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A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados:

direitos humanos e meio ambiente


The International Civil Liability of the States: human rights and
environment

Rui Decio Martins


Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais (PUC-SP),
Mestre em Direito Internacional (USP), Bacharel em Direito (USP),
Professor do Curso de Mestrado em Direito (Unimep),
Vice-Diretor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
Professor aposentado da Unesp.

Jorge Luís Mialhe


Pós-doutorado em Direito Internacional Ambiental (Université de Limoges)
e em História e Direito das Relações Internacionais (Université de Paris),
Doutor em História Social (USP), Mestre em Direito Internacional (USP),
Bacharel em Direito (USP) e História (USP), Professor do Curso de
Mestrado em Direito da UNIMEP e de graduação da UNESP/Rio Claro.

Resumo: A responsabilidade civil internacional dos Estados vêm ganhando maior


visibilidade, particularmente na grande imprensa, por conta de algumas situações
inimaginadas até pouco tempo: Estados americanos, dentre os quais o Brasil, conde-
nados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por descumprirem seus com-
promissos internacionais assumidos no âmbito da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Outro ramo do Direito Internacional que tem contribuído para o aumento
dessa visibilidade da responsabilidade civil internacional dos Estados é o Direito
Internacional Ambiental, sobretudo após a realização da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Verifica-se que a responsabilidade
internacional por atos de agressão ao meio ambiente, com ou sem culpa, praticados
pela ação ou omissão dos entes públicos, nos três poderes e nos vários níveis de or-
ganização do Estado, têm sido discutidos em vários tratados internacionais, notada-
mente aqueles gestados e aplicados no âmbito europeu. Este artigo tem por objetivo

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apresentar breves reflexões sobre a dimensão internacional da responsabilidade civil


dos Estados, com destaque para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, e
apresentar os princípios manifestados nas declarações e convenções internacionais
que implicam na responsabilidade internacional dos Estados no âmbito do Direito
Internacional Ambiental.
Palavras-chave: responsabilidade civil do Estado – responsabilidade internacio-
nal – Sistema Interamericano de Direitos Humanos – Direito Internacional Am-
biental – convenções internacionais.

Abstract International liability of States have gaining greater visibility, particular-


ly in the mainstream press, because of some situations unimagined until recently:
the American States, among them Brazil, condemned by the Inter-American Court
of Human Rights for violating its international commitments under the American
Convention on Human Rights (Pact of San José, Costa Rica, 1969). Another branch
of international law that have contributed to this increased visibility of internatio-
nal liability of States is the International Environmental Law, especially after the
completion of the United Nations Conference on Environment and Development
(Rio de Janeiro, 1992). It appears that the international responsibility for acts of
aggression to the environment, with or without fault, act or omission committed by
public bodies, the three powers and the various levels of state organization, has been
discussed in various international treaties, notably those gestated and implemented
in the European context. This article has for objective to present some reflections on
the international dimension of the civil liability of the States, with prominence for
the Inter-American Human Rights System, and to present the principles revealed in
the declarations and international conventions that imply in the international respon-
sibility of the States in the scope of the Environmental International Law.
Keywords: civil liability of the state – international liability – inter-american
human rights system – environmental international law – international conven-
tions.

1. Introdução

A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados

Um Estado é responsável internacionalmente quando lhe são imputados atos de


caráter ilícito que causem danos a outros Estados ou a seus nacionais, sejam pessoas
ou bens, por conta de ação ou omissão dos seus órgãos ou de seus funcionários ou,

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ainda, por atos de seus habitantes reputados como ilícitos internacionais. Também
há responsabilidade internacional por atos que não são necessariamente ilícitos, mas
que causam danos e, por isso, devem ser reparados.
As principais teorias sobre os requisitos exigidos para a existência da respon-
sabilidade são:
a) a teoria da responsabilidade subjetiva ou por culpa: é admitida não apenas
quando o ato (ação ou omissão) imputado ao Estado é contrário ao Direito
Internacional, como se exige do Estado a culpa;
b) a teoria da responsabilidade objetiva, denominada sem culpa ou por risco,
ainda que o ato imputável ao Estado seja contrário ao Direito Internacional.

Os elementos da responsabilidade internacional são:


a) a imputabilidade (elemento subjetivo): o ato (ação ou omissão) deve ser im-
putado ao Estado como pessoa jurídica de direito público internacional e,
b) a ilicitude (elemento objetivo): o ato (ação ou omissão) deve ser contrário
ao Direito Internacional. Isto é, o Estado, autor do ato, deve ter violado uma
obrigação internacional e lesionado um Estado, um conjunto de Estados, uma
Organização Internacional Governamental ou qualquer pessoa com persona-
lidade jurídica reconhecida pelos foros de solução de litígios internacionais.

Para alguns autores existiria, ainda, um terceiro elemento: o dano, já que con-
sideram que sem este não haveria lesão para reparar e, por conseguinte, tampouco
responsabilidade. Esclareça-se, outrossim, que esse dano não significa sempre que
seja de ordem material, podendo, não raro, manifestar-se como uma ofensa moral ao
um Estado, a seus súditos ou patrimônio histórico e cultural.
A responsabilidade civil, conforme anota Varella (2009, p.366), “não exige pre-
visão específica em tratado”. Além disso, prossegue o autor:
O número de situações que podem ensejar a responsabilidade é bem su-
perior à quantidade de práticas consideradas ilícitas pelo direito interna-
cional. Isso, não há listas de atos proibidos, mas apenas normas genéricas,
que se referem aos danos. Caso assim fosse, os Estados cujos nacionais
praticam atos potencialmente danosos ou com a intenção de lesar outros
poderiam simplesmente não se engajar perante os tratados sobre a maté-
ria e escapar de uma eventual indenização, em caso de danos.

A responsabilidade será atribuída, inicialmente, àquele que explora projeto,


competindo ao Estado assumir a reparação dos danos se o empreendedor não tiver
recursos para fazê-lo.

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Nas atividades de exploração espacial, desde o seu início 1, a responsabilida-


de internacional dos Estados Partes já se fazia presente, conforme previsto no ar-
tigo 6º do Tratado Sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na
Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais corpos Celestes,
de 27 de janeiro de 1967:

Art. 6º - Os Estados Partes do Tratado têm a responsabilidade interna-


cional das atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclu-
sive na Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por
organismos governamentais ou por entidades não-governamentais e de
velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com
as disposições enunciadas no presente Tratado. [...]

Portanto, no caso dos danos causados por objetos espaciais, o Estado será ob-
jetivamente responsabilizado pelos danos causados, mesmo que o lançamento tenha
sido promovido por pessoas jurídicas de direito privado.
O Convênio Sobre a Responsabilidade Internacional por Danos Causados por
Objetos Espaciais, de 29 de março de 1972, afirma em seu artigo 2º que “um estado
lançador será responsável absoluto pelo pagamento de indenização por danos causa-
dos por seus objetos espaciais na superfície da Terra ou a aeronaves em vôo”.
A mesma norma internacional prevê, ainda, a responsabilidade solidária quan-
do afirma, em seu Artigo 4º, § 2º que:

[...] se não for possível estabelecer o grau de culpa de cada um desses es-
tados, o ônus da indenização deve ser dividido em proporções iguais entre
os dois. Tal divisão se fará sem prejuízo do direito que assiste ao terceiro
Estado de procurar a indenização total devida nos termos desta Convenção
de qualquer ou de todos os Estados lançadores que são, solidária e indivi-
dualmente responsáveis.

Certamente os dispositivos contidos no tratado acima citados estão relaciona-


dos, também, à proteção do meio ambiente internacional pois este é considerado na
atualidade “um bem comum da humanidade, portanto, passível de ser protegido o
mais possível por todos os ordenamentos jurídicos existentes, não importando a lo-
calidade que se pretenda estudar sob o enfoque ambiental.” (Martins, 1991, p. 49)

1
Efetivamente tem seu início em 4 de outubro de 1957, com o lançamento do primeiro satélite artifi-
cial para fora da atmosfera terrestre, feito esse realizado pela ex- União Soviética. A década seguinte
foi extremamente rica em atividades e experiências no espaço, gerando diversos tratados internacio-
nais sobre o tema.

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2. Responsabilidade
Manifestação
Os atos que ensejam a responsabilidade internacional do Estado podem ser pratica-
dos por qualquer um dos seus três poderes, de qualquer nível federativo (se for o caso), e,
também, por atos de seus particulares bem como por uma Organização Internacional.
O Poder Executivo é, sem sombra de dúvidas, o mais produtor de atos que ense-
jam a responsabilidade internacional dos Estados, uma vez que a esse Poder compete
a representação externa do Estado. Assim, são comuns os danos provocados por atos
do pessoal diplomático ou militar quando em missões externas ao seu território.
Quanto ao Poder Legislativo, deve-se ter em conta que a esse Poder corresponde
a função típica de fazer leis; e é nessa atividade que ele pode editar norma contrária ao
Direito Internacional, ou, ainda, deixar de revogar ou alterar norma interna diante de
previsão convencional internacional posterior sentido contrário. Se dessa omissão de-
correr um dano imputável ao Estado, poderá haver a responsabilidade internacional.
Um exemplo dos mais sintomáticos sobre responsabilidade do Estado por omis-
são legislativa refere-se ao Caso Alabama.
Durante a guerra civil americana, conhecida com a Guerra de Secessão, movida
entre Estados do norte da federação americana (mais desenvolvidos e industrializa-
dos), contra os estados do sul, de economia essencialmente agrícola e que baseava
sua atividade exclusivamente na mão de obra escrava, o Reino Unido da Grã-Breta-
nha declarou-se neutra na contenda.
Ocorre, todavia, que no curso das atividades bélicas os estados sulistas, os con-
federados, encomendaram a diversos estaleiros britânicos várias belonaves e que
foram utilizadas indiscriminadamente no conflito americano. Dentre aqueles vasos
de guerra destacava-se o Alabama, tido como uma espécie de nau capitânea, com
alto poder de fogo.
Essa frota infringiu enormes danos às tropas federalistas (do norte) bombar-
deando vários paióis, fortificações e afundando diversos navios do norte, além de,
certamente, terem causado a morte de inúmeros combatentes federados.
Ora, essa frota devastadora foi adquirida ilegalmente do ponto de vista do di-
reito internacional uma vez que a Inglaterra ao declarar-se, unilateralmente como é
de praxe, neutra no conflito americano não poderia ter permitido a venda daquelas
embarcações bélicas por súditos britânicos.
Os EUA interpelaram politicamente a Inglaterra sobre a flagrante quebra da
neutralidade britânica, pois o governo não coibiu aos seus súditos as negociações
que culminaram na venda e entrega efetiva daqueles navios o que foi, como é óbvio,
prontamente rebatido pela coroa inglesa.

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Alegavam os EUA que a Inglaterra após ter-se declarada neutra no conflito – e


por meio de seu Poder Executivo – deveria, de pronto, ter editado norma proibitiva
extensiva a todos os súditos do Império Britânico impedindo-os de negociarem sobre
quaisquer assuntos e em quaisquer bases com quem quer fosse das partes americanas
em conflito. E isso não ocorreu, pois não foi editada essa norma interna. Com isso
estava aberto o caminho para os estaleiros ingleses negociarem livremente com beli-
gerantes. Em decorrência dos prejuízos causados pela citada frota os EUA cobravam
uma indenização a ser apurada e fixada.
A Inglaterra retrucou lecionando que a Grã-Bretanha era um estado soberano
e democrático e que seu regime político liberal militava em favor da liberdade de
escolhas privadas de seus súditos; assim, o governo não poderia sancionar normas
editando comportamentos na esfera privada de seus súditos.
A resposta americana não se fez esperar e a argumentação residia no fato de
que o poder de um Estado é, de fato e de direito, uno e discricionário; porém, quando
um dos poderes (no caso o Executivo) assume um compromisso internacional em
nome e por conta de seu país é obvio que o Estado tem de envidar os esforços legais
internos para que os atos praticados no âmbito interno estejam em consonância com
o compromisso internacional assumido. Ora isso não ocorreu no caso explanado,
pois o Poder Legislativo inglês omitiu-se quanto à questão da neutralidade e dessa
omissão surgiram os danos infringidos aos interesses americanos.
O governo dos Estados Unidos, então, propugnou pela responsabilidade inter-
nacional da Inglaterra por atos omissivos de seu Poder Legislativo; daí, o direito à
obtenção de reparações.
Vale ressaltar que os atos dos juízes são considerados atos do Estado. Como
bem exemplificou Varella (2009, p. 369), “um erro grave do Judiciário que provoca
anulação de um processo com a consequente não punição de um agente” [...] “pode
gerar a responsabilidade internacional do Estado, por negação de justiça”. Nesse
particular, continua Varella (2009, p. 373), “essa situação pode ocorrer tanto para
os nacionais quanto para os estrangeiros”, nas seguintes circunstâncias: “quando o
Estado não oferece a devida assistência judiciária”; “quando as autoridades judiciá-
rias se negam a tomar conhecimento das causas propostas”; “quando não oferecem
as garantias necessárias à boa administração da justiça”, ou “quando há demora na
prestação jurisdicional”.
Quanto à responsabilização de um Estado por atos de indivíduos, pode-se afir-
mar que é, sim, possível.2 porém, é necessária uma análise criteriosa dos atos come-

2
A exiguidade do texto não nos permite analisar em profundidade este tópico. Para tanto, remetemos
o leitor para a lição de Riccardo Monaco, La responsabilità internazionale dello Stato per fatti di
individui, In Rivista di Diritto Internazionale, anno XXXI, série III - vol. XVIII (1939), fasc. I- II-III.
Roma: Società Editrice “Athenaeum”, 1939.

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tidos pelo súdito para verificar se ele agiu em nome do Estado ou se agiu em caráter
privado e, mesmo assim, se houve dolo. Mesmo assim, só se poderá imputar ao Es-
tado o ato ilícito e danoso quando houver omissão, negligência ou imperícia desse
mesmo Estado na apuração dos fatos.
Suponhamos que um indivíduo – e aqui, nem é preciso que seja nacional do Es-
tado – pratique um ato lesivo a alguém ou a algum Estado, no plano internacional. Por
exemplo, atire no Papa que está em visita ao país e os motivos são de ordem particular.
Poderia esse país ser responsabilizado pelo atentado? A resposta deve ser: depende.
Em primeiro lugar, se logo após a infração o aparato estatal responder adequa-
damente e de acordo com sua legislação interna para a apuração dos fatos e da auto-
ria e mesmo assim, não seja possível determinar as circunstâncias do ato criminoso
e de sua autoria, não há que se falar em responsabilizar o Estado.
Por outro lado, se na condução do inquérito policial/judicial que se seguisse ao
atentado, as autoridades locais agissem com leviandade, com desprezo pelos pro-
cedimentos legais de apuração dos fatos, neglicenciando informações vitais para o
esclarecimento do ato lesivo, resultando na não apuração do autor do crime aí, então,
poderia o Estado ser responsabilizado internacionalmente. Todavia, não pelo atenta-
do mas, sim, pela inércia ou omissão de seu aparato legal repressivo.

3. O Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa

Interesse neste ponto, anotar a lição de Epitácio Pessoa,3 em seu Projecto de Co-
digo de Direito Internacional Publico, quando prevê que a responsabilidade de um
Estado decorre de atos de seu governo, de seus representantes no estrangeiro e dos seus
funcionários no interior, de suas forças de terra ou mar, em território ou águas estran-
geiras, de particulares residentes no seu território e sujeitos à sua autoridade efetiva,
sempre que houver negligência do estado em impedir ou deixá-los impune. (art. 21).
Outro ponto interessante é a equiparação de estrangeiros aos nacionais para
pleitear a responsabilidade de um Estado (art. 22). Mesmo em caso de guerra civil
cabe aos forasteiros submetidos a uma jurisdição estatal tal pedido, sempre que o
ato lesivo for praticado contra este por ser estrangeiro ou por ser nacional de certo
Estado. (art. 23)
A reparação do ato lesivo será pelo restabelecimento ao status quo ante, ou pela
indenização nos casos de perda e danos; além disso, poderá se dar pela satisfação,
por explicações públicas ou desculpas por via diplomática. (art. 25)
3
Delegado do Brasil na Comissão de Jurisconsultos encarregada da codificação do Direito Internacio-
nal. Foi Presidente da República (1919-1922) e Juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional de
Haia (1923-1930).

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No caso de o Estado responsabilizado for uma federação não poderá invocar


para se subtrair à responsabilidade, o fato de lhe não conferir a Constituição federal,
na espécie, nenhuma autoridade sobre os Estados federados. (art. 26)

4. O projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações


Unidas sobre Responsabilidade por Fato Ilícito Internacional
A responsabilidade internacional, pela sua relevância, mereceu atenção espe-
cial da Comissão de Direito Internacional (CDI), da Organização das Nações Uni-
das. A CDI aprovou em 2001 um projeto de Convenção sobre a Responsabilidade do
Estado por Fato Internacionalmente Ilícito, iniciado em 1963, sob a presidência do
jurista italiano Roberto Ago.
O anteprojeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas é com-
posto por 59 artigos, distribuídos em quatro partes: I. O fato internacionalmente
ilícito (dividida em cinco capítulos: princípios gerais, atribuição de um comporta-
mento ao Estado, violação de uma obrigação internacional, responsabilidade de um
Estado em razão do fato internacionalmente ilícito de outro Estado e as circuns-
tâncias excludentes de ilicitude - arts. 1 a 27); II. Conteúdo da responsabilidade
internacional do Estado (dividida em três capítulos: princípios gerais, reparação do
prejuízo e violações graves das obrigações decorrentes das normas imperativas do
Direito Internacional Geral – arts. 28 a 41); III. Implementação da responsabilidade
do Estado (dividida em dois capítulos: invocação da responsabilidade do estado e
contra-medidas – arts. 42 a 54); IV. Disposições gerais
Importa sublinhar que artigo 4º. do projeto reafirma, conforme mencionado
acima, que os três poderes do Estado, em todas as posições que ocupam na sua orga-
nização, respondem pelos seus comportamentos frente ao Direito Internacional:
Article 4
Conduct of organs of a State
The conduct of any State organ shall be considered an act of that State
under international law, whether the organ exercices legislative, execu-
tive, judicial or any other functions, whatever positision it holds in the
organization of the State, and whatever its character as an organ of the
central government or of a territorial unit of the State.
An organ includes any person or entity wich has that status in accordan-
ce with the internal law of the State.

5. A Responsabilidade Internacional por Violações dos


Direitos Humanos
O tema da responsabilidade dos Estados por violações aos direitos humanos é
recente no universo do direito internacional. Em verdade começa com a criação da

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ONU, em 1945, cuja Carta constitutiva, em seu Preâmbulo, vincula os Estados a


reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser
humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres... , para, em seguida, em
seu Artigo 1º, citar como um dos propósitos e princípios da Organização:

conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas in-


ternacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e, para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fun-
damentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião

Na lição de Braga (2002, p. 139-140), além disso é de se considerar que o Di-


reito Internacional até então privilegiava os Estados como sendo os seus mais impor-
tantes - se não os únicos – sujeitos, relegando os indivíduos a um plano secundário
e, mesmo assim, com un sistema de protección que beneficiaba exclusivamente a los
extranjeros residentes, sendo certo que essa proteção amparava-se quase que estri-
tamente no instituto da proteção diplomática. Na verdade, o que se protegia eram os
direitos do Estado do nacional lesado e não os do indivíduo, ou seja,

Se les amparaba por medio de la tutela que les ofrecia el Estado de


su nacionalidad, mediante la denominada “protección diplomática”.
Según la ficción jurídica elaborada por el derecho internacional, para
mantener la indispensable mediación estatal, los derechos que se pro-
tegían no eran los de la persona víctima de la lesión en sus derechos,
sino los derechos del estado de su nacionalidad, a quien se ofendía y es
el titular de esta acción.

Mais adiante, informa o citado autor que houve uma vasta jurisprudência inter-
nacional en matéria de responsabilidad de los Estados, respecto a la protección de
los derechos de los particulares extranjeros.
E aí está o problema que afligia a doutrina e a prática internacional: as repara-
ções destinavam-se apenas aos estrangeiros. A pergunta que não calava era quanto
aos nacionais em seu próprio Estado: caberia a eles alguma forma de proteção aos
seus direitos lesados exatamente pelo Estado que deveria protegê-los?
Importante assinalar que na busca de um sistema internacional efetivo de prote-
ção aos direitos humanos se encontra o reconhecimento por parte dos Estados de que
as normas e obrigações assumidas por eles com o advento da Carta da ONU são de
caráter geral atingindo mesmo os estados que não fazem parte do sistema onusiano.
Na continuidade da lição de Braga (2002:141-142) um terceiro elemento fun-
damental para o surgimento da proteção internacional dos direitos humanos repousa

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sobre a la necesaria vinculación com una organización internacional, pois como


sujeitos de direito internacional que são têm la tarea de controlar la conducta de los
Estados y verificar su comportamiento, en cuanto son obligaciones asumidas ante la
propia organización y los individuos titulares de los derechos.
Nesse contexto, em 1946 houve a criação da Comissão de Direitos Humanos,
no âmbito do ECOSOC – Conselho Econômico e Social, da ONU, e que com seu
trabalho incansável para atingir a excelência na proteção internacional dos direi-
tos humanos, revelou ao mundo, em 10 de dezembro de 1948, a vital Declaração
Universal dos Direitos Humanos a qual, por sua vez, foi precedida pela Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela IX Conferência Inter-
nacional Americana, em Bogotá, e na mesma ocasião criou a OEA - Organização dos
Estados Americanos, em abril de 1948.
Todavia, os instrumentos acima eram genéricos e programáticos, não possuin-
do o caráter de ius cogens; portanto, sua eficácia dependia da boa vontade de cada
um dos Estados envolvidos. Tal cenário desolador muda com o Tratado de Roma, de
1950, que criou o Conselho da Europa e, no seu bojo, a Convenção Européia para a
Salvaguarda dos Direitos Humanos e que, ao contrário de outros instrumentos inter-
nacionais baseados no princípio da reciprocidade, instituiu um regime de obrigações
para os Estados, sempre que se tratasse de proteção aos direitos humanos.
Nesse contexto, a contribuição da ONU para a consolidação de um sistema
internacional de proteção aos direitos humanos foi – e ainda o é – inegável, com a
formulação sob o seu comando de inúmeros tratados internacionais versando sobre
o tema da proteção aos direitos humanos em suas mais variadas minudências e cujo
conteúdo é já de domínio público.
Na esteira desse progresso “legislativo” internacional surge no plano americano
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) em 1969, mais conhecida
como Pacto de São José da Costa Rica. Em síntese, por essa Convenção o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos é constituído por dois órgãos: a) Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, criada pela Resolução VI, do 5º Encontro de
Consulta dos Ministros de Relações Exteriores, da OEA, ocorrida em Santiago do
Chile, em 1959, e agora incorporada à Convenção; e b) Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), criada pelo Pacto de São José. Para os objetivos deste
trabalho somente esta nos interessa, com sua farta jurisprudência.
É de se notar que a CADH impõe aos Estados signatários o dever de cumprir
integralmente suas regras, ou seja, de assumir, inclusive, “um compromisso tran-
scendente aos limites do poder soberano interno: o de cumprir decisões de um órgão
jurisdicional não sujeito á sua soberania”. (Jayme, 2005, p. 61) Em outras palavras,
se está diante do fato de que a Corte Interamericana de Direitos Humanos – criada

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por aquela – reveste-se de um caráter supranacional, visto que ao decidir com defi-
nitividade, formando, inclusive, coisa julgada, sobrepõe-se efetivamente às próprias
Constituições nacionais. (Jayme, 2005, p.66).
Neste sentido a CIADH reconhece em suas sentenças o caráter supranormativo
da Convenção:
em relação ao ordenamento jurídico interno, inclusive em relação a
normas constitucionais, porquanto o Direito Internacional dos Direitos
Humanos não reconhece hieraquia das normas internas, de modo que,
mesmo a norma constitucionaol violadora de direitos humanos deve ser
afastada para dar lugar à norma internacional de proteção dos direitos
humanos. (Fernando G. Jayme, 2005, p. 67)

É a CADH que em seu artigo 63, § 1º, reafirma a submissão do Estado à sua
responsabilidade internacional ao prelecionar que:

Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegi-


dos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure aoanproju-
dicado o gozo do seu direito ou loiberdade violados. Determinará tam-
bém, sem isso for procedente, que sejam reparadas as consequências
da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos,
bemm como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

Mais adiante a citada Convenção determina que os Estados condenados ao pa-


gamento de indenizações compensatórias deverão satisfazê-las pelo processo inter-
no vigente para a execução de sentenças contra o Estado. (art. 68)
Obrigatória a informação de que os Estados não podem se furtar ao cumpri-
mento da sentença proferida pela CIDH após aceitarem a competência conten-
ciosa da Corte, pois não há previsão convencional nesse sentido, corroborando o
disposto nos Artigos 27 e 46, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados,
de 1969. A única forma de um Estado, após expressar seu consentimento à com-
petência contenciosa da Corte, deixar de se obrigar às suas decisões é através da
denúncia (CADH, art. 78, c.c. Art. 44, § 1º da Convenção Viena sobre Direito dos
Tratados, de 1969).
Isso nos leva à conseqüência de que uma decisão condenatória da CIDH contra
um Estado se enquadra num dos mais importantes princípios de direito internacio-
nal: o pacta sunt servanda.
Como exemplo disso podemos citar o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil.
Damião Ximenes Lopes possuía deficiência mental e nessa condição sua mãe
o internou numa clínica privada, Casa de repouso Guararapes, em Sobral, Ceará,
na data de 01/10/1999. Naquele local sofreu uma série de agressões e vivenciou

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condições de internação desumanas e em conseqüência disso veio a falecer três dias


depois. A partir de então começou o calvário de sua mãe e irmão para apurar as reais
condições da morte. Esta, porém, não devidamente esclarecida por falhas aberrantes
na fase do inquérito policial. Após denunciar a inércia do Estado junto ao Conselho
de Defesa dos Direitos Humanos, no Ceará, e posteriormente à Promotoria, sem
nada conseguir, a irmã fez uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Hu-
manos, em 1999, e que foi acatada em 2002, sob processo de nº 12.237 e Relatório
de Admissibilidade nº 38/02, Petição 12.237, Damião Ximenes Lopes vs. Brasil.
Posteriormente a Comissão, diante de indícios de que o Estado brasileiro havia
violado diversos artigos do Pacto de San José da Costa Rica resolveu apresentar de-
manda contra o Brasil junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2004,
e em 2006, a CIDH proferiu sentença condenatória obrigando o Brasil ao pagamento
de indenização à mãe e à irmã.

6. A Responsabilidade Internacional dos Estados no Direito


Internacional Ambiental

A ideia de responsabilizar e indenizar um dano ecológico (Martins, 1991, p. 43)


já estava mencionada no Princípio 22, da Declaração de Estocolmo, de 1972, a saber:

Os Estados devem cooperar para o contínuo desenvolvimento do Direi-


to Internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização, às
vítimas de contaminação e de outros danos ambientais por atividades re-
alizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de tais Estados em zonas
situadas fora de sua jurisdição.

O alcance da reparação, entretanto, atinge apenas os danos diretos, aqueles


que guardam íntima e precisa relação com os fatos ensejadores da responsabilidade;
quanto aos danos indiretos (consequential damage) não ensejam a reparação, pois:

residem na infinita variedade de relações e circunstâncias exteriores que


podem intervir entre o ato ilícito e os danos produzidos, resultando ser
impossível elaborar um critério único que permita deslindar os danos pas-
síveis de indenização daqueles não ressarcíveis. (Martins, 1991, p. 44-5)

De acordo com Lavieille (2004, p. 93), a responsabilidade por danos ao meio


ambiente é controversa. Por um lado, ainda não existe no Direito Internacional Am-
biental um princípio geral da responsabilidade internacional objetiva (sem culpa).
Por outro lado, existe nas declarações internacionais em matéria ambiental a exorta-

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A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados: direitos humanos e meio ambiente

ção ao engajamento dos Estados na elaboração de legislações relativas à responsa-


bilidade internacional.
Existem também sistemas convencionais que, nas suas respectivas áreas de atu-
ação, admitem uma responsabilidade objetiva como, por exemplo, a Convenção de
Bamako (capital do Mali), delineada mais abaixo.
Do ponto de vista das Declarações, o Princípio 22, previsto na Declaração de
Estocolmo (1972), inaugurou a previsão da responsabilidade objetiva, mantida no
Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento (1992), destacados a seguir.

– Princípio 22 da Declaração de Estocolmo:

Os Estados devem cooperar para o contínuo desenvolvimento do Direi-


to Internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização às
vítimas de contaminação e de outros danos ambientais causados por ati-
vidades realizadas dentro da jurisdição ou sob controle de tais Estados,
mesmo que em zonas situadas fora de suas jurisdições.

– Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro:

Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à responsa-


bilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambien-
tais. Os Estados devem ainda, cooperar de forma expedita e determina-
da para o desenvolvimento de normas adicionais de direito ambiental
internacional relativas à responsabilidade e indenização por efeitos ad-
versos causados por danos ambientais em, áreas fora de sua jurisdição,
por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle.

Quanto às Convenções, o artigo 235 da Convenção das Nações Unidas sobre


Direito do Mar (Montego Bay, 1982), avançou no mesmo sentido:

1. O Estados devem zelar pelo cumprimento das suas obrigações interna-


cionais relativas à proteção e preservação do meio marinho. Serão respon-
sáveis de conformidade com o direito internacional.
2. Os Estados devem assegurar através do seu direito interno meios de
recurso que permitam obter uma indenização pronta e adequada ou ou-
tra reparação pelos danos resultantes da poluição do meio marinho por
pessoas jurídicas, singulares ou coletivas, sob sua jurisdição.
3. A fim de assegurar indenização pronta e adequada por todos os danos
resultantes da poluição do meio marinho, os Estados devem cooperar
na aplicação do direito internacional vigente e no ulterior desenvolvi-

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Rui Decio Martins & Jorge Luís Mialhe

mento do direito internacional relativo às responsabilidades quanto à


avaliação dos danos e à sua indenização e à solução das controvérsias
conexas, bem como se for o caso, na elaboração de critérios e procedi-
mentos para o pagamento de indenização adequada, tais como o seguro
obrigatório ou fundos de indenização.

Há, portanto, responsabilidade por risco no caso de poluição dos mares por
vazamento de petróleo.
No mesmo sentido, várias convenções internacionais adotaram o regime da
responsabilidade por risco, dentre as quais, a Convenção sobre Responsabilidade
Civil por Danos Nucleares (Viena, 1963); a Convenção sobre a Responsabilidade
Civil no Estabelecimento de um Fundo Internacional para Compensações por Da-
nos de Poluição de Óleo (Bruxelas, 1971); a Convenção sobre a Responsabilidade
internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais (Londres, Moscou e Wa-
shington, 1972); a Convenção sobre a Responsabilidade Civil por Dano decorrente
de Poluição de Óleo, resultante de Exploração e Explotação de Recursos Minerais
do Subsolo Marinho (Londres, 1977).
É imperioso sublinhar que algumas Convenções prevêem a responsabilidade
objetiva. Assim, por exemplo, a Convenção de Bamako, Relativa à Interdição da
Importação de Rejeitos Perigosos para a África e ao Controle da Movimentação
Transfronteiriça e a Gestão desses Rejeitos na África (Bamako, 1991), no seu art.
4º., alínea 3, letra “b”: “impõe a responsabilidade objetiva e ilimitada, assim como a
responsabilidade conjunta e solidária aos produtores de rejeitos perigosos”.
No mesmo sentido, tanto a Convenção sobre a Responsabilidade Civil no Cam-
po da Energia Nuclear (Paris, 1960, art. 3º), celebrada pelos países membros do Or-
ganismo Europeu para a Energia Nuclear, como a Convenção sobre a Responsabili-
dade Civil no Campo da Energia Nuclear (Viena, 1963, art. 4º), concluída no âmbito
da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA), imputam a responsabilidade
automaticamente ao país explorador daquela tecnologia. Da mesma forma, a Con-
venção Internacional sobre a Intervenção em Alto Mar em Caso de Acidente que
Provoque ou Possa Provocar uma Poluição por Hidrocarbonetos (Bruxelas, 1969,
art. 3º), concluída no âmbito da Organização Marítima Internacional (IMO), imputa
a responsabilidade ao proprietário do navio e a Convenção sobre Diversidade Bioló-
gica (Rio de Janeiro, 1992, art. 14, alínea 2), patrocinada pela ONU, prevê que:
A Conferência das Partes deverá examinar, com base em estudos que
se levarão à cabo, a questão da responsabilização e reparação, incluin-
do a recuperação e a compensação por danos causados à diversidade
biológica, salvo quando esta responsabilidade seja uma questão pura-
mente interna.

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A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados: direitos humanos e meio ambiente

A Convenção relativa à Responsabilidade dos Exploradores de Navios Nucle-


ares (Bruxelas, 1962), aprovada no âmbito da OCDE, prevê, no seu art. 2º., a res-
ponsabilidade objetiva, nos seguintes termos: “O explorador de um navio nuclear
é objetivamente responsável por todo dano nuclear que seja provado que tenha sido
causado por acidente nuclear no qual sejam implicados o combustível nuclear ou
produtos e rejeitos radioativos desse navio”.
Também merece ser citada a Convenção sobre a Responsabilidade Civil para os
Danos Provocados durante o Transporte de Mercadorias Perigosas pela Estrada, pelo
Trilho e pelos Barcos de Navegação Interna (Genebra, 1989), conhecida pela sigla
CRTD, adotada pelo Comitê de Transporte Interiores da Comissão Econômica para
a Europa, no âmbito do ECOSOC, notadamente o seu artigo 1º., alínea 10; artigo 9º.
e artigo 24.
No quadro do Conselho da Europa, foi adotada uma Convenção Européia so-
bre a Responsabilidade Civil dos Danos Resultantes de Atividades Perigosas para o
Meio Ambiente (Lugano, 1993), que canaliza a responsabilidade sobre o explorador
da atividade perigosa.
Na lição de Soares (2003, p. 834), a Convenção de Lugano:

pode ser considerada a primeira convenção internacional que tratou


do tema da responsabilidade internacional por atividades perigosas ao
meio ambiente, expressamente tendo declarado sua finalidade preser-
vacionista”. (...) “Sua nítida origem no Direito Internacional do Meio
Ambiente revela-se pela adoção da técnica denominada ´nova engenha-
ria normativa´, que significa prover os textos solenes dos tratados ou
convenções, de procedimentos ou formas que permitam sua adaptação
mais rápida aos avanços da tecnologia e da ciência: no caso, ... a adoção
de anexos, como já salientado, de natureza técnica de mais fácil altera-
ção que os textos principais dos tratados e convenções tradicionais

O campo de aplicação desta Convenção refere-se ao conjunto das atividades


perigosas para o meio ambiente: a produção, a manipulação, a estocagem, a uti-
lização e a dejeção de substâncias perigosas (art. 2º). Trata, ainda, das operações
concernentes aos organismos geneticamente modificados e da exploração de uma
instalação ou de um sítio de incineração, de tratamento, de manipulação, de reci-
clagem ou de estocagem permanente de rejeitos, sejam de atividades oriundas de
pessoas privadas ou públicas.
O termo “dano” é definido de forma ampla. Ele diz respeito às pessoas, aos
bens e ao meio ambiente. A Convenção de Lugano distingue, de um lado, os danos
“comuns” às pessoas e aos bens, e de outro lado, aos danos “resultantes de uma al-

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Rui Decio Martins & Jorge Luís Mialhe

teração ao meio ambiente”. São excluídas as operações de transporte e as atividades


nucleares (art. 4º). Todavia, a exclusão não se aplica no caso dos danos resultarem de
um acidente nuclear coberto pelas Convenções de Paris (1960) ou de Viena (1963),
ou se esta responsabilidade for regulada por uma legislação interna que seja mais
favorável que a Convenção de Lugano para a reparação dos danos.
Quanto ao regime da responsabilidade, trata-se de uma responsabilidade obje-
tiva, pois exploram atividades perigosas ou em lugares cujos responsáveis por danos
causados seguem explorando um sítio contaminado. Seu proprietário não será res-
ponsável. Salvo se também tratar-se de um explorador.
No tocante ao tema da exoneração da responsabilidade, lembra Lavieille (2004,
p.94), destacam-se os danos decorrentes de conflitos armados, catástrofes naturais,
de um fato intencional produzido por um terceiro ou oriundo do comando de uma
autoridade legítima. Além destas, outra exoneração pode ocorrer: trata-se da deno-
minada poluição “de nível aceitável”, tendo em vista as circunstâncias locais perti-
nentes, que logra isentar de reparação o autor do dano. Tal disposição é criticável na
medida em que o termo é vago e, dependendo dos interesses envolvidos, pode criar
dificuldades na aplicação do princípio.
Do ponto de vista da ação, a vítima do dano tem o direito de requerer ao poder
judiciário que o explorador da atividade perigosa forneça-lhe as informações neces-
sárias para impedir eventual dano. Todavia, neste caso, existem algumas exceções:
a defesa nacional, o segredo industrial, etc. As associações de proteção do meio
ambiente podem demandar ao tribunal que ordene uma injunção para interditar uma
atividade perigosa e ilegal que ameaça causar danos sérios ao meio ambiente. Final-
mente, a Convenção prevê, no seu artigo 2.8, medidas que garantam o retorno do
ambiente a um estado satisfatório.
Extremamente relevante é o princípio poluidor-pagador. Admitido originalmen-
te pela OCDE numa recomendação de 1972. Posteriormente, em 1992, o Princípio
16 da Declaração do Rio de Janeiro reafirmou aquele princípio:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo de-
corrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover
a internalizarão dos custos ambientais e uso de instrumentos econômicos,
levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os
investimentos internacionais.

O mesmo princípio é previsto em outras Convenções, tais como a Convenção


sobre a Proteção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos
Internacionais (Helsinki, 1992), a Convenção para a Proteção dos Alpes (Salzbourg,
1991), a Convenção sobre a Proteção do Meio Ambiente Marinho do Atlântico do

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A Responsabilidade Civil Internacional dos Estados: direitos humanos e meio ambiente

Nordeste (Paris, 1992) e a Convenção sobre a Proteção do Meio Marinho e do Lito-


ral do Mediterrâneo (Barcelona, 1995).
Existe, ainda, na esfera de Direito Internacional Ambiental, um debate sobre os
possíveis efeitos do princípio poluidor-pagador. Alguns doutrinadores se inquietam
com a aplicação deste princípio que, segundo eles, frearia o espírito da livre iniciati-
va colocando em cheque projetos de desenvolvimento. Outros insistem, ao contrário,
sobre as possíveis derivações do princípio. O princípio é necessário, porém insufi-
ciente, tanto em termos de afirmação da responsabilidade quanto nos casos onde se
observa a incitação à poluição. Pode-se poluir porque se poderá pagar a multa ou
reparar o dano. É esta a razão pela qual as multas devem ser dissuasivas e os fundos
internacionais de indenização devem ser apenas mais um dos meios entre outros e
não um meio único e dominante.

Doutrinadores, como Sadeller (2009, p.51), destacam o aumento da importân-


cia atribuída ao princípio da prevenção que teria por objetivo “evitar o dano ambien-
tal e reduzir ou eliminar o risco de dano”. Na sua avaliação, a responsabilidade civil,
“apesar de sua função essencialmente curativa”, também “inclui uma função preven-
tiva, já que sempre envolve uma perda ou um empobrecimento da parte considerada
responsável”. Considera, ainda, que:

A extensão da reparação requerida assim serve ao propósito da pre-


venção à medida que as partes potencialmente responsáveis adaptem
seu comportamento com vistas a probabilidade de responsabilidade. A
eliminação das falhas na determinação da responsabilidade pelo dano
que é inerente em regimes de responsabilidade restrita que é inerente
em regimes de responsabilidade estrita também ajudou a reforçar a di-
mensão preventiva da responsabilidade civil. Em tais regimes, a função
preventiva sobrepujou a função curativa que a responsabilidade civil
tem a intenção de cumprir.

Conclusão

A responsabilidade internacional dos Estados adquiriu, notadamente nas últi-


mas décadas, uma importância capital, sobretudo nas áreas de Direito Internacional
dos Direitos Humanos e Direito Internacional Ambiental. Na medida em que a so-
ciedade internacional toma consciência e reconhece a valorização da vida humana
e do meio ambiente sustentável como bens juridicamente protegidos pelos tratados
internacionais, verifica-se, como consequência, que os Estados são crescentemente
responsabilizados nos vários foros internacionais. Prova disso é a abundância de ca-

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Rui Decio Martins & Jorge Luís Mialhe

sos de condenação de Estados julgados e responsabilizados civilmente pelas cortes


de direitos humanos, no âmbito dos sistemas europeu e interamericano.
No mesmo sentido, é notável a responsabilização destes mesmos sujeitos de
direito público internacional pelos tribunais arbitrais e cortes internacionais de cará-
ter global (Corte Internacional de Justiça) e, sobretudo, regional (Corte de Justiça da
União Européia), por atos e/ou omissões lesivas ao meio ambiente e, ainda, na esfera
dos direitos humanos (julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e
pela Corte Européia de Direitos Humanos). Tal fenômeno, impensável até meados
do século passado, toma fôlego no século XXI, notadamente pela atuação pró-ativa
dos novos atores internacionais, sobretudo as ONGs que, em rede global, promovem
o patrocínio de ações nos foros competentes e, sobretudo, pressionam governos dos
Estados e as organizações internacionais governamentais a implementarem políticas
públicas coerentes com o ordenamento jurídico internacional, numa clara manifes-
tação de vontade da sociedade civil globalizada em prol do respeito do princípio
basilar do Direito Internacional, consagrado no artigo 26 da Convenção das Nações
Unidas sobre Direitos dos Tratados (Viena, 1969): pacta sunt servanda.

Referências

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VARELLA, M.D. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009.

Recebido: 22/9/10
Aprovado: 6/12/10

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