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Medo, emoção e sentimento

A origem da ansiedade

Do ponto de vista biológico, a EMOÇÃO pode ser definida como o final de


um processamento bem orquestrado de todo o nosso organismo, que
ocorre sem que tenhamos consciência disso. Trata-se de um fenômeno que
pode ser explicado por dezenas de milhares de anos de evolução.

Imaginemos uma situação:Um de nossos ancestrais primitivos, com fome,


depara com uma árvore cheia de frutos, mas, não muito distante dali,
identifica um predador capaz de matá-lo. Com essas duas percepções
simultâneas, ele tem que tomar uma decisão: pode correr e tentar pegar o
alimento na árvore, ou optar pela segurança, escondendo-se. O dilema de
tentar pegar o alimento ou não engloba uma série de decisões, que são
tomadas em uma fração de tempo bastante curta. Nossos ancestrais
avaliavam, sem ter consciência disso, várias coisas simultaneamente: o
quanto se tem fome, se aquela quantidade de alimento é grande, que risco
vale a pena ser corrido.

Duas escolhas então são possíveis e cada uma delas coloca uma
emoção em primeiro plano:

Caso se conclua que a chance de comer o alimento é maior do que ser


devorado pelo predador, surge a emoção CORAGEM.
Se a probabilidade de ser comido pelo predador for maior do que a de
alcançar o alimento, nasce a emoção MEDO.
Foi assim, aliás, que o medo se tornou um elemento protetor da
espécie: avaliar perigos e evitar riscos desnecessários aumenta nossa
segurança e, por extensão, nossa chance de sobrevivência.
Nós, seres humanos, compartilhamos essa capacidade de sentir medo com
todas as espécies, até mesmo com as bactérias. Tais microrganismos
apresentam movimento de retração quando, por exemplo, uma superfície
pontiaguda se aproxima deles. Note que as bactérias são seres unicelulares
que não apresentam um sistema nervoso estruturado. Isso mostra que o
medo é uma entidade que pode acontecer independentemente da
consciência que temos do que está ocorrendo.

Sentimento e emoção são a mesma coisa?

A EMOÇÃO é resultado de processos bioquímicos que acontecem no


interior de nosso organismo – e também no de outras espécies – e que
permitem analisar uma situação como uma ameaça à sobrevivência ou
como uma oportunidade. Assim, as emoções acontecem
independentemente de nossa percepção racional e clara das coisas.
Uma vez que tomamos consciência de nossas emoções também passamos
a chamá-las, sob rigor técnico, de SENTIMENTOS. Assim, retomando a
situação que apresentamos no item anterior, se nosso ancestral
compreende que está sentindo medo, a emoção se torna sentimento.
Quando nomeamos o que estamos sentindo, contamos histórias sobre o
porquê de as coisas estarem acontecendo e nos tornamos capazes de criar
memória. A ciência hoje nos mostra que o cérebro, ao longo da evolução
humana, adquiriu a capacidade de transformar a emoção, algo mais
primitivo, em histórias que podem ser armazenadas.
Mas, afinal, existe alguma vantagem nesse processo?

Sim, e é simples compreendê-lo: com a memória, nós nos tornamos


capazes de planejar, de projetar, de esboçar, de delinear, de esquematizar,
diferenciando aquilo que é perigoso daquilo que é seguro. Essa capacidade
deu aos seres humanos uma fantástica vantagem evolutiva: a possibilidade
de planejamento e de execução de nossos atos.

A mente mente

A preocupação não é, necessariamente, algo ruim. Muitas vezes, ela


pode ser boa, sobretudo se nos ajuda a antever situações que podem
causar problemas.
Mas a preocupação também pode nos atrapalhar, tornando-nos
improdutivos. Isso ocorre quando não podemos fazer nada para
eliminar o que está nos preocupando.
Ter preocupação com deslizamento de terras para quem mora numa
encosta de morro é aceitável. Aliás, esse sentimento pode ser protetor.
Agora, um morador de um edifício numa grande capital brasileira temer um
terremoto de alta magnitude não é plausível. O problema é que nem
sempre é fácil regular essas preocupações.
Uma boa maneira de lidar com isso é lembrar que o que estamos sentindo
está sendo estruturado a partir de histórias que contamos para nós
mesmos.

Por exemplo...Em uma situação em que teremos que falar em público,


podemos pensar: “Estão todos me olhando” ou “Vai me dar branco”.
Esses pensamentos estruturam e reforçam a preocupação, ampliando as
dificuldades.

Este é o problema: a mente mente.


Não é raro que as histórias que contamos e que os sentimentos que
decorrem daí não sejam coerentes com o que está acontecendo. Não é
porque estamos pensando “Vai me dar branco” que isso efetivamente vai
ocorrer.

Se nos tornamos capaz de identificar as histórias que estamos nos


contando, podemos verificar se elas são compatíveis ou não com a
realidade. Esse pode ser um caminho bastante interessante para redefinir
não só nossos sentimentos, mas também nosso comportamento.

Você tem medo do quê?

Você já ficou tão ansioso com alguma coisa a ponto de isso prejudicar você?

Já deixou de fazer algo que poderia ser muito bom porque, simplesmente,
não soube superar os seus medos?
Já ficou muito tempo sofrendo por causa de algo que você achou que
pudesse acontecer?
Se a resposta a essas perguntas foi afirmativa, não se preocupe. Essas
sensações são absolutamente naturais. Desde muito cedo, sentimos MEDO.
Quando crianças, podemos ter medo de nos perder de nossos pais ou de
ficar sozinhos à noite, por exemplo. O tempo passa, e podemos até superar
esses medos, mas outros vão aparecer.
Temos medo de perder o emprego, de não sermos aceitos em um grupo,
de ter interesse por alguém e não ser correspondido. Às vezes, é só um
incômodo; às vezes, pode ser desesperador.

Todos nós sabemos o que é sentir medo e, em princípio, ninguém gosta


disso. A notícia boa é que, se você puder entender seus medos e a forma
como eles influenciam seu comportamento, você terá muito mais
segurança para enfrentar certas situações. E isso pode ser aprendido.

Os estados do medo

Medo é o SENTIMENTO que costuma surgir quando percebemos um


perigo, e é uma EMOÇÃO importante, pois permite antecipar ameaças a
nossa segurança. Como acontece com outras emoções básicas, o termo
medo descreve um conjunto de emoções de intensidades e características
diferentes, que podem variar de um leve nervosismo, de uma pequena
expectativa ansiosa até o sentimento de terror.
Vamos destacar cinco estados do medo, do sentimento menos intenso
ao mais intenso:

RECEIO>PREOCUPAÇÃO>ANSIEDADE>DESESPERO>PÂNICO

Por exemplo, se mudamos de emprego, é normal ficarmos com RECEIO.


Será que essa mudança será boa? Esse receio se
torna PREOCUPAÇÃO quando imaginamos alguma situação nova que pode
representar um risco para as nossas expectativas e as histórias que
estruturam essa percepção ficam insistentes.
Imagine que você não goste de falar em público e precisa fazer uma
apresentação na frente de todos os diretores dessa nova empresa.
Provavelmente, você vai sentir ANSIEDADE, afinal não sabe como os
colegas vão reagir à sua fala e como você vai se sair se algo não acontecer
como o planejado.
Algo diferente acontece quando temos certeza de uma ameaça. Se estamos
descendo uma ladeira de bicicleta e percebemos que os freios não
funcionam e que não é possível fazer nada, sentimos DESESPERO, que seria
um estado do medo ainda mais intenso. Quando o acidente está na
iminência de acontecer, esse desespero pode se tornar PÂNICO, um estado
de medo incontrolável e de elevada intensidade.
Podemos definir os estados do medo da seguinte forma:

RECEIO

Estado de medo provocado pela incerteza a respeito de se um


determinado evento futuro dará certo. Ele é pouco intenso e é pontual,
não fica “martelando” na cabeça.

PREOCUPAÇÃO

Estado de medo de intensidade baixa, caracterizado por períodos de


pensamentos persistentes de que algo ruim pode acontecer.
ANSIEDADE

Estado de medo de intensidade moderada provocado pela incerteza da


capacidade de enfrentar alguma situação que já esteja ocorrendo ou que
está perto de ocorrer.

DESESPERO

Estado de medo de grande intensidade produzido pela sensação de


incapacidade de evitar que algo ruim aconteça.
PÂNICO

Medo incontrolável, associado à certeza de que algo muito ruim está


acontecendo ou está na iminência de acontecer.

Existem várias respostas fisiológicas para o medo:

Transpiração, tremores, inquietação, calafrios.

Pessoas com medo podem ficar olhando ao redor, como se procurassem


algo, ou sentir o estômago revirando. Quando o medo é muito intenso,
pode ocorrer falta de ar, diarreia, vômitos e grande tensão muscular.

O medo tem gatilhos universais, que são inatos e não dependem de


nossa vontade. É o caso das sensações de asfixia, queda ou de impacto
iminente. Mas existem gatilhos que podem ser adquiridos e que variam
de pessoa para pessoa, como enfrentar situações em que o desempenho
é avaliado, como um exame de seleção ou uma competição esportiva.
Existem comportamentos clássicos associados ao medo.

Uma pessoa receosa pode apresentar hesitação, que é uma paralisação e


indecisão momentânea. Os ansiosos podem apresentar uma postura de
fugir fisicamente da situação de risco. Os indivíduos em pânico podem
gritar, chorar ou até mesmo ficarem paralisados sem conseguir agir ou
falar. Às vezes, uma pessoa com medo entra num processo de ruminação
mental e fica pensando obsessivamente nas situações que geraram a
emoção desagradável.

É claro que, muitas vezes, o medo nos ajuda, afinal, precisamos evitar
ameaças. Mas você já parou para pensar em quantas vezes nós sentimos
medo de ameaças que não são reais?
Podemos imaginar o seguinte: o medo tem sempre a ver com a história
mental que construímos.

Nessa história, geralmente somos a personagem principal, que enfrenta


dificuldades e, muitas vezes, é vencida por elas. Se experimentamos uma
roupa diferente do nosso estilo habitual para uma festa, começamos a
imaginar como vai ser chegar ao local, o que os outros vão falar, como
iremos nos sentir. Isso pode gerar diversas emoções do espectro do medo.
Mas até que ponto devemos acreditar nessa história? Às vezes, pensamos
tudo isso, e o que acontece é inteiramente diferente.

O problema, frequentemente, é que o medo é um excelente contador de


histórias. Quanto mais impressionante o seu enredo, mais ele nos
afeta, assim como um bom filme. Por isso, temos que ter muito cuidado.
Porém é impossível que uma pessoa se livre de todos os medos. Eles fazem
parte da nossa vida. Vamos ver o que diz o filósofo holandês racionalista
Espinosa (1632-1677) a respeito disso:
A esperança é uma alegria instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou
passada, de cuja realização temos alguma dúvida.

O medo é uma tristeza instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou


passada, de cuja realização temos alguma dúvida.

Segue-se, dessas definições, que não há esperança sem medo, nem medo sem
esperança. Com efeito, supõe-se que quem está apegado à esperança, e tem
dúvida sobre a realização de uma coisa, imagina algo que exclui a existência da
coisa futura, e, portanto, dessa maneira, entristece-se. Como consequência,
enquanto está apegado à esperança, tem medo de que a coisa não se realize.
Quem, contrariamente, tem medo, isto é, quem tem dúvida sobre a realização
de uma coisa que odeia, também imagina algo que exclui a existência dessa
coisa, e portanto, alegra-se. E, como consequência, dessa maneira, tem
esperança de que a coisa não se realize.

Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p. 143-144.


Note que Espinosa defende a ideia de que o medo e a esperança estão
interligados. Para ele, toda esperança envolve um medo de algo bom não
se realizar, assim como todo medo envolve uma esperança de algo ruim
não se realizar. Nesse sentido, podemos usar o medo para não nos iludir
com esperanças que não se realizarão (quem nunca se sentiu
decepcionado depois de ter esperanças demais?), mas também podemos
usar a esperança para não sermos dominados pelo medo.

Preocupações
Nossos ancestrais precisavam lidar com o perigo a todo momento. Grupos
inimigos, animais predadores, desastres naturais. Por isso, antecipar riscos
e preparar-se para enfrentá-los foi importante para a sobrevivência.

Esse instinto permitiu planejar o futuro, pensar sobre ele, antever ameaças
e avaliar o que poderia dar errado. Isso colaborou para a evolução da nossa
civilização e para o desenvolvimento da capacidade de nos preocuparmos.

A preocupação tem papel fundamental em nossa maneira de pensar.

Aliás, essa palavra tem uma etimologia interessante. Ela vem do


latim praeoccupatio, que designava a ocupação prévia de um lugar ou o ato
de fazer algo antecipadamente. O elemento prae-, que deu origem ao
nosso prefixo pré-, traz justamente esse traço de antecipação, de
anterioridade, de adiantamento.

No entanto, tentar se preparar para coisas ruins e evitar que elas


aconteçam é sempre produtivo? Quando a preocupação mais ajuda?
Quando ela atrapalha?

A preocupação tem o objetivo de encontrar uma solução, de não deixar


nada escapar, de não ser pego de surpresa, de evitar desconforto.
Preocupar-se é simplesmente uma estratégia que a nossa mente utiliza
para a prevenção de problemas. Por isso, a preocupação pode ser
produtiva.
Entretanto, esse mecanismo pode se tornar um problema, em vez de ser
um instrumento para a prevenção dos problemas. Quando isso ocorre,
dizemos que estamos diante da preocupação improdutiva.

Enquanto a PREOCUPAÇÃO PRODUTIVA nos conduz a uma ação que é


possível realizar naquele momento, a PREOCUPAÇÃO IMPRODUTIVA só
consome tempo e energia, sem conduzir a nada prático e efetivo.
Uma das formas de diferenciar a preocupação produtiva da improdutiva é
por meio de questionamentos simples. A primeira pergunta que pode ser
feita é: essa preocupação é plausível? Ou seja: é uma preocupação razoável
e o evento que ela teme é provável que ocorra?
Por exemplo, estar preocupado com tsunâmis no interior do Brasil parece
não ser uma preocupação plausível, pois esses fenômenos só atingem
regiões costeiras. Logo, trata-se de uma preocupação improdutiva.

Em alguns casos, mesmo que a preocupação seja plausível, isso não quer
dizer que ela seja produtiva. O próximo questionamento que precisa ser
feito é: há algo que eu possa fazer agora ou em breve?
Se a resposta a essa pergunta for negativa, você estará diante de uma
preocupação improdutiva.

Por exemplo...

Você pode estar com dificuldade para conseguir se concentrar numa


reunião de trabalho por estar preocupado com o fato dos seus pais
estarem com idade avançada e poderem adoecer. Essa é uma
preocupação plausível, mas repare que não há nada que você possa fazer
no momento da reunião para ajudar nessa questão. Isso é uma
preocupação improdutiva.
É o mesmo que gastar tempo demais imaginando o que as pessoas com
quem você não se dá bem estão falando a seu respeito. Você não tem
acesso a essas informações. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-
1860) dizia sobre isso:

“O valor que atribuímos à opinião dos outros, e a nossa preocupação


constante em relação a ela, ultrapassam, via de regra, quase toda a
expectativa racional”.
As preocupações improdutivas se voltam para questões sobre as quais não
temos controle. Para resolver os problemas suscitados por elas, é preciso
tempo ou a ação de outras pessoas. Essas preocupações podem ganhar
corpo e se transformar em ansiedade improdutiva, aquela que paralisa ou
tende a provocar movimentos de escapismo ou procrastinação.

O que fazer com a preocupação e com a ansiedade?

Para lidar com a preocupação e com a ansiedade improdutivas, existe uma


estratégia que utiliza técnicas de eficácia comprovada por vários estudos.
Essa estratégia é dividida em quatro etapas. Vamos tratar aqui das duas
primeiras.

A primeira coisa que deve ser feita é perceber que estamos


preocupados ou ansiosos. Essa etapa é importante pois, quando você
perceber que está preocupado ou ansioso, você deixa de ser essas
emoções. Nós não somos as nossas emoções. As emoções são estados
transitórios.
A segunda atitude é de aceitação. É preciso aceitar as emoções e os
pensamentos que estão surgindo. Não se deve brigar com eles nem tentar
suprimi-los. Vários estudos demonstraram que tentar suprimir os
pensamentos e as emoções implica aumentar sua potência. Entretanto
aceitar os pensamentos não quer dizer que você vai deixar que eles
conduzam seu comportamento. A ideia é apenas observá-los sem se
apegar a eles, sem fazer julgamentos diretos. Olhar os pensamentos como
sendo apenas pensamentos, e não a realidade. Os pensamentos são uma
forma de tentar descrever nossas percepções.
Além disso, é fundamental focar a atenção no agora, no instante presente.
Essa é uma forma eficaz de diminuir a intensidade dos pensamentos que
estruturam as preocupações e a ansiedade. Para isso, podemos utilizar
algum referencial de tempo, como a respiração, para se conectar ao
momento presente.
Foque a sua atenção no modo como você está respirando. Procure inspirar
e expirar de modo confortável, prestando atenção no ar que entra e no ar
que sai. Toda a atenção deve estar focada no gesto de respirar. Enquanto
você estiver focando na respiração, continue aceitando os pensamentos
que surgirem. Ainda não é o momento para julgamento.

Lembre-se: rotule os pensamentos que surgirem como sendo apenas


pensamentos, e não a realidade. Treine separar o pensamento da
realidade.

Por exemplo: troque o “Aconteceu algum acidente” por “Estou tendo um


pensamento de que aconteceu algum acidente”.

Desse modo, somos capazes de enfraquecer a intensidade dos


pensamentos, para que seja possível reformulá-los. O foco no momento
presente pode ser trabalhado em alguns segundos ou em alguns minutos.

A estratégia PARE

Já dissemos que a preocupação é uma maneira de a nossa mente prever


problemas. Ela é produtiva quando contribui para a resolução de
problemas, conduzindo-nos a uma ação específica, que é o que se pode
realizar no momento.

O problema são as preocupações improdutivas, que ocorrem quando não


se tem controle sobre os eventos que geram os temores. O que vai
acontecer depende do tempo, de outros fatores ou pessoas. Essa
preocupação pode transformar-se em ansiedade, provocando
comportamentos de escapismo e procrastinação.
Para enfrentar tudo isso, podemos recorrer a uma estratégia efetiva,
dividida em quatro etapas, para lidar com a preocupação e com a
ansiedade improdutivas. Essa estratégia pode ser resumida pelo
acrônimo PARE, em que as letras iniciais correspondem às etapas utilizadas
para regular a emoção nos momentos em que ela estiver saindo do
controle:

P Perceba que você está preocupado ou ansioso.


A Aceite e foque no Agora.
R Perceba Reformule os pensamentos e Reforce o que é importante fazer
no momento presente.
E Enfrente a situação.
Já tratamos das duas primeiras etapas, o P e o A, na aula passada.
Agora, vamos falar do R e do E.

(R) Reformule os pensamentos e Reforce o que é importante fazer no


momento presente.
Este é o momento de desafiar os pensamentos que sobreviveram à etapa
anterior. Procure flexibilizar a forma como eles se manifestam. Ou seja,
reformule os pensamentos. Faça questionamentos como:

Posso estar exagerando?

Estou confundindo possível com provável?

Estou confundindo medo com realidade?

Há algo efetivo que posso fazer?


Perguntas dessa natureza ajudam a reformular os pensamentos que estão
estruturando a preocupação e a ansiedade. Após essa flexibilização, reforce
o que é importante fazer no momento presente. Pense: como eu agiria se
não estivesse com a preocupação e a ansiedade me paralisando?
A resposta a essa pergunta indica a direção que seus comportamentos
devem seguir, para que você faça o que é importante para você. Ela
também prepara para a próxima etapa.

(E) Enfrente a situação


É hora de agir. Aproveite que a intensidade dos medos está um pouco
enfraquecida. Ligue o modo automático, aceite as incertezas e vá em
direção ao que precisa ser feito. Não perca tempo.

RAIVA E SEUS ESTADOS

Faltavam dez minutos para o fim da prorrogação da final da Copa do


Mundo de futebol de 2006, disputada entre as seleções da França e
da Itália.

O jogo estava empatado em 1 a 1. O zagueiro italiano Marco Materazzi


discutia com o meia francês Zinédine Zidane, após uma jogada na área.
Materazzi falou algo para Zidane, que se voltou e deu uma cabeçada no
peito do adversário. Por esse motivo, um dos maiores jogadores de todos
os tempos foi expulso e não pôde participar da disputa de pênaltis, em que
a França foi derrotada.

Zidane não aparentava ter um temperamento violento, mas agiu, nesse


momento, movido pela raiva. Anos depois, Materazzi revelou que a causa
da agressão foram insultos que fez à irmã de Zidane. Realmente, diante de
provocações ou eventos que interpretamos como negativos, podemos ser
tomados pela raiva, agindo de acordo com ela. Para lidar melhor com essa
emoção, em primeiro lugar, precisamos entendê-la de forma mais
aprofundada, o que tem sido feito por neurocientistas. Como a tristeza e a
alegria, a raiva é uma condição transitória, que altera aspectos dos
indivíduos a partir de certos gatilhos, preparando-os para a ação.
Como todas as outras emoções básicas, a raiva envolve um conjunto de
estados diversos, de intensidades diferentes. Entre esses estados,
destacamos os seguintes, em ordem crescente de intensidade:

• ABORRECIMENTO
• FRUSTRAÇÃO
• IRRITAÇÃO
• INDIGNAÇÃO
• FÚRIA

No cotidiano, diversos eventos podem nos causar ABORRECIMENTO. Por


exemplo, esquecer um compromisso, ser xingado no trânsito ou, ainda,
sujar uma roupa nova bem na hora em que estamos prontos para sair.
Trata-se de uma raiva suave, que se segue geralmente a algum incômodo
ou inconveniente pontual.

Um estado um pouco mais intenso de raiva é a FRUSTRAÇÃO, que ocorre


quando tentamos ultrapassar um obstáculo, mas falhamos devido à
obstrução de algo ou alguém (pode ser até mesmo uma auto-obstrução).
Ficamos frustrados quando tentamos aprender algo novo, como dirigir, e
parece que nunca vamos conseguir, ou quando, por mais que tenhamos
estudado, não conseguimos ir bem numa prova, pois os assuntos cobrados
foram além do combinado.

Já a IRRITAÇÃO é um estado de intensidade maior e ocorre quando um


incômodo é muito forte ou se repete. Por exemplo, se o vizinho deixa o
cocô do cachorro na sua calçada uma vez, você pode até se aborrecer. Mas,
se isso ocorre todos os dias, mesmo depois de você chamar a atenção dele,
provavelmente, você se sentirá irritado. Agora, imagine se você junta
dinheiro, esforça-se para comprar o ingresso de um show disputado e, no
dia marcado, perde a hora e não consegue entrar. Certamente você fica
irritado, mesmo que tenha sido a primeira vez. Outro estado da raiva, ainda
mais intenso, é a indignação.
Ficamos INDIGNADOS após uma atitude que consideramos injusta. É o que
acontece, por exemplo, se um estudante é expulso da escola por algum ato
que ele não cometeu. Ninguém se sentiria bem com isso, não é mesmo?

E, por fim, há aqueles momentos em que nem controlamos mais o que


estamos fazendo e podemos até ser violentos. É a FÚRIA, a forma mais
intensa da raiva, que pode ocorrer, por exemplo, quando vemos uma
pessoa querida sendo agredida.

Os estados da raiva podem ter gatilhos diversos. Contudo, podemos


dizer que muitos deles estão relacionados com a percepção de injustiça
e com o bloqueio de objetivos. É normal ter raiva quando nos sentimos
injustiçados. Essa emoção também é comum se algo nos impede de
realizar o que queremos.
A raiva tem um aspecto mais físico e outro mais psicológico. Fisicamente,
suas marcas são punhos apertados, rubor, palidez, entorpecimento, suor e
aumento de temperatura. O corpo está avisando: “é preciso fazer algo”.
Mas, como ocorre com as outras emoções, a raiva também depende da
mediação do pensamento.

Afinal, o que se passa em nossa cabeça quando


estamos com raiva?

Tudo acontece muito rápido, mas o sentimento da raiva está acompanhado


de diversas avaliações: de quem é a culpa, qual a intenção da pessoa
responsável pelo sentimento, qual a intensidade do dano provocado e até
mesmo se vale a pena reagir com raiva. O impulso para a ação e esse tipo
de pensamento ocorrem de forma muito veloz e se alternam.
Realmente, faz sentido dizer para alguém que, quando está com muita
raiva, vale a pena contar até dez para se acalmar! Neste curso, vamos
aprender estratégias bem efetivas para lidar com ela.
Não ter a capacidade de inibir as respostas à raiva é
muito grave!

Há estudos que mostram que pessoas assim apresentam mais problemas


de saúde.

Além dos efeitos físicos, o excesso de raiva tem consequências sociais.


Um dos problemas é que expressar raiva para alguém geralmente provoca
raiva nessa pessoa. Ela, por sua vez, pode também expressar raiva, o que
provoca de novo mais raiva em quem começou o processo

Percebeu? É o que chamamos de um círculo vicioso.e pessoas com níveis


altos de raiva têm três vezes mais chances de ter um ataque cardíaco do
Como consequência dele, pessoas cronicamente enraivecidas podem
se isolar, já que as pessoas tendem a se afastar delas. Elas têm mais
conflitos familiares e tendem a ser mais agressivas e violentas.

Mas será que a raiva é uma emoção que só tem


efeitos negativos?

Se nós sentimos raiva até hoje, é porque essa emoção sobreviveu a


inúmeras gerações de seres humanos, o que indica que ela tem uma
função. De fato, a raiva nos avisa que algo está errado e deve ser
mudado. Se estamos numa situação com riscos físicos, a raiva nos move a
nos defender, o que é essencial.

Além disso, tanto no plano individual como coletivo,


é fundamental se indignar contra a injustiça.

E,ivamente, quantos movimentos por causas justas não foram


estruturados, em parte, pelo sentimento de indignação?
Se ninguém sentisse raiva da escravidão, será que ela teria acabado um
dia?
Individualmente, se alguém nos faz um mal, não podemos deixar de reagir,
e a raiva nos avisa disso. Sem essa emoção, muitas vezes, podemos apenas
adiar uma reação ou mesmo nos acomodar à ela. Indignados, somos muito
mais capazes de tentar mudar as injustiças. Podemos dizer que a raiva é
uma fonte de energia, e tudo depende da maneira como conseguimos
direcioná-la.

Parece difícil, não é?


Uma das formas de chegar a esse tipo de comportamento é separar a
pessoa de suas ações. Claro que teremos raiva de algo que alguém fez, mas
nem sempre isso significa ter raiva dessa pessoa. Se fizermos essa
separação, ainda mais se tratando de um familiar, amigo ou uma pessoa de
quem se gosta, é muito mais fácil conseguir redirecionar a raiva para
realizar aquilo que, no fim das contas, ela se propõe a fazer: resolver um
problema que precisa ser enfrentado, e não ignorado. Ou, se não for
possível resolvê-lo, aprender a lidar com ele de uma forma melhor.

Inveja e vergonha

Nem sempre uma emoção considerada desagradável é algo ruim.

Precisamos ter isso outra vez em mente ao abordar duas das emoções de
que tratamos nesta aula: a vergonha e a inveja.

Afinal, ninguém gosta de sentir vergonha, e a inveja é tão complicada para


nós que muitas vezes nem admitimos sentir inveja de alguém. Até mesmo
por isso, é muito importante conhecer essas emoções e aprender a lidar
com elas. Isso pode ajudar, diante de uma situação que nos faz mal e nos
deixa incomodados, a recuperar a calma – essa, sim, uma emoção
geralmente tida como positiva, mas que nem sempre é tão valorizada como
deveria.
Vamos começar pela vergonha.

Todos conhecemos os sinais: aumenta a circulação sanguínea,


especialmente no rosto – o que leva muitas pessoas a ficarem vermelhas.
Se no caso da raiva dizemos que “perdemos a cabeça”, no caso da
vergonha, pensamos logo na expressão “vergonha na cara”. E realmente
você já pensou como esse sinal físico é significativo? Nosso rosto é nossa
identidade, quem somos, como nos apresentamos. E a vergonha tem
realmente muito a ver com isso. Temos vergonha quando sentimos que não
estamos vivendo à altura do que esperamos para nós mesmos.

Sentimentos de culpa e vergonha costumam


caminhar juntos.

Também tendemos a nos sentir culpados quando violamos regras


importantes para nós ou quando não atingimos os padrões que
estabelecemos. Se pensamos que “deveríamos ter nos comportado de
modo diferente”, provavelmente sentimos culpa e ou vergonha. E isso não é
ruim.

Esses sentimentos nos ajudam a repensar as nossas atitudes e a evitar que


elas se repitam. O problema se dá quando criamos exigências que são
desproporcionais e que não contribuem com o nosso aprimoramento
pessoal. Imagine alguém que tenha ficado vermelho e trêmulo durante
uma apresentação. Ele não consegue tirar isso da cabeça: “Não deveria ter
ficado vermelho e trêmulo. Jamais vou me expor novamente! Eu deveria
saber que sou assim!”. Pensamentos assim só pioram a situação.

Como toda emoção, a vergonha tem uma função


importante em nossa vida.

Se nos envergonhamos de algo, se nos punimos por não agir de acordo


com nossos padrões, podemos encarar isso como um recado, um estímulo
para que, das próximas vezes, façamos algo diferente. Dessa forma,
podemos sentir o contrário da vergonha: o orgulho, o prêmio emocional
por ter ido atrás daquilo que de fato nós queremos ser.

Mas como podemos aproveitar melhor esse lado da


vergonha?

O importante aqui é a ideia de proporção. De um lado, não adianta negar o


que aconteceu, agir com escapismo, dar desculpas, culpar apenas os
outros. Isso só vai deixar a vergonha crescer, e não nos leva a melhorar. De
outro lado, não precisamos também exagerar. Muitas vezes, nos sentimos
culpados de um jeito desproporcional, até porque o que está em jogo é
algo muito sensível para nós: a autoestima, nossos valores, nossa
identidade. É o que chamamos de uma vergonha tóxica. Para evitá-la,
sempre vale a pena racionalizar um pouco, perguntando-se:

Eu tinha controle pleno da situação?


É possível acertar sempre?
Eu fiz de propósito?
Eu me empenhei?
Outras pessoas já passaram por essa situação?
A responsabilidade é apenas minha?
Outras pessoas consideram essa experiência como tão séria?
Posso corrigir o dano ou, no mínimo, desculpar-me?
As pessoas têm a obrigação de agir como eu gostaria?
Jonathan Swift, escritor irlandês, autor de As viagens de Gulliver, resumia
essas perguntas em uma máxima: “Um homem nunca deveria ter
vergonha de confessar que errou, pois na verdade é como dizer, por
outras palavras, que hoje ele é mais sábio do que foi ontem”.

Se a vergonha tem muito a ver com os padrões que esperamos para nós
mesmos, a inveja está associada ao nosso olhar para os outros (ao menos,
numa primeira consideração).
As pessoas têm inveja de nós quando somos bem vistos e admirados por
algo ou quando temos uma reputação melhor do que a delas. Isso pode
mostrar como elas são mesquinhas e não reconhecem nosso valor.

Mas será que apenas as outras pessoas têm inveja de


nós? Ou nós também temos inveja?

Sim, porque uma das características dessa emoção é que ela parece tão
negativa, que temos até receio de admitir que sentimos inveja e, muitas
vezes, preferimos dizer que os outros nos invejam. Se você mencionar o
tema da inveja a alguém, provavelmente, a pessoa vai falar de uma
situação em que ela foi invejada, e não de uma em que ela invejou.

Quando sentimos inveja, não desejamos possuir um objeto que outro


possui. Esse desejo é a cobiça. Com a inveja é diferente: desejamos ser tão
admirados e considerados como aquela pessoa. Nós nos sentimos mal
porque alguém está tendo sucesso. A inveja envolve uma mistura de
tristeza e raiva pela felicidade alheia e, por isso, existe algo de egoísmo
nela.

Aliás, esse é o componente raivoso da inveja. Muitas vezes, sentimos inveja


não de artistas famosos, de grandes políticos, e sim daquele vizinho ou
vizinha que “deu certo na vida”, aquele primo ou prima que “já está na
faculdade e ganha dinheiro”, dos colegas e das colegas mais próximos, seja
por sua aparência, por sua habilidade ou simplesmente por sua
popularidade.veja pode até envolver um sentimento de injustiça, quando
achamos queíamos ter uma reputação tão boa quanto a daquela pessoa.
Por tudo isso, não é à toa que a inveja seja vista como algo irracional,
imprudente, vicioso. Mas, assim como no caso da vergonha, podemos tirar
proveito da inveja.

Quando invejamos, estamos olhando principalmente para fora, para a


outra pessoa e para a maneira como ela é valorizada. Talvez seja o caso
de, a partir daí, inverter o procedimento e voltar o olhar para nós
mesmos.
Se eu invejo alguém, é porque essa pessoa está numa posição na qual eu
gostaria de estar.

Qual será o motivo disso?

Entendendo a inveja, eu entendo melhor o que me falta, o que eu


quero, quais são os meus valores. A partir daí, em vez de me concentrar
no outro, posso pensar no que eu posso fazer para me aproximar daquela
posição desejada. Ter inveja, assim, pode se tornar uma forma de
autoconhecimento.

Mas a inveja é sempre uma forma de sofrimento pela alegria do outro. É


possível contrabalancear essa sensação, muitas vezes, passando a olhar
diferente para aquela pessoa. Se ela tem algo que invejamos, será que, de
alguma forma, não podemos torcer para ela e não contra ela? Isso se
aplica, ainda mais, quando o alvo da nossa inveja é um amigo ou familiar.

Em resumo, para escapar da armadilha da inveja, podemos tentar uma


aproximação em direção ao que invejamos e torcer para que as pessoas
que têm atributos invejáveis deem certo na vida. Até porque, de certa
forma, elas refletem também as nossas inclinações e desejos. Em
outros casos, podemos reavaliar, também, esse sentimento, avaliando
bem se, de fato, gostaríamos de estar naquela posição. Afinal, às vezes
idealizamos muito o que não é nosso. É como o ditado que diz que a
grama do vizinho é sempre mais verde.
Estados intensos de emoções podem sequestrar outras funções cerebrais,
como as que são responsáveis pelo pensamento lento, racional, mais
ponderado. Por isso, o tempo todo precisamos monitorar o que se passa
dentro de nós:
“Estou ficando perturbado. Será que isso vai me ajudar?
Vou pensar melhor, tentar manter a calma.
Assim, posso decidir o que fazer de forma mais segura”.

A calma não é a ausência de emoções, mas é um estado mental livre de


emoções disfuncionais, que prejudicam a nossa capacidade de agir em
coerência com nossos valores e propósitos. Podemos dizer que o estado de
calma é o alvo da regulação emocional.

Ao longo do nosso curso, aprenderemos diversas estratégias de regulação


emocional, mas, além delas, a ciência já comprovou que a prática regular
de atividade física tem um papel importante na capacidade de estabelecer
o estado de calma nas situações em que as emoções intensas estiverem
dificultando enxergar a realidade com clareza.

Portanto, além de aproveitar bem esse curso, procure se exercitar. Corpo e


mente agradecem.

Manejo da raiva
Perder o controle, agindo de forma agressiva e impensada, é a forma
prejudicial de expressar a raiva. Os estados de fúria e ódio são
reconhecidos por originarem atitudes destrutivas, mas até os estados
menos intensos de raiva, como aborrecimento, frustração ou irritação,
quando manejados de forma inapropriada, podem produzir desfechos
completamente indesejáveis.

Existe uma máxima latina que diz: ira furor brevis est. A tradução é: a ira é
uma breve loucura. É um verso do poeta Horácio, extraído de suas
Epístolas. Logo depois de fazer essa afirmação, ele fala da importância de
controlar os impulsos, que, se não forem dominados, passam a comandar
nossas atitudes.
Mas é possível controlar a raiva?

A resposta é sim! E o melhor: quando controlada, ela pode produzir a


energia necessária para esclarecer os incômodos e buscar soluções
apropriadas. Quando a raiva funciona dessa forma, dizemos que se trata da
raiva saudável ou raiva assertiva. Nesse caso, a raiva busca atacar suas
próprias causas. Em vez de responder com violência e impulsividade (o que
só piora a situação, fomentando mais raiva), ela se volta para os eventos
que a originaram.

Como em qualquer outra emoção, existem pensamentos que estruturam e


reforçam a raiva. São exatamente esses pensamentos que determinarão se
a raiva está na sua forma prejudicial ou na forma assertiva.

A raiva prejudicial estrutura comportamentos destrutivos. Por exemplo:

Agredir (ou querer agredir) outra pessoa verbalmente.


Agredir (ou querer agredir) outra pessoa fisicamente.
Atacar outra pessoa de modo indireto, por meio de fofocas e
sabotagem.
Descontar a raiva maltratando pessoas, animais ou quebrando objetos.
Cortar relações com pessoas ou grupos.
Ficar ruminando a raiva e os sentimentos de vingança.
Esses comportamentos destrutivos dificilmente seriam estruturados pelas
formas de pensar associadas à raiva assertiva. Por isso, uma das formas de
regular a raiva é por meio da reformulação dos pensamentos. O problema
é que a impulsividade e a rapidez de pensamentos, característicos da raiva,
podem tornar difícil essa reformulação. Para lidar com isso, existe uma
estratégia de eficácia comprovada. Para efeitos didáticos, chamaremos essa
estratégia de PARE.

(P) Perceba que você está com a raiva prejudicial


Essa etapa é importante, pois, no momento em que você perceber que está
com raiva, você deixa de ser a raiva. Nós não somos as nossas emoções. As
emoções são estados transitórios. Eles passam. São como ondas. Entender
que está numa onda é a melhor forma de não ser engolido por ela.

(A) Aceite e foque no Agora


Aceite a raiva e os pensamentos que estão surgindo em sua cabeça. Não
brigue com eles, nem tente suprimi-los. Vários estudos demonstraram que
tentar suprimir os pensamentos e as emoções aumenta a potência deles. É
como empurrar uma bola de futebol para o fundo de uma piscina para que
ela não fique na superfície da água. É inútil. A bola retorna para a superfície
com forte intensidade. Nossos pensamentos, quando são suprimidos,
comportam-se como a bola. Entretanto, aceitar os pensamentos não quer
dizer que você vai segui-los. A ideia é apenas observá-los sem se apegar a
eles, sem fazer julgamentos a respeito deles. Olhar os pensamentos como
pensamentos, e não como a realidade.

O segundo ponto a que a letra A remete é focar a atenção no “agora”, no


momento presente. Essa é uma forma eficaz de diminuir a intensidade dos
pensamentos que estruturam a raiva. Para isso, utilize algum referencial,
como a respiração, para se conectar ao momento presente. Concentre sua
atenção no modo como você está respirando. Procure inspirar e expirar de
modo confortável prestando atenção no ar que entra e no ar que sai.
Enquanto você estiver focando na respiração, continue aceitando os
pensamentos que surgirem. Não faça julgamentos. Ainda não é o momento
para isso. Treine separar o pensamento da realidade. Por exemplo: troque o
“eles só falam bobagem” por “estou tendo um pensamento de que eles só
falam bobagem”.

Essa é uma etapa fundamental, pois a função dela é enfraquecer a


intensidade dos pensamentos, para que seja possível reformulá-los. O ideal
é poder dedicar alguns minutos à ela, mas nem sempre isso é possível. De
qualquer forma, o importante é não pulá-la.

(R) Reformule os pensamentos e Reforce seus valores


Agora é o momento de desafiar os pensamentos que sobreviveram à etapa
anterior. Procure flexibilizar a forma como eles se manifestam. Ou
seja, reformule os pensamentos. Faça questionamentos como:

As pessoas têm a obrigação de se comportar do modo como eu gostaria


que elas se comportassem?
Estou exigindo mudar fatores que não posso mudar?
Posso estar errado, ao menos em parte?
Existe a possibilidade de não estarem querendo me prejudicar?
Perguntas dessa natureza ajudam a reformular os pensamentos rígidos
que estruturam a raiva prejudicial. Após essa flexibilização, reforce quais
são os seus valores. Pense em como você gostaria de ser descrito pelas
pessoas de que você mais gosta. Essa é sua melhor versão. Agora
pergunte-se: como o melhor de mim se comportaria nessa situação?

A resposta a essa pergunta indica a direção que seus comportamentos


devem seguir para que você siga os seus valores e seja uma pessoa cada
vez melhor. Ela também prepara para a próxima etapa.

(E) Enfrente agindo de forma coerente com o melhor de si


É hora de agir! Ligue o modo automático e vá em direção ao melhor de si.
Pode não ser fácil ceder numa discussão, sair do ambiente para evitar uma
briga, não postar uma mensagem de raiva. Mas, asseguradamente, os
resultados dessas posturas tornarão você uma pessoa mais forte e
equilibrada.

Controle do impulso

As emoções desagradáveis exercem um papel importante no nosso


comportamento: temos vontade de sair rapidamente das situações que
estão provocando o desconforto. Sob o ponto de vista evolutivo, isso foi
uma grande vantagem. Por exemplo: fugir das situações que produzem
medo aumenta a chance de sobrevivência, pois isso faz com que corramos
menos riscos.
Acontece que esse comportamento (de evitar situações que produzem
emoções desagradáveis) pode não ser vantajoso em muitas situações
do mundo moderno. Afinal, uma pessoa que não consegue enfrentar o
medo de novos desafios não sai do lugar.

De maneira análoga, temos a tendência de procurar as situações que


podem proporcionar emoções agradáveis. Isso também foi uma vantagem
do ponto de vista evolutivo. Prazeres primários, como o da alimentação ou
das relações sexuais, proporcionaram condições para sobrevivência e
procriação. Entretanto, à medida que evoluímos como espécie, a regulação
apropriada dos instintos de busca ou manutenção de prazeres passou a ser
decisiva para diferenciar as pessoas realizadas daquelas que vivem se
lamentando de atitudes inconsequentes.
Pessoas bastante esclarecidas podem cair nessa armadilha. Um exemplo
histórico é o de Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos. Ele foi
acusado de assédio sexual por Paula Jones, uma funcionária pública que
trabalhou com Clinton quando ele foi governador de Arkansas.

Para provar que a conduta do presidente nem sempre era irrepreensível, o


advogado de Jones citou uma estagiária da Casa Branca, chamada Monica
Lewinsky, até então uma ilustre desconhecida. Clinton negou por meses,
com veemência, a acusação de que ele teria algo com Lewinsky. Depois de
muitos detalhes da relação entre os dois serem noticiados pela imprensa,
Clinton acabou admitindo que tinha tido um caso com a estagiária durante
dois anos. Com isso, ele quase arruinou seu casamento e, por pouco, não
sofreu um processo de impeachment. Em sua autobiografia, o ex-
presidente lamenta não ter tido autocontrole e descreve o quanto se
arrependeu de suas atitudes.

O PARE pode ser bastante útil e eficaz para lidar com essas situações.
Vamos discutir cada uma dessas etapas.

(P) Perceba que você está vulnerável


Perceba que você está em busca de emoções prazerosas ou vivenciando-as,
mas que isso pode comprometer propósitos maiores ou colocar você (e
outras pessoas) em risco. Para chegar a algum lugar, a primeira coisa é
saber onde se está. Lembre-se de que nós não somos as emoções. Elas são
transitórias. Passam. O que fica são nossas ações.

(A) Aceite e foque no Agora


Aceite as emoções e os pensamentos que estão estruturando essas
emoções. Conforme os pensamentos vão surgindo, não brigue com eles,
nem tente suprimi-los. Isso é inútil e só reforça a potência dos
pensamentos. Entretanto, aceitar os pensamentos e as emoções não quer
dizer que você vai ser guiado por eles. A ideia é apenas observá-los sem se
apegar a eles, sem fazer julgamentos a respeito deles. Olhar os
pensamentos como pensamentos, e não como a realidade.

Procure focar no “agora”, no momento presente. Isso significa dirigir toda a


sua atenção para o ato de observar os pensamentos e as emoções. Durante
os instantes que você conseguir ser um observador de si mesmo, você
deixa de ser conduzido pelas emoções. Isso diminui a potência do instinto
de ser guiado apenas pela busca de prazer imediato. Para isso, utilize
algum referencial, como a respiração, para se conectar ao instante
presente. Concentre sua atenção no modo como você está respirando.

Procure inspirar e expirar de modo confortável, prestando atenção no ar


que entra e no ar que sai. Enquanto você estiver focando na respiração,
continue aceitando os pensamentos que surgirem. Treine separar o
pensamento da realidade. Por exemplo: troque o “eu preciso me divertir
agora” por “estou tendo um pensamento de que preciso me divertir agora”.

(R) Reformule os pensamentos e Reforce seus valores


Procure agora desafiar os pensamentos que sobreviveram à etapa anterior.
Procure flexibilizar a forma como eles se manifestam. Ou seja, reformule os
pensamentos. Faça questionamentos como:

Estou confundindo necessidade com desejo?


Esse prazer poderá trazer desprazeres maiores?
Como eu aconselharia um(a) amigo(a) nessa situação?
Perguntas dessa natureza ajudam a reformular os pensamentos rígidos
que apontam a busca da recompensa imediata como única saída. Após esse
processo de flexibilização, reforce quais são os seus valores. Quais são seus
propósitos maiores? Pense em como você gostaria de ser descrito pelas
pessoas de que você mais gosta. Essa é sua melhor versão. Agora
pergunte-se: como o melhor de mim se comportaria nessa situação?

A resposta a essa pergunta indica a direção que seus comportamentos


devem seguir para que você respeite seus valores e seja uma pessoa cada
vez melhor. Ela também é uma preparação para a próxima etapa.

(E) Enfrente agindo de forma coerente com o melhor de si


É hora de agir. Ligue o modo automático e vá em direção a seus valores.
Não perca tempo. Aproveite que a correnteza em direção contrária aos seus
propósitos está mais fraca e aja de modo coerente com o que você deseja
de melhor para si.

Resilinência
Michael Jordan é o Pelé do basquete. Considerado pela crítica esportiva o
maior jogador de basquete de todos os tempos, o ex-jogador do Chicago
Bulls sempre refletiu de maneira bastante profunda sobre seus limites,
fracassos, suas conquistas e sobre sua competividade.
Temos, às vezes, uma tendência a acreditar que esses grandes atletas são
apenas talentosos e que esse talento basta para obter sucesso. Não é
verdade. Durante sua carreira, Jordan muitas vezes falou sobre a
necessidade de superar obstáculos.
Uma de suas frases é marcante: “Eu posso aceitar fracasso, todo mundo
falha em alguma coisa, mas eu não posso aceitar não tentar”

Essa reflexão mostra como Jordan tinha resiliência, uma competência


crucial para o desenvolvimento da realização pessoal e profissional, pois é
ela que determina, em grande parte, como será o desfecho dos reveses da
vida.

Uma definição simples de resiliência, que pode ser considerada um


consenso entre os especialistas, é: resiliência é a capacidade de enfrentar
e superar as adversidades. E mais do que isso, a resiliência é
caracterizada pela capacidade de aprender com as adversidades.

Esse termo foi emprestado da Física, usado para designar a capacidade que
um material apresenta de sofrer uma tensão dentro de um limite elástico,
sem deformação permanente. Popularmente, é o mesmo que ser flexível.

Na canção “Querido diário”, Chico Buarque fala, metaforicamente, sobre a


capacidade de ser flexível:

[...] Hoje o inimigo veio me espreitar,


Armou tocaia lá na curva do rio,
Trouxe um porrete a mó de me quebrar,
Mas eu não quebro porque sou macio, viu.

Aprender a ser “macio” e flexível é fundamental para enfrentar desafios, o


que é uma característica fundamental da resiliência. Aliás, é isso que
diferencia os resilientes dos teimosos.

A teimosia pode incentivar a persistência, mas peca pela rigidez: o teimoso


não encontra soluções diferentes e eficazes para os problemas. Uma
pessoa que há anos tenta passar em um concurso ou em um exame
vestibular, mas insiste em estudar de uma forma que sabidamente não
melhora os resultados, não é resiliente, mas teimosa.
Ninguém deseja passar por momentos difíceis ao longo da vida, mas eles
são inevitáveis. E isso não precisa ser visto como um fardo. As adversidades
podem servir como aprimoramento, como aprendizado, desde que sejam
enfrentadas com resiliência.

É o sofrimento provocado pela doença que estimula a ciência a procurar a


cura; foi a dificuldade de enxergar que fomentou a pesquisa das lentes e a
invenção dos óculos; é a decepção amorosa que abre caminho para o
encontro de relacionamentos melhores. No mundo do trabalho, a
frustração provocada pelas críticas do gestor pode ser transformada em
motivação para encontrar formas de aprimorar os pontos fracos.

Os exemplos seriam infindáveis, mas uma coisa é comum a todos eles:


esses avanços só são possíveis se houver resiliência no enfrentamento das
dificuldades.

A boa notícia é que a ciência vem demonstrando de forma categórica que a


resiliência não é um dom, um talento inato, mas uma competência que
pode ser desenvolvida e aprimorada.
Mas como isso é possível? Existem variáveis, chamadas fatores de proteção,
que contribuem para o desenvolvimento pessoal da resiliência.

Um dos fatores de proteção mais relevantes é a flexibilização cognitiva. Ela


permite a regulação das experiências emocionais negativas, resultantes dos
momentos estressantes. Essa regulação é crucial para que a resiliência seja
estruturada e reforçada.

A flexibilização cognitiva envolve a capacidade de encontrar formas


alternativas e mais apropriadas para a interpretação das situações do dia a
dia, incluindo as adversidades. Apresentaremos, ao longo de nosso curso,
três focos de aprimoramento da flexibilidade cognitiva e, por extensão, da
resiliência:

 a maneira como julgamos a nossa capacidade de aprender;


 o modo como interpretamos as situações que despertam emoções que
corroem a resiliência;
 a forma como justificamos as nossas vitórias e derrotas.

É sempre possível aprender


A forma como avaliamos nossa capacidade de aprender tem um impacto
direto na nossa resiliência. Essa é a conclusão de vários estudos
científicos feitos ao longo do tempo, entre os quais se destaca o da
pesquisadora Carol Dweck, da Universidade Stanford, nos EUA, que
dedicou a vida para estudar esse tema.
Após mais de trinta anos de investigação sobre o que faz as pessoas se
sentirem realizadas, Dweck e seus colaboradores encontraram evidências
muito consistentes de que inteligência, criatividade e muitas outras
habilidades não são inatas, não vêm prontas no nascimento, como uma
espécie de capacidade predefinida. Essas habilidades são altamente
maleáveis e podem ser desenvolvidas com tempo, dedicação e esforço.

Os achados dessas pesquisas são contrários às crenças comuns expressas


por afirmações como “eu não nasci para Matemática” ou “eu não vim com o
aplicativo no cérebro para praticar bem algum esporte”.

As conclusões a que o grupo de Dweck chegou são totalmente compatíveis


com as descobertas da neurociência, que propõe que aprender algo
significa alterar a configuração física do cérebro, e não uma coisa que está
pronta dentro dele.

As células nervosas – chamadas de neurônios – se conectam umas às


outras formando um verdadeiro emaranhado de neurônios, denominado
rede neural. Os estudos apontam que há a formação de novas redes
neurais quando adquirimos alguma habilidade. Por exemplo: um trabalho
científico mostrou que os motoristas de táxi da cidade de Londres
apresentavam um progressivo aumento das regiões cerebrais responsáveis
pela localização espacial, à medida que iam se familiarizando com as ruas
da cidade.

Isso demonstra que o cérebro é moldável com os estímulos que recebe. A


capacidade de se moldar, criando redes de neurônios, é chamada
de neuroplasticidade. O mais interessante é que as redes neurais precisam
de erros e acertos para serem configuradas. O cérebro aprende reforçando
os circuitos dos acertos e podando os circuitos dos erros. Por essa razão, os
erros são tão importantes quanto os acertos para o processo de
aprendizagem. Além disso, os desafios promovem redes neurais mais
fortes e consistentes. Por isso, precisamos de desafios.

Posturas mentais

Carol Dweck propõe duas posturas mentais que os indivíduos costumam


apresentar diante das mais variadas situações: a mentalidade fixa e
a mentalidade de crescimento.

A mentalidade fixa assume que a inteligência e as habilidades


desenvolvidas por ela não se alteram. Quando essa mentalidade opera, a
crença é que os indivíduos se sairão bem apenas nas áreas em que eles
demonstram algum talento.

A mentalidade de crescimento, por sua vez, assume que a inteligência é


maleável e pode ser desenvolvida. Quando uma pessoa opera com essa
mentalidade, ela acredita que o talento pode ser desenvolvido e
aprimorado. Essa postura é coerente com o que a ciência propõe para o
funcionamento cerebral.

Vale ressaltar que a mentalidade de crescimento não ignora o fato de que


temos aptidões inatas para algumas atividades. Mas entende que somente
tempo, esforço, dedicação e mentoria correta podem determinar os limites
de cada um. Além disso, sabe-se que as pessoas aprendem as mesmas
habilidades com velocidades diferentes. Uma velocidade mais baixa de
aprendizado não indica incapacidade, mas apenas um tempo maior para
atingir o objetivo.

Podemos considerar essas mentalidades como lentes que utilizamos para


observar o mundo. Em alguns momentos estamos utilizando a lente da
mentalidade fixa; em outros, a lente da mentalidade de crescimento. Se
formos mais rigorosos, assim como da cor branca à cor preta existe uma
série de tons de cinza, existe uma série de lentes que são intermediárias às
visões da mentalidade fixa e da mentalidade de crescimento. O importante
é perceber que enxergamos o mundo por meio dessas lentes.

O que o grupo de Stanford constatou é que as pessoas que operam a maior


parte do tempo com a mentalidade de crescimento tendem a ser mais
resilientes e realizadoras.

Uma forma de ficar atento ao tipo de lente que estamos utilizando é


observar cinco situações em que as posturas determinadas
pela mentalidade fixa divergem consistentemente daqueles determinadas
pela mentalidade de crescimento:

MENTALIDADE DE
SITUAÇÃO MENTALIDADE FIXA
CRESCIMENTO
Abraça com o desejo de aprender
Desafios Evita pelo medo de falhar.
e se aprimorar.
Tende a desistir diante dos erros e Mostra perseverança e utiliza os
Erros
frustrações. erros como aprendizado.
O esforço é visto como falta de
O esforço é visto como parte
Esforços aptidão. Tende a desistir das
inerente às conquistas.
atividades que exigem muito esforço.
A crítica negativa tende a ser ignoradaA crítica é vista como uma
Críticas mesmo quando feita de forma importante informação do que
construtiva. precisa ser melhorado.
Sucesso O sucesso dos outros tende a ser visto O sucesso dos outros tende a ser
alheio como ameaça. visto como inspiração.
Um exemplo claro de imposição da mentalidade de crescimento pode ser
observado na trajetória do piloto Ayrton Senna. Ao contrário do que se
podia imaginar, Senna nem sempre foi um grande piloto em pista molhada.
Aos treze anos, ele perdeu uma corrida de kart importante em Interlagos, e
sua capacidade de competir foi posta em xeque. O motivo: a falta de
habilidade para conduzir o carro na chuva. A partir dessa prova, ele não
perdia uma oportunidade de tempo chuvoso para ir à pista e aprender a
pilotar nessas condições. Era incansável em pedir orientações para os
pilotos que dirigiam bem em pistas molhadas. Foram anos de muita
derrapagem e chuva no rosto. Senna não nasceu sabendo dirigir na chuva,
mas aprendeu com muita dedicação, esforço e mentoria adequada. E
tornou-se um dos maiores pilotos em pista molhada da história da Fórmula
1.

Diálogo interno

Há uma lenda antiga que conta a história de um avô conversando com o


neto sobre a vida. Na conversa, o avô conta que existem dois ursos dentro
de nós. Um deles é generoso, amável, esperançoso e humilde. O outro é
malvado, arrogante, preguiçoso e invejoso. Esses dois ursos travam uma
batalha na nossa cabeça.

Pensativo, o neto pergunta para o avô:


– Quem ganha a batalha?
O avô responde:
– Aquele que você alimentar.
Como os ursos dessa lenda, a mentalidade de crescimento e a mentalidade
fixa convivem na nossa cabeça. Predominará aquela que mais
fomentarmos.

Um caminho seguro para valorizar a mentalidade de crescimento é o


diálogo interno, sobretudo nos momentos em que estamos desanimados,
frustrados e perto de tomar decisões que apontam para a desistência. Esse
diálogo pode ser estabelecido por meio de perguntas simples:
 Estou enxergando o fracasso como um fim, e não como uma fonte de
aprendizado?
 Estou fugindo de desafios com medo de fracassar?
 Estou exigindo estar pronto para algo que exige mais tempo de
aprendizado?
 Estou me achando incapaz por aprender algo de forma mais lenta que
meus pares?
 Estou cobrando de mim resultado, e não dedicação e esforço?
Se a resposta para pelo menos uma dessas perguntas for sim, é porque
a lente da mentalidade fixa está distorcendo a realidade. Desafie essa
visão. Coloque a lente da mentalidade de crescimento e perceba que:

 Os fracassos são parte fundamental para que o cérebro aprenda.


Utilize-os como degraus e não como buracos.
 Os desafios promovem redes neurais mais fortes e consistentes.
É preciso sair da zona de conforto para a aprendizagem efetiva.
 Não existe excelência em alguma habilidade sem muito esforço e
paciência para o aprendizado. Todo perito já foi um principiante.
 As pessoas aprendem as mesmas habilidades com velocidades
diferentes.
Aprender algo com mais lentidão não indica incapacidade, indica apenas
mais tempo para atingir o objetivo.
 É preciso cobrar de si paciência, dedicação e esforço, e não resultado.
Este virá por consequência.

ESFORÇO E TALENTO

Uma boa definição de talento é: a velocidade com que a pessoa aprende


alguma coisa, quando emprega determinado esforço. Quanto mais
rápido for esse aprendizado, maior será o talento para essa atividade!

O fato de adquirir uma competência não significa êxito ou sucesso, que só


ocorrem quando muito esforço e determinação tornam essa competência
produtiva. Por exemplo: a escritora britânica J.K. Rowling, que criou o
famoso bruxo Harry Potter, demorou mais de sete anos para escrever seu
primeiro livro: Harry Potter e a Pedra Filosofal. Foram anos de muitas
dúvidas, e ela teve de enfrentar problemas de saúde, questões afetivas e
dificuldades financeiras. Com o livro pronto, ela precisou de muito esforço e
perseverança para suportar a recusa de doze editoras para publicar a
narrativa. Hoje, são mais de 450 milhões de livros vendidos.

sem esforço significa pouco, é uma habilidade apenas potencial. A crença


de que o talento basta para o sucesso pode fazer com que não se dê
atenção ao que precisa ser valorizado: o esforço e a perseverança.

Talvez você já tenha ouvido a frase, atribuída a Thomas Edison, que diz que
o sucesso é 1% inspiração e 99% transpiração. Inspiração é talento.
Transpiração é esforço, e isso é o mais importante.

Mas por que é tão fácil desistir no meio da jornada? Por que é tão difícil ser
perseverante?

A resposta a essas perguntas não é simples, pois não existe um único fator
responsável pela desistência. Entretanto, as pesquisas mostram padrões de
pensamentos que, asseguradamente, contribuem para que as pessoas
desistam de seus objetivos. Para entender como isso funciona, é preciso
estabelecer a relação existente entre situação, pensamento, emoção e
comportamento.

Uma relação importante

O senso comum faz com que a gente acredite que o que sentimos é um
mero resultado das experiências que vivemos: acontece algo, e essa
situação gera uma emoção. No entanto as coisas não funcionam bem
assim. Entre uma situação e a emoção, existem pensamentos que
estruturam e reforçam a emoção. Esse pensamento e a emoção dele
decorrente influenciam decisivamente nossos comportamentos.
Imagine a situação de um professor que entra numa sala de aula e,
escrevendo na lousa, de costas para a classe, ouve uma risada. Ele pensa:
“estão rindo de mim”. Que tipo de emoção vai surgir? Provavelmente,
irritação, não é? E, ficando irritado, é possível que ele deixe transparecer
isso aos alunos, o que intensificaria a relação conflituosa.

espeito da risada. Se o pensamento tivesse sido outro, como “os alunos


estão alegres hoje” ou “alguém deve ter contado uma piada engraçada”, é
bem provável que o professor sentisse uma emoção menos desagradável.

Desafiar os pensamentos é um caminho para enxergar os fatos com


mais clareza ou, no mínimo, por outro ângulo. Assim, há mais chance
de termos comportamentos mais adequados para cada situação. A dica
é: se a emoção não está contribuindo, desafiemos o pensamento que a
estruturou.
Um padrão relevante

Desistir de objetivos não é um ato que costuma acontecer da noite para o


dia. Na verdade, a desistência ocorre por meio de um processo sistemático
de pensamentos que vão moldando as emoções e o comportamento. Não
há nada de errado em abrir mão de algum objetivo porque surgiu outro
mais importante.

O problema é quando a desistência não ocorre por opção, mas por


incapacidade de sustentar o esforço para alcançar um determinado
objetivo. Infelizmente, nem sempre é claro se o que está ocorrendo é o
primeiro ou o segundo caso. Os trabalhos de uma pesquisadora importante
do tema, a Dra. Angela Duckworth, evidenciaram que, quando uma pessoa
abandona alguma coisa, entre várias outras razões, existe um padrão de
pensamentos bastante comum estruturando o comportamento de
desistência. Alguns exemplos desses pensamentos: “estou entediado”, “isso
não faz mais sentido” ou “estou perdendo tempo com isso”.
Pode ser que não exista nada de errado com esses pensamentos, mas eles
precisam ser desafiados, para evitar decisões precipitadas.

Os pensamentos que levam à desistência apontam para a perda de


interesse. Como o interesse é um dos pilares que sustentam a
perseverança, fica fácil entender a ligação dessa linha de pensamentos na
atitude de desistir de um objetivo.

Desafiar esses pensamentos começa pela percepção de que é praticamente


impossível sentir-se interessado por todas as atividades necessárias para
um objetivo maior. Por exemplo: uma pessoa pode odiar uma disciplina e
sentir-se completamente desinteressado por uma aula. Isso é legítimo. Esse
desinteresse só não pode contaminar um objetivo maior, como entrar em
uma universidade ou passar num concurso público. Para esse objetivo
maior, essa disciplina pode ser um componente importante e, portanto,
vale o esforço para extrair dela o que for necessário aprender.

Outro exemplo é estar cursando uma disciplina da faculdade e, porque essa


disciplina está completamente desinteressante, alguém pensa em
abandonar o curso. Será que a forma como o conteúdo está sendo
trabalhado está contribuindo para o desinteresse? Será que o conteúdo
dessa disciplina corresponderá ao dia a dia de trabalho? Dentro de uma
carreira, existem várias áreas de atuação. Imagine um estudante de
medicina que não goste de seu estágio na disciplina de oftalmologia. Seu
sonho é ser ortopedista, mas ele está pensando em desistir do curso, por
não suportar as aulas de oftalmologia. Dificilmente algum ortopedista irá
lidar com a rotina de pacientes oftalmológicos. Apesar de esse exemplo ser
extremo, é exatamente isso que costuma ocorrer com outras carreiras.

Também existem profissionais extremamente felizes e bem-sucedidos que


costumam dizer coisas como “não consigo me enxergar fazendo outra
coisa”. Mas a verdade, sem nenhum romantismo, é que certamente eles já
fizeram outras coisas, e várias delas pouco interessantes. Muitas dessas
coisas serviram de ponte para eles chegarem aonde estão. Além disso,
mesmo sendo alguém apaixonado pela profissão, é certo que convivem
com atividades que não são prazerosas, mas que são toleradas para a
conquista de um bem-estar maior.

Existem outras armadilhas de pensamentos que podem corroer a


perseverança. Ainda trataremos delas. Por ora, questione os pensamentos
de desinteresse que surgirem na sua cabeça quando você estiver para
abandonar algo. Faça para si mesmo a seguinte pergunta: estou
desinteressado no meu objetivo maior ou na fase que estou atravessando?

E lembre-se: conquistas sem esforço são impossíveis.

PENSANDO SOBRE PENSAMENTOS

As distorções cognitivas são padrões rígidos de pensamento que podem


prejudicar nossa forma de lidar com os desafios do dia a dia. É como se, em
algumas situações, usássemos lentes que distorcem a realidade, o que faz
com que nossas respostas emocionais e comportamentais fiquem
comprometidas. As atitudes originadas pelas distorções cognitivas surgem
para lidar com uma realidade que não existe, pois foi criada pelos nossos
erros de interpretação. A boa notícia é que podemos identificar essas
distorções e reavaliar a interpretação dos fatos.

Apesar de, atualmente, os estudiosos do assunto terem sistematizado


algumas dezenas de distorções cognitivas, focaremos em duas, que são
verdadeiros venenos para a resiliência.

A primeira delas é a catastrofização. Quando estamos com a lente da


catastrofização, alguns aspectos das situações são interpretados de forma
exagerada e geram uma ruminação mental que supõe os piores desfechos.

Um exemplo: uma pessoa está andando pela rua e sente uma ligeira dor de
cabeça. Imediatamente vem o pensamento: “será que estou tendo um
derrame?”
Outro exemplo: alguém fica ansioso e o coração acelera. Aparecem mais
pensamentos catastróficos: “há algo de errado comigo!”

Em segundos, as duas personagens já imaginam o quanto seus familiares


vão sofrer por eles morrerem tão cedo.

Percebeu o que é a catastrofização? Existem explicações mais razoáveis


para uma dor de cabeça ou para uma taquicardia. A catastrofização, muitas
vezes, confunde medo com realidade. O fato de um indivíduo estar com
medo de ter um derrame não quer dizer que ele está tendo um derrame.

A catastrofização mistura o possível com o provável. É possível um avião


cair em nossa cabeça agora? Sim. Mas é provável? Não.

Vejamos outro exemplo. Um aluno universitário está com dificuldades num


determinado semestre. Suas notas não passam de razoáveis e não estão
tão boas quanto no semestre anterior. Então, ao receber a nota de uma
avaliação, entra em desespero: “Não pode ser, 4,0! Será impossível tirar 6,0
na próxima prova! Jamais conseguirei me formar. Sou um fracasso!”

Você percebeu a sequência de pensamentos catastróficos? É claro que é


natural ficar desapontado com a nota, mas houve um pensamento
exagerado que tornou impossível melhorar dois pontos para a próxima
prova. Além disso, ele acha que “jamais” vai conseguir se formar. E mais: ele
se transformou num “fracassado”.

A catastrofização faz com que enxerguemos os problemas muito


maiores do que realmente são e, além disso, ela nos faz crer que nossas
capacidades de enfrentar os problemas são muito menores do que
realmente são. É por isso que ela tem um efeito corrosivo na
resiliência.
A outra armadilha inimiga da resiliência é a distorção cognitiva
denominada tudo ou nada.
Quando estamos com as lentes do ""tudo ou nada"", apresentamos
pensamentos extremistas: pensar que a coisa é perfeita ou é desastrosa; ou
gosta de tudo ou não suporta nada. É um pensamento binário, sem meio-
termo.

Imagine que você decidiu sair do sedentarismo. Você se propõe a fazer


caminhadas seis dias por semana. Nas duas primeiras semanas, você
consegue cumprir a meta. Na terceira semana, alguns imprevistos
acontecem e você não consegue caminhar na segunda e na terça-feira.
Surgem os pensamentos: “esta semana já era”, “de que adiantam quatro
dias?” ou “na próxima semana, tentarei levar a sério”.

Notou como o pensamento ""tudo ou nada"" sabotou a conquista da meta?


O objetivo era sair do sedentarismo, e não ficar refém do ideal planejado.

Quando enxergamos o mundo dessa forma, temos a tendência de desistir


no primeiro sinal de desvio do que foi planejado. Não há margem para erro,
mas esse não é o mundo real. Precisamos ter em mente que existem
o ideal, o possível e o desejável. Na maioria das situações, o ideal é quase
utópico. As coisas funcionam quando miramos o ideal, mas não
paralisamos com um resultado desejável e muito menos desistimos quando
há a opção do possível. A resiliência se salva pelo possível.

Como evitar as distorções cognitivas?

É praticamente impossível evitá-las, mas é perfeitamente possível perceber


o momento em que elas estão atuando e desafiá-las. Uma boa estratégia é
colocar seus pensamentos sob a prova de evidências que os sustentem ou
descartem. O simples fato de reformular os pensamentos para
interpretações mais realistas permite que emoções e atitudes mais
assertivas entrem em cena. A ideia não é ver um mundo cor de rosa, mas
sim avaliar as situações de modo realista, com nitidez em relação aos
aspectos negativos, positivos e neutros das situações.
Para colocar isso em prática, fique atento aos seus próprios pensamentos
nos momentos em que as emoções estiverem mais atrapalhando do que
ajudando e, principalmente, quando você estiver prestes a tomar alguma
decisão importante. A dica é utilizar um pequeno “congelamento” na
situação e identificar os pensamentos que estão acontecendo naquele
exato momento. Eles podem ser pequenas frases (""sou um fracasso"") ou
até mesmo imagens (""pude ver a cena de todos rindo de mim"").

Uma vez identificados os pensamentos, faça o teste das evidências com


questionamentos simples:

 Posso estar exagerando?


 Estou confundindo possível com provável?
 Estou confundindo medo com realidade?
 Estou desistindo do que é o possível pelo fato de não ser o ideal?
 Como aconselharia um amigo ou uma amiga na mesma situação?
As respostas a essas perguntas costumam desinflar as distorções cognitivas
e permitem reformular os pensamentos. Por consequência, há a
estruturação de emoções mais apropriadas e a possibilidade de decisões
mais assertivas. Isso é o que chamamos de flexibilização cognitiva, um
dos grandes pilares da resiliência.

Vamos dar um exemplo do teste das evidências.

Você tem que fazer uma apresentação e se preparou muito para ela.
Quando percebe que está chegando a hora, você sente a boca seca e as
mãos suando. Você está pensando seriamente em desistir e inventar
alguma desculpa para fugir daquela situação. Nesse exato instante, você
respira e procura prestar atenção nos seus pensamentos: “vou esquecer
tudo que preciso dizer”, “será um vexame”.

Com o diálogo interno, você faz o teste das evidências:

Posso estar exagerando?


É possível que sim. As pessoas ficam nervosas antes de apresentações. Até
oradores experientes relatam boca seca antes de uma apresentação.

Estou confundindo possível com provável?

É verdade. É possível dar um branco na hora, sim. Mas eu me preparei


muito para a apresentação e já fiz isso outras vezes. Não é provável que eu
esqueça tudo. E, na pior das hipóteses, eu consulto as minhas anotações e
retomo o rumo.

Estou confundindo medo com realidade?

É verdade. O fato de eu estar com medo de que as coisas deem errado não
quer dizer que elas vão dar errado.

Notou como o teste das evidências esfriou a catastrofização que estava na


cabeça de nossa personagem? Utilizar isso na prática pode parecer difícil
num primeiro momento, mas podemos fazer a comparação com o ato de
aprender a dirigir ou a cozinhar. No início, temos que focar em cada
movimento, e o processo é lento e artificial. Mas, com a prática, as pessoas
dirigem e cozinham de modo automático. Com a flexibilização cognitiva
ocorre o mesmo. Pratique! A resiliência agradece.

MAIS QUE APENAS EXPLICAÇÕES

Pesquisas apontam que o modo como as pessoas formulam as explicações


para as causas dos acontecimentos negativos tem um grande impacto na
resiliência. O Dr. Martin Seligman, professor na Universidade da Pensilvânia,
aponta três domínios do estilo explicativo que merecem atenção: duração,
abrangência e responsabilidade.

Domínio da duração
Pessoas que acreditam que as causas dos eventos ruins
serão permanentes tendem a ser menos resilientes. Pessoas que
acreditam que as adversidades são temporárias tendem a ser mais
resilientes. Vamos exemplificar. Observe o esquema:

Outro exemplo:
Os advérbios “sempre” e “nunca” costumam aparecer com frequência no
discurso das pessoas que percebem de forma distorcida a duração dos
eventos negativos. Quando isso ocorre, não há motivação para empenhar
esforço para superar as adversidades. Isso compromete a resiliência.

Domínio da abrangência

As pessoas que tendem a estender a abrangência dos eventos negativos


costumam ser menos resilientes. Os indivíduos que restringem os eventos
negativos à sua real dimensão tendem a ser mais resilientes. Veja o
exemplo:
Mais um exemplo:
As pessoas que distorcem a explicação das causas dos eventos negativos,
estendendo a abrangência das dificuldades, tornam os desafios muito
maiores do que realmente são. Isso faz com que a percepção do esforço a
ser empreendido para superar as dificuldades seja muito maior do que a
realidade exige, o que compromete a resiliência, pois desencoraja o
enfrentamento dos desafios.

Domínio da responsabilidade

Pessoas que tendem a atribuir toda a responsabilidade dos infortúnios


para si, ou toda para outros fatores, tendem a ser menos resilientes. Veja
alguns exemplos dessa postura:

Outro exemplo:
Raramente, a responsabilidade total das causas dos eventos negativos
pode ser atribuída para si ou para outros fatores. Geralmente há fatores
externos e internos que interferem no resultado final. Quando a pessoa
atribui o correto balanço de responsabilidade pelos infortúnios, ela
consegue empenhar energia para aprimorar aquilo que está sob sua
responsabilidade. Isso permite focar esforços e não amplia os desafios.
Esse equilíbrio facilita o fomento da resiliência.

Uma boa dica é fazer a avaliação realista das responsabilidades e perceber


o que está sob o seu controle e o que não está. Todo o esforço deve ser
empregado naquilo que é de sua responsabilidade e está sob o seu
controle.

Modificando os estilos explicativos

O que o Dr. Martin Seligman e seus colaboradores de pesquisa observaram


em milhares de participantes envolvidos em seus estudos é que as pessoas
tendem a adquirir hábitos para explicar os eventos negativos. Isso faz com
que elas adquiram posturas que podem prejudicar a resiliência. A boa
notícia é que os estudos também mostraram que os estilos explicativos
prejudiciais podem ser modificados.
A estratégia para isso é prestar atenção na forma como você explica os
eventos negativos que estiver atravessando. Para isso, faça as seguintes
perguntas para si mesmo no momento das dificuldades:

 Estou considerando que o evento não é permanente e que tudo passa?


 Estou aumentando a abrangência do problema que estou enfrentando,
expandindo os seus efeitos para outras áreas?
 Estou atribuindo toda a responsabilidade para mim ou toda para outros?
Se a resposta for sim a qualquer uma dessas perguntas, procure flexibilizar
os seus pensamentos, desafiando-os por meio de evidências. Uma dica
para desafiar os pensamentos é iniciar com a seguinte frase:

Isso pode não ser verdade porque...

Vamos retomar alguns exemplos para mostrar como isso funciona:

Isso pode não ser verdade porque ter tido decepções amorosas até aqui
nãoquer dizer que isso sempre irá ocorrer. As pessoas são diferentes umas
das outras.
Isso pode não ser verdade porque o curso de Engenharia é muito mais do
que a disciplina de cálculo. Asseguradamente, haverá disciplinas em que
terei facilidade. Não estou sendo ingênuo de acreditar que cursar a
disciplina de cálculo será uma tarefa simples. Mas vamos deixar o desafio
do tamanho que ele é.
Isso pode não ser verdade porque o desentendimento não ocorreu apenas
pela dificuldade técnica dele. Também preciso explicar os pressupostos da
minha proposta, para que ele entenda aonde quero chegar. Também posso
não estar enxergando algo que ele enxergou. Preciso entender o ponto de
vista dele.

Após a flexibilização dos pensamentos, o estado emocional e a disposição


para enfrentar os desafios ficam muito mais favoráveis para uma resolução
assertiva. Isso é resiliência.

Mudar os hábitos dos estilos explicativos exige vigilância, esforço e


perseverança. É a resiliência gerando resiliência.

ESPERANÇA DE CONSTROI

O intelectual alemão Albert Schweitzer disse certa vez:

“A tragédia não é quando um homem morre;


a tragédia é o que morre dentro de um
homem quando ele está vivo.”
Schweitzer estava se referindo à morte da esperança. Sem esperança,
pouca coisa pode ser feita.

Uma das grandes estudiosas da área da resiliência, a Dra. Karen Reivich, da


Universidade da Pensilvânia, corrobora a importância da esperança,
afirmando que não existe resiliência sem esperança. Acontece que a
esperança não é um estado espontâneo. Ela é um sentimento construído
por meio de cinco etapas fundamentais: estabelecimento de objetivos,
reconhecimento dos benefícios, identificação das dificuldades,
planejamento de ação e a ação propriamente dita.
Esses passos foram bem estabelecidos nos trabalhos da Dra. Gabriele
Oettingen, professora da Universidade de Nova York, que há mais de vinte
anos desenvolve pesquisas para analisar estratégias de cumprimento de
objetivos pessoais e de realização pessoal. Vamos explorar essas etapas de
forma sintética.

Tenha um objetivo

É importante ser específico no estabelecimento dos objetivos. Metas


amplas e pouco precisas costumam fazer com que as pessoas percam o
foco. Além disso, os objetivos precisam ser realistas. A postura realista não
significa uma postura modesta. Os objetivos podem ser ousados, mas
factíveis. Metas inatingíveis dissolvem a esperança.

Outra característica de objetivos bem estruturados é torná-los observáveis


e com prazo bem definido para a concretização. Vejamos um exemplo de
uma forma apropriada e outra inapropriada de se estabelecer um objetivo.

Forma adequada: estudar 10 itens do edital do concurso nos próximos 20


dias.

Observe que o objetivo é específico (estudar 10 itens do edital); vamos


admitir que ele seja factível; ele pode ser observável (eu sei se estudei o item
ou não) e apresenta um prazo para a finalização (20 dias).

Forma inadequada: estudar para o concurso. (Estudar o quê? Até quando?)

Forma inadequada: estudar todos os 20 livros indicados para o concurso


nos próximos três dias. (Apesar de ser específico e ter um prazo para a
finalização, ele é pouco realista.)

Reconheça os benefícios de conquistar esse objetivo


Num programa de televisão, cujo tema era incentivar as pessoas a saírem
do sedentarismo, o médico Dráuzio Varella afirma que a maioria das
pessoas não correm pela sensação do início da corrida. Geralmente, é
desanimador iniciar uma corrida. As pessoas correm para sentir o bem-
estar que o final da corrida proporciona.

Essas observações são bastante coerentes com a visão da neurociência.


Estudos demonstraram que as pessoas tendem a desistir de atividades que
exigem esforço quando não conseguem “antecipar mentalmente” os
benefícios que essa atividade pode proporcionar.

Essa etapa visa a exatamente isso: reforçar os benefícios proporcionados


pela conquista do objetivo.

No nosso exemplo inicial, seria algo como: ""vou estudar pois conseguirei
seguir a carreira com que sonho tanto; além disso, vou poder proporcionar
estabilidade financeira para a minha família. Isso me traz muita
segurança"".

Identifique os obstáculos

Os principais obstáculos a serem vencidos são os pensamentos que


estruturam as dificuldades para atingir o objetivo, principalmente as
distorções de percepção da realidade. São muito comuns:

 pensamentos característicos da mentalidade fixa, aquela que se esquece


que o nosso cérebro pode sempre aprender: “não consigo aprender
gramática”.

 pensamentos catastróficos, aqueles que exageram as dificuldades: “não


sei nada de matemática”.
 pensamentos do tipo “tudo ou nada”: “se eu não conseguir estudar dois
itens nos quatro primeiros dias, nem adianta continuar”.

 Estilos explicativos distorcidos para eventos negativos: “eu nunca passei


num concurso”, “será quase impossível passar”.

Todos esses pensamentos são verdadeiros venenos para a resiliência. É por


isso que existe o próximo passo.

Desafie os pensamentos

Esta etapa visa a jogar um contraste nos pensamentos estruturados na


etapa anterior, para identificar o que é real e o que é distorção. É hora de
fazer o teste de evidências em cada um dos pensamentos listados.
Algumas perguntas auxiliam nessa tarefa:

Desafie a mentalidade fixa:

– Não consigo aprender gramática.

Isso pode não ser verdade porque posso ser mais lento Para aprender
gramática, mas não quer dizer que não consigo aprender.
Desafie os pensamentos catastróficos:

– Não sei nada de matemática!

Isso pode não ser verdade porque é um exagero dizer que não sei nada de
matemática. Sei o básico. Além disso, o que posso aprender nesses dias
pode ser suficiente para o concurso.
Desafie os pensamentos do tipo “tudo ou nada”:
– Se eu não conseguir estudar dois itens nos quatro primeiros dias, nem
adianta continuar.

Isso pode não ser verdade porque desistir é que não adiantará nada. Se eu
não conseguir estudar alguma coisa, manterei o ritmo e estudarei o que
for possível.
Desafie os estilos explicativos:

– Eu nunca passei num concurso. Será quase impossível passar.

Isso pode não ser verdade pelo fato de que não ter conseguido até agora
não significa que não é possível. É muito comum as pessoas fazerem
várias tentativas até entrar. Tenho que cobrar de mim o esforço de
continuar estudando e me aprimorar cada vez mais.
Quanto mais identificamos as armadilhas e desafiamos os pensamentos,
mais natural e espontâneo se tornará o processo. Isso permite que as
dificuldades sejam percebidas com a sua real dimensão e os esforços sejam
concentrados no que vale a pena.

Estabeleça um plano e coloque-o em prática

Esta etapa define o planejamento para atacar os obstáculos reais e traçar


um caminho, que será apenas um mapa de direção. Imprevistos
acontecem, e flexibilidade é o lema.

Por exemplo: eu vou começar a estudar pelos itens que tenho mais
afinidade, assim reforço o que sei. Farei isso nos 10 primeiros dias. Depois
dedicarei oito dias aos itens que tenho mais dificuldade. Nos dois dias finais
do prazo, dedicarei o tempo resolvendo provas de concursos anteriores.

Em resumo, podemos colocar as etapas descritas no acrônimo TRIDE:


Tenha um objetivo
Reconheça os benefícios de atingir esses objetivos
Identifique os obstáculos
Desafie os pensamentos
Estabeleça um plano e coloque-o em prática
Dê um TRIDE nos seus objetivos. A resiliência e a esperança agradecem!

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