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Ricardo Reis

Índice
Apresentação do Consciência e
heterónimo encenação da morte

Classicismo Linguagem e estilo

Epicurismo Exercícios

Estoicismo

Ricardo Reis
Apresentação do heterónimo
«[…] Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns
poemas de índole pagã. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis). […]
Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a
si mesmo, porque nessa altura já o via. […]

Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no
Porto, é médico e está presentemente no Brasil. […] é um pouco, mais baixo, mais forte
[do que Alberto Caeiro], mas seco. […] Cara rapada, […] de um vago moreno mate.

Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde
1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação
alheia, e um semi-helenista por educação própria.»
Excerto da Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro

Ricardo Reis
Apresentação do heterónimo
Temáticas

Classicismo Consciência e
encenação da morte

Epicurismo Estoicismo

Ricardo Reis
Classicismo
Reis é produto do fingimento artístico de Pessoa, sendo um poeta clássico,
influenciado pelas culturas de Roma e da Grécia Antigas.

Aceita a mundividência pagã, reconhecendo a existência de deuses (o deus


judaico-cristão é apenas mais um) e do Destino e crendo, como o mestre Caeiro, que
o homem vive em comunhão com a Natureza.

«Da nossa semelhança com os deuses/ Por nosso bem tiremos/ Julgarmo-nos
deidades exiladas/ E possuindo a Vida/ Por uma autoridade primitiva/ E coeva
de Jove/ […] Como acima dos deuses o Destino/ É calmo e inexorável,/ Acima
de nós-mesmos construamos/ Um fado voluntário […].»
Poema «Da nossa semelhança com os deuses», vv. 1-6, 15-18

Ricardo Reis
Classicismo
Cultiva a disciplina racional na vida e na escrita da poesia.

Busca em filosofias da Antiguidade (epicurismo e estoicismo) soluções para


enfrentar as contrariedades da vida (a dor, a doença, a morte), mas também as
angústias existenciais.

Inseridos na temática do Classicismo, podemos ver a influência


de dois sistemas filosóficos distintos, ainda que complementares:

Estoicismo Epicurismo

Ricardo Reis
Epicurismo
Sistema filosófico que defende a:

o serenidade na vida e a fruição moderada dos prazeres;


o indiferença e ausência de inquietação perante a dor e as paixões;
o ataraxia: ausência de perturbações;
o culto do carpe diem horaciano: fruição do momento com moderação.

Ricardo Reis
Epicurismo Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Revelação da atitude de indiferença, da entrega moderada ao Que um perca e outro vença,
momento e da consciência da efemeridade da vida. Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a Primavera
Defesa do isolamento social, no distanciamento face à vida e As folhas aparecem
na indiferença face ao outro [egoísmo epicurista]. E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

Ricardo Reis
Estoicismo
Sistema filosófico que defende a:

o autodisciplina na condução da vida;


o ausência de sofrimento quando o homem se vê confrontado com contrariedades;
o aceitação impassível da morte, da dor e velhice;
o resignação perante a frágil condição humana;
o indiferença perante o sofrimento e as paixões (ataraxia);
o abdicação voluntária de sentimentos intensos e de compromissos.

Ricardo Reis
Estoicismo
Síntese e reforço das normas de vida a seguir para alcançar a XVIII - Saudoso já deste Verão que vejo
ataraxia:
Saudoso já deste Verão que vejo.
o submissão ao destino e à passagem irreversível da vida;
Lágrimas para as flores dele emprego
o aceitação tranquila da inevitabilidade da decadência e do Na lembrança invertida
envelhecimento («murchar»);
De quando hei de perdê-las.
o consciência da impossibilidade de escapar ao poder da Transpostos os portais irreparáveis
«curva» (passagem da vida). De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de errar, sem flores,
No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda.
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.

Ricardo Reis
Consciência e encenação da morte
o Reis tem uma consciência aguda da brevidade da vida e da fugacidade do tempo.
o Encena a morte com termos clássicos: o Destino (Fado), o barqueiro...
o O ser humano é vulnerável e vítima indefesa do Fado, que lhe traz sofrimento.
o Ciente de que é inútil contrariar o Destino e as adversidades que a Vida acarreta
(doença, velhice, morte), Reis aceita seguir a lei da vida e o curso da Natureza.
o Disciplinado, abdica de lutar e conforma-se com a condição trágica da existência.
o Reis prepara-se para a morte (encenação) através da sua filosofia de vida: ele não é
ator na vida, porque não age; ele é um passivo espectador da vida que passa -
«Sábio é o que se contenta com o espetáculo do Mundo.»

Ricardo Reis
Consciência e encenação da morte Não tenhas nada nas mãos
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Referência à morte através de referências clássicas Ao abrirem-te as mãos
(óbolo - moeda usada para pagar a passagem ao Nada te cairá.
barqueiro Caronte para o reino dos mortos).
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Eufemismo – suaviza a ideia desagradável da
evocação da morte e associa-se, por isso, ao Que horas que te não tornem
Epicurismo e Estoicismo. Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Flores – símbolo da efemeridade e beleza da vida, Na noite e ao fim da estrada.
mas também da comunhão com a Natureza.
Colhe as flores mas larga-as,
Atitude passiva, típica do espetador. Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
o Linguagem culta, erudita e latinizante;
o Estilo e forma complexos a espelhar o conteúdo;
o Tom didático e moralista (conselhos no imperativo e/ou conjuntivo com valor
exortativo);
o Presença da mitologia greco-romana;
o Tom coloquial (presença de um interlocutor);
o Preferência pela ode;

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
o Regularidade estrófica, rítmica e métrica (versos predominantemente
decassilábicos e hexassilábicos);
o Ausência de rima (versos soltos);
o Predomínio de construções sintáticas subordinadas e com influência da sintaxe
latina;
o Predomínio do presente do indicativo e uso frequente da primeira pessoa do
plural; utilização do gerúndio com valor aspetual imperfetivo;
o Recursos expressivos predominantes: anástrofe, hipérbato, metáfora, aliteração,
apóstrofe, adjetivação (erudita) entre outros.

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
Uso de vocabulário erudito/latinizante: Uns, com os olhos postos no passado,
«perene» (v. 9) e «hausto» (v. 10) – o que
confirma a versão clássica do Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem; outros, fitos
heterónimo. Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto


o Hipérbato: A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
(inversão da ordem direta dos É quem somos, e é tudo.
constituintes frásicos): «A nossa
segurança, porque ir pôr tão Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
longe o que está perto?» Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
o Antítese: o Metáfora:

que destaca a ideia da temporalidade identificação entre o ser humano e


enganadora: o único tempo que o momento presente, como única
existe é o presente – «está perto»; a realidade possível de ser vivida.
vida «caminha de mão dada com a
morte».

o Hipérbato:

a interminável hora que nos confessa


nulos flui perene.

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
Polissemia: procurando explorar os diferentes Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
significados do verbo «cumprir».
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Tom didático e moralista, através da presença Como as pedras na orla dos canteiros
de conselhos no imperativo e/ou conjuntivo O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
com valor exortativo. Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Tempos verbais predominantes: presente do
indicativo («cumpre», «deseja») intercalando
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
entre a 1.ª pessoa do singular e plural Cumpramos o que somos.
(«tenhamos»), procurando mostrar o caráter Nada mais nos é dado.
generalista, intemporal e universal da
mensagem a veicular.

Ricardo Reis
Linguagem e estilo
Análise formal:

o Ode (composição poética, de tom sério e solene, dividida em estrofes simétricas);


o Três estrofes com quatro versos cada (quadras);
o Rima: versos soltos;
o Versos decassilábicos (os dois primeiros versos de cada estrofe) e versos
hexassilábicos (os dois últimos versos de cada quadra).

Ricardo Reis
Linguagem e estilo Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
Apóstrofe (v. 1): que permite identificar o destinatário e a relação
entre ele e o eu. Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Anástrofe (vv. 2-3): «antes amo Logo que a vida me não canse, deixo
magnólias [do] que a glória e a Que a vida por mim passe
virtude». Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Anáfora (vv. 4 e 6): que reforça a Se a aurora raia sempre,
posição do eu poético. Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Interrogação retórica (v. 12): que procura levar-nos a refletir Que me aumentam na alma?
sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida.
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

Ricardo Reis
Exercícios

Ricardo Reis
Exercícios Solução

1. Selecione entre as afirmações abaixo as que são verdadeiras.

A. Ricardo Reis é considerado um poeta clássico, devido ao culto de temáticas e formas


clássicas incluindo o recurso à mitologia greco-latina.
• Verdadeira
B. A imutabilidade da morte leva à defesa de uma vida intensa e apaixonada.
• Falsa
C. O destino e a consciência da irreversibilidade da passagem do tempo e da efemeridade da
vida assumem um papel importante poética de Reis, na encenação clássica da morte.
• Verdadeira

Ricardo Reis
Exercícios Solução

1. Selecione entre as afirmações abaixo as que são verdadeiras.

D. O Estoicismo e Epicurismo são filosofias que entram em conflito na poesia do


heterónimo.
• Falsa
E. A ataraxia implica que o eu assuma uma atitude de indiferença perante as adversidades
da vida.
• Verdadeira
F. O Classicismo na poética de Reis implica a adoção de disciplina racional tanto na vida como
na escrita.
• Verdadeira

Ricardo Reis
Exercícios Solução

2. Selecione a opção que completa, adequadamente, as frases abaixo.

2.2 No
A. Mensagem
sentido aproxima-se
de aconselhar
daoobra
seu Os
interlocutor
Lusíadas, uma
a adotar
vez que…
uma vivência moderada das emoções, o
eu recorre à apóstrofe/anástrofe e ao modo indicativo/imperativo.
a) … ambas as obras têm como tema central o nacionalismo.
B. A linguagem culta, erudita e latinizante coadunam-se com com/opõem-se
/ opõem-se ao estilo clássico do
b) … têm ambas a mesma autoria.
poeta.
c) … são as duas obras de caráter poético.
C. O Epicurismo pressupõe a ausência total/parcial das emoções.
d) … ambas são escritas em português contemporâneo.
D. À ideia de indiferença perante o sofrimento e as paixões damos a designação de ataraxia/carpe
diem.
ataraxia/carpe diem

Ricardo Reis
Exercícios Solução

2. Selecione a opção que completa, adequadamente, as frases abaixo.

2.2 As
E. Mensagem
filosofiasaproxima-se
estoica e epicurista
da obra constituem-se
Os Lusíadas, uma
como
vez solução/problema
que… face às contrariedades
da vida.
a) … ambas as obras têm como tema central o nacionalismo.
F. A aceitação impassível da morte, dor e velhice apresenta-se como conceito-base do
b) … têm ambas a mesma autoria.
Epicurismo/Estoicismo.
Epicurismo/Estoicismo
c) … são as duas obras de caráter poético.
d) … ambas são escritas em português contemporâneo.

Ricardo Reis
Exercícios Solução

3. Selecione a opção correta para cada alínea.

1. Ao longo da poesia de Reis, predomina o uso dos recursos expressivos:

a) metáfora, pleonasmo e apóstrofe.


b) anástrofe, pleonasmo e anáfora.
c) metáfora, anástrofe
anástrofe ee apóstrofe.
apóstrofe.
d) apóstrofe, aliteração e comparação.

Ricardo Reis
Exercícios Solução

3. Selecione a opção correta para cada alínea.

2. Ricardo Reis privilegia, como forma poética, o uso

a) do vilancete.
b) do esparsa.
c) da ode.
d) da cantiga.

Ricardo Reis
Exercícios Solução

3. Selecione a opção correta para cada alínea.

3. Ricardo No verso «A segurança nossa? Este é o dia,» (pertencente ao poema «Uns, com os
olhos postos no passado») temos a presença

a) da encenação da morte.
b) da filosofia epicurista.
c) do princípio carpe
carpe diem.
diem.
d) da defesa da ataraxia.

Ricardo Reis
Exercícios Solução

3. Selecione a opção correta para cada alínea.

4. A poesia do heterónimo caracteriza-se

a) pela certeza
certeza da
da morte
morte ee pela
pelamoderação
moderaçãodas
dasemoções.
emoções.
b) pela moderação das emoções e pela exaltação dos deuses antigos.
c) pelo predomínio de construções coordenadas e simples.
d) pelo uso de léxico latinizante e descrença nos deuses antigos.

Ricardo Reis

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