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Nefrolitíase
33 Mauricio de Carvalho
ma e dieta). Por exemplo, o risco de nefrolitíase parece ser Uma vez que o núcleo do cristal tenha atingido um ta-
menor na Ásia (1-5%) do que na Europa (5-9%) e América manho crítico e a solução que o abrigue permaneça com
do Norte (12% no Canadá e 13% nos Estados Unidos). Na valores acima do Kps novas camadas de componentes se-
Arábia Saudita, taxas de risco de até 20% são relatadas.5 rão adicionadas. Este fenômeno é chamado de crescimen-
to do cristal.6
O processo pelo qual cristais em solução juntam-se para
PATOGÊNESE DA NEFROLITÍASE formar uma partícula maior é chamado de agregação ou
aglomeração.10 Como é necessária energia para haver de-
sintegração de um sólido para a fase líquida, a agregação
Do Cristal ao Cálculo é um processo naturalmente favorecido. Embora a veloci-
dade de agregação seja proporcional ao estado de satura-
A Fig. 33.1 ilustra três condições gerais de uma solução
ção de uma solução, ela pode ocorrer em uma faixa ampla
contendo íons ou moléculas de materiais cristalinos solú-
de condições.11 Além disso, a agregação per se é um pro-
veis, como a urina por exemplo. O diagrama demonstra
cesso muito rápido, permitindo a formação de partículas
aumento crescente de concentração, de baixo para cima. O
de tamanho considerável dentro de segundos.
produto de solubilidade (Kps) é o produto de concentra-
A passagem de cristais pela urina, denominada crista-
ção no qual existe equilíbrio entre a porção cristalina e a
lúria, ocorre em portadores de doença litiásica, bem como
solvente, não havendo formação de novas partículas. O
em indivíduos normais.12 Alguns estudos, analisando a
produto de formação (Kf) refere-se ao produto de concen-
taxa de crescimento e agregação cristalina e ainda a velo-
tração no qual haverá precipitação, em velocidade signifi-
cidade do fluxo tubular renal, sugeriram que cristais for-
cativa, mesmo sem a inclusão de materiais pré-formados
mados durante o trânsito intranéfrico não alcançariam ta-
ou outras superfícies cristalinas. Soluções com concentra-
manho suficiente para ocluir a luz tubular. Conseqüente-
ções abaixo do Kf não permitem a formação de cristais. Por
mente, a formação ulterior de cálculos urinários depende-
outro lado, quando o produto de concentração torna-se
ria da retenção destas partículas.13 O ancoramento dos cris-
maior que o Kf, inicia-se a nucleação, a primeira fase de
tais é facilitado por interações com as células tubulares
formação de qualquer substância cristalina.6 Nesta situa- renais. Macromoléculas urinárias podem facilitar ou im-
ção, a energia livre presente é tão alta que a nucleação é pedir esta adesão.14 Uma vez retido, haverá então condi-
praticamente inevitável, causando um rearranjo molecu- ções de tempo para o crescimento cristalino, desde que
lar e estabilização da solução. mantidas as condições de saturação urinária.
A região de maior interesse do ponto de vista químico, A atividade inibitória pode ser definida como a capaci-
biológico e médico situa-se entre o Kps, abaixo do qual a dade da urina em impedir a nucleação espontânea de cris-
cristalização não se inicia, e o Kf, acima do qual a cristali- tais ou, se esta situação ocorrer, prevenir o crescimento e a
zação é constante. Esta zona intermediária é denominada agregação posteriores.15 Um inibidor da cristalização deve
de metaestável.7 Possui grande importância na patogenia ser capaz de ligar-se à superfície de cristais em formação,
da nefrolitíase, já que a maioria dos produtos de concen- inibindo seu crescimento ou agregação.16 Várias substânci-
tração da urina de indivíduos normais e de portadores de as foram descritas como inibidoras da cristalização na uri-
cálculo renal situa-se nesta faixa.8 Além disto, os fatores na. Podemos classificá-las em dois grandes grupos, como
inibidores da cristalização exercem seus efeitos principal- descrito no Quadro 33.1 — baixo peso molecular e macro-
mente dentro desses limites.9 Na zona metaestável, os pro- moléculas, estas por definição com peso molecular acima de
dutos de concentração das diversas substâncias permitem 6.000 dáltons. O principal argumento favorável à importân-
o crescimento de cristais preexistentes, mas não a forma- cia dos inibidores reside na observação de que, embora a
ção de novos núcleos. urina da maioria da população seja supersaturada em rela-
ção a vários sais, apenas uma minoria forma cálculos.
Citrato Glicosaminoglicanos
Pirofosfato Nefrocalcina
Magnésio Uropontina
Bikunina
Fragmento Urinário da
Protrombina
Proteína de Tamm-Horsfall
Fig. 33.1 Estados de saturação.
capítulo 33 611
Atualmente, a maioria dos cálculos é de origem renal A formação de cálculos no trato urinário requer a pre-
sença de um ou mais fatores de risco, determinados em sua
(Quadro 33.2). Cálculos vesicais são encontrados apenas em
situações especiais, como na presença de obstrução uretral, maioria pela análise da bioquímica e do volume urinário.
corpo estranho intravesical ou bexiga neurogênica. Também Estas condições causam aumento da supersaturação uri-
são descritos em crianças de países em desenvolvimento, nária em relação a determinado sal ou promovem diminui-
formados por urato de amônio e associados à desnutrição. ção da atividade inibidora da urina.18
Os cálculos formados por deposição de cálcio são os mais
comuns, correspondendo a 70-75% dos casos. Na maioria Hipercalciúria
das vezes são compostos por oxalato de cálcio. Eventual-
mente, em menos de 5% dos casos, podem ser de fosfato de A hipercalciúria primária ou idiopática é conceituada
cálcio (apatita ou brushita). Estes cálculos são formados na como excreção urinária de cálcio maior que 4 mg/kg/dia,
presença de urina alcalina, que aumenta a supersaturação associada à normocalcemia e por vezes à hipofosfatemia.
do fosfato, podendo ser encontrados na acidose tubular re- Afeta cerca de 5% da população normal e até 50% dos pa-
nal distal ou hiperparatireoidismo primário. Os cálculos de cientes litiásicos.19 Apesar do mecanismo preciso da hiper-
cálcio são habitualmente arredondados, radiodensos e não calciúria não estar ainda estabelecido, existe consenso
costumam apresentar aspecto coraliforme. quanto à presença de algumas anormalidades fisiopatoló-
HPT – Hiperparatireoidismo primário; ATR – Acidose tubular renal distal; ITU — Infecção do trato urinário.
Adaptado de WASSERSTEIN, A.G. Nephrolithiasis: Acute Management and Prevention.17
612 Nefrolitíase
gicas: aumento primário na absorção intestinal de cálcio tipo II — deficiência da desidrogenase d-glicerato/gli-
(por aumento dos níveis séricos de vitamina D ou aumen- oxilato redutase, doenças raras, de herança autossô-
to na densidade dos receptores intestinais); redução na mica recessiva.24
reabsorção tubular de cálcio; perda renal de fosfato; au-
mento primário na reabsorção óssea.20 Até 40% dos paci-
entes com hipercalciúria idiopática apresentam história Hiperuricosúria
familiar positiva de cálculos renais. Evidências clínicas e
Excreção urinária maior que 800 mg/dia para homens
experimentais indicam que a hipercalciúria é de herança
e 750 mg/dia para mulheres. O ácido úrico é o produto
genética complexa. Entre alguns dos genes possivelmente
final da degradação de purinas em humanos. Em pH uri-
envolvidos, podemos citar o gene responsável pela expres-
nário ácido, a forma não-dissociada do ácido úrico predo-
são do receptor para a vitamina D, o gene para o receptor
mina e é pouco solúvel (apenas 96 mg/litro), podendo le-
do sensor de cálcio (calcium-sensing receptor) e o gene res-
var à cristalúria e à formação de cálculo renal, mesmo com
ponsável pela expressão dos canais de cloro ClC-5, associ-
taxas de excreção normais25 (Fig. 33.2).
ados à nefrolitíase ligada ao cromossomo X.21
A hiperuricosúria, presente por exemplo na gota, e bai-
As condições clínicas associadas à hipercalciúria hiper-
xo volume urinário são também fatores de risco importan-
calcêmica compreendem 5% do total das hipercalciúrias e
tes. Níveis elevados de ácido úrico na urina podem contri-
são representadas basicamente pelo hiperparatireoidismo
buir também para a formação de cálculos de oxalato de
primário (mais de 90% dos casos). Menos freqüentemente
cálcio. Várias teorias têm sido propostas para explicar o
pode estar associada à sarcoidose, imobilização prolonga-
fato. Postula-se que os cristais de ácido úrico formariam um
da, intoxicação por vitamina D e hipertireoidismo.
núcleo inicial para deposição de oxalato de cálcio ou que
absorveriam inibidores da cristalização urinária.26
Hiperoxalúria
O oxalato é um ácido orgânico dicarboxílico, de baixa Hipocitratúria
solubilidade, cujo interesse biológico é praticamente limi-
tado à sua participação na formação de cálculos renais. Em Definida como excreção de citrato menor que 320 mg/
indivíduos normais, a maioria do oxalato urinário provém dia. O citrato é um potente inibidor da cristalização.27 For-
do metabolismo endógeno (da glicina, glioxilato e ácido ma sais solúveis com o cálcio, diminuindo a disponibili-
dade do mesmo para se combinar com o oxalato, por exem-
ascórbico), e apenas 10 a 20% são derivados da dieta. Três
plo.28 Além deste efeito específico em diminuir a supersa-
a 5% do oxalato ingerido são absorvidos, principalmente
turação urinária, o citrato inibe a cristalização do oxalato
no cólon.22 Hiperoxalúria é definida pela excreção de oxa-
de cálcio. O número de partículas formadas diminui, as-
lato maior que 40 mg/dia. Porém, a maioria dos portado-
sim como seu crescimento e capacidade de agregação. Mu-
res de nefrolitíase possui níveis normais de oxalato na uri-
lheres normais apresentam uma relação citrato/cálcio uri-
na. Entretanto, aumentos na excreção de oxalato elevam
nário muito alta. Entretanto, em homens normais a rela-
mais a supersaturação urinária do que aumentos propor-
ção se aproxima daquela de mulheres formadoras de cál-
cionais na excreção de cálcio.23 Provavelmente, a ligação do
culo.29 Esta talvez seja uma das explicações da elevada
cálcio a outros íons (além do oxalato) o torna mais solú-
vel. Didaticamente, podemos dividir as causas de hipero-
xalúria de acordo com o nível de excreção em:
a) Dietética – Geralmente apresenta 40 a 60 mg/dia de
oxalato na urina. Excesso de consumo de oxalato e bai-
xa ingestão de cálcio são fatores de risco;
Ácido úrico mg/litro
prevalência de nefrolitíase em homens. Além disto, vários associadas à formação de cálculos, foram identificadas al-
autores demonstraram uma menor excreção de citrato na terações quantitativas e qualitativas na excreção de nefro-
urina de portadores de doença calculosa renal.30 A hipoci- calcina, proteína de Tamm-Horsfall (uromodulina),32 uro-
tratúria essencial ou idiopática é encontrada em 10 a 40% pontina e bikunina, entre outras. Infelizmente, a purifica-
dos portadores de nefrolitíase. Pode estar presente também ção e a mensuração destas proteínas são complexas, estan-
em situações de acidose intracelular, como na hipocalemia, do restritas a laboratórios de pesquisa.
insuficiência renal, diarréias crônicas (por perda de álca-
lis) e uso de acetazolamida. A acidose tubular renal distal
(ATRd) causa hipocitratúria acentuada, freqüentemente Medicações
com níveis abaixo de 40 mg/dia. Além da hipocitratúria, O uso de sulfato de indinavir para tratamento de infec-
a ATRd cursa com hipercalciúria e urina persistentemen- ção por HIV está associado à formação de cálculos em até
te alcalina, podendo levar à nefrolitíase de repetição, ne- 3% dos pacientes. Ingestão excessiva de vitaminas A e D,
frocalcinose e insuficiência renal. uso de triantereno, acetazolamida e sulfadiazina podem
causar cristalúria e eventualmente nefrolitíase.17
Infecção
Cálculos primariamente associados à infecção são for- Pontos-chave:
mados por fosfato de amônio magnésio (estruvita) ou mais Fatores de risco para nefrolitíase
raramente por apatita (fosfato de cálcio). Estes cálculos
possuem crescimento rápido, podem ocupar todo o siste- • Baixo volume urinário (menor que 1.500 ml/
ma coletor (coraliformes) e causar infecções urinárias de dia)
repetição, abscessos perinefríticos, urossepse e insuficiên- • Hiperoxalúria (maior que 40 mg/dia)
cia renal progressiva. A sua gênese está relacionada à in- • Hipercalciúria (maior que 4 mg/kg/dia)
fecção por bactérias produtoras de urease (usualmente do • Hiperuricosúria (maior que 750 mg/dia em
gênero Proteus, Providencia ou Klebsiella, quase nunca E. coli) mulheres e 800 mg/dia em homens)
que desdobram a uréia em amônia, tornando o pH uriná- • Hipocitratúria (menor que 320 mg/dia)
rio alcalino e favorecendo a cristalização com fosfato e
• pH urinário baixo (cálculos de ácido úrico)
magnésio para formar a estruvita.
ou alto (cálculos de fosfato cálcico)
• Estase urinária ou infecção
Cistinúria
Doença hereditária, autossômica recessiva, caracteriza-
da por hiperabsorção de aminoácidos dibásicos (cistina, or- APRESENTAÇÃO CLÍNICA
nitina, lisina e arginina) nas microvilosidades do túbulo
proximal e células epiteliais intestinais. A excreção uriná- A nefrolitíase pode ser totalmente assintomática, com
ria normal de cistina situa-se ao redor de 20 mg/dia e a for- diagnóstico acidental através de exames de imagens. En-
mação de cálculos deve-se exclusivamente à sua baixa so- tretanto, a apresentação característica é a da cólica nefrética.
lubilidade em pH urinário normal. Ao redor da segunda Usualmente inicia-se com dor localizada em região lom-
década de vida, 50% dos pacientes já apresentaram pelo bar, flanco ou fossa ilíaca, súbita, forte, geralmente unila-
menos um episódio de cólica nefrética. Três tipos de he- teral, em cólica, não aliviada pelo repouso ou posição, ir-
rança são descritos: cistinúria tipo I, causada por mutações radiada para trajeto ureteral, região de bexiga e genitália
em um gene localizado no cromossomo 2, responsável pela externa.33 Pode haver disúria e hematúria macroscópica
síntese da proteína transportadora denominada carreado- concomitante. Náuseas, vômitos e diarréia são comuns. Ao
ra de soluto 3A1 (SLC3A1), que na forma homozigótica exame físico, nota-se freqüentemente taquicardia, palidez,
apresenta excreção de cistina de até 1 g/dia; cistinúria dos sudorese, dor à palpação costo-vertebral e distensão abdo-
tipos II e III, associadas a um segundo gene, localizado no minal leve, porém não associada a sinais de irritação peri-
braço curto do cromossomo 19, que codifica a proteína toneal. O quadro clínico é bastante sugestivo, porém o diag-
transportadora SLC 7A9.31 nóstico diferencial deve ser feito com doenças gastrintes-
tinais (apendicite aguda, diverticulite, colecistite), gineco-
lógicas (cisto ovariano, anexite, gravidez ectópica), afecções
Deficiência de Proteínas Inibidoras da vasculares (infarto intestinal, aneurisma de aorta abdomi-
Cristalização nal) e algumas causas médicas (cetoacidose diabética, in-
farto agudo do miocárdio).
Em estudos de populações selecionadas, portadoras de Outras formas de exteriorização clínica da nefrolitíase
nefrolitíase recorrente e sem anormalidades metabólicas devem ser enfatizadas. A hematúria isolada pode ser o
614 Nefrolitíase
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
A
Na avaliação do paciente, além da caracterização do epi-
sódio agudo, dados da história mórbida pregressa e certas
condições e hábitos são importantes. Ocorrências prévias,
idade na primeira e última crise, conseqüências e interven-
ções (hidronefrose, hospitalização, remoção de cálculos por
litotripsia, endoscopia ou cirurgia) e passagem espontânea
de cálculos devem ser questionadas. Afecções como bexiga B C
neurogênica, infecções urinárias de repetição, diarréia crô-
nica ou gota possuem importância na patogênese da doen- Fig. 33.3 Tipos de cristais. A. Múltiplos cristais de oxalato de cál-
cio mono- e diidratados. B. Cristal de fosfato amoníaco magné-
ça litiásica. Além disto, deve ser pesquisado se existe expo-
sio (estruvita). C. Cristal de cistina.
sição excessiva ao sol, baixa ingestão de líquidos, restrição
de leite ou derivados, uso de medicações sem prescrição
médica (por exemplo, vitaminas, antiácidos e suplementos
de cálcio) e história familiar positiva de nefrolitíase. da radiopacidade, e avalia a presença e o grau de hidrone-
Hematúria micro- ou macroscópica é a regra na cólica frose. Pode ser usado na vigência de cólica nefrética e du-
nefrética, presente em 80 a 90% dos casos. Leucócitos po- rante a gestação. A limitação do método consiste na baixa
dem ser encontrados na urina tipo I, porém a presença de sensibilidade para cálculos ureterais e na sua dependên-
bactérias no exame do sedimento deve levantar a suspeita cia do binário instrumento/operador. Um avanço recente
de infecção associada. Discreta leucocitose pode ser obser- na imagenologia da nefrolitíase é a tomografia helicoidal
vada, geralmente sem bastonetose. A uréia e a creatinina sem contraste. Apresenta alta sensibilidade e especificida-
plasmática são normais, exceto em situações de obstrução de (97 e 96%, respectivamente), permite o exame do abdo-
em rim único ou de ureter bilateralmente, cálculos gigan- me em poucos minutos, pode diagnosticar patologias não
tes de bexiga ou cálculos uretrais. Cristais de cistina (he- relacionadas ao cálculo e detectar praticamente todos os
xagonais) e de estruvita (em forma de tampa de caixão — tipos de cálculo, radiopacos ou não (exceção feita aos cál-
coffin lid) são diagnósticos, enquanto a presença de cristais culos de indinavir). Suas desvantagens são o custo do exa-
de oxalato de cálcio ou de ácido úrico em grande quanti- me e a limitada disponibilidade do aparelho.34
dade é sugestiva (Fig. 33.3). Depois do episódio de cólica nefrética ou da passagem
Deve-se também confirmar a presença do cálculo renal do cálculo, a avaliação metabólica dos fatores de risco deve
e sua localização. A realização de radiografias simples de ser postergada por pelo menos quatro semanas, permitin-
abdome (rins, ureter e bexiga) baseia-se no fato de que 90% do normalização da dieta e da atividade física do paciente
dos cálculos renais são radiopacos. Para ser visualizado, e também garantindo o retorno da função renal à sua ple-
um cálculo precisa apresentar ao menos 2 mm em seu na normalidade. Obviamente, todo cálculo eliminado deve
maior diâmetro. A limitação das radiografias simples re- ser recuperado e submetido à análise. Esta pode ser feita
side na baixa sensibilidade para cálculos ureterais, em al- por métodos químicos ou preferencialmente por espectro-
guns trabalhos menor que 50%. A urografia excretora tem fotometria infravermelha ou por difração de raios X.35 A
sido tradicionalmente utilizada na avaliação da calculose abordagem diagnóstica do paciente que formou o primei-
renal. É útil na avaliação anatômica dos rins, na detecção ro cálculo (único) é assunto controverso. Recomenda-se
de hidronefrose e em fornecer uma idéia da função renal que em adultos a investigação consista ao menos de dosa-
remanescente de um rim obstruído. Apresenta pouco va- gens séricas de cálcio, fósforo, ácido úrico, creatinina, só-
lor na cólica renal aguda e é contra-indicada em casos de dio, cloro, potássio e bicarbonato.36 Um parcial de urina
alergia a contraste iodado e insuficiência renal. O ultra-som deve ser requisitado, assim como radiografias simples de
permite detectar todos os tipos de cálculo, independente abdome. Entretanto, este julgamento deve ser individua-
capítulo 33 615
Volume pH
Estudo por imagem
pH Bicarbonato (RX, urografia excretora, ultra-som)
Creatinina Creatinina
Sódio Sódio
Cálcio Cálcio
Ácido úrico Ácido úrico
Fósforo Fósforo Ausência de cálculo
Citrato Potássio
Oxalato Uréia
Cistina PTH (se hipercalcemia) Cálculo confirmado
Cultura
lizado. Pacientes com atividades profissionais de risco, Complicações (infecção, obstrução, etc.)
Adaptado de PORTIS, A.J., SUNDARAM, C.P. Diagnosis and initial management of kidney stones. Am. Fam. Physician, 63:1329-38, 2001.
ingestão média de cálcio situa-se bem abaixo dos 800- mo nesta última situação, deve-se concomitantemente
1.000 mg recomendados ao dia.47 Dietas com alto teor manter o pH urinário alcalino, para obter maior solubili-
de sódio diminuem a reabsorção tubular de cálcio e dade do ácido úrico. O alopurinol atua inibindo a enzi-
aumentam a calciúria. Da mesma forma, a ingestão ex- ma xantina-oxidase, responsável pela conversão de xan-
cessiva de proteína animal resulta em leve acidose me- tina em ácido úrico. Os efeitos colaterais associados são
tabólica, estimulando a liberação de cálcio ósseo para pouco freqüentes e incluem rash cutâneo, artralgias e
tamponar o excesso de íons hidrogênio, o que acarreta muito raramente síndrome de Stevens-Johnson.
aumento na excreção urinária de cálcio. Portanto, reco- d) Outras medicações. Em pacientes portadores de cisti-
menda-se dieta com 0,8 a 1 g/kg/dia de proteína e in- núria, com concentração urinária de cistina acima de 500
gestão de sódio limitada a 100-150 mEq/dia, principal- mg/litro ou com formação de novos cálculos sob trata-
mente nos casos de hipercalciúria associada à nefroli- mento conservador, recomenda-se o uso de agentes
tíase recorrente. queladores. Estas substâncias interrompem as pontes
c) Outras medidas. Em pacientes com hiperoxalúria, re- dissulfídicas da molécula de cistina, tornando-a mais
comenda-se evitar excessos na ingestão de espinafre, solúvel. A mais efetiva é a penicilamina, porém apresen-
amendoim, chocolate e beterraba. Em portadores de ta vários efeitos colaterais graves, como agranulocitose,
hiperuricosúria, associada a cálculos puros de ácido trombocitopenia, síndrome nefrótica e pênfigo, que le-
úrico ou mistos de oxalato de cálcio, é aconselhável uma vam à interrupção do tratamento na maioria das vezes.
dieta com restrição em alimentos ricos em purina. Na Alternativamente pode-se utilizar tiopronina ou, com
cistinúria, a ingestão hídrica deve proporcionar volume resultados controversos, captopril.40 Os cálculos de
urinário maior que 3 litros, utilizando-se liberalmente estruvita devem ser removidos totalmente, principal-
sucos cítricos, para aumentar a carga de álcalis e o pH mente os de grande volume, já que núcleos remanescen-
urinário e proporcionar maior solubilidade da cistina. tes podem causar recidivas precoces. Preconiza-se an-
tibioticoterapia pós-remoção por 3-4 meses, acompanha-
da de uroculturas de vigilância. O ácido aceto-hidroxâ-
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
mico pode diminuir a formação de estruvita em casos
a) Tiazídicos. São efetivos em situações de hipercalciúria
de impossibilidade de remoção ou retirada incompleta
associada à nefrolitíase recidivante. Agem aumentando
do cálculo. Entretanto, apresenta vários efeitos colate-
a reabsorção tubular proximal de cálcio (associada à
rais graves, que levam à interrupção do tratamento em
contração do espaço extracelular) e diretamente no tú-
até 70% dos casos.
bulo distal, diminuindo a calciúria. Vários estudos re-
lataram diminuição de até 25% no risco de formação de
novos cálculos após três anos de tratamento.48 Deve-se Pontos-chave:
estimular a restrição concomitante de sódio e evitar hi-
Recomendações dietéticas
pocalemia durante o tratamento com tiazídicos, pela
conseqüente redução na excreção de citrato. Efeitos co- • Ingesta líquida adequada para produzir 2-3
laterais como hipotensão arterial, fadiga, impotência, litros de urina ao dia
dislipidemia e intolerância à glicose podem diminuir a • Evitar restrição de cálcio
adesão ao tratamento. • Restringir excesso de sal e proteína animal
b) Citrato. Indicado nos casos de hipocitratúria, primária • Consumo balanceado de cálcio e oxalato
ou secundária. Também diminui a saturação urinária em
• Incentivar ingestão de sucos cítricos
casos de hipercalciúria, ligando-se ao cálcio e forman-
do complexos solúveis. Além disso, apresenta efeito
alcalinizante, aumentando o pH urinário e a fração dis- Agradecimentos: ao doutorando de medicina Leonardo V.
sociada de ácido úrico, o que torna seu emprego reco- Riella pela revisão do capítulo e valiosas sugestões..
mendado na nefrolitíase úrica. Utiliza-se preferencial-
mente o citrato de potássio em dose suficiente para ele-
var o pH urinário acima de 6,5, nível associado com re- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
dução no tamanho e até com dissolução de cálculos
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