Antes de continuar o tema da aula anterior sobre o
Sermão da Montanha, precisamos mostrar como o assunto que estávamos tratando nos permite esboçar a estrutura do tecido social cristão dentro de um contexto histórico e do problema da reprimarização da sociedade. Depois do que continuaremos a análise iniciada do Sermão da Montanha. Neste comentário paralelo eu gostaria de chamar a atenção para algumas coisas muito importantes. Estávamos vendo que o Evangelho de São Mateus conta a história de Jesus, de seu nascimento, morte e ressurreição, mas é muito evidente que o São Mateus tinha alma de teólogo. Mateus vai contando os fatos e narrando os ensinamentos de Jesus de uma maneira onde se percebe claramente que ele vai aprofundando o assunto como se estivesse desenvolvendo um tema e não apenas contando fatos apenas pelos fatos. E, nesse sentido, o Sermão da Montanha, já no começo do Evangelho de São Mateus, é muito significativo porque ele dá uma espécie de um resumo do miolo da doutrina de Jesus que depois vai ser aprofundado ao longo do restante do Evangelho. Então, eu estava chamando a atenção que existem três temas fundamentais no Sermão da Montanha e que esses três temas fundamentais estão relacionados, não apenas com a espiritualidade, mas também com a construção de uma sociedade cristã. E isto é muito importante porque no último milênio a sociedade está sendo desconstruída para ser reconstruída com outros fundamentos. Nesse último milênio estamos desconstruindo a sociedade que Jesus veio trazer. Já comentamos que a vinda de Jesus hacia sido profetizada pelo profeta Daniel quando ele viu aquela estátua do sonho de Nabucodonosor que tinha quatro partes. A cabeça era de ouro, o peito era de prata, a cintura era de bronze e os pés eram de barro. Daniel explicou que estas partes eram quatro impérios mundiais sucessivos: a Babilônia, os persas, os gregos e os romanos, e que quando viesse o dos romanos, seria atirada uma pedra que viria do céu e que se chocaria contra a base da estátua que seria o império romano. Então a estátua ruiria como se fosse pó e o reino que teria inicio não teria mais fim. Era o advento do Messias. Mas neste ponto eu estava me perguntando como é que podiria ser isto se, quando esta pedra se chocasse contra a base da estátua, o sonho dizia que a estátua inteira ruiria. Mas segundo a interpretação de Daniel, quando isto acontecesse, praticamente a estátua inteira já teria desaparecido. Só estaria presente a base da estátua porque a cabeça da estátua era o Império Babilônico, o peito era o Império Persa e a cintura era o Império Grego, e na época do Império Romano estes três primeiros impérios já não mais existiam e a estátua, portanto, apenas teria os pés. Como é que a estátua inteira iria ruir se ela praticamente já não existia e só tinha os pés? Eu entendo como resposta que na verdade a estátua inteira tinha uma só lógica, que era a lógica do paganismo, a lógica da sociedade pagã. A sociedade pagã era construída sobre o império do mais forte, não tinha leis que governavam a todos, não tinha constituições, a verdadeira lei era a vontade do soberano e a vontade do soberano estava acima de qualquer outra coisa. Estes faziam o que queriam e impunham o que queriam e isto vinha pela força e basicamente pela força militar, não se tratava sequer em última análise da força econômica. Era, ademais, uma sociedade de costumes extremamente bárbaros que hoje, mesmo com toda a corrupção que ainda temos, nós não estaríamos preparados para viver em um mundo como aquele. Isso tudo foi substituído por uma outra ordem, a ordem cristã. A ordem cristã durou mais ou menos um milênio e começou a ser desmontada por volta do ano de 1.300. Embora no início fosse um processo lento, a partir do ano de 1.300 começou um desmonte sucessivo. O processo formalizou-se pela primeira vez em 1648 quando se fizeram os Tratados de Westfália. Os Tratados de Westfália estabeleceram uma nova Ordem Mundial, explícita e documentada, que não era mais a cristã. A cristã não estava no papel, a cristã era consequência da pregação do Evangelho e dos próprios princípios que Jesus imprimiu à sociedade que adotasse o cristianismo. É justamente desses princípios que nós estávamos falando nas últimas semanas. Com os Tratados de Westfália instaurou-se explicitamente uma nova ordem mundial. Tentou-se manter esta ordem mais ou menos até o final da I Guerra Mundial. No final da I Guerra Mundial, as grandes fundações e outras organizações entenderam que a ordem de Westfália não servia mais. Seria necessário construir um governo único mundial, e substituir a ordem de Westfália por uma outra ordem na qual está-se trabalhando até hoje. Isto daí é impulsionado em grande parte, o grande motor desta nova ordem, tanto a westfaliana como esta nova, é o sistema financeiro. O sistema financeiro está substituindo como célula do tecido social, a estrutura famíliar, tomada em um sentido amplo, pela empresa. Ou dito em outras palavras, está-se substituindo uma sociedade primária por uma sociedade secundária. Examinadas as coisas sob esse ponto de vista, aí está a causa estrutural do grande problema da cultura da morte. A cultura da morte é necessária para você acelerar e aperfeiçoar esta nova ordem que está sendo construída. Não é possível construir completamente o que se pretende sem a Cultura da Morte. Visto sob esta ótica, o grande problema da Igreja e da sociedade é que nós estamos indo na direção de um novo tipo de escravidão que irá resultar dessa nova ordem, muito mais terrível do que as que já vieram, e isto está acontecendo basicamente porque nós abandonamos a ordem cristã que foi a única capaz de dissolver o velho paganismo com todas as suas consequências sociais. Assim, será importante examinarmos claramente como a mensagem do Sermão da Montanha pode repercutir sobre a estrutura social e como podemos usar disso para aprender a reprimarizar a sociedade, que é o assunto que temos tratado. Uma consequencia disto é que se realizarmos um trabalho a favor da vida, o que certamente é necessário e maravilhoso, isto entretanto não irá deter o movimento social em direção à cultura da morte, apenas irá retardar o seu desenvolvimento. Somente seria possível obter resultados que revertessem o processo se nós entendermos como funcionava e o que faz funcionar a estrutura de uma sociedade cristã. Era disto que estávamos falando e eu lhes chamava a atenção de que existem três grandes aspectos no Sermão da Montanha que são chaves para a mensagem cristã. Eu quero falar daqui a pouco como estas coisas repercutem na estrutura social se forem vividas do modo correto. Neste sentido, a primeira coisa que se observa no Sermão da Montanha e no Evangelho de São Mateus é o mandamento de ensinar. Assim que Jesus desce do monte das tentações, antes de pregar praticamente qualquer coisa, ele chama os pescadores e os convida a serem pescadores de homens. Eles aceitam e isto ocorre praticamente antes de haver sido ensinado qualquer doutrina. Depois, ao longo do Evangelho Jesus se refere várias vezes ao mandamento de ensinar. Ele diz no Sermão da Montanha que o maior no Reino dos céus é aquele que ensinar a muitos, não apenas aquele que cumprir os mandamentos, mas também que os ensinar a muitos. E, ao encerrar o próprio Evangelho, Jesus diz, como o seu último desejo, que vamos e ensinemos a todas as pessoas. Então, este mandamento, esta vontade de ensinar a todos, esta compulsão de ensinar a todos numa sociedade cristã é mais ou menos o equivalente em uma sociedade sociedade moderna do impulso de montar uma empresa para ter lucro. A sociedade moderna, a sociedade que está baseada na revolução industrial, está baseada no desejo de lucro. Os bancos emprestam dinheiro para as pessoas que são empresários em potencial e ao fazerem isto os sistema financeirto está explorando o desejo deles ganhar dinheiro e lhes estão dando os recursos para ganhar dinheiro. Com estes recursos montam uma empresa, expandem a empresa, cresce a empresa, abrem-se as filiais, alcança-se o monopólio, tornam-se megaempresários, milionários, bilionários e quanto mais eles tem, mais querem ganhar. É assim que se expande a estrutura empresarial que é o tecido básico da sociedade moderna. Numa sociedade cristã, a força que a conduz para adiante não é o desejo de lucro, mas é o desejo de ensinar e isso é bem característico do cristianismo. As religiões antigas, como o hinduísmo e o budismo e outras religiões orientais não havia este desejo de ensinar a todos. Este mandamento de ensinar é típico do cristianismo. Veio com o cristianismo e nós nos acostumamos tanto com esta idéia, apesar de não estarmos mais acostumados com a prática, que achamos que trata-se de algo normal e óbvio, mas a história mostra que não se trata de algo normal nem óbvia, trata-se de uma grande novidade que mudou o mundo. Então, esse é o primeiro elemento. O segundo elemento que já está no Sermão da Montanha é uma moral elevada. Jesus fala dela quando diz que se a nossa vida moral, a nossa justiça, não for maior do que a dos fariseus e dos escribas, que eram as pessoas religiosas da época, nós não conseguiremos entrar no reino dos céus. O primeiro capítulo do Sermão da Montanha é todo dedicado a preceitos morais levados a um grau de pureza e sublimidade muito maiores que os correntes, e existem outros que não estão no Sermão da Montanha, como por exemplo, a sublimidade com que São Paulo, na Epístola aos Efésios, fala do casamento, do modo como o marido deve tratar a esposa e a esposa deve tratar o marido. São coisas de uma sublimidade que o mundo antigo não conhecia e fazem parte da moral cristã. Esta moral que Jesus exige é um pré-requisito para que nós possamos entrar no reino dos céus, do que ele chama de reino dos céus, e esta entrada no reino dos céus é o terceiro elemento que está no Sermão da Montanha. No Sermão Jesus fala constantemente de entrar no reino dos céus e disso tamém se fala em todo o Evangelho. No capítulo 18 de Mateus, bem mais adiante, quando temos uma discussão em que os apóstolos começam a discutir quem será o maior no reino dos céus, Jesus chama uma criança, e antes de responder quem é maior no reino dos céus ele diz: “Se vocês não se converterem e se tornarem como uma criança, vocês não entrarão no reino dos céus”. Em vez de ele responder quem é o maior, ele primeiro coloca o problema: “Podemos dicutir quem é o maior no Reino dos Céus, mas antes é necessário entrar nele. Vocês não estão compreendendo o tamanho da pergunta que estão fazendo. Antes de discutirem quem é o maior, é preciso entrar primeiro. Se estamos fora não adianta discutir quem é o maior, nem dentro estamos”. Trata-se de um tema que, com esta linguagem ou equivalente, está em todo o Evangelho. Notem que quando Jesus diz para ‘procurarmos entrar pela porta estreita’, ele não se utiliza da palavra passar, mas entrar. Ele nos está dizendo que essa entrada é uma porta estreita e são poucos os que entram. Quando porém nos damos ao trabalho de investigar onde Jesus nos ensina como entrar em alguma coisa, veremos que ele está dizendo que há um lugar onde se entra pela oração. O sexto capítulo do Evangelho de Mateus, que é o segundo do Sermão da Montanha, é o lugar onde ele começa explicar como se entra em algum lugar, e esse lugar é aí chamado de 'nosso quarto': ‘Quando forem rezar, entrem no quarto, fechem a porta, vão para o lugar escondido onde o Pai lhes vê e lhes recompensa’. É aí que em seguida Jesus ensina o Pai Nosso. Esta passagem é o miolo da terceira parte. Jesus nos quer dizer que a vida moral, a simplicidade de criança, que é ao que uma vida moral bem conduzida acaba levando, é o requisito para se poder rezar e é através da oração que nós entramos no reino dos céus. Então é através da oração que se alcança aquela espiritualidade que acaba nos dando a autoridade de nos tornarmos filhos de Deus. Temos, portanto, estes três elementos básicos no Sermão da Montanha: o primeiro é o desejo de ensinar, e este vem antes porque só aprende quem deseja ensinar. Por isto este primeiro elemento deveria ser caracteristico das pessoas da sociedade cristã. Assim como não existe sociedade capitalista sem empresários querendo ganhar dinheiro, não pode existir sociedade cristã se não houver pessoas desejando ensinar. Em segundo lugar exige-se uma moral elevada, uma conversão para uma moral elevada que nos conduza a uma simplicidade de criança, e isto será o requisito para a vida espiritual. Sem que sejamos como uma criança nós não conseguiremos rezar. E a oração é indubitavelmente a terceira e a mais profunda das três partes. Pode-se constatar o mesmo ensinamento nos textos textos de Santa Tereza quando ela afirma que temos dentro de nós sete moradas, mas a partir da segunda só é possível entrar pela oração. Sem uma prática profunda de oração, na melhor das hipóteses, ficamos presos na primeira. Pela conversão, à qual Jesus também se refere no Sermão, pode-se alcançar o estado de graça e entrar pelo menos na primeira das moradas, mas dali para frente o caminho é basicamente pela profundidade da oração. Esta caminhada está resumida, nas suas etapas, nas bem-aventuranças. Antes destas coisas que estou mencionando estarem no Sermão da Montanha, há nele uma parte introdutória que são as bem- aventuranças. Nas bem-aventuranças, que são o pórtico de entrada do Sermão da Montanha, Jesus descreve as etapas que a pessoa percorre para poder realizar o que ele quer. Se examinarmos as bem- aventuranças sob esse ponto de vista, vamos encontrar o seguinte: a primeira bem-aventurança é “bem- aventurados os pobres pelo Espírito porque deles é o reino dos céus”. Aqui eu chamo a atenção que no original não está escrito ‘pobres de espírito’, mas ‘pobres pelo Espírito’. Este ‘Espírito’ é o Espírito Santo, e não uma daquelas três partes que compõe o ser humano de que que São Paulo fala na Epístola aos Tessalonicenses, o corpo, a alma e espírito (soma, psiquê e pneuma). O espírito da primeira bem aventurança não é o espírito do homem. O espírito da primeira bem-aventurança é o Espírito Santo. Quando traduzimos o texto como ‘pobres de espírito’ não percebemos este fato. Em vez disto, achamos que a primeira bem aventurança se refere a uma pessoa que tem um espírito de pobre, mas na verdade o sentido se refere àquelas pessoas que de alguma maneira foram alcançadas pela luz do Espírito Santo e elas perceberam a sua pobreza. São aquelas pessoas que perceberam que tudo o que elas fizeram na vida não vale quase nada diante de Deus e nas coisas verdadeiramente importantes ela é pobre. São pessoas que sabem que lhes está faltando a coisa mais importante, e quem as está fazendo perceber isto é o Espírito Santo que a está iluminando. Portanto estas pessoas estão procurando aprender. Se elas encontram alguém que sabe ensinar, elas irão ouvir com avidez. Estas pessoas são as que Jesus privilegia, são essas pessoas que vão acabar alcançando o reino de Deus, são estas aquelas pessoas que por uma graça sabem, sentem, percebem a sua pobreza. A segunda bem-aventurança no texto original original é a dos que choram. Nas versões que temos em portugues a segunda bem aventurança é a dos mansos, mas no original grego lemos a dos que choram. “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados”. Isto querr nos dizer que este chorar, aparentemente, é uma consequência da pobreza pelo Espírito. À medida que a luz se aprofunda, começamos não só a perceber o quanto somos pobres, mas também passamos a chorar: ‘Quanto tempo eu perdi em minha vida. Somente agora compreendo o que deveria ter feito. Por que eu não o fiz antes?’ Maravilha. Estas pessoas é que serão consoladas. Elas encontrarão alguma coisa. E então vem a terceira bem aventurança: “Bem- aventurados os mansos porque possuirão a terra”. No texto original os mansos não são os dotados apenas de mansidão, são pessoas gentis. O texto grego diz “bem-aventurados os praéis”. Os praéis, isto é, aqueles que têm praítes, são pessoas de uma gentileza que entendemos aqui tratar-se de uma gentileza sobrenatural. Trata-se daquela calma, daquela paciência, daquela educação, daquela alegria, daquele fino trato que vemos naqueles que já começaram a caminhar na vida cristã. Isto é algo nitidamente perceptível nestas pessoas. Prosseguindo as bem-aventuranças perceberemos que elas estão seguindo a lógica do resto do Sermão da Montanha. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão alimentados fartamente”. Eles serão saciados, ou melhor interpretando, eles serão alimentados com fartura. São aquelas pessoas que realmente depois de ter passado pelas três primeiras, estão em busca de uma verdadeira conversão de costumes. Têm fome e sede de justiça. Elas admiram nas pessoas santas, nas pessoas que são os exemplos do cristianismo, o heroísmo das virtudes, a bondade, a paciência, a candura, a castidade, a simplicidade, etc., e elas têm fome de praticar estas mesmas virtudes. Não estão ainda imitando a vida espiritual, porque para isto elas têm que primeiro adquirir aquela justiça sem a qual não conseguimos mergulhar na oração. Portanto, começam a ter esta fome e sede de justiça. Como consequência, elas começam a trabalhar para fazer o bem. Temos então a bem-aventurança seguinte: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”. Se alguém está realmente procurando uma conversão moral, irá acabar fazendo amplamente o bem aos outros, irá viver para servir, e é isto o que se espera destas pessoas. Um exemplo delas foi Madre Teresa de Calcutá e vemos que inclusive entre nós existem pessoas assim, que estão vivendo para fazer o bem sem pretender nada em troca, apenas porque tornou-se cristã. Antes de podermos ensinar o próprio Evangelho, antes de podermos testemunhar a vida sobrenatural que Cristo colocou em nós, normalmente vem este desejo de fazer o bem, e este é consequência da fome e sede de justiça, é a bem-aventurança da misericórdia. A prática da misericórdia costuma purificar o coração e essa purificação do coração é o que precisamos para que possamos começar a ter uma vida de oração profunda, para poder entrar naquele quartinho a que Jesus se refere. Notem como no Sermão da Montanha Jesus só fala do quarto onde entramos para rezar depois de ter falado longamente sobre a moral, com muita ênfase no amor ao próximo e no amor ao inimigo. Ele diz para fazer o bem aos que nos odeiam. O que é fazer o bem àqueles que nos odeiam? Se levarmos estes ensinamentos a sério, é a bem-aventurança da misericórdia. Isto significa que aquelas pessoas que adotaram a moral cristã, que não apenas não matam o próximo mas também não os insultam, que não apenas não cometem adultério mas se abstém até de um pensamento impuro, aqueles que são justos, acabam promovendo o bem inclusive daqueles que os odeiam. Isso é passar da justiça para a misericórdia. O passo seguinte está mais estreitamente relacionado com a oração. Ela corresponde mais plenamente nas bem-aventuranças aos ‘bem- aventurados os puros de coração porque verão a Deus’. Por que, como é que nós vemos a Deus? Vemos a Deus através da fé, através da prática da fé. São Paulo diz que quando nós estivermos no céu, a fé será substituída pela visão beatífica. Esta afirmação, examinada na ordem inversa, significa que enquanto nós não estamos no céu, o que faz as vezes da visão beatífica é a fé. Ora, a fé é aquilo pelo qual nós começamos aprender a rezar. Na aula anterior eu havia dito que entrar no quarto significa nos recolhermos, e fechar a porta é crer, principalmente crer em Cristo, crer que quando nos recolhemos e cremos, o próprio Cristo, em sua humanidade, por esta estar hipostaticamente unida à divindade, nos toca espiritualmente, real e intimamente. Isto ocorre porque Deus, em sua divindade, sustenta todas as coisas no ser e nada se esconde à sua presença. Ora, se a humanidade de Cristo está hipostaticamente unida à sua divindade, ela pode tomar conhecimento de qualquer coisa onde Deus esteja, e é o que acontece quando nós cremos. Quando cremos nós permitimos que o Verbo encarnado viva em nós. São Paulo diz que não é ele que vive, mas é Cristo que vive nele, e isto, segundo suas palavras dirigidas aos Gálatas, apenas porque ele crê no Filho de Deus. Então, quando nos recolhemos para rezar e cremos, estará acontecendo uma coisa semelhante ao que ocorre quando vamos à missa, comungamos e recebemos o corpo e sangue de Cristo. Nós não estamos recebendo um pãozinho, estamos recebendo o corpo do Senhor, é ele mesmo quem está ali em sua humanidade. Por isto, ao recebermos a Eucaristia nós nos recolhemos para amar esta sua presença. De um modo não idêntico mas semalhante, quando estamos rezando, recolhidos e crendo, podemos ter a certeza que naquele momento estamos permitindo que o Verbo encarnado nos visite e lhe damos a oportunidade para construir em nós a sua morada. Por isso as pessoas que conseguem fazer isso pela fé, já têm uma pureza de coração tal que de uma certa maneira eles já veem a Deus. Por este motivo o “bem- aventurados os puros de coração porque verão a Deus” se refere àquelas pessoas que já vivem uma vida de oração profunda. E a consequência disto é a bem-aventurança seguinte: “Bem-aventurados os que fazem a paz, os que constroem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”. Em algumas traduções encontramos escrito "bem-aventurados os pacíficos", como se se tratassem de pessoas calmas, mas não é exatamente isto o que está escrito no original. Ali lemos bem-aventurados os que fazem a paz, os que criam a paz. São aquelas pessoas que, por terem já experimentado, por terem sido testemunhas da habitação do Verbo encarnado e da própria Trindade em sua própria alma, por terem o testemunho de que na oração acontece alguma coisa sobrenatural, por terem provado o amor de Deus em seus corações, elas também podem testemunhar e ensinar isso para os outros em primeira mão, não porque o leram, mas porque o viveram. E quando elas leem como foi que isto aconteceu em outros, sabem interpretá-lo como quem também o viveu. Então tornam-se capazes de construir a paz. Admirem então que coisa surpreendente. As bem- aventuranças terminam no lugar onde havia começado o Sermão da Montanha, no desejo de ensinar. Porque é isto o construir a paz. É neste momento que Jesus diz que estas pessoas provavelmente serão perseguidas injustamente, e que é isto o que podem esperar. Do modo como haviam feito com João Batista, diz Jesus, irão fazer comigo, er do modo como farão comigo, farão também com vocês. Mas quando fizerem isto, se for por esta causa, porque vocês estão promovendo a paz, expludam de alegria porque deu certo o que era para dar certo, o reino do maligno está desabando. Não se preocupem com vocês, porque não lhes irá acontecer nada, o pior que poderão fazer-lhes será matá-los, mas vocês já estarão na posse da vida eterna. Mas em seguida, seja que aconteça a perseguição ou não, Jesus nos diz: “Vocês são o sal da terra e vocês são a luz do mundo”. "Não se pode esconder isto dos demais. Quando alguém acende uma lâmpada, ela ficará em cima da mesa. Uma cidade em cima de uma montanha não pode permanecer oculta". Esta é a conclusão das bem-aventuranças. Em outras palavras, Jesus nos mostrou como ele veio construir o seu reino, aquele reino da pedra que veio rolando desde as alturas e derrubou a estátua de Nabucodonosor através das pessoas que percorreram as sete ou oito bem-aventuranças, conforme se realizar ou não a oitava dfa perseguição. Serão sete se pararmos na construção da paz, serão oito se estes bem aventurados forem perseguidos. Estas pessoas que percorreram estas bem aventuranças e tiverem chegado aqui são a luz e o sal que Jesus quer acender e usar para construir o seu reino. Como sabemos disso? Sabemos disso inclusive pelo próprio Evangelho de São Mateus. Se lermos o restante do Evangelho, encontramos no capítulo 13 um conjunto de sete parábolas sobre o reino de Deus. Duas destas parábolas são muito interessantes, e foram interpretadas pelo próprio Jesus. Uma delas é a parábola do semeador: o semeador saiu a semear, uma semente caiu no caminho, outra no solo pedregoso, outra no espinheiro, outra em terreno fértil. Trata-se de uma parábola que começa falando de alguém que está semeando. A segunda é também de alguém que está semeando, é a parábola do joio e do trigo. A parábola do joio e do trigo diz que alguém foi semear um campo e semeou trigo, logo em seguida, à noite, veio o seu inimigo e semeou o joio. Em ambos os casos os apóstolos pedem para que Jesus lhes explique o sentido das parábolas e então Jesus diz: o semeador sou eu, a boa semente são os filhos do reino e o joio são os filhos do demônio. Notem que coisa curiosa: ele não diz que a boa semente é a sua palavra. Em vez disso ele diz que a boa semente são os filhos do reino, ou seja, ele está dizendo que existe um campo que ele veio semear e que ele está semeando este campo com pessoas, não com a palavra. Isto tem tudo a ver com o que ele fala quando diz que os que percorreram as bem aventuranças são o sal da terra e são a luz do mundo. Ele quer dizer que veio construir o reino dos céus exatamente com essas pessoas que percorreram as bem-aventuranças. No caso da parábola do semeador vemos também a mesma coisa. Quando Jesus interpreta quem é a semente que caiu no caminho, nas pedras, na rocha e na terra fértil, esta semente não é a palavra. A interpretação autêntica de Jesus diz que a semente que caiu no caminho é o homem que ouviu a palavra e não a entendeu. A semente é o homem, não é a palavra. A semente que caiu no caminho é o homem que não entendeu a palavra, não é a palavra que não foi entendida. A semente que caiu na terra pedregosa é o homem que entendeu a palavra, mas não tem perseverança; não é um tipo diferente de palavra, é o próprio homem que, apesar de tê-la entendido, não persevera. E a semente que caiu no espinheiro é também o homem que a ouviu, a entendeu e perseverou, mas não tem alma de criança; sua vida é um espinheiro, este homem não tem aquela simplicidade de criança, sua vida é um monte de aflições, sua vida é a vida de Marta, é vida da cozinha. Uma criança não se importa com a cozinha, uma criança faz tudo brincando, sua alma é leve. O que vemos então? Jesus diz que é ele quem está semeando, o reino de Deus é como alguém que está semeando, mas quem semeia é o próprio Jesus. E as sementes que ele está semeando são as pessoas. Quem são essas pessoas? São aquelas das quais ele pode dizer: vocês são a luz do mundo e o sal da terra. É com estas pessoas que ele vai semeando o reino dos céus. Mas agora a pergunta: o que essas pessoas têm para serem a luz do mundo e o sal da terra? Tanto quanto podemos entender, essas pessoas que são a luz do mundo e o sal da terra têm para que sejam isto é o que os próprios judeus percebiam que Jesus tinha e os escribas não tinham, é a autoridade. Mas por várias razões a ideia de autoridade adulterou-se. Hoje autoridade significa um cargo ou alguém que exerce um cargo. É nisto que hoje pensamos quando pensamos em autoridade, seria isto o que encontraríamos se procurássemos seu significado em um dicionário. Mas quando examinamos a palavra no Novo Testamento grego, temos uma surpresa. A palavra autoridade em grego é composta de duas outras palavras. Em grego autoridade é dita exousía. Ousía significa essência e ex significa proveniência, então, exousía é alguma coisa que sai da essência da pessoa, e isso é o que significa autoridade. Então, quando os judeus percebiam que Jesus tinha autoridade e os fariseus não a tinham, os doutores da lei não a tinham, o que eles queriam dizer é o seguinte: os doutores da lei estudaram, receberam seus diplomas, ganharam o cargo, foram eleitos para o sumo sacerdócio, mas da essência deles não procede nada, eles falam de coisas que eles leram, e suaautoridade é um atributo que os outros lhe deram, é um título, é um diploma. Jesus, porém, nada estudou, pelo menos nunca foi visto estudando, não possuía diploma, não foi eleito, não foi escolhido, não fez campanha eleitoral, não é nada, é um ninguém, é o filho do carpinteiro, nós nem sabemos se ele mesmo era carpinteiro, o que se diz é ter sido filho de carpinteiro. Mas este homem tem algo que sai de sua essência, ele tem autoridade. Quando ele fala nós sabemos que é verdade o que ele diz e não há como negar que não seja. Mas o que é interessantíssimo notar é que esta autoridade, esta exousía, é aplicada em outros lugares em que consultando as traduções não imaginaríamos que estivesse ali, e eu cito duas passagens especiais nesse sentido. A primeira é do Evangelho de São João, quando o ele diz assim: “A luz veio ao mundo e as trevas não o receberam. Mas aqueles que o receberam e creram no seu nome, Deus deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus", ou Jesus "deu- lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”. Este termo ‘poder’ não está bem traduzido, mas é o melhor que se pode fazer em português, porque outra tradução supostamente melhor não faria sentido. Mas o fato é que no texto original não se lê poder, mas exousía, está escrito 'exousía', autoridade. Mas como hoje autoridade não é mais exousía, não se pode traduzir a passagem usando as palavras corretas. Não existe mais na nossa linguagem a palavra correta. Perdemos o sentido da autoridade. Isto significa que quando o Evangelho de São João diz que aqueles que creram no seu nome ele deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, João está dizendo que ele deu-lhes autoridade de se tornarem filhos de Deus, e essa autoridade não é um diploma, mas é algo que jorra da essência. Esta autoridade é como se fosse um pedacinho da autoridade que tinha Jesus. É como se Jesus, através da fé, estivesse tomando toda a autoridade que ele tinha por ser o filho de Deus e a estivesse transplantando pouco a pouco para nós e com isto nós estivéssemos ganhando a autoridade de nos transformarmos em filhos de Deus. E isto acaba se tornando evidente aos olhos dos homens na sétima bem-aventurança quando se diz: “Bem-aventurados os que fazem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, isto é, a autoridade destas pessoas já é tanta que as próprias pessoas dizem: este homem é um filho de Deus. Isto significa, portanto, que o crescimento nas bem-aventuranças é um crescimento de autoridade no sentido grego da palavra, não no sentido da lingua portuguesa. Não se trata de uma autoridade para mandar sobre os outros. Trata-se de algo que jorra da essência. E aquelas pessoas que elas se tornam o sal da terra e a luz do mundo, são aquelas pessoas que estão no auge da autoridade, são pessoas que têm, tanto quanto é possível para uma criatura, uma parte daquela autoridade que tinha Jesus. Um outro lugar onde também se fala de autoridade e nós não o percebemos pelas traduções é a Epístola aos Hebreus, capítulo 13, verso 10, lugar em que São Paulo diz o seguinte: “Nós temos dentro de nós um altar, e neste altar os judeus que servem no tabernáculo ou no templo, que fazem sacrifícios de bois, de carneiros, de passarinhos, de farinha e etc., não têm autoridade para comer". "Nós temos em nós um altar onde os judeus que servem no templo não têm autoridade para comer", "não tem exousía para comer". Está escrito exatamente assim: "comer". Que altar é esse? Um altar é um lugar onde se faz um sacrifício. Este altar que está dentro de nós, onde os judeus não têm autoridade para comer, é aquele mesmo quartinho de que Jesus fala no Pai Nosso. Quando Jesus fala no Pai Nosso “entra no teu quarto, fecha a porta e vai para um lugar escondido”, este quartinho é o altar da Epístola aos Hebreus. Por que São Paulo o chama de altar? O motivo é que, assim como para entrar no quartinho temos que nos recolher, assim também temos que morrer para o mundo para subir no altar. Para poder comer do sacrifício, havia que primeiro sacrificar-se a vítima. Era necessário tomar a vítima, matá-la, queimá-la, e quando ela já estiversse bem morta o sacerdote comeria o que tivesse restado. Então ter um altar é equivalente a entrar no quarto, é equivalente ao recolhimento, é necessário imolar-nos a nós mesmos para poder subir neste altar e poder oferecer um sacrifício. E o que iremos comer ali? Nada mais nada menos do que a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo diz: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, este tem a vida eterna". "Eu sou o pão da vida, quem me come não morrerá jamais. Não é como o maná do deserto". Ele próprio é a árvore da vida, "quem come dela viverá eternamente". São Paulo, portanto, está dizendo que nós temos um altar dentro de nós, onde temos que sacrificar a nós mesmos, temos que morrer para o mundo e, pela fé, pela fé em Cristo, poder comer o que está lá dentro, alimentar-se do próprio Cristo, que é o que fazemos na Eucaristia e na oração. Para aqueles que estão servindo no altar dos judeus, aquele altar era apenas um símbolo do verdadeiro sacrifício e da verdadeira comida, eles não tinham exousía, não tinham autoridade para entrar no nosso. Mas agora regressemos ao Evangelho de São João. Perguntamos para quem Deus deu a exousía para se tornarem filhos de Deus? João diz que é para os que creem em seu nome, que não nasceram nem do sangue e nem da carne, mas nasceram de Deus, aqueles que creram em seu nome. A comida do altar é, portato, para aqueles que se recolheram e fechando a porta pela fé vão se alimentar do próprio Verbo encarnado. Para isto é necessária uma exousía, e à medida em que vai-se comendo, a exousía vai aumentando, e acaba aumentando de tal maneira até que nos tornemos o sal da terra e a luz do mundo, e é com essas sementes que Jesus quer construir o seu reino, aquele reino que rolou desde o alto, derrubou a estátua de Nabucodonosor e não terá jamais fim. Este então é o segredo, o segundo segredo, o segundo elemento da estrutura da sociedade cristã. O primeiro elemento é o desejo de ensinar e o segundo elemento é autoridade, a autoridade espiritual, a exousía, aquela que vem através de uma consciência pura, nas palavras de São Paulo a Timóteo, que é a mesma justiça de que fala Jesus, é a vida moral íntegra e elevada de que temos que ter fome e sede e que se aprimora pela vida espiritual de oração, por aquele altar que existe dentro de nós, onde nós temos que entrar e fazer este sacrifício de nós mesmos, livrar-nos do amor do mundo para que o amor do Pai possa viver em nós, para que nós possamos nos unir a Cristo. Então, dessa vida espiritual irá surgir aquela exousía que será a luz do mundo e o sal da terra com o qual Jesus pode construir o seu reino. Ele está semeando o campo onde os filhos do maligno estão semeando o joio. A consequência disto tudo são aquelas que vemos quando consideramos a sociologia do tema. Os dois grandes elementos que constituem a sociedade cristã são o desejo de ensinar e a bipartição do poder de governar entre o poder espiritual e o poder temporal. A característica da sociedade cristã é ser o governo da sociedade dividido entre o poder temporal e o poder espiritual. Os dois poderes governam a mesma sociedade humana simultaneamente e independentemente um do outro. Então a Igreja não constitui apenas um poder independente do poder civil que governa com independência a si mesma, enquanto apenas o poder civil governa a sociedade. Em uma sociedade cristã tal como estabelecida por Cristo a sociedade é governada tanto pelo poder espiritual como pelo poder temporal. E o poder temporal para governar a sociedade precisa da força física, do exército, da polícia e da economia. O poder espiritual não usa nenhuma destas coisas, usa em vez disso pura e simplesmente a exousía, o fato de ser o sal da terra e a luz do mundo, que cresce pela vida espiritual conduida através de todas as bem-aventuranças. Com isto as pessoas tornam-se capazes de governar. Este poder espiritual não é apenas aquele que está no Papa ou nos bispos. Este poder espiritual, para poder ser efetivo, tem que estar em todos, tem que existir na sociedade inteira, inclusive porque, se não existir na sociedade inteira, os bispos e o Papa não irão possuí- lo senão por atribuição. Papas, bispos e sacerdotes, antes de eles serem Papas, bispos e sacerdotes, nasceram leigos. Não se nasce padre e bispo, nasce-se leigo. Então, se o leigo já não tem exousía, quando ele se tornar sacerdote também não a terá. Pode acontecer que ao preparar-se para o sacerdócio este homem se converta, mas isto será uma contingência, jamais seria a regra. Então, na verdade, para que possa haver um poder espiritual que efetivamente governe, a exousía tem que estar amplamente distribuída em toda a sociedade inteira e isso só irá acontecer se houver simultaneamente o desejo de ensinar. As duas coisas, portanto, estão extremamente entrelaçadas. Se não houver o desejo de ensinar e não houver uma exousía amplamente distribuída, o que irá acontecer é que não haverá exercício efetivo do poder espiritual, só comandará a sociedade o poder temporal baseado na força e este poder temporal irá acabar se corrompendo. O poder temporal, abandonado a si mesmo se corrompe e torna-se o poder pagão ou o poder da nova ordem que é, em última análise, o poder do sistema financeiro que está causando todo o estrago que estamos vendo. Portanto, enquanto não conseguirmos compreender estes elementos e trabalharmos no sentido de que possamos refazer a estrutura da sociedade nestes moldes, enquanto não entendermos que estas coisas não se fazem por decreto, que estas coisas se fazem através de um trabalho muito profundo do tipo que vemos que os apóstolos faziam, a cultura da morte irá continuar a se desenvolver. Mas há uma outra coisa, não propriamente um terceiro elemento, mas um elo tremendamente importante entre estes elementos, sem o qual estes dois elementos não bastariam. Do ponto de vista dos princípios bastariam estes dois elementos, mas do ponto de vista prático está faltando um elo entre ambos. Isto porque o que acontece é o seguinte: como é que progride a cultura da morte? A cultura da morte progride na medida em que a sociedade se secundariza, e ela é consequência deste secundarização. A Cultura da Morte é consequência de que a estrutura básica da sociedade, que eram as famílias, entendendo famílias principalmente no sentido de famílias espirituais, não necessariamente biológicas, são substituídas como estrutura básica do tecido social por instituições secundárias, por empresas. Então, na medida em que o número de empresas vai aumentando, em que vai se destruindo a estrutura familiar e substituindo na estrutura social umas pelas outras, estamos criando os alicerces para promover a cultura da morte. Esse crescimento desordenado da estrutura empresarial às custas da estrutura familiar é a consequência do trabalho desordenado do sistema financeiro. O sistema financeiro não é necessariamente algo ruim mas, do modo como está operando é exatamente isto o que ele está provocando. Provocou uma revolução industrial que desordenou a estrutura social de modo a substituir o tecido social constituído pela a família e colocando em seu lugar a empresa. A base da empresa não é a exousía, a autoridade na empresa é em grande parte extrínseca, podendo haver aí algumas virtudes de administrativas e de liderança, mas definitivamente não são a exousía do Evangelho. Vamos porém ao ponto. Para ter surgido a sociedade contemporânea e a cultura da morte não foram suficientes apenas o simples dinheiro e o desejo do lucro. A cultura da morte precisou criar essas células básicas num número cada vez mais crescente e exponencial. A mesma coisa ocorre em um processo de cristianização da sociedade. Não basta apenas o desejo de ensinar e o desenvolvimento da exousía que vem através da espiritualidade e da intimidade com Cristo. A exousía deve ser usada para construir uma família. Assim como não basta o dinheiro para construir uma sociedade secundarizada, mas ele teve que ser utilizado de uma certa maneira, teve que ser emprestado por entidades que sabiam emprestá-lo para promover o financiamento de indivíduos que o receberiam para construir empresas. A mesma coisa, em outro plano, ocorre em uma sociedade cristã. As pessoas que, por causa de terem sido atingidas pelo mandamento de ensinar, vão adquirindo essa exousía, precisariam ter consciência que elas precisam montar o rquivalente das empresas. O que estamos chamando de equivalentes das empresas, no nosso caso, não são empresas, são famílias no sentido cristão da palavra. É justamente isso o que temos tentado mostrar aqui entre nós. É por isto que estamos pedindo que nós possamos separar um tempo para rezar, um tempo para formar as pessoas, juntar um grupo e fazer com que, através dessa exousía que recebemos através da fé e da oração, possamos aprender a montar uma instituição primária, uma família espiritual cuja finalidade não é ganhar dinheiro, mas uma outra vida muito melhor, a verdadeira vida, aquilo que Jesus chamava se simplesmente a Vida. É a ilusão dos que buscam construir uma empresa. Estão também buscando uma outra vida, mas perto daquela a que Jesus se refere, esta não passa de simples ilusão. Para conseguir esta suposta vida, a finalidade que uma empresa busca é ganhar lucro, dinheiro, muito dinheiro, bastante dinheiro. É visível isto nas conversas entre empresários. Um diz ao outro: “Colega, descobri um novo negócio, dá para ganhar dinheiro, muito dinheiro, é muito dinheiro mesmo”. Este é o motor deles. Exatamente em um sentido semelhante, é importante notar que uma família espiritual não é um lugar onde podemos passar um fim de semana, encontramos amizades não fingidas, satisfazemos carências afetivas e podemos encontrar um ouvido que escute nossas tristezas. Assim como uma empresa está em busca de lucro, em uma família espiritual estamos em busca de Deus, compartilhar sua intimidade e sua própria vida. A família espiritual pretende fazer com que as pessoas tenham sede de Deus e consigam alcançá-lo como os grandes empresários sabem alcançar o lucro. Quando São Bento escreveu a sua regra monástica, ele também explicou como deviam ser convidados os monges que fariam parte da casa beneditina. Ele diz: "Vamos montar uma escola do serviço divino e o Abade tome cuidado de chamar as pessoas certas", assim como o empresário tem que chamar para a empresa os empregados que saibam trabalhar e que sejam competentes. O critério que São Bento dá para encontrar a pessoa competente para fazer parte do mosteiro beneditino é, em primeiro lugar, verificar se ele realmente está procurando a Deus. Na empresa deve- se chamar aquele que está procurando ganhar dinheiro. O empregado que que quer ganhar dinheiro é o empregado certo, porque ele irá ganhar dinheiro para ele e para o patrão também. No mosteiro de São Bento não se busca dinheiro, busca-se Deus. Busca-se aquela intimidade divina de que Jesus diz que é o reino de Deus, aquele encontro com a Santíssima Trindade que se dá através do Verbo Encarnado. As pessoas que estão procurando Deus que São Bento está buscando são aqueles que têm fome e sede da experiência de Deus, que têm fome e sede de chegar àquela perfeita unidade com Cristo do qual se fala no Evangelho. E São Bento diz que este é o primeiro e fundamental critério. Se a pessoa não está procurando a Deus, se nem sequer entendeu o que seja isto, se ela está apenas querendo um bom lugar onde a vida seja mansa, onde não haja corrupção, que tenha os horários regrados, onde haja bosques, passarinhos e sinos tocando, onde as pessoas rezam na hora certa ao som de músicas sagradas, onde a vida seja muito honesta, onde ninguém fale mal de ninguém e todos vivam em paz, mas ele não está procurando a Deus, ou pensa que é isto que seja buscar a Deus, este homem não é o homem que São Bento procura. Assim como em uma empresa os que estão procurando apenas um lugar para passar seu tempo, onde se façam alguma coisa interessantes e se possa receber um salário garantido no fim do mês não prestam para a empresa. É necessário produir dinheiro e querer ganhar dinheiro. Em seguida São Bento coloca mais três condições: se ele ama a oração, se está disposto a se corrigir de seus defeitos, e se tem paciência na adversidade, ou seja, se tem hypomoné. O texto original não menciona corrigir defeitos. Em vez disso São Bento escreve se ele é capaz de obedecer ao Abade. Mas no mosteiro beneditino a obediência não é principalmente administrativa, nem para fazer um trabalho externo como se exigiria de uma corporação militar. A obediência beneditina é principalmente para que o Abade possa corrigir os defeitos do monge que os próprios monges não conseguem perceber. Então, na verdade, São Bento está se referindo à pronta humildade para ser corrigido. Esses três requisitos, a oração, a disposição para ser corrigido e a paciência diante da adversidade não são finalidades. São três requisitos ou qualidades que o monge precisa ter para não ser incoerente com a verdadeira e única qualidade pretendida que é o procurar a Deus. Se alguém afirma querer procurar a Deus mas não gosta de rezar, está na verdade querendo comer o bolo sem cortá-lo. Se alguém afirma querer procurar a Deus, mas não aceita corrigir-se, está também querendo comer o bolo sem cortá-lo. E alguém não tem paciência na adversidade ou, de modo geral, não tem paciência e perseverança em nada, também ocorre o mesmo. Mas o verdadeiro e essencial requisito é o primeiro. Então, se existe este motor, se aceitamos o mandamento de ensinar e estamos procurando a Deus pela vida do espírito que nos une ao Verbo encarnado para formar Cristo em nós, se permitimos que Cristo viva em nós para que ele nos aproxime da Santíssima Trindade, então, à medida em que percorremos este caminho e chegamos ao ponto de possuirmos aquela autoridade, aquela exousía, que nos transforma no sal da terra e na luz do mundo, neste ponto o que temos que pensar em fazer não é querer imediatamente consertar o mundo, mas para isto formar uma família, porque o tecido social, os grandes tecidos sociais que existiram eram as famílias espirituais no primeiro milênio e no segundo milênio passaram a ser as empresas. Foi através dessas células que elas se construíram e reconstruiram os tecidos sociais. Temos aí os elementos básicos para aprender a fazer isto. É um aprendizado que deve ser alcançado pela prática. Trata-se de uma experiência profunda, delicadíssima, sofisticada, riquíssima, mas é isto que irá fazer a sociedade voltar a ter uma estrutura primária. Significa entendermos o mandamento de ensinar. Quando dizemos para que todas as semanas vocês façam uma formação com seus grupos isto é o mandamento de ensinar, embora ainda não seja aquele mandamento de ensinar que os puros de coração que já vêem a Deus são capazes de realizar. Pelo menos, porém, vai-se começando a colocar essa disposição dentro de nós. Não é possível pretender construir uma sociedade cristã sem ter essa vontade extraordinária de ensinar, assim como não é possível construir um mundo capitalista sem ter uma vontade extraordinária de construir empreendimentos, empresas, tudo que produza dinheiro aos montes, sem pedir mais dinheiro emprestado para os bancos. Há que se trabalhar para ganhar dinheiro. Na sociedade cristã temos que trabalhar para ensinar, não a troco de dinheiro, mas em busca da verdadeira vida, que alcança-sepela intimidade divina que nos chega através de Cristo Jesus. Essa intimidade deve ser buscada pela pureza da consciência e pela vida de oração, a que está ensinada no Evangelho. Ao fazer isto, se seguirmos o passo-a-passo das bem-aventuranças, acabamos alcançando aquela autoridade que nos permite não mudar imediatamente o mundo inteiro, não nos tornamos o Papa para reformar a Igreja, mas a autoridade necessária para poder formar uma família. E à medida em que mais e mais pessoas adquiram este gosto, ocorre algo que é análogo à necessidade de se ter criado um empresariado e um sistema bancário para que fosse construida a sociedade moderna. Assim como estas coisas foram necessárias, assim também é necessário, na sociedade cristã, que desabrochem multidões que vibrem com a ideia de formar uma família. Quando eu estou falando em família pode ser também a família biológica, mas a verdadeira família biológica sacramental não é apenas aquela que deseja ter muitos filhos, mas aquela que os deseja para poder ensiná-los profundamente no caminho da santidade. O que é o mesmo que deve acontecer em todas as famílias espirituais. Promove-se a construção de uma família espiritual não para que possamos chorar as mágoas quando as coisas estiverem tristes, não para termos um lugar onde para passar o fim-de-semana com pessoas com as quais possamos conversar, mesmo que se tratem dos assuntos mais elevados, a família espiritual é o lugar onde se possa fazer o equivalente do ganhar dinheiro na sociedade capitalista, é o lugar onde se pode aprender a buscar e encontrar a Deus, aquela proximidade com Deus de que Jesus é o exemplo máximo. Eu creio que falando as coisas deste modo fica mais claro a todos alguma coisa de qual foi a intenção de Deus quando determinou a Encarnação do Verbo. Se atentarmos ao que diz a Escritura, tudo isto de que estou falando é apenas uma pequena fagulha do que é um grandioso plano de seu amor. Ainda não subiu ao coração do homem o que Deus prepara para aqueles que o amam. Mas eu quero terminar chamando a atenção para o que está acontecendo agora. Estamos assistindo uma nova versão da parábola do joio e do trigo, um enredo da velha psicologia de quem Jesus chamava de seu inimigo. Pode-se perceber historicamente que a partir dos anos 1300 começou a ser questionado o poder espiritual. Assim como no campo em que deveria florescer o trigo surgiu uma outra semente que parecia trigo, mas não dava flor, começou então a ser cultivada uma nova forma de autoridade que parecia autoridade, mas não tinha exousía. Começou-se a tentar desconstruir por dentro a estrutura da sociedade cristã. A partir dos anos 1300 começaram a surgir autores, filósofos e pensadores, que começaram a escrever obras que questionavam a autoridade espiritual. Passou-se a propor uma sociedade laica onde o verdadeiro poder se concentrasse no poder temporal sem moderação do espiritual. O fato disto somente ter começado a acontecer seriamente depois de 1300 e que todo este movimento tivesse provindo do meio universitário não é para causar espanto. Na verdade, é bem sintomático. Com o advento da universidade começou a ser possível dar uma autoridade, que parecia autoridade, a pessoas e instituições que não tinham autoridade. Vamos entender bem. Nada impede que na universidade se entregue um título a quem realmente tenha algum tipo de conhecimento, mas não foi apenas isto que aconteceu. Passou-se a atribuir também autoridade a quem não tinha exousía. Na verdade, tratou-se ademais de algo muito além disso, começou a ser construído um novo tipo de autoridade que não tinha exousía, começou-se a separar a exousía da autoridade e a criar um poder temporal que não era pela força, mas também não era um poder espiritual, mas um poder que se assemelhava ao espiritual. O processo se tornou mais virulento à medida em que ele começou a atrair a atenção de outros personagens que tinham grande interesse em criar este novo tipo de autoridade que seria apenas por atribuição. No mundo antigo existia apenas autoridade da força que podia ser exercida sem nenhuma moderação. Este tipo de autoridade conduziu o mundo a uma barbárie hoje dificilmente imaginável. Com o advento do cristianismo esse tipo de autoridade pela força continuou a existir. É o tipo de autoridade que era exercido pelo poder temporal, mas moderado pela autoridade espiritual. A delicadeza dessa moderação estendeu-se até mesmo ao nível do consórcio conjugal onde o marido passou a amar a esposa como o Cristo amou a Igreja e vice-versa e onde toda paternidade passou a derivar daquela paternidade que é a exercida na Santíssima Trindade por aquele que é o Pai de todas as luzes. É interessante notar que ambas essas ideias sobre o consórcio conjugal e a paternidade humana estão simultaeamente contidas em um mesmo livro, a Epístola de São Paulo aos Efésios, um escrito onde o Apóstolo onde não sem razão está claramente empenhado em tentar apresentar a profundidade do mistério do Evangelho. Estes detalhes mostram o quanto na sociedade cristã a exousía não está concentrada em uma só instância, mas se distribuí capilarmente em toda estrutura social e modera, e inclusive frequentemente sublima, a própria autoridade pela força. Mas com o advento da universidade foi possível, inicialmente parasitando a autoridade espiritual, iniciar-se a construção de um novo tipo de autoridade que não era baseada nem na força, nem a exousía, mas na atribuição. Este tipo de autoridade pôde crescer, pôde multiplicar-se e até mesmo pôde utilizar-se do poder temporal pela força como se fosse um seu instrumento para crescer ainda mais e até pretender uma concentração de poder muito acima daquela que teria o próprio poder espiritual. Em 1648, depois da guerra dos 30 anos, por meio do Tratado de Westfália foi formalmente reconhecido e instituído este novo estado de coisas. Foi criado um novo conceito de nação soberana ou de soberania da nação que é, na verdade, uma forma concentrada de autoridade por atribuição sem moderação externa, ao mesmo tempo em que se bania, ou se criavam os mecanismos e as instituições para vir a banir qualquer desenvolvimento do poder espiritual enquanto parte do tecido social. Antes do período entre 1300 e 1648, não havia poder propriamente soberano no conceito moderno do termo. A autoridade era harmoniosamente distribuída na sociedade e não havia nenhuma instância que se atribuía uma soberania que não pudesse ser partilhada e moderada por muitos de modo real e não apenas artificialmente atribuída por um poder central e soberano também atribuído. É importante notar, sem que possamos desenvolver aqui este tema, que um poder artificialmente atribuído pode também muito facilmente ser artificialmente roubado. A criação da autoridade por atribuição conduziu à facilidade com que foi criado e aceito o sistema bancário moderno onde o papel e o cheque puderam passar a ter um valor sem correspondência real. A princípio esta era somente uma exceção possível, mas à medida em que crescia essa nova forma de poder, o que era exceção passou a se tornar a regra predominante. Mas sem o desenvolvimento prévio do sistema universitário dificilmente teria sido possível criar o sistema financeiro moderno. Hoje, a verdadeira autoridade que comanda a sociedade é uma autoridade meramente atribuída. Esta autoridade atribuída se desenvolveu a tal ponto que tomou para si, como simples instrumento, a própria autoridade da força. Por outro lado, a autoridade espiritual, que apesar de tudo ainda existe, acabou se desenvolvendo na Igreja, imersa em uma sociedade pós-westfaliana, principalmente no âmbito clerical a nível institucional, e não como parte estrutural do tecido social. Apesar de que o clero, se possui uma autêntica vida espiritual, ser capaz de exercer uma autoridade espiritual efetiva, esta autoridade não consegue transformar-se em parte da estrutura da sociedade. Este fato dá liberdade a uma forma de crescimento descontrolada da autoridade por atribuição que nem sequer o próprio poder da força é capaz de moderar ou de deter. O crescimento descontrolado da autoridade por atribuição desembocou no desenvolvimento da cultura da morte que é produto de ideologias gestadas e concebidas dentro do sistema universitário. A cultura da morte cumpre o papel social de anestesiar as pessoas e as possíveis sementes de um poder espiritual que poderia moderar o poder descontrolado da autoridade por atribuição. Neste sentido, a cultura da morte não somente é produto do crescimento desordenado da autoridade atribuída, mas é também um poderoso combustível desse mesmo crescimento desordenado. Isto irá levar a uma concentração ainda maior desta nova forma de poder. Esta nova forma de poder não só pode, como está sendo conduzida, em última análise, para se tornar um instrumento de poder tirânico mais terrível do que foi o próprio paganismo pré-cristão. Entramos em um esquema onde se pretende que não seja mais possível caminhar em direção à construção de uma sociedade cristã fundamentada no mistério da Encarnação. Observem então que coisa extraordinária. Sem estar analisando exatamente as coisas neste prisma como estou aqui fazendo, quando foi convocado o Concílio Vaticano II, isto foi feito, em primeiro lugar, para discutir a crise do mundo moderno. O motivo de ter sido convocado o Concílio Vaticano II não estava em um problema interno da Igreja, mas era a crise do mundo moderno. E uma das consequências disto foi que o Concílio Vaticano II estabeleceu que, a partir dele, foi definitivamente reconhecido que o apostolado é direito de todos os cristãos. E que quando o clero não for suficiente ou não for capaz para realizar o apostolado, passa a ser também uma obrigação de todos os cristãos. Esta determinação era um dos pontos fundamentais que eram necessários para que pudéssemos aprender aos poucos a voltar ao esquema do primeiro milênio onde realmente o cristianismo conseguiu primarizar a sociedade e derrotar o paganismo porque por mais que o clero trabalhe e tenha vida espiritual, o clero não poderá conseguir multiplicar as estruturas primárias a ponto delas recomporem o tecido social básico. Enquanto os leigos não fizerem isso, enquanto os cristãos comuns não começarem a realmente receber esta autoridade que vem através do exercício das virtudes teologais e do desejo de ensinar, enquanto estas pessoas não começarem a criar as estruturas primárias, se depender apenas do clero, isso não irá acontecer nunca. Então vejam que nesse sentido, quando ouvimos falar que o Concílio Vaticano II foi uma peste, estas pessoas que dizem isto não estão entendendo o que dizem. Na verdade, ele foi uma benção, mas o Maligno o compreendeu e despejou de uma só vez todo o estoque de joio que havia no inferno para não deixar o trigo crescer.