Elementos do Grupo: Melita António Jacinto Fabíola Manuel Joaquim Rodrigues Docente: Guida de Miranda Introdução • Essa primeira aproximação ao tema da ética implicada na assistência à reprodução humana visa considerar a autonomia dos usuários dessas tecnologias biomédicas, por meio de um diálogo real e claro com os profissionais de saúde que conduzem os tratamentos. Diferentes indivíduos que realizam seu planeamento familiar e que reconhecem nas tecnologias reprodutivas uma oportunidade para o desejo da procriação apresentam modos de vida diversos, não cabendo ao profissional da saúde a aprovação moral ou não de uma dada constituição familiar. • O olhar bioético é fundamental nesse processo por aproximar as decisões éticas no campo da assistência reprodutiva aos direitos humanos fundamentais. A adoção de tecnologias biomédicas deve estar comprometida com a promoção da autonomia e liberdade das pessoas, e não com a manutenção de padrões morais hegemônicos e com a hierarquização de valor instaurada na comparação entre seres humanos distintos entre si. Os procedimentos de manipulação genética de embriões com a intenção de eliminação da diversidade humana considerada indesejada merecem especial atenção dado seu viés discriminatório e eugênico. Bioética
• É uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia,
fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando essa é colocada em risco pela Medicina ou pelas ciências. A palavra Bioética é uma junção dos radicais “bio”, que advém do grego bios e significa vida no sentido animal e fisiológico do termo (ou seja, bio é a vida pulsante dos animais, aquela que nos mantém vivos enquanto corpos), e ethos, que diz respeito à conduta moral. • Trata-se de um ramo de estudo interdisciplinar que utiliza o conceito de vida da Biologia, o Direito e os campos da investigação ética para problematizar questões relacionadas à conduta dos seres humanos em relação a outros seres humanos e a outras formas de vida. • O entendimento da abrangência da bioética – especialmente em seus diálogos com a clínica e a saúde pública – depende, igualmente, do reconhecimento das relações que este campo estabelece com outros dos saberes, especialmente a ética, a moral, a religião, o direito, a ciência e a técnica. Bioética e a Reprodução Humana • O objetivo da reprodução é a geração de novos indivíduos. Uma questão de extrema atualidade é a caracterização do momento em que o novo ser humano passa a ser reconhecido como tal. Atualmente podem ser utilizados dezenove diferentes critérios para o estabelecimento do início da vida de um ser humano. • A bioética emerge como estratégia de garantia dos direitos humanos face ao horror do holocausto e aos abusos da experimentação científica envolvendo seres humanos. Originalmente, propôs como parâmetros éticos os princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, mas logo estendeu seu campo de regulação e crítica para a consideração da vulnerabilidade de certos grupos populacionais à violação de seus direitos humanos no contexto da assistência à saúde e da exposição ou limitação do acesso às novas tecnologias. • O exercício da medicina envolve, em grande parte, experimentação científica, sobretudo nos casos em que propõe novas tecnologias para fins de viabilização de mudanças inovadoras nas condições de vida e de saúde. Essas mudanças, operadas pela biomedicina, visam inaugurar alternativas à vida e à saúde anteriormente não viáveis, mas tornadas possíveis pelos avanços biotecnológicos. Nesse cenário, surgem diversas questões éticas, sobretudo em relação aos critérios de acesso às novas tecnologias, mas também quanto às repercussões que os avanços científicos impõem à vida e às experiências humanas Bioética e Reprodução Humana • A reprodução humana sempre foi uma experiência social regulada por práticas culturais e históricas. Diferentes povos em diferentes momentos históricos adotaram estratégias tanto para potencializar a fertilidade quanto para garantir que as relações sexuais não acabassem necessariamente em procriação. Em meados do século 20, avanços biomédicos desencadearam uma revolução na reprodução humana. A tecnologia biomédica permitiu desvincular tanto a sexualidade da reprodução (pelo uso da pílula anticoncepcional), quanto a reprodução humana do coito heterossexual (por meio das novas tecnologias reprodutivas). Medicações hormonais sintéticas prescritas para fins de regulação do organismo para a fertilidade, mas também as técnicas de manipulação de material genético, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, por exemplo, permitiram a viabilização de concepções que não seriam consumadas senão por meio dessas intervenções. • As novas tecnologias reprodutivas, nesse sentido, podem ser definidas como um conjunto de procedimentos tecnológicos voltado para o tratamento de condições de infertilidade e infecundidade, por meio de técnicas que substituem a relação sexual no processo da concepção de embriões humanos. Bioética e Reprodução Humana
• Questões éticas e de proteção aos direitos humanos fundamentais devem ser
consideradas nesse debate, no qual podemos destacar a contribuição dessas novas alternativas terapêuticas para a manutenção de padrões morais hegemônicos em relação à ordem de gênero e, mais especificamente, à família patriarcal. A consideração crítica dessas novas tecnologias biomédicas a partir da perspetiva da Bioética feminista permitirá questionar os limites da autonomia no acesso à assistência reprodutiva, sinalizando para a necessidade da defesa dos direitos humanos como estratégia de enfrentamento do poder de normatização disciplinar que a medicina pode impor aos corpos e costumes. • Em uma análise das sessões dessa resolução, percebe-se uma tentativa de balizar a atividade médica quando da manipulação de gâmetas para fins reprodutivos. A utilização de técnicas médicas para realização de procedimento de fecundação abriu uma série de novas situações que impõem dilemas específicos, os quais demandam reflexão e regulamentação ética para além dessa resolução. Diversos aspetos do uso das novas tecnologias conceptivas, porém, encontram-se desfasados nesse documento, como a assistência à reprodução para casais não- heterossexuais, a doação de embriões pré-implantados para pesquisa científica e clonagem humana. Um Olhar Bioético Feminista Sobre As Novas Tecnologias Reprodutivas • A expectativa social pelo cumprimento do papel da maternidade ganha nova força com a disponibilização no mercado das novas tecnologias reprodutivas conceptivas. • Apesar de a reprodução assistida implicar em mediação tecnológica da reprodução humana, persiste a ideia de que a maternidade promovida pelas tecnologias Bioética em Reprodução Humana 65 reprodutivas seria natural, apenas com uma pequena interferência da ciência. Assim, o fato de a maternidade se concretizar a partir de etapas como concepção, gestação e parto parece cancelar a suposta naturalidade dos procedimentos em reprodução assistida. • As técnicas de reprodução assistida teriam como objetivo a produção do corpo grávido. Nesse sentido, o nascimento de um bebê não seria necessariamente o foco dos tratamentos, mas sim a realização da gravidez. Uma série de procedimentos são necessários, a grande maioria deles executados no corpo feminino: exames, remédios, ultrassonografia, aspiração folicular, fertilização e implantação no útero – muitos deles extremamente incômodos e doloridos, envolvendo variados graus de risco. Um Olhar Bioético Feminista Sobre As Novas Tecnologias Reprodutivas
• Salienta-se, ainda, que aliada à compulsoriedade da maternidade se
apresenta a falibilidade das novas tecnologias reprodutivas, o que relança a mulher à vulnerabilidade ao sofrimento psíquico quando a gravidez não se consuma por meio da reprodução assistida. Predomina um silêncio sobre o alto índice de insucesso das tecnologias reprodutivas, aliado à exaltação da tecnologia biomédica e à falsa ideia de que não haveria impedimentos para a consumação da procriação. • Apesar de a intervenção tecnológica sobre a reprodução explicitar a não restrição dos processos reprodutivos a uma suposta ordem natural, tende- se a atribuir naturalidade à maternidade e mesmo à família que se visa constituir por meio da assistência reprodutiva. Essa “naturalidade” do processo se reforça a partir do nascimento de um filho do próprio sangue dos envolvidos, mesmo nos casos em que há doação de gâmetas. Contudo, esse estatuto somente é reconhecido quando os procedimentos são realizados em um casal heterossexual. Nesse sentido, a configuração familiar legítima e legitimada nesses processos é a tradicional patriarcal, na qual não há espaço para a homoparentalidade ou para mães solteiras. A Relação Médico-Paciente, Consentimento Livre E Esclarecido E Vulnerabilidade
• Há na relação médico-paciente uma assimetria de conhecimento e de poder
na qual o médico se constitui como a autoridade moral perante os usuários e responsável pelas decisões éticas do tratamento. Essa situação pode comprometer a autonomia dos pacientes quanto a suas próprias escolhas, já que todo o processo terapêutico é conduzido pelo médico. Nesse sentido, para que os usuários de reprodução assistida tenham condições de exercer sua autonomia por meio de suas escolhas reprodutivas, é necessário que essa relação assimétrica seja atenuada ao máximo possível. Após constatada a necessidade de utilização das tecnologias reprodutivas para realização do projeto reprodutivo do casal, é fundamental que o médico lhes ofereça, de maneira clara e acessível, todas as informações possíveis sobre as opções de procedimentos, o tempo necessário para fazê-los, os riscos e benefícios destes, seus custos e as taxas de sucesso e fracasso do tratamento indicado. Tais informações são essenciais para que os pacientes façam suas escolhas de maneira livre e esclarecida, podendo inclusive desistir do tratamento de modo a resguardar sua integridade física e psicológica. A Relação Médico-Paciente, Consentimento Livre E Esclarecido E Vulnerabilidade • O compromisso ético dos médicos com o resguardo dos usuários da reprodução assistida não se encerra com o esclarecimento dos riscos dos procedimentos na assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Isso ocorre porque os usuários podem não ter domínio das categorias médicas e dos procedimentos e efeitos destes sobre sua saúde. Nesse sentido, o termo de consentimento não é elemento suficiente para resguardar a integridade dos usuários nem para garantir sua autonomia perante as escolhas a respeito do tratamentoOs aspetos éticos mais importantes que envolvem questões de reprodução humana são os relativos à utilização do consentimento informado; a seleção de sexo; a doação de espermatozoides, óvulos, pré-embriões e embriões; a seleção de embriões com base na evidência de doenças ou problemas associados; a maternidade substitutiva; a redução embrionária; a clonagem; pesquisa e criopreservação (congelamento) de embriões.Um importante assunto, de crescente discussão ética, moral e legal é o aborto. Independentemente da questão legal, existe nesta situação um conflito entre a autonomia, a beneficência, a não-maleficência e a justiça da mãe, do feto e do médico. Aspetos Éticos da Tecnologia Médica • Os avanços da tecnologia têm propiciado o desenvolvimento de equipamentos progressivamente mais desenvolvidos que tem trazido na sua maioria, inequívocos benefícios para os pacientes. Por outro lado frequentemente o avanço tecnológico traz consigo problemas éticos. Isto é facilmente detetado em vários campos da medicina e cito as técnicas de fertilização in-vitro, as alternativas de manipulação genética e os avanços na área dos transplantes como exemplos de áreas que estão provocando grandes discussões éticas nos dias atuais. O avanço da tecnologia não traz somente problemas éticos em nível individual. Como na maioria das vezes estamos tratando de procedimentos complexos, é inevitável que eles se tornem caros. Devemos diferenciar a prática médica da pesquisa médica. A primeira representa as intervenções planejadas visando somente o bem- estar do paciente ou cliente individual e que apresenta uma razoável expectativa de sucesso. São estas as nossas ações do dia-a-dia: tomamos decisões com relação à melhor estratégia de ação médica baseadas na nossa experiência, sedimentada no conhecimento adquirido através da leitura de material científico na educação continuada ao frequentarmos congressos, seminários cursos e conferências com especialistas de maior saber e experiência. Conclusão • Como conclusão é importante enfatizar que os novos tempos que vivemos já estão exigindo que os profissionais da área médica sejam competentes não somente nas áreas científicas e tecnológicas. A competência ética é uma necessidade atual e provavelmente tornar-se-á progressivamente mais necessária à medida que os novos conhecimentos científicos e tecnológicos evoluírem. As nossas sociedades corporativas não podem se omitir desta realidade. Elas deverão se preocupar tanto com a qualidade dos egressos das Faculdades de Medicina, bem como da valorização do título de especialista, mantendo um alto princípio de qualificação profissional dos mesmos como com o oferecimento de centros de treinamento qualificados e de educação continuada que contemple o avanço científico, tecnológico e ético da prática médica. Referencias Bibliográficas
• SCHRAMM. Roland Fermin; BRAZ Marlene. Bioética e Saúde – Novos
tempos para mulheres e crianças? 2005, Rio de Janeiro, Fio Cruz. • BEMFAM. Macro International Inc. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, 1996. Rio de Janeiro: Bemfam, 1997. BOLETIM ELETRÔNICO SAÚDE REPRODUTIVA NA IMPRENSA. 1: 30 set. 2003 • RASIL. Resolução n. 1358. Conselho Federal de Medicina. Brasília: CFM, 1992. • BRAZ, Marlene. & SCHRAMM, F. R. O ninho vazio: a desigualdade no acesso à procriação no Brasil e a Bioética. Rio de Janeiro, 2003. (Mimeo). • COLLUCCI, C. Por que a Gravidez não Vem? Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. CORRÊA, M. V. Novas Tecnologias Reprodutivas: limites da biologia ou biologia dos limites? Rio de Janeiro: Eduerj, 2001. • COSTA, A. M. Planejamento familiar no Brasil. Revista Bioética, 4(2): 1996. Fim Agradecemos Pela Atenção Dispensada!