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ESTUDOS

A prática pedagógica e o desafio


do paradigma emergente
Marilda Aparecida
Behrens

Palavras-chave: prática
pedagógica; formação de
docente; paradigma
emergente; metodologias
inovadoras; produção do
conhecimento; docência
universitária.
Ilustração: Henrique Borges

A experiência vivenciada com


professores universitários
desencadeou-se um processo de
posicionamento crítico sobre a
preocupados em buscar paradigmas docência. As leituras, as discussões e
inovadores para suas práticas os posicionamentos levaram a
pedagógicas levou a desenvolver construir a caracterização de um
uma pesquisa-ação. Esta paradigma inovador na sala de aula.
O paradigma denominado como
investigação contemplou uma
emergente foi proposto como uma
reflexão individual e coletiva dos aliança entre uma abordagem
docentes. Seu objetivo era oferecer progressista com uma visão holística
subsídios metodológicos para que e o ensino com pesquisa. Embora
ultrapassassem o paradigma apresentadas separadamente, os
cartesiano que vinha caracterizando professores tiveram a clareza que elas
suas ações docentes conservadoras. se interconectam e que tinham como
Com o intuito de superar a pressupostos essenciais a visão do
reprodução do conhecimento, todo e a transformação da realidade.

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Introdução Salvaguardadas as exceções, os do-
centes conservadores aliam a competên-
Nas últimas décadas do século 20, o cia ao autoritarismo. O professor bom é
ensino nas instituições de educação supe- aquele que conhece seu conteúdo, apre-
rior tem se apresentado por uma prática pe- senta-se severo, exigente e não deve "mos-
dagógica, em muitos casos, conservadora trar os dentes para os alunos". O silêncio e
e tradicional. Na realidade, os professores a disciplina são essenciais para desenca-
vêm sofrendo uma forte influência do dear o ensino reprodutivo e conservador. A
paradigma newtoniano-cartesiano que ca- avaliação tem o seu foco na memorização
racterizou a ciência no século 19 e grande e na assimilação, e, em algumas áreas, o
parte do século 20. professor adquire credibilidade pelo núme-
Esse paradigma contaminou por mui- ro de alunos que são reprovados na sua
tos anos a sociedade e, em especial, a es- disciplina.
cola, em todos os níveis de ensino. O pen- A vivência com os docentes universi-
samento newtoniano-cartesiano propôs a tários, em especial os que buscam espe-
fragmentação do todo e por conseqüência cialização e mestrado em Educação, faz
as escolas repartiram o conhecimento em acreditar que poucos professores refletem
áreas, as áreas em cursos, os cursos em sobre a sua ação docente. É que, ao ter
disciplinas, as disciplinas em especi - oportunidade de fazê-lo, desperta o pro-
ficidades. A repartição foi tão contundente fessor responsável que anseia por modifi-
que levou os professores a realizarem um car sua prática pedagógica, mas não sabe
trabalho docente completamente isolados como alterá-la.
em suas salas de aula. Por muitos anos, ao trabalhar na for-
Outro fator relevante de influência des- mação pedagógica dos docentes universi-
te paradigma na ação docente é a busca tários, acreditou-se que bastaria instru-
da reprodução do conhecimento. Carac-
mentalizar o professor com procedimentos
terizada pela fragmentação, a prática pe-
técnicos para a renovação da prática.
dagógica propõe ações mecânicas aos
Ao utilizar tecnologia, o professor
alunos, provocando um ensino assentado
pode oferecer uma ação pedagógica ino-
no escute, leia, decore e repita. Estas qua-
vadora. Desta reflexão, aparece uma nova
tro ações têm sido propostas como
indagação: Será que ao utilizar recursos
metodologia no ensino universitário por
um longo período na história da educação. didáticos e, em especial, os recursos
Ao conviver com os docentes univer- informatizados, o professor altera seu
sitários, pode-se observar que há uma paradigma cartesiano de oferecer ensino
impregnação forte da influência do para- aos alunos, ou troca o caderno e o qua-
digma conservador em seu trabalho do- dro de giz pelo monitor do computador?
cente. Basta caminhar nos corredores Com referência a essa preocupação,
das instituições de ensino superior para Moraes (1997, p. 16) acrescenta:
observar o que ocorre nas salas de aula.
Em sua grande maioria, os professores Desde o início do trabalho, observamos
estão explicando o conteúdo no quadro que a maioria das propostas de uso da
de giz, a classe acompanha em silêncio tecnologia informacional na educação
e ao que parece, o docente dá aula para se apoiava numa visão tradicionalista,
ele mesmo. A pesquisa do conteúdo e que reforça a fragmentação do conhe-
elaboração do conhecimento é realiza- cimento e, conseqüentemente, a frag-
da pelo professor para ministrar as au- mentação da prática pedagógica... Pro-
las. Na explicação do conteúdo, cabe gramas visualmente agradáveis, bonitos
aos alunos o papel de espectadores pas- e até criativos podem continuar repre-
sivos para assimilar, memorizar e repro- sentando o paradigma instrucionista ao
duzir os conteúdos propostos. colocar no recurso tecnológico uma
Nesse contexto, caberia indagar: série de informações a ser repassada
Quem está no processo de aprendiza- ao aluno. Dessa forma, continuamos
gem? O aluno ou o professor? A resposta preservando e expandindo a velha for-
ideal seria: os dois são sujeitos do proces- ma como fomos educados, sem refletir
so. Mas, infelizmente, o aluno tem sido tra- sobre o significado de uma nova práti-
tado como objeto, passivo e receptivo no ca pedagógica que utilize esses novos
trato pedagógico. instrumentos.

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(1996, p. 129): "um paradigma é aquilo que
os membros de uma comunidade científica
partilham e, inversamente, uma comunida-
de científica consiste em homens que parti-
lham um paradigma".
Portanto, não se trata de entender o
paradigma como um sistema fechado,
nem acoplá-lo à pertinência de um mode-
lo que vem se construindo ao longo dos
séculos, mas analisar criticamente a pos-
sibilidade ou não de adotá-los.
Os paradigmas afetam toda a socie-
dade e, em especial, a educação. O fato
é que estes paradigmas não se sucedem
linearmente, nem têm uma demarcação
de tempo para começar ou terminar, mas
vão sendo construídos cotidianamente e
acabam se interpenetrando e criando
novos pressupostos e novos referenciais
que caracterizam diferentes posturas na
sociedade.
Na educação, o que se tem observa-
do é um descompasso com o avanço
paradigmático que a sociedade vem de-
senvolvendo. As transformações acelera-
das e contundentes, em especial no final
A preocupação centra-se na proposi-
do século 20, fazem pensar sobre o trato
ção de uma prática pedagógica inovadora,
pedagógico que as universidades vêm
que utilize a tecnologia como instrumental
oferecendo aos estudantes, e as exigên-
para tornar os alunos críticos, reflexivos e
cias que a sociedade vêm fazendo para a
investigadores contínuos em suas áreas de
comunidade em geral.
atuação. Torna-se importante à reflexão do
Acredita-se que a reflexão sobre a
professor que o simples uso da tecnologia
caminhada histórica na educação permite
não caracteriza uma prática inovadora.
dividir, para fins didáticos, os paradigmas
que influenciaram a prática pedagógica
dos professores universitários em dois blo-
Posicionamento paradigmático cos: os paradigmas conservadores e os
paradigmas inovadores.
O desafio das mudanças históricas
substanciais na virada do século e em es-
pecial do paradigma da ciência, levam ao
repensar do sistema educacional como um
Paradigmas conservadores
todo e, nesse contexto a prática pedagó-
Os professores que atuam na educa-
gica que vem sendo desenvolvida nos
ção superior, em sua grande maioria, ten-
meios acadêmicos.
Na realidade, acredita-se que a ca- dem a reproduzir as metodologias que
vivenciaram no seu processo educativo.
racterização da prática pedagógica está
Nessa assertiva, parece residir a dificul-
fortemente alicerçada nos paradigmas
que a própria sociedade vai construindo dade dos docentes em alterarem suas
práticas pedagógicas e buscarem referen-
ao longo da história.
ciais em novos paradigmas de trabalho
A educação, a economia e a socieda-
de, assim como o homem, são produtos da educativo. A contribuição de Moraes
(1997, p. 16) torna-se relevante:
ação histórica. Sendo assim, os paradigmas
propostos e construídos pelos próprios ho-
Embora quase todos percebam que o
mens vêm acompanhados de crenças, va-
mundo ao redor está se transformando
lores e posicionamentos éticos em frente a de forma contínua apresentando resul-
uma comunidade determinada. Nesse con- tados cada vez mais preocupantes em
texto, cabe a contribuição relevante de Kuhn todo o mundo e a grande maioria dos

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professores continua privilegiando a ve- grande velocidade e o impressionante vo-
lha maneira como foram ensinados, re- lume de informações que são produzidos,
forçando o velho ensino, afastando o além da facilidade de acesso a elas, tornam
aprendiz do processo de construção do os paradigmas conservadores e obsoletos.
conhecimento que produz seres incom- O final do século 20 caracteriza-se
petentes, incapazes de criar, pensar, pelo advento da sociedade do conheci-
construir e reconstruir conhecimento. mento, da revolução da informação e da
exigência da produção do conhecimento.
Os paradigmas conservadores carac- Esse processo de mudança afeta profun-
terizam uma prática pedagógica que se damente os profissionais de todas as áre-
preocupa com a reprodução do conheci- as do conhecimento e, por conseqüência,
mento. Fortemente influenciada pelo exige o repensar dos seus papéis e suas
paradigma da ciência newtoniana-carte- funções na sociedade.
siana, a ação docente apresenta-se frag- A sociedade passa a exigir profissio-
mentada e assentada na memorização, na nais que tenham capacidade de tomar
cópia e na reprodução. decisões, que sejam autônomos, que pro-
O século 19 e grande parte do século duzam com iniciativa própria, que saibam
20, atendendo ao paradigma da Socieda- trabalhar em grupo, que partilhem suas
de de Produção de Massa, alicerçaram conquistas e que estejam em constante
uma prática pedagógica assemelhada à formação.
produção de uma fábrica. Os alunos Nesse movimento de mudança, o pro-
responsivos, obedientes ao comando do fessor passa a ter um papel fundamental
professor na posição de meros recepto- de articulador e mediador entre o conhe-
res, passivos e copiadores por excelência. cimento elaborado e o conhecimento a ser
A grande ênfase no produto permitiu aos produzido.
professores que, muitas vezes, ingenua-
O novo paradigma da ciência, gerado
mente, formassem homens dóceis, acé-
com base na teoria da relatividade e na
ticos e reprodutores do conhecimento
teoria da física quântica, implica um repen-
alheio.
sar sobre o papel da educação na vida dos
A sistematização de diferentes tendên-
homens. Nesse contexto, Moraes (1997, p.
cias pedagógicas que foram estruturadas
20) acrescenta:
sob influência dos paradigmas conserva-
dores é tarefa complexa, principalmente
A ciência está exigindo uma nova visão
quando se entende que a realidade é muito
de mundo, diferente e não fragmenta-
mais rica e dinâmica do que uma classifi-
da. A atual abordagem que analisa o
cação tipológica. Enquanto prática social,
mundo em partes independentes já não
a prática pedagógica torna-se mais ampla
funciona. Por outro lado acreditamos na
do que o rótulo que nela se coloca.
Para fins didáticos, caberia colocar necessidade de construção e reconstru-
dentro dos paradigmas conservadores as ção do homem e do mundo, tendo
tendências pedagógicas: tradicional, como um dos eixos fundamentais, a
escolanovista e tecnicista. Todas essas educação, reconhecendo a importância
abordagens, salvaguardadas as caracte- de diálogos que precisam ser restabe-
rizações próprias para cada época em que lecidos, com base em um enfoque mais
foram propostas, apresentando como es- holístico e em um modo menos frag-
sência à reprodução do conhecimento. mentado de ver um mundo e nos
Cada abordagem pedagógica tem posicionarmos diante dele. Já não po-
uma influência direta dos paradigmas da demos prescindir de uma visão mais
época e caracterizam uma opção metodo- ampla, global para que a mente huma-
lógica, portanto, torna-se relevante que os na funcione de modo mais harmonioso
professores reflitam sobre esses para- no sentido de colaborar para a constru-
digmas conservadores e busquem manei- ção de uma sociedade mais ordenada,
ras de ultrapassá-los. justa, humana, fraterna e estável.

A superação da visão cartesiana de


Paradigmas inovadores mundo demanda repensar o sistema de
valores que estão subjacentes a esse
Os avanços tecnológicos e científicos paradigma. O pensamento newtoniano-
provocaram mudanças na sociedade. A cartesiano possibilitou a fragmentação, as

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distinções, as separações, enfim, a ruptu- de teia, de sistema, de produção do co-
ra do todo, dando ênfase às partes e, por nhecimento, de trabalho coletivo e com-
conseqüência, levou a ver o mundo como partilhado, de interconexão, de inter-rela-
partes desconectadas. cionamento, de reaproximação das partes
O paradigma inovador na ciência, com do todo. E ainda, de exigência de diálogo,
uma visão quântica, demanda reconhecer de atitude crítica, criativa e transformadora.
que todos os seres são interdependentes, Nesse contexto, para propor um
e que "nossas vidas estão entrelaçadas paradigma emergente na prática pedagó-
com o mundo atual, dependem de nossa gica, que atenda a esses pressupostos
atuação e nosso contexto, em nossa reali- inovadores citados, não há uma única
dade, que será revelada mediante uma abordagem a ser contemplada. Mas a pro-
construção ativa em que o indivíduo parti- posta, nesse momento histórico, aponta
cipe" (Moraes, 1997, p. 22). para a construção de uma aliança, de uma
Buscando uma visão de totalidade, de teia, de um grande encontro, dos pressu-
conexão, de interdependência, Capra postos e referenciais de três abordagens
(1996) denomina a nova visão de mundo que possam atender às exigências da so-
como uma "teia da vida". Para que se aten- ciedade do conhecimento: abordagem
da a esse paradigma inovador, acredita-se progressista, ensino com pesquisa e vi-
na necessidade de repensar o papel da são sistêmica.
escola, pois a escola nesse paradigma é O ponto de encontro dessas aborda-
articuladora do saber. Não é só um espaço gens é a superação da reprodução e a bus-
físico, mas, sim, um estado permanente do ca da produção do conhecimento. Na re-
indivíduo, onde o trabalho colaborativo está alidade, é uma produção do conhecimen-
sempre presente. to que permite aos homens serem éticos,
O paradigma inovador tem como autônomos, reflexivos, críticos e transfor-
pressuposto essencial uma prática pe- madores; que, ao inovar os profissionais
dagógica que possibilite a produção do e, em especial, os professores, preocu-
conheci mento. O avanço depende do pem-se em oferecer uma melhor qualida-
redimensionamento em relação à reprodu- de de vida para os homens, provocando,
ção, à memorização e à cópia vigente na nesse processo, uma reflexão de que se
ação docente do professor universitário. vive num mundo global, portanto, são res-
Boaventura Santos (1987), Pimentel ponsáveis pela construção de uma soci-
(1993), Moraes (1997), Behrens (1999) edade mais justa e igualitária.
denominam o avanço como paradigma
emergente ; Prigogine (1986) e Capra
(1996), como paradigma sistêmico; Car- O problema que desencadeou
doso (1995), Brandão e Crema (1991), a produção do conhecimento
como paradigma holístico. Embora se
apresentem variadas denominações, o
Com a perspectiva de que os profes-
paradigma inovador caracteriza-se pela
sores só alteram seu paradigma se refle-
produção do conhecimento e permite um
tirem, discutirem e analisarem os pressu-
encontro de abordagens e tendências pe- postos das abordagens que caracterizam
dagógicas que possam atender às exi- a prática pedagógica, optou-se por pro-
gências da sociedade do conhecimento vocar um grupo de docentes, para pro-
ou da informação. duzirem conhecimentos referentes ao
O mundo mudou, e com ele as ex- paradigma emergente.
pectativas e necessidades dos homens O envolvimento com a formação con-
passaram a ter outras perspectivas. Não tinuada dos docentes universitários e, em
se pode apontar uma única abordagem especial, os que freqüentam o mestrado
pedagógica para contemplar o paradigma de Educação da Pontifícia Universidade
emergente. Por exemplo, Moraes (1997) Católica do Paraná (PUC-PR), levou a re-
propõe o encontro das abordagens alizar uma pesquisa com a seguinte
construtivista, interacionista, sociocultural problematização:
e transcendente para atender ao para- Se a maioria dos professores só ensi-
digma emergente. na a copiar, decorar e repetir, como se
Na liberdade que cada professor e estruturará uma mudança criativa, crítica e
pesquisador tem para dimensionar o novo transformadora nos meios acadêmicos?
paradigma, acredita-se que há necessida- Como oferecer aos professores universitá-
de de atender às características de rede, rios subsídios para produzirem referenciais

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sobre os paradigmas pedagógicos inova- interessante é ter clareza do que está fa-
dores na prática educativa? zendo e porque está fazendo. Gostaria
A tônica desta pesquisa foi contemplar muito que minha prática pedagógica fos-
um processo que pudesse subsidiar os pro- se assim de agora em diante. A produ-
fessores universitários para refletirem e cons- ção do conhecimento individual e coleti-
truírem uma prática pedagógica inovadora. va fica impregnada de maneira prazerosa
Nesse contexto, analisar os paradigmas na gente (Sujeito 32).
constituídos na educação superior e o de-
safio de buscar referenciais para subsidiar A proposição de uma prática pedagó-
as metodologias inovadoras que instiguem gica inovadora que atenda à produção do
a produção do conhecimento. conhecimento tem sido um desafio para
os professores universitários.
Acredita-se que a chance de alterar
Pesquisa-ação: unidade ensino um paradigma pedagógico vem aliada à
e pesquisa criação de espaços coletivos para discus-
são dos pressupostos teóricos e práticos
A preocupação com o processo foi a que caracterizam uma opção meto-
marca determinante nesta pesquisa, pois dológica. Um professor não altera sua prá-
transcendeu a coleta de dados sobre o tica pedagógica, se não estiver convenci-
paradigma emergente e instigou os partici- do de que será um ato significativo na sua
pantes a darem significado à sua trajetória relação ensino/aprendizagem.
acadêmica e à sua prática como profissio- A busca da conexão entre as experi-
nal docente. A opção por uma metodologia ências práticas e os referenciais teóricos
da pesquisa que contemplasse uma abor- que as caracterizam torna o processo sig-
dagem qualitativa apresentou-se como uma nificativo e relevante. Nesse contexto, a pes-
decorrência da necessidade da própria pro- quisa-ação propicia um trabalho com os
posta de trabalho pedagógico a ser desen- professores numa experiência vivenciada.
volvido com os professores universitários. Para Giovani (1998, p. 52), o caminho
Segundo Martins (1998, p. 48), da pesquisa-ação como metodologia de
pesquisa que envolve o professor, adqui-
O levantamento dos dados necessários re a seguinte contribuição:
à análise do objeto de estudo realiza-se
num processo metodológico de pesqui- Nessa investigação, ponho em destaque o
sa-ação, durante o qual os sujeitos da processo interativo-reflexivo próprio da pes-
pesquisa problematizam, analisam e re- quisa-ação, como condição privilegiada
alizam intervenções nas suas práticas para a formação e o desenvolvimento de
pedagógicas, ao mesmo tempo em que professores e especialistas de ensino como
contribuem para sistematização de no- "profissionais reflexivos", isto é, que se vol-
vos conhecimentos. tam para sua própria prática como fonte de
investigação, estudo e conhecimento. Evi-
A opção por uma pesquisa-ação é a dencio, assim, o que denomino 'potencial
de ultrapassar o discurso e oferecer uma didático da pesquisa-ação', ou esforço
vivência sobre a proposta que está se
consciente e deliberado de associar os
descortinando no grupo. O relato dos de-
agentes diretos da prática escolar ao co-
poimentos dos sujeitos envolvidos na
nhecimento teórico sobre sua realidade, à
pesquisa cabe para explicitar a vivência
compreensão de seus determinantes e à
do processo:
perspectiva de sua transformação.
– Nós vivenciamos o que foi proposto
como paradigma emergente. Portanto, A riqueza do processo da pesquisa-
contemplamos um ensino com pesqui- ação-ensino-aprendizagem adveio do
sa, numa abordagem progressista com envolvimento de 52 sujeitos, que freqüen-
uma visão holística (Sujeito 21). taram/freqüentam o mestrado em Educa-
ção da PUC-PR, em especial os que parti-
– Uma coisa é ter aula sobre uma pro- ciparam da disciplina Paradigmas Pedagó-
posta pedagógica inovadora, outra coi- gicos na Educação Superior em 1997 e
sa é vivenciar o processo na sala de aula, 1998. Os sujeitos da pesquisa são profes-
junto com a professora e os colegas. O sores universitários advindos de variadas

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áreas do conhecimento (jurídicas, huma- emergentes, foi discutida com os profes-
nas, biomédicas, exatas e tecnológicas), e sores uma proposta de trabalho. Os sujei-
exercem funções docentes em diferentes tos envolvidos puderam participar, discu-
cursos nas universidades públicas (federais tir e entender o que ocorreria no processo
e estaduais), nas universidades particula- de produção do conhecimento e especi-
res e em faculdades. almente porque fariam as pesquisas, as
Os pronunciamentos sobre os moti- discussões, os trabalhos individuais e os
vos que levam um professor a buscar for- trabalhos coletivos.
mação continuada num curso de mestrado Martins explicita por que envolver os
docentes numa ação coletiva, da qual to-
em Educação incidem sobre a necessida-
dos participam e se tornam responsáveis
de de redimensionar a prática pedagógi- pelo processo:
ca em sala de aula.
Nesse contexto, empresta-se a propo- Fazer da investigação uma prática que
sição de Martins (1998, p. 49): viabilize a unidade de pesquisa-ensino,
do teórico-prática, que parta de proble-
Considera este trabalho como um proces- mas práticos buscando a superação; que
so de pesquisa-ensino porque, de um coloque os sujeitos da pesquisas como
lado, sua forma de realização constitui agentes ativos e não meros objetos; que
uma pista para redimensionar as práticas viabilize a produção e a sistematização
de ensino numa perspectiva de sistema- coletiva do conhecimento superando as
tização coletiva do conhecimento "ensi- reflexões puramente acadêmicas que se
no". Por outro, possibilita a vivência de dão muitas vezes distanciadas dos pro-
um processo de investigação de ação-
blemas postos pela prática; que altere a
reflexão-ação por meio de qual a didáti-
concepção da função do professor, ven-
ca prática que está ocorrendo nas esco-
do-o não como simples transmissor, mas
las se manifesta, é problematização
também um produtor de conhecimento é
explicada e compreendida nos seus
determinantes, favorecendo a elaboração um desafio constante. Para enfrentar tal
de propostas concretas de ação. Tudo desafio, a pesquisa-ação tem-se mostra-
isso com o intuito de abrir novos cami- do uma alternativa fecunda. (Martins,
nhos numa perspectiva transformadora, 1998, p. 50)
para que ocorra uma sistematização co-
letiva de novos conhecimentos, gerados Com a visão de que o professor pode
a partir de novas práticas acerca do ob- produzir seu próprio conhecimento, ini-
jeto de estudo "pesquisa". ciou-se a pesquisa com o envolvimento
dos docentes como sujeitos do processo.
Na realidade, cabe aos educadores Na primeira fase, provocou-se a refle-
oferecer formação docente com a preo- xão e a discussão da problematização. A
cupação de dar suporte e desencadear discussão e a reflexão crítica teve como
a reflexão com os professores sobre suas finalidade desencadear a articulação e o
envolvimento dos professores universitá-
práticas pedagógicas. Os processos de
rios para repensarem suas práticas e bus-
investigação e de pesquisa precisam
carem referenciais para reconstruírem a
contemplar uma articulação direta com ação docente atendendo ao paradigma
os processos de investigação das práti- emergente.
cas pedagógicas dos professores. Con- Numa segunda fase, discutida com o
seqüentemente, essa caminhada se tor- grupo, optou-se por realizar concomi-
nará relevante e significativa para quem tantemente a leitura e a reflexão crítica dos
realiza e participa da pesquisa. textos, dos artigos, obras e periódicos que
apresentassem as abordagens inovadoras.
Paralela à leitura, foi proposta a construção
O caminho percorrido de um quadro referencial sobre as aborda-
gens que pudessem atender ao paradigma
na pesquisa-ensino emergente na sociedade e que, nesse mo-
mento histórico, segundo a autora (Behrens,
Para instigar os professores a investi- 1999), apontam para uma aliança entre
garem, discutirem e construírem re- ensino com pesquisa, a abordagem pro-
ferenciais sobre os paradigmas inovado- gressista e a visão sistêmica. Esse quadro
res (a aliança entre ensino e pesquisa, tinha como objetivo o levantamento dos
abordagem progressista e visão holística), pressupostos de cada abordagem a partir
aqui denominados como paradigmas das leituras realizadas.

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Nessa fase, para produção individu- Os professores se propuseram a pro-
al, tornou-se necessária a discussão so- duzir um único quadro referencial das abor-
bre os fatores essenciais que caracterizam dagens pedagógicas inovadoras. As sis-
a atuação dos professores em sala de aula. tematizações dos pressupostos teóricos e
Na discussão, para compor o quadro das inferências das discussões sobre a
referencial, foram eleitos os seguintes com- prática docente subsidiaram a produção
ponentes: aluno, professor, metodologia, do conhecimento do grupo.
escola e avaliação. Na quinta fase, a impressão gráfica do
No decorrer da pesquisa, essa fase quadro referencial construído pelo grupo
tornou-se muito significativa, pois em possibilitou a cada participante da pesqui-
função da relevância destes componen- sa a visão do todo e a discussão de cada
tes e da ênfase que assumiu no proces- uma das abordagens. Esse processo per-
so, a pesquisadora optou para torná-los mitiu aproximar as categorizações propos-
as categorias de análise do processo. tas para o aluno, o professor, a escola, a
Portanto, as categorias que passaram a metodologia e a avaliação num paradigma
compor a pesquisa foram: aluno, profes- inovador. A partir da elaboração com fun-
sor, metodologia, escola e avaliação. damentação teórica e da experiência
Na terceira fase do processo, houve vivenciada dos professores envolvidos na
a necessidade de serem discutidos os pesquisa, passaram a discutir como cons-
referenciais pesquisados e até que pon- truir uma prática pedagógica com um
to a teoria possuía conseqüências e in- paradigma emergente. Para Martins (1998,
filtrações na prática pedagógica ofereci- p. 51): "Enfim, é um processo que permite
da aos alunos no ensino universitário. articular pesquisa-ensino buscando sua
Nesse momento, apareceu o novo papel unidade. Implica mudança de postura, tan-
do professor e do aluno, a necessidade
to do investigador-coordenador, quanto
de aprender a aprender, o enfrentamento dos investigados-agentes (no caso, agen-
do volume de informações que caracte-
tes da escola)".
riza esse momento histórico e as exigên-
Na sexta fase, os mestrandos foram
cias na formação dos profissionais do
convidados a produzir textos próprios sub-
futuro. Os professores passaram a en-
sidiados pelos referenciais pesquisados. A
tender a força do diálogo e a ação do-
temática apontada para o texto foi "O
cente como articulação mobilizadora
paradigma inovador e a prática pedagó-
para transformar a realidade.
Os docentes passaram a relatar gica". A proposição do texto deveria con-
templar uma reflexão e uma proposição
suas experiências, seus avanços, suas
dificuldades e seus medos no enfren - de realizar uma prática pedagógica ino-
tamento de um paradigma inovador vadora. Nesse momento, os professores
numa escola que se tem caracterizado puderam elaborar e registrar seus avan-
pelo conservadorismo e pela reprodução ços, e apresentar sua contribuição na to-
do conhecimento. mada de decisão para a reconstrução de
Na quarta fase, beneficiados pela dis- sua prática pedagógica.
cussão e pelo aprofundamento teórico e A vivência do processo, a colabora-
prático das pesquisas de cada participan- ção, o trabalho individual e coletivo, a soli-
te, buscou-se agregar as produções indi- dariedade, o respeito, as angústias, os
viduais num trabalho coletivo. Essa fase, desafios, os acertos e as conquistas
dividida em dois momentos, permitiu a gradativas foram aflorando na pesquisa.
vivência do compartilhamento no proces- Um dos elementos fundamentais no suces-
so. Num primeiro momento, as produções so desta proposta foi que os alunos-
coletivas foram realizadas em grupos de mestrandos puderam discutir as fases da
três mestrandos. A proposição de trios pesquisa-ensino, desde a problema-
partiu da decisão do grupo, para que hou- tização, as discussões, as produções indi-
vesse melhor qualidade no trabalho. Num viduais e coletivas do quadro referencial
segundo momento, os grupos apresen- até a produção final dos textos. A propos-
taram suas elaborações apresentadas ta foi contratada no grupo e foi discutido o
em disquetes, disponibilizadas para to- que seria realizado em cada fase e qual a
dos os participantes, que possibilitaram responsabilidade de cada componente. O
um trabalho coletivo com o envolvimento trabalho pedagógico foi construído pelo
de todos os trios. grupo e não para o grupo.

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Nesse contexto o aluno é conscien- superação de dualidades propostas no
te da realidade que o cerca, tornando- paradigma cartesiano, entre razão-emoção,
se o sujeito do processo de construção corpo-alma, objetivo-subjetivo e sujeito-ob-
do conhecimento. Esta condição lhe pro- jeto, entre outras.
picia desenvolver características que
serão exigidas dos professores, dos alu- A abordagem holística foi elaborada
nos e de todos os cidadãos no século a partir das obras de Capra (A teia da vida:
21, pois estes terão que ser: reflexivos, uma nova compreensão científica dos sis-
temas vivos, 1996), de Cardoso (A canção
críticos, autônomos, criativos, contem-
da inteireza: uma visão holística da educa-
plando o raciocínio lógico e o espírito de
ção, 1995), de Brandão e Crema (O novo
investigação.
paradigma holístico: ciência, filosofia, arte
A produção do conhecimento deve
e mística, 1991), e da Global Aliance for
atender a uma visão sistêmica, no sentido
Transforming Education – Gate (Educación
que Capra (1996) apresenta como uma 2000: una perspectiva holística, 1991).
visão holística, do todo. A proposição de A abordagem progressista tem como
um paradigma emergente precisa ter como pressuposto central a transformação soci-
pressuposto essencial a formação para a al. Instiga o diálogo e a discussão coleti-
ética, para a justiça, para a paz, a solidari- va como forças propulsoras de uma
edade, com espírito solidário na busca de aprendizagem significativa e contempla
uma sociedade mais justa e igualitária. os trabalhos coletivos, as parcerias e a
participação crítica e reflexiva dos alu-
nos e dos professores. Os docentes que
A produção do conhecimento optam por uma abordagem progressis-
sobre as abordagens ta, como intelectuais transformadores
(Giroux, 1997), promovem "processos de
inovadoras num paradigma mudança manifestando-se contra as in-
emergente justiças sociais, as atitudes antiéticas, as
injustiças políticas e econômicas. Num
O intercâmbio de informações, a processo dialógico, instigam seus alunos
coletivização e a organização pelos pró- a buscar soluções que permitam aos ho-
prios mestrandos das produções indivi- mens uma melhor qualidade de vida"
duais e coletivas permitiram construir os (Behrens, Moran, Masetto, 2000, p. 91).
quadros sinópticos das abordagens. A A pesquisa da abordagem progressis-
discussão crítica com os mestrandos, re- ta envolveu, principalmente, as obras de
ferente aos conhecimentos teóricos e Paulo Freire (Pedagogia da esperança: um
práticos pesquisados permitiu eleger reencontro com a pedagogia do oprimido,
como relevantes três grandes aborda- 1992; Pedagogia da autonomia: saberes
gens para pesquisa: a progressista, o necessários à prática educativa , 1997;
ensino com pesquisa e a visão sistêmica. Medo e ousadia: o cotidiano do professor,
Nesse contexto foi proposta a aliança 1987), e de Giroux (Os professores como
destas abordagens: intelectuais transformadores: rumo a uma
A visão sistêmica ou holística busca a pedagogia crítica da aprendizagem, 1997).
superação da fragmentação do conheci- O ensino com pesquisa pode provo-
mento, o resgate do ser humano em sua car a superação da reprodução para a pro-
totalidade, considerando o homem com dução do conhecimento, com autonomia,
suas inteligências múltiplas, levando à for- espírito crítico e investigativo. Considera o
mação de um profissional humano, ético aluno e o professor pesquisadores e pro-
e sensível. Segundo Behrens, Moran e dutores dos seus próprios conhecimentos.
Masetto (2000, p. 92): Segundo Behrens (1996, p. 79-80):

O mundo moderno não autoriza um pro-


A visão holística busca a perspectiva
fissional a ter sucesso e competência, se
interdisciplinar, superando a fragmentação,
não for um investigador/pesquisador per-
a divisão, a compartimentalização do co-
manente na sua área. Assim, os conteú-
nhecimento. O processo educativo numa
dos transmitidos nas universidades não
abordagem holística implica aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a con- são suficientes para a vida profissional
viver, aprender a aprender, aprender a ser. dos estudantes. A proposta de apren-
Nesse contexto de múltiplas aprendiza- der a aprender abre a visão de que a
gens, leva em consideração processos de educação não tem fim, renova-se dia a

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dia e avança rapidamente numa soci- na educação, 1993), de Cunha (Relação e
edade moderna, provocando um pro- pesquisa, 1996), e de Behrens (Formação
cesso ininterrupto de atualização. A continuada dos professores e a prática pe-
instrumentalização do 'aprender a apren- dagógica, 1996).
der' acompanha o profissional e abre ca- Apontadas como tendências relevantes
minho para acessar a universalização da para compor o paradigma emergente, con-
conquista da ciência e das técnicas. vém apresentar a elaboração dos quadros
referenciais produzidos pelo grupo de
Para pesquisar a abordagem do ensi-
mestrandos, mediados pela professora-co-
no com pesquisa, foram utilizadas, princi-
palmente, as obras de Demo (Educar pela ordenadora da pesquisa. Alerta-se que, em-
pesquisa, 1996; Educação e qualidade, bora apresentado separadamente, em todos
1994a; Pesquisa e construção do conheci- os momentos foi reforçada a idéia de que o
mento: metodologia científica no caminho paradigma emergente exige uma intercone-
de Habermans, 1994b; Desafios modernos xão dos referenciais das três abordagens.

Quadro 1 – Ensino com pesquisa


(continua)

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(continuação)

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(conclusão)

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Quadro 2 – Paradigma holístico
(continua)

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(continuação)

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(conclusão)

Quadro 3 – Abordagem progressista


(continua)

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(continuação)

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(continuação)

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(conclusão)

A prática pedagógica refletida: porque os docentes os fazem seus de al-


um sonho possível guma maneira: em primeiro lugar, interpre-
tando-os, para depois adaptá-los... Apenas
na medida em que cada um tenha claro
A construção dos referenciais funci-
esses projetos e essas idéias, pode ser um
onou como articulação para a discussão
profissional consciente e responsável.
crítica e reflexiva sobre os pressupostos
levantados e as decorrências meto-
Os professores atribuem significados
dológicas desencadeadas por eles. Ao
e aprendem a partir das suas experiências
produzir essas contribuições individuais
e coletivas, os participantes puderam de- vivenciadas como aluno envolvido em pro-
cesso de formação continuada e como
tectar, visualizar e se conscientizar sobre
professor, em suas atividades cotidianas
a caracterização de suas ações pedagó-
gicas. O fato de construir os referenciais em sala de aula. Nesse contexto, Myzukami
e Rodrigues (1996, p. 61) propõem:
levou os docentes envolvidos a refletirem
sobre sua função docente e os instigou a
A premissa básica do ensino reflexivo
buscarem novas possibilidades para de-
considera que as crenças, os valores, as
senvolver metodologias inovadoras em
suposições que os professores têm so-
seus espaços de sala de aula.
bre ensino, matéria, conteúdo curricular,
A pesquisa se tornou rica e significa-
alunos, aprendizagem, etc. estão na
tiva, pois possibilitou aos envolvidos no
base de sua prática de sala de aula. A
processo refletirem sobre o papel do pro-
reflexão oferece a eles oportunidade de
fessor na prática pedagógica e como sua
se tornarem conscientes de suas cren-
opção paradigmática de ensino se reflete
ças e suposições subjacentes a essa
no trabalho educativo. Discutiram, anali-
prática. Possibilita, igualmente, o exame
saram e refletiram sobre o paradigma
de validade de suas práticas na obten-
emergente e a possibilidade de reconstruir
ção de metas estabelecidas. Pela refle-
suas práticas pedagógicas.
xão eles aprendem a articular suas pró-
Acredita-se que a síntese dos referen-
prias compreensões e a reconhecê-las
ciais levantados para cada abordagem é
em seu desenvolvimento pessoal.
parcial e provisória, mas resgatar a teoria
e a prática possibilitou colocar em discus-
A proposta de buscar a teoria para ca-
são a ação docente de cada professor en-
racterizar os paradigmas e a discussão e
volvido no processo. Segundo Sacristán
e Gómez (1998, p. 9): reflexão sobre as produções individuais e
coletivas possibilitou aos professores envol-
Sem compreender o que faz, a prática pe- vidos a oportunidade de rever sua prática e
dagógica é mera reprodução de hábitos vislumbrar novos caminhos para a reflexão
existentes, ou respostas que os docentes sobre a ação docente. Esse processo foi
devem fornecer à demanda e ordens ex- desencadeado graças à proposta meto-
ternas. Se algumas idéias, valores e proje- dológica desenvolvida na pesquisa que
tos se tornam realidade na educação é possibilitou a elaboração de produções de
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conhecimento que foram se configuran- entender por que mudar, dificilmente vai al-
do como o inter-relacionamento dos fios terar sua ação docente. A pesquisa permi-
de um tecido, firme e articulado. A pro- tiu perceber que o fato de o professor/
posta buscava a conexão de várias cor- mestrando estar envolvido num processo
rentes que pudessem ser aliadas para de formação continuada e numa pesquisa
compor pressupostos pedagógicos rele- não garante a mudança de sua prática pe-
vantes que viessem provocar o profes- dagógica, mas o provoca a refletir sobre sua
sor para reconstruir sua ação docente. ação docente.
Com essa perspectiva, Myzukami e O desafio de mudar o paradigma da
Rodrigues (1996, p. 63) defendem: abordagem pedagógica proposta em
sala de aula depende da superação dos
Professores geram quadros referenciais paradigmas conservadores e da grada-
ao longo de suas interações com as pes- tiva inserção do paradigma emergente,
soas e com aspectos das instituições nas
que nesse momento histórico, vem se co-
quais trabalham, de forma que as novas
concepções resultantes não são nem in- locando, se interconectando e se recons-
teiramente determinadas pelo contexto, truindo a partir do paradigma vigente.
nem inteiramente escolhidas por eles. A Cabe ressaltar que não se trata de anu-
reelaboração dos quadros referenciais lação do paradigma conservador na prá-
do professor constitui, nesse contexto, tica pedagógica, pois seria irreal pensar
uma mediação entre teoria e prática re- na transposição de um paradigma para
velando, de um lado, novos significados o outro como um passe de mágica. O
da teoria e, de outro, novas estratégias processo de transição precisa ser consi-
para a prática.
derado, pois, durante a pesquisa, alguns
mestrandos manifestaram a preocupa-
O processo de produção do conhe-
ção de não abandonar por completo al-
cimento na busca de um paradigma
gumas atitudes docentes que vinham ca-
emergente na prática pedagógica foi be-
neficiado pelas parcerias colaborativas, racterizando sua prática.
pois, para Giovani (1998, p. 54), O desafio da mudança de paradigma
depende diretamente da reflexão, da bus-
quer sejam efetivados sob forma de pro- ca de uma nova ação docente e do prepa-
jetos de pesquisa, quer se efetivem sob ro teórico-prático do professor. Outros fa-
forma de ações de intervenção, reside tores interferem nesse processo, dentre
na vivência de um processo ou metodo- eles aponta-se como relevante: o espaço
logia que 'contagia ânimos', leva à toma- para formação continuada; o atendimento
da de consciência, promove a busca de pedagógico para orientar a nova metodo-
conhecimento e desencadeia a ação logia; o acesso à bibliografia; o material
transformadora.
para trabalhar em sala de aula; a utiliza-
ção de laboratórios de informática; a dis-
Na realidade, as mudanças vão gradati-
cussão da nova proposta e a aceitação dos
vamente sendo construídas, contemplando
alunos; a criação de espaço para discus-
o posicionamento enquanto pessoa, pro-
são e reflexão do grupo de professores que
fessor e profissional. Mas nesse momento,
atuam na escola e o preparo dos gestores
o posicionamento paradigmático adquiriu
grande importância, pois se o professor não para entenderem a nova proposta, entre
outros. Esses fatores precisam ser avalia-
dos e dimensionados pelo grupo de pro-
fessores e gestores envolvidos no proces-
so de renovação da prática pedagógica.
O alerta cabe aos docentes de todos
os níveis de ensino. Todos podem tornar a
sala de aula um espaço de aprender a
aprender, um espaço privilegiado para re-
alizar pesquisa que contribua de maneira
efetiva com suas próprias práticas peda-
gógicas e com a daqueles professores/
profissionais que se predispõem a buscar
uma transformação continuada competen-
te e significativa.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999. 401
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Recebido em 11 de novembro de 1999.

Marilda Aparecida Behrens, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo (PUC-SP), é professora titular do mestrado em Educação da
PUC-PR, coordenando a linha de pesquisa Teoria e Prática da Educação Superior.

Abstract
The experience acquired with higher educators concerned with the search of
innovative paradigms for their pedagogical practices assisted the development of a
research-action. This investigation contemplated both an individual and a collective
reflection by the teachers. Its objective was to offer a methodological assistance in
surpassing the Cartesian paradigm that has been characterizing their conservative teaching
actions. With the aim of overcoming the knowledge reproduction, a process of critical
positioning about teaching was unchained. The readings, discussions and positions
conducted in building up the characterization of an innovative paradigm for the classroom.
The paradigm entitled as emergent was proposed as an alliance among a progressive
approach with a holistic view and the teaching with research. Although separately
presented, the teachers had the clarity that they were interconnected and had, as essential
assumptions, the whole view and the reality transformation.

Keywords: pedagogical practice; teacher formation; emergent paradigm; innovative


methodologies; knowledge production; university teaching.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999. 403

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