2. Níveis da Conceitualização (do descritivo ao explicativo);

3. Forças do Cliente (incorporação de aspectos positivos).

(Easden & Kazantzis, 2017; Kuyken et al.,201


Referências bibliográficas

BIELING, P. J. & KUYKEN, W. (2003). Is Cognitive Case Formulation Science or Science Fiction?. Clinical
Psychology: Science and Practise, 10 (1), 53-69.

EASDEN, M. & KAZANTZIS, N. (2017). Case conceptualization research in cogntive behavior therapy: A state of the
science review. J. Clin. Psychol. (1-29) https://doi.org/10.1002/jclp.22516

KUYKEN, W., PADESKY, C. A., & DUDLEY, R. (2010). Conceitualização de Casos Colaborativa: o trabalho em equipe com
pacientes em terapia cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.

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