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AULA 2 DO TP4 – Treinamento Psicoterapeuta de 4ª Geração

Lincoln Poubel e Pedro Rodrigues

O PLANO CLÍNICO INTEGRATIVO (PCI)


Nesse formulário constam todas as variáveis que você precisa colher ao longo das sessões
diagnósticas. Através dessa conceituação de caso, o terapeuta terá parâmetros para direcionar o
programa terapêutico. O PCI monta um "desenho" que norteia os objetivos terapêuticos. Ele será
o seu prontuário para se organizar e direcionar os casos que atende. Um terapeuta que consegue
preencher o PCI de um caso não se perde.
Essa ferramenta também é muito útil para avaliar a qualidade do raciocínio clínico do
profissional. Pois enquanto você preenche o PCI de um caso, se você travar ou não conseguir
preencher algum dos tópicos, isso sinaliza o que buscar nas próximas sessões; como também pode
revelar falta de domínio teórico dos tópicos que você ainda sabe bem como preencher. Se
precisássemos avaliar a sua capacitação clínica, pediríamos para você preencher um PCI. Portanto
o PCI é um autoteste para o profissional. Inicialmente você pode se apoiar nos modelos teóricos
para preenchê-lo. Mas com a prática o domínio teórico vai aumentando e então você vai
ganhando um raciocínio clínico inteligente e abrangente.

1. APROFUNDAMENTO - PASSO 1
(Registro de interações diárias - RID)

1.1. O aprofundamento investigativo, que permite construir o PCI de um caso, acontece por meio
da aplicação de inventários, levantamento de hipóteses e observação dos comportamentos
emitidos em sessão.
1.2. Recomenda-se identificar pelo menos mais 2 exemplos de situações relacionadas à queixa
inicial. Realizando a análise delas por meio do RID;
1.3. A aplicação de instrumentos serve para:
a) verificar as hipóteses levantadas pelo terapeuta;
b) promover a autoridade do terapeuta ao confirmar suas hipóteses;
c) psicoeducar o cliente para as variáveis do instrumento;
d) exercitar a auto-observação do cliente através dos parâmetros listados no instrumento,
aumentando seu autoconhecimento;
e) acelerar a coleta de dados, pois poderá informar variáveis ainda não hipotetizadas ou relatadas.
1.4. Se o cliente não trouxer preenchido os materiais solicitados, o terapeuta usará o tempo de
sessão para isso.

T: Estamos aqui para o nosso segundo encontro. Fazendo um resumo do primeiro encontro, a
gente se conheceu e começamos a compreender a experiência que te motivou a procurar uma
terapia. Você falou da mudança de estado em função do trabalho. Identificamos aí no seu trabalho
uma das fontes do seu desconforto. Porque quando você tem que fazer alguma apresentação,
você se incomoda muito com ter que falar publicamente. Você se lembra dos pensamentos que
costumam passar pela sua cabeça nessas horas?
P: Lembro sim. Eu até queria dizer que saí daqui muito aliviado. Fiquei pensando no meu passado
e percebi que esse problema tem ligação com coisas que já vivi lá atras.
T: Que bom. Para identificarmos essas relações vamos continuar utilizando essa ferramenta de
registro. Nos próximos dias, se você ficar desconfortável com algo, preencha o relato dessa
experiência. Porque para eu trabalhar, preciso que você alimente a terapia relatando questões da
sua vida presente e passada. Eu estou aqui para "entrar" na sua experiência e compreender o que
está acontecendo com você, mediante essas variáveis. Com essa prática você vai se entender
melhor e vai aprender a identificar os elementos presentes nas suas experiências com mais
facilidade. Dessa forma também identificaremos nesses registros o que poderá ser melhorado
para promover sua maturidade e felicidade. Então no início você treina registrando. Com o tempo
isso irá virar uma habilidade. Aí você estará vivendo uma experiência e se observando: "Olha eu
reagindo assim nessa experiência". Perceba que estamos atravessando um processo terapêutico
que consiste em 2 fases. Primeiro, avaliação. Segundo, intervenção. Ou seja, vamos entender bem
suas experiências para construir um caminho consistente na direção que você deseja ou precisa.
Certo?
P: Sim.
T: Bom. Quando você preenche essas ferramentas no seu dia-a-dia, é como se você estivesse
fazendo terapia entre as nossas sessões. Faz parte do processo. Então agora vamos examinar com
você o registro que você trouxe hoje.
[Fazem o exame dos registros preenchidos na ferramenta RID, tal como o terapeuta modelou na
primeira sessão.]

2. APROFUNDAMENTO - PASSO 2
(Levantamento e verificação de hipóteses diagnósticas e de déficit em HPs)

T: Olha Pedro, eu percebi através dos registros que acabamos de examinar que a ansiedade é
elevada quando você precisa ter um desempenho diante de autoridades que pode julgá-lo.
Olhando para esses pensamentos, eles podem até ser diferentes, mas você percebe que eles têm
a mesma temática - de uma ansiedade por um desempenho que pode ser criticado, porque há
uma busca por reconhecimento.
P: Consigo. É isso mesmo. Acho que isso tem a ver com aquele dia do festival de talentos, quando
eu tinha 7 anos, e minha professora pareceu também rir de mim como se estivesse julgando
minha performance. Também meu pai sempre me cobrou muito. Então todos que eu sentia que
eram maiores do que eu, me deixavam nervoso pelo julgamento que poderiam fazer. Ficava
retraído.
T: Entendo. Registrei essas informações da sua história para daqui a pouco nos aprofundarmos
mais nelas. Isso pode explicar as origens dessa ansiedade. Isso foi formando essa preocupação
com críticas e julgamentos. Mas antes gostaria de te mostrar que todos esses pensamentos
podem ser reunidos num "esquema". Esquemas são conjuntos de crenças ou conceitos. Um
esquema aparece quando você passa por um contexto ligado ao tema dele ou através de
necessidades. Vimos aqui que há um esquema nas suas experiências que é ativado quando você
tem um desempenho que pode ser criticado, principalmente por figuras de autoridades, mas que
você desejaria ser elogiado ou aprovado. Nessas situações você começa a ser tomado por
pensamentos que dizem que você não vai conseguir apresentar, vai ser criticado, vai dar errado,
vou errar etc. Ou seja, o tema aqui é o fracasso. O esquema não deixa você se concentrar no
caminho do êxito, porque fica antecipando cenários de fracasso. Esse esquema de fracasso faz
sentido para você?
P: Faz muito sentido. Quando eu saio dessas situações fico remoendo o que aconteceu porque no
fundo eu sabia que sabia, mas na hora acho que não dou conta e sempre vou fracassar.
T: Ok. Mas eu quero confirmar isso. Então tenho instrumento para aplicar a fim de confirmar se a
minha hipótese é válida.
[Terapeuta explica como o paciente responde ao inventário e aplica-o.]
T: Percebi que as afirmações que você mais se identificou são exatamente as que correspondem
ao esquema de fracasso. Mostrando realmente que é um esquema muito ativado. Isso significa
que esse esquema pode realmente estar te limitando, impedindo um crescimento e fluidez nas
suas experiências. Porque quando as situações que ativam esse esquema tornam-se ameaças. Se
você espera fracasso e humilhação, ficará tenso ou ansioso ali. Se a situação é ameaçadora,
tendemos a reagir de uma maneira a nos proteger. No teu caso aparece a evitação da experiência
como um meio de se defender. Por exemplo, você se apressa para encerrar a apresentação, pede
para sair, delega a tarefa. São mecanismos de evitação. Mas suponhamos que você não tivesse
esse esquema, como você gostaria de lidar com essas situações?
P: Gostaria de conseguir apresentar o meu trabalho real e receber um retorno justo, seja crítica ou
elogio, sem ficar nervoso, me travar ou me incomodar por isso.
T: Perfeito. Isso é uma habilidade psicológica. Existem várias habilidades psicológicas. Mas você
descreveu 2 importantes atitudes. A primeira é a habilidade psicológica de imunidade social, para
não se preocupar com o que vão pensar ou julgar, confiante do que está fazendo, discernindo
quais críticas são equivocadas e, portanto, devem ser ignoradas. A outra é a habilidade psicológica
de resolutividade e enfrentamento, para lidar com conflitos ou problemas interpessoais ou não. Se
você aprimorar essas habilidades psicológicas, você ficaria mesmo mais confortável? Ficaria
motivado em desenvolvê-las?
P: Com certeza!
T: Acha que elas estão faltando aqui?
P: Claro, nem sabia que isso podia ser desenvolvido.
T: Podem sim. Então ainda antes de trabalharmos para isso. Gostaria de aplicar um outro
instrumento chamado "Inventário de habilidades psicológicas". Ele é um instrumento mais longo,
mas vou pedir para você preencher apenas os trechos que correspondem às 2 habilidades que
citamos. Depois você leva essa ferramenta para casa e termina de preenchê-la.
[Terapeuta aplica o IHP.]
T: Bem, juntando todas as informações, podemos considerar que você tem uma postura resolutiva
para certas situações. Por exemplo, você se mudou de estado e vem desbravando um trabalho
novo aqui. Mas falta a postura resolutiva para esse contexto de avaliação de desempenho. Vamos
dar um foco nesse tipo de situação. Já a habilidade de imunidade social parece estar bem limitada
e podemos priorizá-la. O que me leva a crer que você fica muito orientado ao que os outros
pensam. Confirma?
P: Confirmo. Sim, fico tentando adivinhar os pensamentos dos outros. O que estão pensando de
mim.
T: Então temos um projeto terapêutico que consiste, de modo geral, em desenvolver essas 2
habilidades. Podem surgir outros objetivos ao longo das sessões, aí a gente vai atualizando nosso
direcionamento.

2. APROFUNDAMENTO - PASSO 3
(Origens históricas e a trajetória da psicopatologia)

T: Identificamos um esquema aqui e você concorda que tende a pensar dessa maneira nessas
situações de avaliação de desempenho. E você sinalizou que experiências do passado contribuíram
para formar esse padrão de fracasso e evitação. Você me mostrou bem na primeira sessão que
uma memória marcante é aquela do festival, da mágica. Vamos agora pensar em outras que
podem estar relacionadas também na formação dessa dificuldade. Para isso podemos fazer aquele
exercício de ativação que ajuda a ter mais concentração. Ok?
P: Sim, vamos.
T: Então vou dando as instruções para te guiar nesse exercício. Vou pedir para que você se
acomode bem aí no seu assento. Da maneira mais confortável possível. Feche seus olhos. Inspire
lento. Inflando o abdômen. Expire profundo. Esvaziando todo o seu abdômen. Inspire. Expire.
Muito bem. Enquanto você mantém essa respiração profunda e lenta. Concentre-se apenas na
minha voz porque eu vou guiá-lo por um túnel do tempo, onde você vai buscar na sua história de
vida qualquer experiência que seja mais próximo possível com o cenário que vou construir aqui
agora. Ok?
P: Sim.
T: O próximo passo é ativar a lembrança da experiência recente que você me relatou. Então
focalize a seguinte cena. Imagine estar na sua igreja, por saber tocar um instrumento musical o
líder pede para você ir à frente para compor a banda. Mas você, por mais que saiba muito bem
tocar, recusa dizendo que não estava preparado. Na verdade, você gostaria de ir se divertir com
outros músicos, mostrar esse talento que você tanto estudou para ter. Consegue visualizar bem
essa cena?
P: Consigo.
T: Consegue visualizar os pensamentos que passaram pela sua cabeça dentro dessa cena?
P: Sim, sim.
T: São pensamento do tipo...?
P: "Vão rir de mim", "são melhores do que eu", "não tenho talento, "vou errar tudo", "devia ter
ensaiado mais".
T: Quais sentimentos te acompanham?
P: Sentimento de vergonha, de ser criticado, constrangimento, fracasso, inferioridade.
T: Ok. Congele a cena na sua mente por enquanto. Deixe que a sua mente flutue pelo túnel do
tempo em direção a qualquer experiência que te remeta a essa. Que tenha qualquer grau de
semelhança a essa. Que você entenda que esteja nela a origem ou alguma relação a essa
preocupação. Pode ser uma experiência mais recente ou bem remota. Quando você tiver chegado
a uma memória, levante o dedo para eu entender que sim.
P: [Levanta o dedo indicador.]
T: Ok. Quem está nessa experiência? Qual versão do Pedro? Hoje você tem 30 anos, mas nessa
memória você tinha quantos anos?
P: Acho que 10. Consigo algumas coisas que aconteceram na relação com meu pai. Ele é professor
de matemática e me cobrava muito. Não podia tirar menos que 9. Muito menos em matemática.
Dizia que ficaria feio para ele ter um filho com dificuldade na matéria que ele leciona. Sempre
recebi com muita pressão, principalmente na véspera das provas. Lembro que ele corrigia provas
de outros alunos seus, criticando-os em voz alta. Eu o ouvia dizer "olha como esse aluno não sabe,
parece que não aprende". Parecia que estava falando para mim. Tomava como se fosse para mim.
Como se fosse um recado para mim. Eu ficava quieto, gaguejava, achava que tinha que melhorar.
Acho até que isso tem a ver com a minha escolha da engenharia.
T: Quando você olha para essa experiência de seu pai te cobrando, dizendo "olha que vergonha ter
um filho que é ruim nisso", que emoção aparece?
P: Me sentia culpado, obrigado, desonrando minha família, como se não pertencesse por não ter a
mesma inteligência do meu pai.
T: Então realmente com 10 anos tem todo o potencial para desenvolver essa preocupação com
julgamentos. Focando nessa imagem dele te punindo e criticando os alunos, congele esse
sentimento e volte a vagar pelo túnel do tempo para encontrar outra experiência de mesmo
sentimento, de mesmo tipo de preocupação.
P: Consigo ver que na adolescência, com 14 anos, essa vergonha aparecia quando eu tinha que
conversar com outras meninas. Aparecia a expectativa de ter que ser bom, de agradar, de ser
suficiente. E outra experiência foi no meu primeiro emprego, na relação com meu patrão.
T: O que havia nessa relação com seu patrão? Teve alguma cena que te impactou e gerou esse
sentimento?
P: Lembro que trabalhava como vendedor e eu tinha cotas de vendas para bater. Mas fiquei
doente e faltei alguns dias. Quando fui levar o atestado no retorno ao trabalho, ele com uma
postura muito fria disse que não esperava por um atestado, ele disse que esperava pela minha
certidão de óbito. Como se eu tivesse morrido naqueles dias que faltei. Acho abusivo, mas não
consegui agir naquele dia. Decidi então nunca mais trabalhar numa empresa privada e que
buscaria um concurso.
T: Veja, Pedro, que essa fala do patrão reforça aquela fala dos colegas no festival, que a mágica
seria você sumir. Parece ter uma relação entre sumir e morrer. No festival você se esforçou para a
apresentação, no seu primeiro emprego você também estava se esforçando para vencer os
desafios de ter entrado no mercado, início da vida adulta, mas houve também uma invalidação. E
você interpreta como se você não fizesse falta, como se não importasse. Vamos examinar que sua
interpretação tenha sido essa, porque a gente sempre absorve a experiência com a maturidade da
época. Mas que talvez o patrão estava ironicamente brincando que sua doença era uma frescura,
o que ainda não deixaria de ser inadequada essa fala. Mas naquele momento você viveu aquela
experiência como mais um reforço para sumir das vistas dos outros. Faz sentido?
P: Sim.
T: Então qualquer indicativo de crítica ou rejeição é interpretado como um sinal de que as pessoas
não te querem, de que você é dispensável.
P: Como se minha interpretação já estivesse viciada?
T: Exato. Belo termo. Uma interpretação viciada. Vamos aprender em terapia a gerar alternativas
de interpretação com um novo olhar maduro. Para que essas situações não tragam mentalidades
antigas e viciadas. Assumindo um novo olhar, com novos significados e mais alinhado ao futuro
que você deseja. Faz sentido olhar assim?
P: Faz muito sentido.
T: Ok. Já estamos então nos encaminhando para encerrar o exercício. Você agora respira
profundo, caminha pelo túnel do tempo até o momento presente, se reconecta com esse espaço,
se veja nesse lugar e abra os olhos quando se sentir pronto.
P: [Respira profundamente e abre os olhos.]
T: Perfeito, Pedro. Coloquei essas experiências na linha da vida, em ordem cronológica. Nos
próximos encontros vamos examinar mais dessas experiências. Em casa você pode se exercitar
para lembrar mais experiências relacionadas e trazer na próxima sessão.

4. ESTABELECIMENTO DO PROJETO TERAPÊUTICO


4.1. O terapeuta reúne todas as informações e preenche o PCI, para vislumbrar quais recursos das
gerações de TCC serão escolhidos para gerar a mudança terapêutica necessária para sanar as
dificuldades do cliente.
4.2. Identificando as habilidades psicológicas a desenvolver, facilmente saberemos quais
terapêutica e técnicas podemos compor no programa terapêutico.

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