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Conceitualização Cognitiva

Apresentação geral

Profa. Dra. Angela Donato Oliva


Aula 01
Apresentação das bases
teóricas do modelo da TCC
TÓPICOS

01. Funcionamento mental: base evolucionista


02. Aspectos gerais da modularidade mental
03. Vulnerabilidade cognitiva e os mecanismos de alguns transtornos
1. Funcionamento mental:
base evolucionista
Para fazer uma boa conceitualização é preciso ter em mente o modelo cognitivo do funcionamento mental

Fonte: iStock, 2021


Uma hipótese explicativa sobre o funcionamento mental:

ü A perspectiva evolucionista considera o funcionamento mental humano como adaptação às


condições ambientais encontradas pelas populações ancestrais e nas quais a espécie teve que
sobreviver. (Oliva, 2011, p. 104).

ü A hipótese evolucionista sobre o funcionamento mental é a de que ao longo da história evolutiva,


foram sendo selecionados comportamentos que deixaram registro nos genes e na arquitetura
mental.

ü Funcionamento mental é resultado de um processo de adaptação ao meio ambiente.

ü Comportamentos dos nossos ancestrais, que permitiram a sobrevivência e a reprodução, foram


selecionados (repertório da espécie).

ü Mecanismos psicológicos evoluídos (emoções, predisposições para aprender, entre outros traços
universais) seriam resultantes de pressões seletivas que favoreceram a sobrevivência.

(Oliva, 2011)
Seleção de traços que favorecem a sobrevivência:

ü Medo e ansiedade são reações emocionais comuns em situações ameaçadoras. Esses traços
foram selecionados pela evolução, pois se mostraram úteis na função de aumentar a
sobrevivência e, por essa razão, possuem valor adaptativo. (Oliva, 2019, p. 119).

ü Esses traços preparam o organismo para lutar, fugir, paralisar ou pedir ajuda.

ü Embora seus efeitos sejam a deflagração de sensações fisiológicas não prazerosas, essas
características aumentam a atenção e a vigilância dos indivíduos, o que é importante quando há
um perigo real na situação (são mecanismos de defesa, processos adaptativos ou aptidão
biológica).

ü Contudo, podem se tornar patológicos quando excessivamente ativados, prolongados e


ineficazes diante de contextos relativamente seguros avaliados como perigosos pelos indivíduos.

(Oliva, 2019)
Seleção de traços que favorecem a sobrevivência podem ser
disfuncionais em outros contextos:
ü De acordo com a lógica evolucionista, se um traço está presente no repertório de
comportamentos dos membros de uma espécie, é porque teve alguma função de sobrevivência
ou favoreceu a reprodução.

ü Um sintoma pode cumprir o papel de eliminar uma patologia. A febre, por exemplo, não é
exatamente o problema, mas sim uma reação orgânica (um sintoma) e que busca eliminar a
presença de um patógeno no organismo. A febre é uma adaptação selecionada que favorece a
sobrevivência do organismo, e não uma falha do sistema de defesa.

ü Em termos psicológicos, se um indivíduo avalia que um contexto é perigoso, o sistema de defesa


pode deflagrar alguma das reações selecionadas na evolução: lutar, fugir, buscar ajuda ou ficar
paralisado, buscando eliminar a ameaça. Se a reação for exagerada pode indicar um transtorno.

ü A suposição subjacente à compreensão da mente é que existe uma natureza humana universal
que predispõe a comportamentos adaptados ao ambiente no qual os nossos ancestrais
caçadores-coletores viveram.

(Oliva, 2019, p. 120)


Pilares da teoria da evolução:
ü Variabilidade - organismos diferem entre si.

ü Hereditariedade - algumas características podem passar para os descendentes.

ü Seleção - certos traços (herdados, mutações) em determinados contextos, podem favorecer a


reprodução e a sobrevivência.

Psicologia evolucionista

ü Aplica esses princípios biológicos às estruturas mentais

ü Um traço pode ser adaptativo em um contexto, mas não em outro, e nem sempre está presente
em todos os sujeitos.

ü Os contextos atuais são bastante diferentes do ambiente ancestral.


(Oliva, 2019, p. 120)
2. Aspectos gerais da
modularidade mental
Definindo módulo mental:

ü Módulo é um termo empregado em matemática, na física, na computação, na biologia, na


psicologia, assim como em outras áreas do conhecimento e designa uma parte bem definida de
um sistema que pode funcionar independentemente das demais. Aplicado à psicologia, a
modularidade mostra-se um conceito útil para tentar entender como a mente funciona e
identificar nesta última quais seriam os seus processos e mecanismos que a compõem.
(Oliva, 2018, p. 98).

ü A mente possibilita atividades complexas, pensamentos, planos de ações, avaliações de


contextos e tomada de decisões, integração do fluxo de informação ambiental, elaboração de
hipóteses, integração de experiências ao longo do tempo (passado, presente e futuro) e atribuição
de significados, valores, sentidos sociais e existenciais.
(Oliva, 2018).

(Oliva, 2018)
Considerações sobre modularidade mental:

ü Supor uma arquitetura mental modular, significa considerar que ela esteja subdividida
em unidades de processamento de informação que teriam se especializado para certos
estímulos. (...) a mente opera com algoritmos e módulos altamente especializados,
extremamente rápidos para processar as informações, independentes uns dos outros,
automáticos e de funcionamento involuntário. (Oliva, 2011, p. 105)

ü Supor a mente como modular: permite entender porque uma pessoa pode ter
agorafobia em um teatro e não em uma sala de cinema, porque uma pessoa fica
tranquila em um avião mas entra em pânico no elevador, lida bem com certas situações
que envolvem ansiedade e mal quando lida com outras esferas da vida, etc. Esses
exemplos são bem compreendidos com um modelo mental de modularidade,
em que há independência e autonomia entre os módulos.

(Oliva, 2011, 2015)


Modularidade mental:
Raciocinando em termos de interações sociais

ü Noção útil para entender raciocínios de natureza social.

Exemplo:

ü O módulo que toma decisões detecta que seu amigo está trapaceando e o outro módulo
considera a boa história de cooperação entre vocês com benefícios para você.

Como a pessoa age?

ü (a) desconsidera a história de relacionamento amistoso; (b) privilegia a trapaça


compromete e a amizade; (c) fica ambivalente?

(Oliva, 2011, 2015)


A mente faz leituras e interpreta o mundo

ü É útil para a sobrevivência, interpretar as ações dos outros se baseando em


conhecimentos pretéritos.

ü Não temos acesso a todas as informações, e nosso cérebro promove “leituras” da


realidade.

ü Distorcer algumas informações, em determinadas situações, pode configurar um


desajuste, mas em circunstâncias diferentes pode trazer vantagens adaptativas.

ü Não apreendemos o mundo tal qual uma máquina de fotografar.

ü As informações são assimiladas por um sistema de crenças, que constitui um processo


mental resultante de adaptações a pressões seletivas.

(Oliva, 2011, 2015)


Evolucionismo, personalidade e psicopatologia
ü Os protótipos dos nossos padrões de personalidade podem ter sido derivados de nossa
herança filogenética. As respostas ancestrais que possibilitaram a sobrevivência e a
reprodução possivelmente foram selecionadas e fazem parte do repertório da espécie.
Os comportamentos exibidos de forma exagerada em alguns transtornos parecem ser
derivados desses traços ancestrais (Beck, Freeman, Davis e cols., 2005).

ü As pessoas avaliam uma situação a partir de crenças que vão sendo construídas ao
longo do desenvolvimento, formando “esquemas” (estruturas mais ou menos estáveis).

ü Essa avaliação desencadeia uma reação afetiva (emocional e motivacional) e em


seguida leva a uma estratégia de ação (adaptativa o não).

ü Esses esquemas são estruturas básicas, que funcionam como unidades fundamentais
da personalidade e sobre os quais se apoiam os processos cognitivos, afetivos e
motivacionais.

(Beck, Freeman, Davis e cols., 2005)


Evolucionismo, personalidade e psicopatologia

ü Os traços de personalidade conhecidos como “dependência”, “retração”, “arrogância”,


“extroversão”, “sociabilidade”, “autonomia” etc. seriam a expressão dessas estruturas
subjacentes.

ü Quando atribuímos significado aos eventos, essas estruturas cognitivas deflagram uma
reação em cadeia até chegar aos comportamentos (estratégias) que são considerados
como reflexos dos traços de personalidade.

ü Esses traços são a base a partir da qual as pessoas irão interagir com o mundo e como
os fatores ambientais irão influenciá-las.

(Beck, Freeman, Davis e cols., 2005)


3. Vulnerabilidade cognitiva e os
mecanismos de alguns transtornos
Vulnerabilidade cognitiva e os transtornos

Nível de explicação ontogenético

Nível de explicação filogenético

(Oliva, 2015)
Vulnerabilidade cognitiva e os transtornos

ü Os indivíduos adaptam-se aos contextos, de acordo com suas próprias


características, experiências e expectativas.

ü Os esquemas de crenças contribuem para a adaptação dos indivíduos ao


ambiente.

ü A “vulnerabilidade cognitiva” é a predisposição do indivíduo para síndromes


específicas.

ü Os indivíduos apresentam diferentes graus de propensão para fazerem


distorções cognitivas.

(Oliva, 2011, 2015)


Vulnerabilidade cognitiva e os transtornos

ü Nos transtornos de ansiedade - o foco de atenção da pessoa se fixa em um


ponto da situação, como se a sua sobrevivência estivesse ameaçada. O
sistema de defesa impede que outros significados sejam dados à situação e o
foco de atenção se mantém para o que é entendido como perigo. A reação de
esquiva, comum nessas ocasiões, reflete um mecanismo adaptativo. O
indivíduo se sente vulnerável àquilo que considera ameaçador e evita as
situações que deflagram ansiedade.

ü Na ansiedade o esquema de perigo e vulnerabilidade está ativo. No pânico o


esquema dominante é o de catástrofe iminente.

ü Na depressão, o indivíduo ativa um esquema de visão negativa generalizada


para todas as esferas da vida.

(Oliva, 2011, 2015)


Vulnerabilidade cognitiva em alguns transtornos de personalidade
ü Nos transtornos, a ativação dos esquemas disfuncionais promove um
afastamento dos esquemas que seriam mais adaptativos para a realidade; o
processamento de informação ambiental sofre interferência do sistema de
crenças.

ü Crenças disfuncionais deixam indivíduos suscetíveis a certas experiências


(vulnerabilidade cognitiva).

ü No transtorno de personalidade dependente - a vulnerabilidade se traduz na


forte sensibilidade à perda do amor e da ajuda.

ü Na narcisista, o esquema de vulnerabilidade é o medo de perder a autoestima.

ü Na histriônica, o esquema é o do fracasso na manipulação dos outros para obter


atenção e apoio.
(Beck, Freeman, Davis e cols., 2005)
Em Síntese...
Em síntese:
ü O entendimento do funcionamento mental se baseia na PE.

ü Nossa mente não seria uma tabula rasa, pois teria sido equipada pela evolução com mecanismos
especializados (modulares) que nos predispõem a agir de determinadas formas e não de outras.

ü As crenças são o resultado da interação entre fatores genéticos predisponentes e influências


externas (difíceis, traumáticas, não desejadas).

ü A vulnerabilidade cognitiva está apoiada em crenças extremas, rígidas e imperativas.

ü Temos prontidão para reagir a certos estímulos ambientais (repertório da espécie) – filogênese.

ü Os indivíduos variam nessa prontidão (ontogênese).

ü Conceitualizar é compreender o caso: fundamental ter um modelo de entendimento de como a


mente funciona.

Kuyken et al., (2010); Oliva (2011)


Referências bibliográficas

BECK, A. T., Freeman, A., & Davis, D. D. (2005). Terapia Cognitiva dos Transtornos de personalidade. Porto Alegre: ArtMed.

KUYKEN, W., PADESKY, C. A., & DUDLEY, R. (2010). Conceitualização de Casos Colaborativa: o trabalho em equipe com pacientes
em terapia cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.

OLIVA, A. D. (2011). Psicopatologia e adaptação: Origens evolutivas dos transtornos psicológicos. In B. Rangé (Org.),
Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria (pp. 104-117). Porto Alegre: ArtMed.

OLIVA, A. D. (2015). Origens evolutivas dos transtornos mentais e Terapia Cognitivo-Comportamental. In Federação Brasileira
de Terapias Cognitivas, C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone e B. Rangé (Orgs.), PROCOGNITIVA: Programa de atualização em
terapia Cognitivo-comportamental, ciclo 2, (pp. 09-60). Porto Alegre: ArtMed Panamericana. (Sistema de Educação
Continuada a Distância, v.2).

OLIVA, A. D. (2018). Manual de Psicologia Evolucionista: Origens evolutivas dos transtornos psicológicos. In M. E. Yamamoto
e J. V. Valentova (Orgs.), Modularidade Mental (pp. 98-118). Natal: EDUFRN.

OLIVA, A. D. (2019). Bases etológicas da ansiedade e do medo. In M. Bernik, M. Savoia, F. Lotufo Neto (Orgs.) A Clínica dos
transtornos ansiosos e transtornos relacionados: A experiência do projeto AMBAN (pp. 119-125). São Paulo: Edimédica.

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