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A FUNÇÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO

EDUCAÇÃO
MODERNO

Rosana Maria de Souza Alves 1

RESUMO

O presente artigo visa promover uma análise acerca da função política que
a educação e, mais especificamente a escola, assume no período moderno. Para tanto,
realiza uma reflexão, em linhas gerais, sobre os principais pressupostos filosóficos da
Modernidade, a partir da compreensão de seu caráter subjetivista, bem como apresenta as
principais teorias políticas modernas, buscando apontar as conseqüências desse paradigma
no campo da educação, ao abordar as funções que a escola irá exercer na realização de
finalidades político-sociais. Ao final, são colocadas as contribuições de Karl Marx para o
desenvolvimento teórico-prático do pensamento moderno, ressaltando-se a continuidade
e a ruptura de suas idéias com relação ao mesmo. O objetivo central deste trabalho é
contribuir com a formação contínua do educador, auxiliando-o a melhor compreender
sua ação, ao intervir conscientemente na realidade, objetivando uma educação para a
liberdade política e para a emancipação humana da mera opinião e da ignorância, através
da abordagem filosófica da função política da educação.

Termos para indexação: Educação, escola, política, Modernidade.

1
Cursando Especialização em Metodologia do Ensino Superior na UFMA. Graduada em Pedagogia pela
UEMA e acadêmica do Curso de Filosofia na UFMA. Pedagoga do IFMA, Campus Codó. rosanamaria@ifma.
edu.br
Revista ACTA Tecnológica - Revista Científica - ISSN 1982-422X , Vol. 5, número 2, jul-dez. 2010

THE POLITICAL ROLE OF EDUCATION IN THE MODERN


CONTEXT

ABSTRACT

This article aims at promoting an analysis about the political role that education
and more specifically the school takes on in the modern period. The study presents a
reflection, in general, on the main philosophical assumptions of modernity, from the
subjective understanding of its character, also it presents the major modern political theories,
pointing out the consequences of this paradigm in the educational field in addressing the
functions that the school will pursue for the achievement of political and social goals. In
the end, Karl Marx’s contributions onto the theoretical and practical development of the
modern thought are placed, emphasizing the continuity and rupture of his ideas regarding
it. The central aim of this paper is to contribute to the continuous training of the educators,
helping them better understand their action, intervening consciously in reality, aiming
at an education for political freedom and human emancipation from mere opinion and
ignorance through the philosophical approach to the political function of education.

Index terms: Education, school, politics, Modernity.

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A FUNÇÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO MODERNO

INTRODUÇÃO

Tomando como referência as demandas atuais para a formação contínua do


educador, conseqüência das inovações tecnológicas e das inúmeras mudanças sociais,
típicas da Modernidade, compreende-se a educação como um processo sistemático,
formal, metódico, tendo a escola como o seu espaço privilegiado. Esta disposição demarca
a diferença entre a educação escolar e as formas tradicionais de educação.

Desenvolvendo-se o raciocínio a partir de premissas, o presente artigo parte


da constatação de que a educação, em sua radicalidade, é o processo através do qual
o homem mantém e desenvolve toda a sua intervenção sobre a natureza, ou seja, a sua
cultura. Atente-se para o fato de que a cultura é a ação consciente e teleológica sobre a
natureza, transcendendo as condições puramente biológicas, como também a capacidade
humana de aperfeiçoamento e crescimento constantes.

Sabe-se que a cultura é uma “abstração”, pois o homem, individualmente,


encontra-se situado em culturas particulares, em sociedades distintas. Ora, o ser
humano particular quando nasce, na condição de recém-chegado ao mundo, é um ser
sem identidade. É através de amplo processo de endoculturação, tendo a educação papel
significativo, que o homem integra-se em uma determinada sociedade, introjetando toda
a sua riqueza cultural, em termos de linguagem, de valores, de costumes, de estrutura de
pensamento etc (Brandão, 1995, p. 23).

A educação, portanto, mantém o ganho cultural do homem sobre a natureza


em contextos sociais precisos. Toda sociedade, contudo, somente é possível a partir das
relações de poder que possibilitam as ações entre os indivíduos e, principalmente, entre os
grupos na busca da construção de um fim social, que quase sempre não se identifica com
um Bem Comum. Assim, se as relações de poder influenciam a cultura e esta é socializada
através do processo educacional, pode-se afirmar que a educação é um espaço também
político. Logo, a função, a importância e o fim da educação serão definidos a partir destas
relações. Em consequência disso, pode-se afirmar que a escola, tomada como locus
privilegiado do ato educativo na Modernidade, também sofre este condicionamento.

É justamente sobre a relação da educação com a política que incide a temática


abordada neste artigo, ou seja, a dimensão política da educação no contexto moderno.
Este fato não pode ser negligenciado, devido à importância do educador enquanto agente
social e político, quer seja para reproduzir ou para transformar a sociedade em que vive,
quer seja para gerar conformismo e fidelidade à tradição ou para contestar a ordem
estabelecida.

Em sua formação acadêmica, o educador enfrenta este debate. Entretanto,


nem sempre o mesmo alcança o nível de criticidade, em que se poderia confrontar o

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conhecimento pronto e adquirido sobre o assunto com a realidade, explicitando-se as lacunas


e os equívocos desse conhecimento, objetivando a sua superação. Este enfrentamento,
com a consequente reelaboração do conhecimento, tem o seu propósito, pois somente
com a assunção da criticidade, o educador terá condições de agir concretamente de forma
coordenada, consciente e lúcida.

Para contribuir nesse sentido, serão promovidas a seguir algumas reflexões


que auxiliarão a compreender uma melhor ação do educador, ao intervir conscientemente
na realidade, objetivando uma educação para a liberdade política e para a emancipação
humana da mera opinião e da ignorância, através da abordagem filosófica da função
política da educação.

No percurso a ser realizado, apontaremos em linhas gerais os principais


pressupostos filosóficos do mundo moderno, a partir da compreensão de seu caráter
subjetivista, abordando as implicações desta subjetividade no campo da educação.
Para tanto, serão analisadas as concepções dos filósofos René Descartes e Jean Jacques
Rousseau, grandes representantes do pensamento pedagógico moderno, apontando suas
principais contribuições no que concerne à vigência de correntes pedagógicas amplamente
difundidas até os dias atuais.

Em seguida, serão explicitadas as implicações deste ideário no âmbito da


política e da educação, apontando as funções que a escola irá exercer na realização de
finalidades político-sociais a partir deste paradigma.

Por fim, serão colocadas as contribuições de Karl Marx para o desenvolvimento


teórico-prático do pensamento moderno, abordando-se a continuidade e a ruptura de suas
idéias com relação ao mesmo.

FUNDAMENTOS DA MODERNIDADE

A Modernidade nasce com o advento da Revolução Científica dos séculos XVI-


XVII, apresentando-se como um novo paradigma, que irá fundamentar, a partir de então,
o pensamento e a atividade dos homens em geral. Essa visão de mundo nascente impõe-se
a partir da contestação do modelo de explicação do real anteriormente adotado, qual seja,
a metafísica, encarada agora como obstáculo ao avanço do conhecimento. Isto porque a
metafísica pretendia conhecer as coisas em si mesmas, com o intuito de atingir a essência
do que seria o homem, o mundo e Deus. Contudo, a partir de então, esta passará a ser
considerada um corpo de conhecimentos derivados das elucubrações da razão, que acaba
ultrapassando os limites do empírico, única forma de conhecimento tida como legítima.

Assim, surge a chamada “nova ciência”, ilustrada pelo advento do


heliocentrismo, que demonstrou a insuficiência do modelo geocêntrico anteriormente

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adotado, devido à perda de seu poder explicativo. O surgimento desta nova ciência

equivale a uma crise não apenas científica [...], mas sobretudo uma
crise metodológica, que afeta uma concepção tradicional de método
científico, bem como uma crise de visão de mundo, de concepção
de natureza e do lugar do homem, enquanto microssomo, nesta
natureza, o macrossomo (Marcondes In BRANDÃO, 1999, p.18).

Sendo este o início da Modernidade, cumpre destacar quais as principais bases


deste novo modelo explicativo do real, que passa a impor-se como verdadeiro.

Pode-se afirmar que a principal característica do Paradigma Moderno é o papel


que o sujeito, composto de uma natureza sensível e racional, irá exercer na produção do
conhecimento. Neste momento, o indivíduo se constituirá no ponto de partida seguro para
o estabelecimento de verdades, haja vista ser ele mesmo fator determinante da relação
sujeito-objeto.

A partir daí, a atividade intelectual enquanto organizadora da vida passa a exercer


preponderância, em detrimento da atividade contemplativa, característica do pensamento
anterior. Isto se deve ao fato de que a metafísica até então se limitava a especulações a
respeito dos princípios absolutos que governariam a realidade, contentando-se em torná-
los inteligíveis. De outro modo, o paradigma nascente passa a valorizar o saber positivo,
que proporciona ao homem a garantia da construção de conhecimentos verdadeiros, ao
mesmo tempo em que o capacita a transformar e dominar a natureza à sua volta.

O Movimento Iluminista do século XVIII pode ser considerado o triunfo deste


paradigma, denominado de subjetivista, porque pautado no sujeito, onde a razão humana
passa a estabelecer-se como fundamento de todas as verdades da física, das ciências
jurídicas, políticas etc, enfim, passa a dar conta do real em todos os seus aspectos.

O pensamento iluminista é dominado pelo entusiasmo em relação ao progresso


da razão e do conhecimento humano, devido à sua crença de que “nenhum limite
intransponível é imposto à razão em seu incessante progresso, que os fins a que ela
pretende chegar só podem e só devem constituir para ela um novo começo” (Cassirer,
1997, p.21).

Nesta perspectiva, nota-se que a grande pretensão da Modernidade é a


unificação, sobre o alicerce da razão, de toda a diversidade dos fenômenos naturais e
sociais, descobrindo-lhes a “lógica” interna. Assim, tanto o homem, como o Estado
ou a sociedade, estariam todos organizados por princípios racionais, visando a um
aperfeiçoamento constante.

É mister ressaltar ainda o papel de destaque que o Iluminismo denota à


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Filosofia, à Ciência e à Educação, posto que, segundo o ideário vigente, elas promoveriam
o desenvolvimento da racionalidade dos indivíduos que, como já foi dito anteriormente,
é considerada a pedra de toque do período moderno.

A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO MODERNA

Tendo como pano de fundo tal paradigma subjetivista exposto no item anterior,
a educação moderna organizar-se-á em torno da noção de sujeito, partindo do pressuposto
de que o homem é um ser naturalmente livre e responsável por suas idéias e por seus atos,
fato que concede à educação papel de assegurar que a criança possa se tornar um adulto
consciente e autônomo, artífice de seu destino.

Dessa forma, a Modernidade inaugura um novo modo de pensar e de


compreender a criança, supondo a necessidade de organizar a sua educação sobre bases
racionais. Dois são os principais expoentes desta visão: René Descartes, representante da
Pedagogia Tradicional, e Jean Jacques Rousseau, em defesa da Pedagogia Nova.

Descartes é o típico representante do pensamento moderno e sua pedagogia


está cimentada na concepção de homem enquanto sujeito do conhecimento. Assim, sua
teoria educacional gira em torno da aquisição de saberes, tendo como meta proporcionar
à criança o alcance da maioridade intelectual, pois para ele na infância ocorre a ausência
de autonomia racional, já que nessa fase da vida o ser humano é dependente física e
culturalmente, o que faz com que o mesmo não utilize sua racionalidade pura nesse
momento.

Por esse motivo, o grande objetivo da Pedagogia Tradicional é vencer a


ignorância dos homens, tornando-os esclarecidos, ilustrados, para transformá-los de
súditos em cidadãos. Daí a grande bandeira desta tendência, que é a educação enquanto
direito de todos e dever do Estado, cabendo à escola o papel de proporcionar ao indivíduo
a chegada ao podium, ao substituir a criança pelo homem esclarecido, onde a razão
finalmente poderá governar sozinha, sendo capaz de julgar o que é verdadeiro e o que é
falso.
Em contrapartida, Jean Jacques Rousseau, considerado um crítico de seu
tempo, já não confia na racionalidade humana em seu sentido progressivo, defendendo a
corruptibilidade da vida social e a sensibilidade moral enquanto critério de verdade para
o conhecimento. Isto porque para ele a infância é o período de maior proximidade do ser
humano com sua natureza, tomada como o estágio original da vida humana, oposto às
convenções da vida social adulta.

Sua pedagogia está alicerçada na individualidade dos homens, na crença de


que os mesmos apresentam diferenças cognitivas entre si, o que exige a obtenção de um
tratamento diferenciado na escola. Assim, tal tendência caracteriza-se por uma crítica

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à Pedagogia Tradicional, tornando-se a base de fundamentação do Escolanovismo, no


século XIX.

Essa diferenciação entre ambas as tendências assenta-se na compreensão


divergente do papel da subjetividade frente ao conhecimento, conforme explicitado a
seguir:
enquanto o critério de verdade em Descartes exige uma
subjetividade passível de ser compartilhada entre os indivíduos, em
contrapartida Rousseau pressupõe uma subjetividade sinonimizada
da intimidade, uma subjetividade que é um mundo interior. Em
Rousseau a verdade é, no limite, avalizada pelo coração, e se no
coração não há perversidade original – como ele de fato afirma com
a frase “o homem nasce bom mas a sociedade o corrompe” – então
a subjetividade íntima melhor se apresenta na infância (Ghiraldelli
Jr, 2002, p. 17-18).

Apesar das diferenças marcantes entre os dois teóricos, embora trilhem


caminhos diferenciados (o primeiro defendendo uma educação mais disciplinar; e o
segundo, mais prazerosa, sensível e íntima), ambas as visões estão pautadas na concepção
de educação enquanto capaz de promover uma equalização social, haja vista o pressuposto
da neutralidade da escola em relação aos conflitos existentes no âmbito da sociedade
como um todo. Isto ocorre devido à hipervalorização da individualidade dos homens,
considerados de forma isolada, que caracteriza ambas as concepções.

MODERNIDADE POLÍTICA E EDUCAÇÃO

Conforme fora dito anteriormente, o homem é um ser que vive em sociedade,


interagindo com os demais homens e com a natureza, produzindo o que se chama de
cultura. Esta vida social humana, contudo, só é possível a partir das relações de poder que
possibilitam as ações entre os indivíduos e, principalmente, entre os grupos na busca da
consecução de um fim social, que nem sempre se identifica com um Bem Comum.

Muitos pensadores se debruçaram sobre o problema da natureza social do


poder político, gerando diversas concepções que ora o identificavam com a realização de
fins coletivos, ora o definiam como um mero instrumento para a realização de interesses
de classe. Contudo, “[...] a idéia de um poder constitutivo da cidade [...] é a marca de
nascença da nossa modernidade política” (Lebrun, 1996, p.27), ou seja, para os modernos,
seriam as relações de poder, fundadas geralmente no direito, que garantiriam a unidade
política de uma determinada sociedade, onde se estabeleceria uma espécie de “contrato”
para que, em troca do cumprimento de obrigações legais, pudessem ver garantidas a paz
e a segurança nas relações entre os indivíduos. Assim, tanto em uma como em outra
concepção, a política implica uma grande influência no comportamento dos agentes
sociais, que criam uma relação “artificial”, privando os instintos “naturais”, em nome do

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mínimo de paz e segurança em uma dada coletividade.

Conforme dito acima, existem duas grandes concepções a respeito da relação


moderna entre o social e o político. A primeira delas é a que considera a política como
uma atividade estabelecida pelo consenso dos indivíduos com vistas à realização de
fins coletivos. Para tanto, delega-se uma certa autoridade a uma instância – o Estado
– encarregada de coordenar e unificar os indivíduos rumo à formação de um “corpo
político”. Essa é a chamada teoria da Soberania, cujo nascimento é um grande marco da
modernidade política.

Segundo essa teoria, ao Estado é dada a incumbência de zelar pelo Bem


Comum, com o intuito de proporcionar a defesa e a proteção dos homens, o que não
ocorre no estado de natureza, onde a vontade de cada um é encarada como lei. Já o Estado
Soberano, que pode ser um homem, uma assembléia ou o povo, emana da vontade geral
e a ele foi concedido o direito de governar os indivíduos. Dessa forma, o motivo da
cumplicidade entre súdito e Soberano é o estabelecimento da ordem contra o caos, onde
os homens tornam-se cidadãos em nome da paz entre os mesmos.

Nota-se que, para a teoria da Soberania o poder político encontra-se na origem


da cidade, sendo que, somente devido à vigência do mesmo, é constituída a possibilidade
da existência das sociedades, compreendidas como um corpo artificial encarregado de
proporcionar um convívio social harmonioso.

Contrapondo-se a tal perspectiva, temos o Liberalismo, que considera o poder


como um fiel instrumento nas mãos das classes dominantes, apresentando-se não mais
como a expressão do social, mas como uma superestrutura que tem o intuito de garantir
o respeito a liberdades fundamentais (individual, religiosa, de opinião, de propriedade).
Assim, o poder não é mais tido como o núcleo político do social, mas torna-se uma
instância que exerce uma função social determinada: proteger os interesses de classe.

Neste contexto, o poder é exercido por meio do Estado Constitucional burguês,


servindo apenas como um instrumento que permite a dominação dos homens, sendo
encarado somente em sua forma negativa: o poder enquanto mando, ou seja, é concebido
em termos de ordem/obediência.

Apesar das diferenças entre as duas teorias políticas, ambas apresentam dois
aspectos fundamentais que caracterizam a concepção de poder na Modernidade como um
todo: o poder considerado de forma negativa e tendo seu exercício localizado no Estado.

No que concerne à relação entre a concepção de política vigente na


Modernidade e a função social que a educação e, mais especificamente a escola, assumirá
nesse contexto, é importante destacar a conjuntura política vigente nesse período, onde a

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burguesia se consolida enquanto classe economicamente hegemônica, o que vai provocar


a reformulação do todo político-social, exigindo, para isso, a formação de um homem
“novo”, onde a noção de cidadania passa a constituir referência para a sustentação da
sociedade (Boto, 1996).

Neste sentido, o caráter político que a educação assume passa pela sua atuação
com vistas a promover reformas sociais, haja vista a bandeira de luta burguesa, que
apregoa a transformação da sociedade rumo à sua democratização. Tal conjuntura política
reforçou o ideário moderno de emancipação através da educação, o que fez com que a
escola fosse ganhando cada vez mais um papel de destaque nesta nova sociedade, que
deveria proporcionar igualdade de oportunidades para o desenvolvimento de talentos
individuais.

O resultado de toda esta empreitada foi a utilização da escola, desde então,


como principal aparelho difusor da concepção política dominante, conferindo à educação
a tarefa de harmonizar a sociedade, ao mesmo tempo em que se consolidava a ideologia
burguesa. Assim, a partir daí, foi amplamente aceita a idéia de que a educação é um
direito de todos sendo, portanto, democrática e precursora da igualdade social.

A REFORMULAÇÃO DO PENSAMENTO MODERNO

Partindo de análises sobre as bases de fundamentação do Paradigma Moderno,


Marx aponta as dificuldades deste modelo, ao questionar a concepção de subjetividade
vigente, onde o sujeito é tido como fator determinante na produção do conhecimento,
apresentando-se como critério de verdade para o mesmo, fato que transforma o objeto
numa simples construção daquele. Nesta perspectiva, o sujeito pensante encontra-se
completamente fechado sobre si mesmo, sendo que os conhecimentos obtidos dessa relação
são considerados verdadeiros, porque alicerçados na essência racional do indivíduo.

Marx questiona profundamente tal concepção de homem enquanto sujeito


do conhecimento, inserindo entre a consciência e o mundo noções como alienação e
ideologia. Para ele, as representações produzidas pelo sujeito seriam socialmente
determinadas, equivalentes à visão de mundo da classe dominante num dado momento
histórico. É o que ele irá afirmar em outras palavras: “as idéias da classe dominante são,
em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante
da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (Marx, K. & Engels,
F., 1979 apud MARCONDES, Danilo In BRANDÃO, Zaia, 1999, p.26).

Dessa forma, para Marx o processo de construção do conhecimento deve ser


considerado em seu aspecto interativo, ou seja, o sujeito em contato com o mundo e
com outros sujeitos. Além disso, Marx considera essencial pensar a existência material
dos indivíduos, principalmente pelo fato de que nas sociedades de classe, ela gera a

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necessidade de manter as desigualdades (os benefícios de uma classe em detrimento das


demais), ao mesmo tempo em que impõe à sociedade como um todo, a visão de mundo
da classe hegemônica, ocasionando distorções na compreensão da realidade por parte
dos agentes sociais. Tal denúncia expressa a oposição de Marx à existência, na sociedade
capitalista, de um sujeito livre, senhor de suas idéias e de seus atos, tal qual considerava
o pensamento iluminista.

Com isso, o filósofo alemão questiona exatamente a autonomia do indivíduo,


postulada pelo Iluminismo, apregoando a necessidade de uma transformação estrutural da
sociedade capitalista, se deseja formar homens verdadeiramente livres.

Dessa nova compreensão do fenômeno social tem-se em Marx o advento de


uma concepção diferenciada acerca do fenômeno político, devido à visão que o mesmo
tem sobre o que é o poder.

De acordo com o marxismo “o poder é a capacidade de uma classe para


realizar seus interesses objetivos” (Tamarit, 1999, p.30), sendo o Estado o seu grande
centro de construção e exercício. Tal concepção identifica o poder com a violência, pelo
fato de considerar o Estado enquanto instrumento de opressão nas mãos das classes
dominantes, que o utilizam como peça de dominação, com o intuito de garantir a sua
hegemonia, através da manutenção do consenso da classe subalterna.

Nesta perspectiva, a corrente de pensamento marxista concebe a sociedade


enquanto marcada pela desigualdade, onde existe um grande conflito de classes, fato que
mostra uma certa reformulação do pensamento moderno. Apesar disso, o marxismo ainda
enfatiza o poder em seu sentido negativo, ao considerar que a posse do mesmo implica
a exclusão dos demais. Ou seja: segundo esta visão, a classe que detém o poder busca
impedir que a classe antagônica possa realizar seus próprios interesses. Assim, a coerção
passa a ser o aspecto fundamental para o exercício de poder, haja vista o fato de que a
hegemonia somente se realiza por meio da opressão.

Outro traço marcante da teoria política marxista é o determinismo econômico


que está em sua base, devido à crença de que, no mundo moderno, o poder político
coincide com a dominação econômica da burguesia. Tal dominação político-econômica é
centralizada no Estado que, pelo fato de ser a “marionete” da burguesia, exerce a função
de servir aos interesses privados de uma minoria. Daí a defesa marxista da necessidade de
colocar o aparelho político a serviço da grande maioria, o proletariado, onde a dominação
será eliminada, pelo fato de que a sociedade passará a se auto-regular, atendendo aos
interesses da coletividade.
Assim, nota-se que Marx não compartilha da concepção que vê a escola
enquanto capaz de promover, de forma isolada, uma equalização social, por considerar
que esta instituição é, na sociedade burguesa, essencialmente determinada pela lógica

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capitalista, caracterizada pela desigualdade social, pressuposto da própria existência deste


tipo de sociedade. Com isso, o referido autor supera o famoso mito da neutralidade escolar.
Apesar desse condicionamento, para o filósofo alemão, à educação de maneira geral
caberia o papel de conscientização dos conflitos sociais, com o intuito de proporcionar ao
proletariado o saber necessário à efetivação do ideal da revolução.

Contudo, pode-se perceber ainda em Marx a predominância do ideário moderno,


afinal, é marcante em seu pensamento a crença na razão em seu sentido progressivo, devendo
esta última ser o subsídio de toda atividade humana, principalmente quando ele aponta a
necessidade da evolução da sociedade rumo ao Socialismo/Comunismo, mostrando sua
adesão ao pensamento moderno de transformação da sociedade via conhecimento, já que
para ele o acesso ao mesmo é essencial para a superação da alienação, desmascaramento
da ideologia e conseqüente conscientização do proletariado da sua condição de classe
explorada pela burguesia.

Apesar desta continuidade, vale destacar a importância de algumas rupturas


por ele introduzidas, algumas delas citadas acima, ainda que o mesmo tenha mantido
o principal alicerce do paradigma moderno, que é a crença no sentido progressivo da
racionalidade humana e na sua utilização como garantia para um aperfeiçoamento
social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das premissas abordadas neste trabalho, ao analisarmos as características


fundamentais do paradigma moderno, pôde-se concluir que o mesmo apresenta uma mescla
de influências, tanto do Iluminismo do século XVIII, quanto da posterior reformulação
deste pensamento, a partir das idéias marxistas. Tal afirmativa decorre da crença de que a
Modernidade não é um todo homogêneo, pois apresenta diversas correntes profundamente
diferentes entre si. Contudo, sabe-se que, apesar das diferenças, tal paradigma apresenta
traços fundamentais que o unificam, no caso, o subjetivismo e a crença cega no poder da
racionalidade humana enquanto organizadora da vida.

Com relação à educação e, mais especificamente à escola, percebe-se que,


de maneira geral, as teorias pedagógicas modernas estão balizadas neste ideário, que
crê na possibilidade de transformação da sociedade através do acesso à escola, com a
consequente socialização por meio desta instituição formal, do conhecimento científico
acumulado historicamente.

Para as teorias pedagógicas modernas, principalmente aquelas de cunho


marxista, a função política da educação na sociedade deve se exercer através da garantia
da posse destes saberes as classes subalternas, com o intuito de promover reformas sociais,
considerando que o acesso ao conhecimento é fator de libertação política.

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Para os autores contemporâneos, a herança deixada pelo ideário moderno liga-


se ao questionamento acerca da possibilidade ou não de construção de conhecimentos
verdadeiros a partir da relação sujeito-objeto com predominância do primeiro e da
ingerência de questões de cunho moral e ético, bem como se assenta no questionamento
se as relações de poder tem efetivamente um sentido negativo e se a sua localização
ocorre privilegiadamente no Estado.

Apesar dos questionamentos ao paradigma moderno elaborados mais


recentemente, não se pode subestimar a influência que as teorias pensadas a partir
dele exercem nas práticas sociais dos indivíduos até os dias atuais. Destaca-se aqui a
relevância da teoria política marxista, devido à implicação que a mesma acarreta no plano
educacional, tendo em vista o objeto de estudo deste artigo, qual seja, a reflexão sobre a
função política da educação na Modernidade.

É válido destacar também como contribuição do filósofo alemão a importância da


difusão no meio educacional da noção de que o conhecimento é socialmente determinado,
em detrimento à concepção que apregoa a existência de um saber universalmente válido,
subestimando a influência que as relações de poder estabelecem face à produção desse
conhecimento. Isto porque na formação e na atuação do educador, é necessário que o
mesmo compreenda que toda a produção do conhecimento é dotada de caráter seletivo,
fato que implica também dentro da escola sejam feitas escolhas daqueles conhecimentos
que devem ser perpassados, em detrimento de outros, que devem ser excluídos. Tal
seleção/exclusão é determinada pelas relações de poder, aspecto tão frisado neste breve
artigo.

Por fim, como resultado final das reflexões aqui promovidas, demarca-se a
crença de que a função política da educação gira em torno da manutenção ou superação da
ordem vigente, definida pelas relações políticas que a determinam, sendo que tal função
política, dentro de uma teoria que se pretende verdadeiramente crítica, precisa apresentar
com clareza e precisão na escola os objetivos a que se propõe, traduzidos em práticas
técnico-pedagógicas que sejam condizentes com a efetivação do ideal da formação de
indivíduos críticos e criativos, capazes de participar ativamente da construção de uma
sociedade que realize seus interesses político-sociais.

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