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Diante dos avanços dos Estudos Surdos, campo teórico que desenvolve pesquisas
sobre a surdez e cultura surda (QUADROS & SCHMIEDT, 2006), a deficiência auditiva
vem sendo vista a partir de uma perspectiva sócio-antropológica (SKLIAR, 1997)3, o
que concede ao indivíduo surdo direitos que não possuía, como, por exemplo, ter a
Libras como primeira língua.
O processo educacional passa a incorporar também essas noções. O Bilinguismo,
prática pedagógica que defende o uso da Libras como primeira língua (L1) e do
Português como segunda língua (L2) na educação de surdos, surge desse
reconhecimento da necessidade de proporcionar a inclusão efetiva do surdo na escola.
Essa relação entre Libras e Língua portuguesa (LP) em sala de aula pode tornar-
se complexa quando o professor não possui conhecimento necessário para instruir seu
aluno no processo de aprendizagem.
É necessário que o professor entenda como são realizadas as operações de leitura
e escrita do aluno surdo para poder avaliá-lo corretamente segundo critérios específicos,
que serão explicitados mais adiante neste texto.
O primeiro contato com o texto de uma pessoa surda causa espanto à maioria dos
falantes das línguas orais. Isso acontece porque o ouvinte imagina que o surdo tenha o
Português como língua materna ou mesmo que domine esse idioma, já que passou por
anos de escolarização. O professor deve compreender que, devido às diferenças de
modalidades e outros aspectos entre a Libras e o Português, este idioma torna-se opaco
em certos aspectos para a maioria dos sujeitos surdos, mesmo após anos de
escolarização. Svartholm (1998), citado por Salles et all. (2007), diz que
Aquisição de linguagem
As crianças surdas que têm pais surdos adquirem a Libras (ou outras línguas de
sinais) da mesma forma e no mesmo espaço de tempo que as crianças ouvintes adquirem
o Português. Vários estudos compararam a aquisição de línguas orais com aquisição de
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Doutora em Linguística Aplicada, professora da Faculdade de Letras da UFMG.
2
Aluna do curso de Graduação em Letras da UFMG, revisora da disciplina Fundamentos de Libras online.
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Ambas as obras foram citadas por Silva e Castanheira, no prelo (parte de dissertação de Mestrado em
elaboração).
línguas de sinais (LILLO-MARTIN, 1999; MEIER, 1991; NEWPORT & MEIER, 1985)
e os resultados sugerem que os mecanismos psicológicos, linguísticos e neurológicos
utilizados na aquisição de linguagem não são específicos para a fala ou para a audição,
mas são os mesmos na aquisição de línguas de sinais (EMMOREY, 2002: 169).
Os bebês que estão adquirindo línguas de sinais (surdos e ouvintes, ambos filhos
de surdos) balbuciam tanto oral quanto manualmente. Na verdade, diversos estudos
sugerem que tanto os bebês expostos às línguas de sinais quanto os bebês expostos
somente a línguas orais balbuciam nas duas modalidades (PETITTO & MARENTETTE,
1991; PETITTO, 2000; MARENTETTE & MAYBERRY, 2000). O balbucio manual
caracteriza-se pelo abrir e fechar de uma ou ambas as mãos, total ou parcialmente, em
sequências repetitivas. O mesmo movimento de abrir e fechar é encontrado no balbucio
oral, acrescido da vocalização proporcionada pela saída de ar dos pulmões. A diferença é
que os bebês cujos pais são ouvintes não desenvolvem uma língua de sinais por não
serem expostos a uma, cessando o balbucio manual em certo ponto. Da mesma forma, os
bebês cujos pais são surdos substituem as configurações de mão do balbucio por
configurações de mão utilizadas na língua de sinais dos pais, e aqueles que são surdos
cessam o balbucio oral por não terem um retorno linguístico oral (não ouvem a própria
voz e nem a voz dos pais).
Diferentemente das crianças surdas filhas de pais surdos, as crianças surdas que
têm pais ouvintes somente são expostas a uma língua de sinais efetiva após 6 ou 7 anos
de idade, isso se tiverem contato com surdos que sejam sinalizadores (crianças mais
velhas ou surdos adultos) ou se os professores utilizarem a Língua de Sinais no ensino.
Ainda hoje, existem muitas pessoas que acreditam que, se as crianças surdas aprenderem
a Língua de Sinais, elas serão incapazes de adquirirem a língua oral, o que não é
verdade. As crianças que são privadas da aquisição de uma linguagem efetiva têm uma
interação social muito pobre, o que resulta em consequências sérias ao seu
desenvolvimento cognitivo.
O desenvolvimento normal da linguagem depende de interações bem sucedidas
com a família, os amigos e a comunidade em geral. Crianças surdas de pais ouvintes,
que não têm alguém com quem interagir efetivamente e se engajar numa relação de troca
de informações significativas desde muito cedo em suas vidas, serão prejudicadas no
desenvolvimento das ferramentas necessárias às interações sociais.
Vygotsky afirma que “o desenvolvimento da lógica na criança é uma função
direta de sua fala socializada (ou de sua capacidade de comunicar-se socialmente)”
(VYGOTSKY, 2000: 94). Se uma criança tem limitações na sua oportunidade de
adquirir e desenvolver linguagem, seu crescimento intelectual estará comprometido.
Interações sociais tornam possível à criança obter o máximo do seu potencial, mas ela
necessita de uma linguagem com a qual possa interagir com as pessoas à sua volta.
Por não ser uma aquisição natural, as crianças surdas que são somente oralizadas
demoram muito a adquirir a fala e o processo, além de ser demorado, é bastante penoso
para a criança. Para que uma criança que é surda profunda aprenda a falar algumas
palavras, são necessários vários anos de treinamento intensivo.
Muitos estudos têm demonstrado que quanto mais cedo a criança surda é exposta
a uma língua de sinais, mais chances ela terá de alcançar um melhor desenvolvimento
linguístico, comparável a falantes nativos de línguas orais. Emmorey (2002: 218) cita os
resultados das pesquisas de Singleton (1989) e Singleton & Newport (2004), os quais
sugerem que “mesmo a sinalização pobre e primitiva de pais não-nativos conduze a
criança (surda) a uma habilidade quase nativa, desde que ela seja exposta
suficientemente cedo”. Esses estudos analisaram um garoto surdo filho de pais surdos
que não eram falantes nativos de ASL (Língua de Sinais Americana) e que tinham
muitas falhas em sua sinalização. Na escola que ele freqüentava, também não havia bons
modelos de ASL, já que a língua usada em sala de aula era o Inglês Sinalizado4, uma
variante de ASL utilizada com propósitos educacionais. A sinalização desse garoto foi
superior à de seus modelos e, embora não tivesse nenhum contato com ASL, ele
desenvolveu estruturas linguísticas similares àquelas usadas por sinalizadores nativos de
ASL.
Vários estudos também mostram que surdos sinalizadores que são expostos bem
cedo a línguas de sinais são melhores leitores e têm um nível de letramento superior
àqueles que adquirem a Língua de Sinais mais tarde. Chamberlain & Mayberry (2000)
fazem uma revisão de diversos estudos nesse sentido e fazem elas mesmas novos
estudos sobre leitura e compreensão de linguagem e concluem que “a habilidade na
utilização da língua de sinais mostrou efeitos positivos no entendimento da língua
sinalizada e na compreensão da leitura (em inglês)”.
Imagine uma criança surda, proveniente de uma família de ouvintes que não
conhece nada sobre surdez ou sobre línguas de sinais e que, apesar de serem carinhosos
e atenciosos com essa criança, não conseguem ter uma comunicação efetiva com ela. Ao
chegar à escola, essa criança:
o Precisa lidar com as relações interpessoais – ela precisa compreender o que a
professora quer lhe transmitir, assim como relacionar-se com os colegas
(ouvintes ou surdos como ela).
o Precisa interagir com os materiais e adequar-se às rotinas acadêmicas – a maioria
das crianças surdas das classes menos favorecidas chega à escola sem dominar
conceitos básicos de higiene e sem limites, pois muitos pais têm “pena” de
corrigir os filhos que são considerados “doentes”. Essa criança deve se
conformar com a cultura e as rotinas da escola, que, muitas vezes, são bem
diferentes das rotinas de casa.
o Precisa aprender todos os sinais comunicativos à sua volta e suas relações com o
significado – as professoras e mesmo outras crianças tentarão comunicar-se com
ela, referindo-se a assuntos apropriados à sua idade, mas que ela geralmente
ainda não tem conhecimento. Essa criança se vê face a face com o desafio de
tentar extrair significado de todos os sinais comunicativos à sua volta. Ninguém
irá usar uma linguagem simplificada, como a que é usada com bebês, o que
poderia facilitar a sua aquisição de linguagem.
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Existem diversos sistemas artificiais nos Estados Unidos (todos conhecidos como MCE – Manual
Communication English) usados com o propósito de se ensinar inglês aos surdos. Esses sistemas utilizam
os sinais próprios da ASL com a gramática do inglês (o que já é totalmente inadequado e às vezes chega a
ser incompreensível para as crianças), e alguns também acrescentam elementos próprios do inglês (como
verbos de ligação, preposições, conjunções, que não existem como elementos lexicais na ASL, mas que
fazem parte da gramática dessa língua na forma de movimentos específicos, direcionamento do sinal, etc.).
adquirir a Libras o quanto antes. O uso da Libras irá proporcionar uma comunicação
efetiva da criança com seus pares surdos e com os ouvintes (que deverão também
aprender essa língua).
É importante ressaltar que a Libras é um instrumento, uma forma de
comunicação efetiva para a educação da criança. Através dessa língua, ela poderá ter
acesso aos diversos conteúdos escolares, sendo inclusive utilizada no ensino do
Português, que deverá ser adquirido como L2. Dessa forma, a criança não precisa
primeiro aprender o Português para então aprender as outras disciplinas.
Quadros e Schmiedt (2006) afirmam que existem dois recursos apropriados para
se ensinar o Português aos surdos através da Língua de Sinais: o relato de histórias e a
produção de literatura infantil em sinais. Contar histórias faz parte da cultura surda, tanto
que, nas rodas de conversa, é comum encontrarem-se dois ou mais sujeitos surdos
contando piadas. Algumas piadas procuram mostrar características próprias da intensa
visualidade dos surdos, contrastando com a importância da audição para os ouvintes;
outras mostram os ouvintes como tolos por não conseguirem perceber as coisas como os
surdos.
Lane, Hoffmeister & Bahan (1996), comentando sobre a cultura surda, afirmam
que há um princípio de etiqueta entre eles que poderia ser resumido como: “Sempre diga
as coisas de forma a facilitar a comunicação”. Isso porque compartilhar a informação é
grandemente valorizado pela comunidade surda. Observe que os surdos têm muito
menos acesso à informação que os ouvintes. Mesmo sem querer, as notícias chegam aos
nossos ouvidos nos ônibus, pela TV, rádio ou por comentários de vizinhos. Esse acesso à
informação é extremamente dificultado aos surdos, por não ouvirem. Por isso, os surdos
no mundo inteiro têm o costume de manter uns aos outros informados sobre os
acontecimentos. Isso geralmente tem sido muito mal interpretado pelos ouvintes, que
consideram “fofoca”. Mas o compartilhar as informações não só respeita a regra de
etiqueta “facilitar a comunicação”, mas também promove unidade entre os membros da
comunidade.
A aquisição de uma L2, como seria a aquisição do Português escrito para os
surdos, tem como ponto de partida a aquisição de uma experiência linguística prévia, ou
uma L1 na qual ele seja fluente. Levando-se em consideração que a criança surda
normalmente só tem acesso à Língua de Sinais após entrar na escola, é necessário que
ela adquira fluência nessa língua para que ela possa adquirir uma L2. Essa criança não só
precisa ser exposta a vários tipos de histórias (reais, do dia-a-dia ou contos infantis
sinalizados), como precisa ela mesma ser incentivada a contar suas próprias histórias
espontaneamente, de forma a garantir-lhe fluência. O letramento é a condição e o ponto
de partida para que o surdo possa adquirir a língua oral e esse letramento pode ser
alcançado primeiro na Língua de Sinais, para que possa ser incentivado na língua escrita.
Quadros e Schmiedt (2006) afirmam que a “produção de sinais artística (contos,
relatos, poemas em sinais) não obteve a atenção merecida na educação de surdos, uma
vez que a própria língua de sinais não é a língua usada nas salas de aula pelos
professores. Dessa forma, estão se reproduzindo iletrados em sinais” (grifo nosso). Por
isso, elas sugerem que, para que a alfabetização de surdos seja efetiva, é preciso resgatar
a utilização da Língua de Sinais nas salas de aula, e também a literatura dos surdos,
tendo os surdos adultos como parte integrante e ativa nesse processo.
A escrita do surdo
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Resumo da piada: Um surdo consegue carona com um motorista ouvinte. Na viagem, o motorista fica
com sono e pede para o surdo dirigir. Este começa a dirigir em alta velocidade e a polícia começa a
persegui-los. Ao parar o veículo, o policial tenta conversar com o surdo que está no volante, mas, não
conseguindo estabelecer comunicação, libera os dois. O motorista volta para a direção. Vendo o que se
passara, ele decide correr também e, se fosse parado, diria que era surdo. Outra viatura persegue o veículo.
O motorista imita o surdo, mas, dessa vez, o policial sabia a língua de sinais e aplica a multa.
(Fonte: SALLES et all., 2007, pg 126)
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Não cabe, neste texto, fazer-se estudo mais detalhado dos textos dos surdos, ficando, esses, a título de
exemplificação.
• LÍNGUAS
Sugere-se que o ensino de línguas para surdos seja contrastivo. Deve-se pautar o
tratamento da segunda (ou terceira) língua na análise dos elementos específicos desta
em contraste com os elementos da Língua de Sinais: o que há de comum entre o
Português e a Libras? O que há de diferente entre o Inglês (ou Espanhol) e a Libras?,
por exemplo.
• MATEMÁTICA, ARTES, GEOGRAFIA, HISTÓRIA
O canal visual é a principal forma de contato do surdo com o mundo. É através dele,
também, que o aprendizado escolar deve basear-se. Formar conjuntos de lápis de cor
pode ser uma ferramenta interessante de ensinar o conceito de conjunto a seus
alunos. Mapas, gráficos e figuras são ótimos auxiliares quando se trata de alunos
surdos. A aula de artes pode sugerir uma atividade interdisciplinar com todas as
outras disciplinas, elaborando, os próprios alunos, os materiais dos quais o professor
necessitará em suas aulas. Excursões e estudos de campo também podem render
bons frutos.
• BIOLOGIA, QUÍMICA, FÍSICA
Sabe-se que a canal visual é o maior meio de aprendizado do indivíduo surdo.
Porém, não é o único. O tato e o olfato devem ser, também, explorados pelo
professor. Levar os alunos ao laboratório de Ciências pode ser uma forma excelente
de enriquecer a aula. Tocar e cheirar as plantas no jardim da escola ou no parque da
cidade e até mesmo as substâncias do laboratório, também.
Convém lembrar que são apenas sugestões, ficando o professor responsável pela
elaboração das aulas e dos materiais, respeitando as especificidades linguísticas e de
aprendizagem de seu (s) aluno (s) surdo (s).
Conclusão