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SAHLINS, Marshall.

La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como


cultura. In: Cultura na prática. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

1. Marshall Sahlins considera que o materialismo histórico é uma


“autoconsciência da sociedade burguesa”, falhando na compreensão do lugar
que o sistema significativo ocupa na práxis. Qual é a linha argumentativa do
autor?

Tomando por base o materialismo histórico, o qual segundo o autor, estaria


por ignorar o sistema significativo, código cultural de propriedades definidas, que
por sua vez acabam por afirmar a utilidade dos produtos. Assim sendo, ao tratar a
produção apenas como uma espécie de processo natural e realista de satisfação
das necessidades. Portanto, mesmo se arriscando com um conluio junto a própria
economia burguesa, partindo do pressuposto que a estrutura dessa economia é o
resultado de uma determinada racionalidade e de um comportamento prático, em
vez de ser na verdade uma organização cultural de relações e objetos que acabam
por se realizar por intermédio das respectivas ferramentas de mercado, ou seja,
um lógica inconsistente, exposta por meio das decisões oriundas no preço.

2. Apesar de atacar o que ele considera um substrato utilitarista do materialismo


histórico, Sahlins resgata aspectos do pensamento de Karl Marx. Você
consegue perceber qual a apropriação e qual a crítica?

Com relação ao utilitarismo, o autor afirma que, a forma como a economia


e a própria sociedade ocidental como um todo é entendida: um campo de ação
claro que da prioridade a maximização material. Assim sendo, as vantagens para
os produtos, acabam por assumir a forma de um valor pecuniário incrementado,
e, portanto, para os consumidores, o retorno se dá por meio da utilidade proposta
por esta mercadoria e a própria funcionalidade destes novos produtos. Para
Sahlins, essa busca “racional” da satisfação material é responsável por produzir
as principais conexões políticas e de classes, bem como, criar a próprio ponto de
vista vigente de homem e de natureza.

3. Para demonstrar que a produção é, antes de tudo, uma “intenção cultural”,


Marshall Sahlins recorre ao exemplo das categorias de comestibilidade,
descrevendo nossa relação com quatro espécies: cães, cavalos, porcos e bois.
Que critérios norteiam essas relações e o que têm a ver com preferências e
tabus alimentares nos Estados Unidos?

Segundo o autor, os comportamentos, apontados no texto, da sociedade


burguesa, mesmo obedecendo uma certo objetividade e racionalidade, tem na
verdade por trás desta racionalidade um simbolismo. Grupos e homens
manifestam-se de maneiras diferentes, desta maneira, mostrando que o esquema
não é único, pois as finalidades e ordens são diferentes. Tudo isso, é fruto das
seleções culturais, que acabam por torná-las necessárias, são diversas.
Sahlins, ainda ressalta que, a natureza humana é soberana:

“os homens não sobrevivem simplesmente. Eles se


reproduzem como certos tipos de homens e mulheres,
classes sociais e grupos, não como organismos biológicos
ou agregados de organismos (populações)”. (Pag. 168)

Dentro ainda do mesmo contexto, ele dialoga com Marx, citando uma
passagem de “A ideologia alemã”:

“Esse modo de produção não deve ser considerado com


sendo simplesmente a reprodução da existência física de
indivíduos. É uma forma definida de atividade desses
indivíduos, uma forma definida de expressas suas vidas,
um modo de vida definida por parte deles” (pag. 168).

Assim sendo, sem o consumo o objeto não se completa, uma casa


desocupada não é uma casa, da mesma forma o valor do bem não pode ser
mensurado por seu nível de desejo ou necessidades, o autor, ainda sugeri que, os
homens não produzem habitação ou abrigo, eles na verdade produzem unidades
específicas, ou seja, para ele, a produção é uma intenção cultural.
Durante sua análise do sistema de alimentação americano, o qual, possui a
carne como elemento central, ele ressalta a recusa da própria sociedade em comer
carne de cachorro, gato ou cavalo, mesmo que pela lógica nutricional e
especialmente econômica a utilização destes como fonte de alimento seria
perfeitamente viável. Pois, segundo o autor, a produção de carnes desses animais,
seria mais barata e a qualidade nutricional deste também não deveriam ser
menosprezadas. Portanto, o autor, demonstra que a comestibilidade do cachorro,
gato ou cavalo, por exemplo é cultural, conforme citação:
“Os custos de oportunidade da nossa racionalidade
econômica são uma formação secundária, uma expressão
de relacionamentos já estabelecidos por outro tipo de
pensamento, calculados a posteriori, dentro dos limites
de lógica de ordem significativa” (Pag. 171)

Como o cachorro é considerado um membro da família, “o melhor amigo


do homem”, o que torna seu consumo quase inviável, proibitivo. O autor,
considera a América a terra do cão sagrado, fazendo uma interlocução com a
própria Índia, onde a vaca é sagrada e, portanto, as pessoas se recusam a alimentar-
se de sua carne.
No mesmo momento do texto, o autor, ainda ressalta que, neste mesmo
sistema americano de alimentação, dentro de suas classificações de consumo, o
cachorro estaria em uma extremidade e a vaca em outra completamente oposta,
contudo, o cavalo ficaria mais ou menos no meio, pois seu consumo mesmo não
sendo comum ainda é aceitável. Para Sahlins, esta diferença está diretamente
vinculada ao fato de a comestibilidade estar atrelada com a humanidade, ou seja,
quanto mais próximo do humano, menor será seu consumo. Segundo ele, mesmo
dentro de uma lista de animais passíveis de serem consumidos, há uma escala de
“prestígio”. Ele cita como exemplo, que a carne de boi é de mais prestígio que a
carne de porco, desta maneira, ele justifica tal afirmação, explanando que os
porcos estão mais próximos da sociedade humana, já que estes vivem em currais
e comem restos de comida humana.
4. A mesma lógica de pensar a comestibilidade em relação à humanidade está
presente na discussão sobre o consumo de diferentes partes dos animais. Que
diferenciações operam nesse caso? Qual a aproximação que o autor propõe
entre tais classificações e a lógica do “operador totêmico” discutida por Lévi-
Strauss?

Ao invocar o conceito de “totemismo”, Sahlins, faz uma analogia com o “pensée


suavage” de Strauss, ressaltando que para que Strauss, o totemismo se limitava
apenas a alguns lugares marginais ou mesmo práticas ocasionais de nossa
sociedade, já que segundo ele:

“o operador totêmico”, articulando diferenças na série


cultural com diferenças na espécie natural, não é mais um
elemento principal do sistema cultural” (pag. 176)

Assim sendo, Sahlins, questiona se estes “operador totêmico” não teria sido
substituído por espécies e variedades de objetos de produtos manufaturados:

“como categorias totêmicas têm o poder de fazer mesmo


da demarcação de seus proprietários individuais um
procedimento de classificação social” (pag. 176)

Neste momento, o autor, chama a atenção para a criação de uma ordem totêmica
pelo esquema simbólico de comestibilidade, em conjunto com as relações de produção,
que une o status de pessoas com o que elas comem.
Para Sahlins, a racionalidade do mercado não nega o totemismo moderno:

“Ao contrário, é promovido precisamente na medida em


que valor de troca e consumo dependem de decisões de
utilidade” (pag. 177)

Isso se deve, ao fato de que essas decisões dependem da significação social de contrastes
concretos entre produtos.
Concluindo, o autor, nos leva à um estranhamento no que tange o comportamento de
nossa sociedade burguesa e acaba por nos mostrar que não é só racionalidade econômica, mas
também o simbolismo, que acaba por definir este sistema.

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