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Direito Comercial

Marlon Tomazette - Aula 8

Brasília, 21 de março de 2019.

I - Cooperativas

II - Transformação

III - Incorporação

IV - Fusão

V - Cisão

VI - Relações Societárias

- Participações

- Grupos

- Consórcios

VII - Dissolução

- Causas

- Liquidação

- Extinção

VIII - Títulos de Crédito

- Conceito

- Funções

- Típicos x Atípicos

- Princípios

* Cartularidade

* Literalidade

* Autonomia

- Inoponibilidade
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- Abstração

* Independência

* Formalismo

- Classificações

* Natureza

* Estrutura

* Prestação

* Modelo

* Circulação

Cooperativas

(2:07) Dando sequência a nossa, estamos estudando o último tipo societário da nossa
legislação, que são as sociedades cooperativas. Falta apenas 1 tópico e 1 notícia complementar.

Qual é a responsabilidade dos cooperados pelas dívidas da cooperativa? Esse


assunto, hoje, é tratado pelo art. 1.095, CC (ele saiu da lei especial).

Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos


sócios pode ser limitada ou ilimitada.

§ 1o É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio


responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas
operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas
operações.

§ 2o É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o


sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

E esse artigo diz que o estatuto da cooperativa tem 2 formas possíveis de fixar a
responsabilidade.

A 1ª alternativa é a que o CC chama de responsabilidade ilimitada. Nessa 1ª opção,


os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelos prejuízos da cooperativa. Se o estatuto for por
esse caminho, os cooperados têm responsabilidade solidária e ilimitada. Não é um caminho que se
usa muito. O que mais se usa é a 2ª opção.

A 2ª alternativa o CC chama de responsabilidade limitada. De acordo com o art.


1095, nessa 2ª hipótese de responsabilidade limitada, os cooperados respondem por suas quotas e
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pelos prejuízos da cooperativa na proporção da sua participação nas atividades. Eles respondem
então por suas quotas e pelos prejuízos, mas não de forma solidária, e sim de forma proporcional à
sua participação na atividade. É isso o que acontece agora na Unimed Brasília, onde estão cobrando
os prejuízos da Unimed dos cooperados na proporção das suas participações nas atividades. Isso vai
dar muito trabalho, porque a definição dessa proporção não é algo simples.

É importante saber para efeitos práticos, mas esse não é um tema muito comum em
provas - a princípio o estudo das cooperativas pára aqui. Mas o Prof. Tomazette traz um acréscimo
que tem a ver com as cooperativas que é a Súmula 602, STJ.

Súmula 602, STJ. O Código de Defesa do Consumidor é


aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades
cooperativas.

Prof. Tomazette discorda dessa súmula. Essa súmula diz que nas cooperativas
habitacionais é aplicável o CDC, na relação entre a cooperativa e o cooperado. [Para o Prof.
Tomazatte, se o sujeito é cooperado, ele é sócio e não consumidor]. Mas, é fato que houve um
desvirtuamento das cooperativas habitacionais no Brasil. E um dos maiores exemplos está no DF
em Águas Claras, o problema que as cooperativas deram lá ao longo de muito tempo. De toda
forma, é importante deixar isso registrado, porque é uma súmula recente (2018) que tende a ser
cobrado, principalmente como consumidor.

Encerrado o estudo das cooperativas agora, estudamos 9 tipos de sociedades, sendo


que 7 delas eram personificadas. Para essas 7 sociedades personificadas (simples, nome coletivo,
comandita simples, limitada, SA, comandita por ações e cooperativa) existem algumas regras que
são comuns (itens II a VII acima). Embora seja tratado na Lei das SA’s em grande parte, vale para
todas as sociedades personificadas - de transformação até a dissolução total.

Transformação

Já que existem 7 tipos societários, será que se eu escolher um tipo, tenho que ficar
com esse tipo para sempre? Ou será que posso mudar de um tipo societário para outro?

A resposta é que pode sim mudar. E a operação que faz isso, que realiza essa
mudança de tipo societário, é chamada de transformação que está nos arts. 220 a 222 da Lei das
SA’s. E nos arts. 1.113 a 1.115 do CC.

SEÇÃO I - Transformação

Conceito e Forma
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Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade


passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.

Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que


regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.

Deliberação

Art. 221. A transformação exige o consentimento unânime dos


sócios ou acionistas, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso
em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade.

Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social,


ao direito de retirada no caso de transformação em companhia.

Direito dos Credores

Art. 222. A transformação não prejudicará, em caso algum, os


direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus
créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes
oferecia.

Parágrafo único. A falência da sociedade transformada somente


produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam
sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e
somente a estes beneficiará.

Código Civil

Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou


liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição
e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.

Art. 1.114. A transformação depende do consentimento de todos


os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá
retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato
social, o disposto no art. 1.031.

Art. 1.115. A transformação não modificará nem prejudicará, em


qualquer caso, os direitos dos credores.

Parágrafo único. A falência da sociedade transformada somente


produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam
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sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e


somente a estes beneficiará.

Pouca coisa, porque a ideia é muito simples. A transformação nada mais é do que a
alteração do tipo societário. Exs.: uma Limitada vira uma SA; uma sociedade em nome coletivo vira
sociedade Ltda; e o mais comum é de SA para Ltda. Mas nada impede que ocorra entre os outros
tipos.

A ideia é simplesmente mudar o tipo


societário, a pessoa jurídica continua a ser a mesma. Não há
A = A
mudança da personalidade, mas há mudança do
formato.

Nome coletivo Ltda

É a mesma sociedade, mas com outro formato, com outra roupagem jurídica.

Na prova de Juiz do TJDFT, já perguntaram justamente se a transformação só era


cabível de limitada para SA. Não! Não tem esse limite. A transformação é cabível entre todas as
sociedades personificadas.

Por se tratar da mesma pessoa jurídica, a nossa legislação diz que a transformação
não prejudica aos direitos dos credores. Os credores anteriores à transformação não perdem seus
direitos em razão dessa operação. Prejudicar os credores, ela não prejudica.

Imagine uma sociedade em nome coletivo, com responsabilidade solidária e


ilimitada. E se transforma em uma limitada. Dizer que os credores não são prejudicados, é dizer que
os credores de antes da transformação podem continuar a responsabilizar os sócios de forma
solidária e ilimitada. Eles não têm diminuição dos seus direitos; valem os direitos que eles tinham
na época da dívida.

A lei só proíbe prejuízo, benefício pode ter. A operação de transformação não pode
prejudicar os credores, mas pode até beneficiar.

Embora não prejudique os credores diretamente, a transformação tem um grande


efeito sobre os sócios. Os sócios têm seu regime jurídico de direitos, deveres e de responsabilidade
alterados na transformação. Em razão disso, a nossa legislação diz que o quórum para aprovar a
transformação, é um quórum de unanimidade. É um das raras hipóteses de unanimidade que se tem
na legislação.
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A regra é ser unânime, mas se já está prevista a transformação no contrato social ou


no estatuto, basta a decisão da maioria, porque a unanimidade foi anterior. (13:17)

Fora isso, não há maiores problemas na operação de transformação. Além da


transformação que envolve apenas 1 sociedade que muda apenas de forma jurídica, existem outras
operações que envolvem 2 ou mais sociedades, e que por isso alguns autores chamada mutações
societárias, que são a incorporação, cisão e fusão. São regras comuns para as sociedades
personificadas, e envolvem 2 ou mais sociedades gerando uma mutação societária.

Esse assunto é comum em provas, mas basicamente a diferença conceitual entre as 3


operações é o que se costuma cobrar em provas.

Os conceitos dessas 3 operações estão em sequência na Lei das SA’s.

Incorporação

Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais


sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e
obrigações.

§ 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar


o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e
realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e
nomear os peritos que o avaliarão.

§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o


protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos
necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da
incorporadora.

§ 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo


de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à
primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.

Fusão

Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais


sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos
e obrigações.

§ 1º A assembléia-geral de cada companhia, se aprovar o


protocolo de fusão, deverá nomear os peritos que avaliarão os patrimônios
líquidos das demais sociedades.
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§ 2º Apresentados os laudos, os administradores convocarão os


sócios ou acionistas das sociedades para uma assembléia-geral, que deles
tomará conhecimento e resolverá sobre a constituição definitiva da nova
sociedade, vedado aos sócios ou acionistas votar o laudo de avaliação do
patrimônio líquido da sociedade de que fazem parte.

§ 3º Constituída a nova companhia, incumbirá aos primeiros


administradores promover o arquivamento e a publicação dos atos da fusão.

Cisão

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere


parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse
fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de
todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que


absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos
e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as
sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida
sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos
direitos e obrigações não relacionados.

§ 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade


nova, a operação será deliberada pela assembléia-geral da companhia à vista de
justificação que incluirá as informações de que tratam os números do artigo
224; a assembléia, se a aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do
patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembléia de constituição da
nova companhia.

§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade


já existente obedecerá às disposições sobre incorporação (artigo 227).

§ 4º Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida,


caberá aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do
seu patrimônio promover o arquivamento e publicação dos atos da operação; na
cisão com versão parcial do patrimônio, esse dever caberá aos administradores
da companhia cindida e da que absorver parcela do seu patrimônio.

§ 5º As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da


companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas,
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na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer


aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

O conceito legal é mais detalhado, mas podemos sintetizá-los aqui.

Incorporação

Na ideia da incorporação
temos a absorção de uma
sociedade BR por BB outra. Uma sociedade
B
passa a ser um BB pedaço de outra.

+ =

Na incorporação, uma sociedade chamada de incorporada desaparece e a outra


sociedade, chamada de incorporadora, tem um aumento de capital social. Incorporada some e
incorporadora aumenta. É literalmente uma sucessão universal nesse caso. Tudo que era da
incorporada passa a ser da incorporadora – direitos, deveres, obrigações,… Essa operação em geral
é uma operação vantajosa, de aumento de tamanho, de aumento de patrimônio.

Apesar disso, os credores que se sentirem prejudicados têm 90 dias para pedirem a
anulação da operação.

Art. 1.122, CC. Até noventa dias após publicados os atos


relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado,
poderá promover judicialmente a anulação deles.

§ 1o A consignação em pagamento prejudicará a anulação


pleiteada.

§ 2o Sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a


execução, suspendendo-se o processo de anulação.

§ 3o Ocorrendo, no prazo deste artigo, a falência da sociedade


incorporadora, da sociedade nova ou da cindida, qualquer credor anterior terá
direito a pedir a separação dos patrimônios, para o fim de serem os créditos
pagos pelos bens das respectivas massas.
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É difícil acontecer porque o credor tem que provar prejuízo. A Lei das SA’s também
tem um assim, mas fala em 60 dias, e por isso se entende que o CC prevalece. É difícil de aplicar,
mas o credor prejudicado tem 90 dias para pedir a anulação da operação.

A ideia da incorporação é pura e simplesmente essa. É um procedimento demorado


porque envolve avaliações de patrimônio, que vão gerar justamente esse aumento no capital social
da incorporadora. Mas é uma operação, a princípio, muito simples e burocrática em termos de Junta
Comercial.

Fusão

Na Europa e nos EUA, fusão e incorporação são tratadas de forma única. No Brasil
que é diferente. A fusão é a aglutinação de 2 ou mais sociedades formando uma nova. A ideia da
fusão e semelhante à d incorporação, mas a diferença é que as 2 sociedades desaparecem e formam
uma nova pessoa jurídica. Ex.: Antártica + Brahma = AMBEV. Eram 2 pessoas jurídicas separadas
que se fusionaram e formaram Ambev. Ex2.: Sadia + Perdigão = Brasil Foods.

De novo, a ideia é de crescimento/expansão, porque se soma 2 sociedades para


formar outra. Apesar disso, vale aquela regra de que os credores prejudicados têm 90 dias para pedir
a anulação.

Essas 2 operações são muito próximas. Elas envolvem uma ideia de concentração
empresarial e, se atenderem aos limites de valor da lei, têm que submeter ao CADI para apreciação
prévia, como aconteceu nesses exemplos falados.

Cisão

Além dessas 2 operações que envolvem uma concentração, temos a figura da cisão
que a princípio, é o inverso. A cisão é o desmembramento total ou parcial de uma sociedade. Pelo
próprio conceito, percebe-se que a cisão tem 2 realidades – uma cisão total e uma cisão parcial.

* Cisão Total - a sociedade cindida deixa de existir e transfere seu patrimônio para
pelo menos 2. A = B + C. Tem que ser para pelo menos 2, porque se for para 1 só, é incorporação;
para ser cisão tem que dividir em pelo menos 2 sociedades.

Aqui, na cisão total, a regra é que haverá solidariedade entre as sociedades que
receberam o patrimônio pelas dívidas anteriores à cisão.

Apesar da solidariedade, vale a regra do art. 1.122, CC - credores têm 90 dias para
pedir a anulação da operação desde que demonstrem o prejuízo.

Aluno: As duas sociedades têm que ser novas?


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Professor: Podem ser já existentes. Tanto faz. A diferença,


seja nova ou seja já existente, é que o patrimônio que for transferido vira
capital social. Não entra livre no patrimônio da outra, entra como capital
social.

* Cisão Parcial - é uma figura bem comum, bem utilizada na prática até em
negócios menores. Aqui, a sociedade anterior continua a existir e transfere seu patrimônio para pelo
menos 1. Detalhes essenciais: a cindida continua a existir e parte do seu patrimônio é transferida
para outra sociedade. A = A + B.

Isso é muito usado para resolver briga de sócio. Ex.: Família Venâncio. Shopping ID
e Venâncio 2000 foram divididos por meio de uma cisão parcial. É uma operação simples de
divisão de patrimônio entre os sócios. Tem que ser por acordo, depende da vontade das partes.

Outra utilização da cisão é para segregação das atividades. Às vezes 1 pessoa jurídica
exerce sozinha muitas atividades diferentes. E essa fato, de várias atividades estarem no mesmo
CNPJ, pode aumentar os custos daquela pessoa jurídica, especialmente os custos tributários, porque
se somar os regimes e ultrapassar os 78 milhões de reais por ano, entra no lucro real e nem sempre
isso é vantajoso, a depender da sociedade. Em razão disso, algumas sociedades usam uma operação
de cisão parcial para segregar as atividades. Ex.: a CTIS fez isso. Ela tinha a loja/comércio, tinha
prestação de serviços, um serviço de impressão de grande porte e uma terceirização de mão de obra
especializada em TI. Com a cisão, eles dividiram a pessoas jurídica em 4 pessoas jurídicas
diferentes. A antiga ficou com o comércio e criaram 3 outras novas com as outras atividades. Tanto
foi assim que a que fez o comércio foi vendida, teve seu controle vendido, que hoje é a Prime Tech.
É uma prática comum, não só pela vantagem que se tem, mas pela própria ideia de organização
melhor das atividades.

E uma outra finalidade que nem sempre está funcionando bem, mas judicialmente se
consegue esse resultado é o que chamamos de “limpar o CNPJ”. Se a pessoa jurídica tem problemas
para licitar, por exemplo, por alguma mancha no seu CNPJ, é prática corriqueira que ela faça cisões
parciais, transferindo os atestados de capacidade técnica para outras pessoas jurídicas, e permita que
essas outras pessoas jurídicas participem de licitações. Essa prática já foi considerada legítima pelo
TCU e pela jurisprudência que entendeu que como a lei permite a criação da nova pessoa jurídica, a
autonomia das pessoas jurídicas geraria esse efeito.

Aluno: Pode dar azo a várias irregularidades. (30:45)

Professor: Sim. É uma margem que se tem. Aí é caso a caso. Se


você demonstrar o intuito fraudulento, o prejuízo, você pode anular a operação
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por fraude contra credores. Aí não é aquela de 90 dias. Mas é muito difícil
afastar.

A cisão parcial, então, é uma operação muito frequente por conta da utilidade que
tem. Já que a sociedade continua existindo, como ficam as obrigações dela? Ficam só com ela?
Ficam dividida meio a meio? Ficam com solidariedade? Esse assunto é tratado pelo art. 233 da Lei
das SA’s. Esse artigo diz que em regra haverá solidariedade entre a cindida e a que recebeu
patrimônio pelas dívidas anteriores à cisão. Só que o mesmo art. 233 diz que as sociedades
envolvidas na cisão podem afastar essa solidariedade.

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as


sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão
solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida
que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão
solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as


sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão
responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem
solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer
credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde
que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da
publicação dos atos da cisão.

Na prática, o Prof. Tomazette nunca achou uma solidariedade na cisão parcial.


Nesses casos de não haver solidariedade, e aqui não precisa provar o prejuízo, os credores podem se
opor a operação em 90 dias. Não é ação, é uma notificação.

Essa notificação não impede a cisão em si, mas restabelece a solidariedade para
aquele credor que se opôs. Mas tem uma sacanagem: é 90 dias contados da publicação no diário
oficial. Quem lê isso? Passou esse prazo não tem mais como se opor.

Naturalmente, isso é uma regra geral. Tem se entendido hoje que não se pode excluir
a solidariedade, ou seja, sempre haverá solidariedade nas obrigações trabalhistas, tributárias e nos
atos lesivos à Administração Pública (Lei 12.846/2013 - lei anticorrupção). Nessas 3 dívidas não
importa o que as partes disseram - haverá solidariedade entre cindida e a que recebeu patrimônio.

Aluno: Essas 3 formas, tirando a transformação, … (inaudível


35:15)?
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Professor: Quóruns diferenciados. Na SA maioria absoluta; na


Ltda, fusão e incorporação 75%; e no resto maioria simples.

Aluno: Nessa caso não é ação, mas todos os outros aquele prazo
de 90 dias é uma ação?

Professor: Aquele prazo de 90 dias é uma ação. A do art. 1.122


é ação. A do art. 233 da Lei das SA’s é mera notificação, é direito potestativo
de oposição.

Em todas essas operações aqui, a gente acaba tendo transferência de patrimônio. E,


eventualmente, nessas 3 operações, pode-se transferir imóveis ou mercadorias de uma pessoa para
outra. Incide imposto nessas operações sobre transmissão de imóveis e sobre circulação de
mercadorias - ITBI ou ICMS, conforme o caso? Resposta é não. Mas a fundamentação é um pouco
diversa. Em relação aos imóveis há uma imunidade tributária das operações que envolvam
transmissão de imóveis para fusão, incorporação e cisão (art. 156, §2º, CF).

Art. 156, CF. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato


oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais
sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua
aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.


155, II, definidos em lei complementar. […]

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos


incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital,
nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão,
incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a
atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens
ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II - compete ao Município da situação do bem.

E no caso do ICMS a hipótese é de não incidência. Porque houve circulação jurídica,


mas não houve circulação econômica das mercadorias (art. 3º da LC 87/96).

Art. 3º, LC 87/96. O imposto não incide sobre:


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I - operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado


a sua impressão;

II - operações e prestações que destinem ao exterior


mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-
elaborados, ou serviços;

III - operações interestaduais relativas a energia elétrica e


petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele
derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;

IV - operações com ouro, quando definido em lei como ativo


financeiro ou instrumento cambial;

V - operações relativas a mercadorias que tenham sido ou que se


destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço
de qualquer natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto
sobre serviços, de competência dos Municípios, ressalvadas as hipóteses
previstas na mesma lei complementar;

VI - operações de qualquer natureza de que decorra a


transferência de propriedade de estabelecimento industrial, comercial ou de
outra espécie;

VII - operações decorrentes de alienação fiduciária em garantia,


inclusive a operação efetuada pelo credor em decorrência do inadimplemento
do devedor;

VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida


a venda do bem arrendado ao arrendatário;

IX - operações de qualquer natureza de que decorra a


transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras.

Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o inciso


II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o
exterior, destinada a:

I - empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro


estabelecimento da mesma empresa;

II - armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.

Aluno: Não houve circulação…?


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Professor: Econômica. Não mudou a fase da produção. É a


lógica invertida daquela súmula 166, STJ. Se circulou entre estabelecimentos
da mesma pessoa jurídica não incide, porque teve circulação econômica, mas
não teve circulação jurídica. Para o ICMS precisa dos 2.

Súm. 166, STJ. Não constitui fato gerador do ICMS o simples


deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo
contribuinte.

Essas operações acabam envolvendo mais de 1 sociedade e geram mudanças muito


relevantes na estrutura da sociedade: ou desaparecem, ou têm patrimônio diminuído, ou têm capital
aumentado, em cada caso. Além dessas operações, existem algumas outras operações que não
geram mudanças tão radicais, mas que são muito importantes também entre as várias sociedades
personificadas. Essas outras operações chamaremos de relações societárias.

Relações Societárias

Aqui também estamos falando de 2 ou mais sociedades, mas sem mudanças tão
relevantes quanto as das mutações societárias. As relações societárias dividem-se em 3 espécies:
participações, grupos societários e consórcios.

Participações

Nas participações estamos dizendo apenas que 1 sociedade é sócia da outra. Quando
1 sociedade tem ações ou quotas do capital da outra, estamos diante de uma participação entre
sociedades.

Questão que nos interessa e que é objeto de muitas provas: a depender do tamanha
dessa participação, ela recebe uma qualificação própria e traz regras próprias. E aqui falamos de 3
figuras que são: controle, coligação e a simples participação. arts. 1.098, 1.099 e 1.100, CC.

* Controle - não é definido de forma percentual. Se diz que uma sociedade tem
controle da outra, cria uma relação de controlada e controladora, se ela tiver preponderância nas
Assembleia Gerais (voto vencedor) e se ela eleger a maioria dos administradores. No Brasil, quase
sempre, estamos falando de alguém que tem mais da metade dos votos. Mas na lei não é correto
dizer isso. Na lei o que importa não é a quantidade de votos, mas esses 2 fatores: a preponderância
(voto vencedor nas Assembleias) e eleição da maioria dos administradores. Ex.: lojas Renner -
pessoa jurídica que tem uma relação de controle, que é uma pessoa jurídica, tem só 13% do capital.
Porque as outras ações estão tão espalhadas entre tanta gente, que ele com 13% consegue mandar e
consegue eleger a maioria dos administradores.
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Art. 1.098. É controlada:

I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria


dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores;

II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente,


esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades
ou sociedades por esta já controladas.

* Coligação - pessoa que não consegue mandar na outra sociedade, mas tem
uma participação relevante. A coligação é quando a participação é de pelo menos 10% sem mandar.
Se tiver 13% e mandar é controle. Aqui na coligação tem que ter pelo menos 10% e não mandar na
outra sociedade. E aí diz-se que essas sociedades são coligadas. Isso aconteceu por muito tempo
entre a Globo e a Sky. A Globo tinha 24% do capital da Sky. Ex.: Tinha uma participação relevante,
mas não mandava. Havia uma coligação entre elas. Hoje essa coligação não existe mais. O que
importa é esse conceito de coligação: há referência de percentual e falta de poder de comando.

Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital


outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem
controlá-la.

Mas, na lei das SA’s existe um outro conceito que está no art. 243, §1º. Na lei das
SA’s o conceito usado é o de influência significativa, sem definir percentual. O cuidado que se
precisa ter e que esse conceito da Lei das SA’s só é usado para a elaboração das demonstrações
financeiras da SA. Para as outras finalidades esse conceito não é usado. Ex.: a lei anticorrupção usa
a figura da coligação para prever uma responsabilidade solidária. Não se usa para essa finalidade o
conceito da Lei das SA’s, usa o conceito do CC. Ex2.: o CDC no art. 28, §4º fala em coligadas, para
essa finalidade usa-se o conceito do CC. Só para as demonstrações financeiras que é preciso o
conceito da Lei das SA’s. Ex.: a CEB é coligada de Corumbá 3 e de Corumbá 4, por conta da
influência significativa do (inaudível 46:30). Em razão disso, as demonstrações financeiras da CEB
precisam ter informações especiais de Corumbá 3 e 4.

Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os


investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e
mencionar as modificações ocorridas durante o exercício.

§ 1o São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha


influência significativa. […]
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* Simples Participação - é aquela menor que 10% do capital votante (é assim


que está na lei). É a única vez que a qualificação dos conceitos faz referência à capital votante.
Parece um erro do CC, mas não traz maiores problemas, uma vez que capital não votante para as
SA’s e aí, se é simples participação não tem nenhuma relevância. Prova do Juiz DF perguntaram
sobre uma participação de 9%, o que ela seria dentre essas opções, e ela seria uma simples
participação.

Art. 1.100. É de simples participação a sociedade de cujo capital


outra sociedade possua menos de dez por cento do capital com direito de voto.

Então, as participações nada mais são do que isso, uma sociedade tem quotas ou
ações de outra, podendo controlá-la, ser coligada ou ser uma simples participação. As participações
são comuns e são muito importante, só que nossa legislação, como regra geral, veda as
participações recíprocas (art. 1.101, CC). Ex.: Globo e Sky. A Globo tem 24% do capital da Sky.
Como regra, a Sky não pode ter nada do capital da Globo. Ex2.: A sendo sócio de B, B não pode ser
sócio de A.

Só que o próprio artigo que proíbe a participações recíprocas, abre exceções, que têm
a ver com dinheiro livre na sociedade. Se a sociedade tiver dinheiro livre (lucros ou reservas), as
participações recíprocas são admitidas dentro desses valores, até o valor dos lucros ou reservas.
Raramente dá problemas, mas já foi objeto de algumas questões de provas.

Art. 1.101. Salvo disposição especial de lei, a sociedade não


pode participar de outra, que seja sua sócia, por montante superior, segundo o
balanço, ao das próprias reservas, excluída a reserva legal.

Parágrafo único. Aprovado o balanço em que se verifique ter


sido excedido esse limite, a sociedade não poderá exercer o direito de voto
correspondente às ações ou quotas em excesso, as quais devem ser alienadas
nos cento e oitenta dias seguintes àquela aprovação.

As participações são tão interessantes que tem sociedades que se dedicam a isso, que
são chamadas de Holding. (50:12) Sua atividade principal é ter participações. Pode até ter outras
atividades, mas a principal é ter participações.

Grupos Societários

Além das participações, as relações societárias podem se tornar um pouco mais


complexas formando os chamados grupos societários. Os grupos societários nada mais são do que
reunião de sociedades sob uma direção única. Várias sociedades estão sob a mesma direção e por
isso elas formam um grupo. E aí não importa se esse grupo tem uma convenção que o regulamente.
17

A nossa jurisprudência e doutrina reconhecem tanto os grupos de direito, que são aqueles que têm
um instrumento formal, quanto os grupos de fato, que apenas há um comando comum, uma direção
única para várias sociedades. Ex.: grupos Sílvio Santos, que é curioso porque é concentrado na
pessoa física, que inclui o SBT, a Liderança Capitalização, a Jequiti e os Hotéis Jequitimar (tem
mais coisa ainda). Um dos grandes grupos societários que temos no Brasil é o Grupo Itaú. O Itaú,
por incrível que pareça, é parte de um grande conglomerado. Estão no mesmo grupo do Itaú, a
Decca (louças e metais sanitários), a Duraflor (faz piso laminado) e há alguma participação na Porto
Seguro (seguradora). É um grupo grande.

A configuração como grupo, a princípio, não traz maiores questões, uma vez que o
grupo nem é pessoa jurídica. O grupo é uma realidade, é essa reunião que não é personificado. Não
sendo personificado, o grupo não tem direitos e obrigações. Os direitos e obrigações são de cada
uma das integrantes. Mas, excepcionalmente, há comunicação de obrigações entre as integrantes do
grupo. A regra geral, é que cada integrante tenha suas obrigações separadas. Mas em 4 hipóteses
existe a comunicação de responsabilidades entre as integrantes.

1) Danos ao consumidor - art. 28, §2º do CDC estabelece que nos grupos societários
a responsabilidade é subsidiária. Ou seja, há uma ordem a seguir. O consumidor tem que cobrar 1º
da que causou o dano. Se ela não pagar, ele pode cobrar das outras integrantes do grupo. Ex.:
consumidor sofreu um dano por uma torneira da Decca. Ele tem que cobrar 1º da pessoa jurídica
Decca. Só se ela não pagar é que pode direcionar para o Itaú. Nesse caso, então, responsabilidade
subsidiária.

Art. 28, § 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e


as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste código.

(56:34) Nos outros 3 casos a responsabilidade será solidária.

2) Débitos trabalhistas - art. 2º, §§2º e 3º da CLT.

Art. 2º, § 2o  Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora,


cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção,
controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada
uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis
solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

§ 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de


sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do
18

interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das


empresas dele integrantes. 

3) Infrações à ordem econômica (cartéis, preços predatórios, dominação de


mercados) - art. 33 da Lei nº 12.529/2011.

Art. 33. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou


entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo
menos uma delas praticar infração à ordem econômica. 

4) Débitos previdenciários - art 30, IX da Lei nº 8.212/91. [Para o Prof. Tomazette


esse dispositivo é inconstitucional formalmente. Para ele, débito previdenciário é débito tributário e
essa solidariedade só poderia vir por lei complementar. O STF nunca enfrentou esse artigo, mas em
uma caso similar, ele disse que precisaria ser por lei complementar - RE 562276 que declarou
inconstitucional o art. 13 da Lei nº 8.620, e aí nesse julgado o STF dizia que solidariedade é só por
lei complementar].

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de


outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes
normas: […]

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer


natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta
Lei;

Aluno: O grupo por ser uma realidade, é preciso que alguma das
sociedades tenha registro no Brasil?

Professor: Não precisa. Configuração é bem aberta por conta


dos grupos de fato. Se for grupo de direito aí precisa ter registro aqui.

Tirando essa briga, não há responsabilidade por obrigações tributárias. STJ já


pacificou que o simples fato de ser grupo não gera responsabilidade solidária (REsp 1340385). O
que pode gerar responsabilidade solidária? O fato. Se todos os integrantes do grupo praticaram o
fato gerador, eles são solidários, porque todos são contribuintes – art. 124, I, CTN – não é pelo fato
de ser grupo. Ou nos casos de desconsideração (Resp 1775269/2019) – e aqui é necessário o
incidente de desconsideração mesmo nas execuções fiscais. O incidente não é necessário para as
figuras dos arts. 134 e 135 do CTN (responsabilidade pessoal dos sócios ou administradores), mas
para os grupos societários vai aplicar a desconsideração, e aí será necessário o IDPJ.

Consórcios
19

A expressão ‘consórcios' têm várias aplicações. Estamos falando aqui de consórcios


de sociedades. Tem conceito no art. 278 da Lei das SA’s. Apesar de estar na Lei das SA’s é uma
regra comum.

Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o


mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado
empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as


consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo
contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade.

§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais,


subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura
tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de
consórcio.

E lá os consórcios são definidos como reunião de sociedades para executar


determinado empreendimento. Não importa se a direção é comum ou não, o que importa é o objeto
da reunião. Exemplos mais clássicos envolvem obras públicas. Houve um consórcio entre Via
Engenharia e Camargo Corrêa para construir o Estádio Nacional de Brasília. A ideia é sempre de
um objeto definido. A grande pergunta em muitas provas: Consórcio é registrado na junta
comercial, tem CNPJ, mas não é uma pessoa jurídica, por opção do legislador. Ele poderia ser
claramente uma pessoa jurídica, mas o legislador preferiu dizer que ele não é, mesmos sendo
registrado e mesmo tendo CNPJ. É o próprio art. 278 que diz isso.

Não sendo uma pessoa jurídica, de novo ele aquela questão: o consórcio não tem
direitos e obrigações. Os direitos e obrigações são das consorciadas. A princípio vale o que ficar
combinado entre elas no instrumento de constituição do consórcio. Se elas quiserem estabelecer
solidariedade, pode. Se quiserem dividir as obrigações, pode. As consorciadas têm liberdade para
definir isso. Mas em 4 casos haverá solidariedade:

1) Débitos trabalhistas;

2) Licitações;

3) Danos ao consumidor;

4) Retenção de tributos federais.

Fora desses 4 casos, vale o que está combinado entre as consorciadas.


20

No caso, é muito comum que os consórcios participem de licitações. Mas se for uma
PPP (Parceria Público Privada), o consórcio não pode assinar o contrato. Ele pode participar do
certame, mas para assinar o contrato ele tem que constituir uma SPE (sociedade de propósito
específico). É uma exigência da Lei das PPP’s. Qual a diferença entre a SPE e o Consórcio? A SPE
é pessoa jurídica, tem direitos e obrigações próprias. Não vale a regra das consorciadas. Ex.:
Centrad (Centro Administrativo de Tailândia - Taguatinga e Ceilândia). Na licitação, o consórcio
era formado por Via Engenharia e Odebrecht. Só que, como é uma PPP, essas 2 pessoas jurídicas,
tiverem que criar uma nova pessoa jurídica chamada Centrad SA. E foi essa pessoa jurídica que
assinou o contrato de concessão administrativa. Em termos práticos, a diferença é importante na
responsabilização, mas a mesma finalidade vai ser cumprida pelos 2 institutos. É que, como as
PPP’s, geralmente, envolvem contatos de longo prazo, se exige uma certa estabilidade naquela
contratação. Por isso se exige uma pessoa jurídica própria para a contratação.

As regras comuns, a princípio, tratam dessas operações entre sociedades. Mas,


também acabam sendo comuns as regras sobre o fim da sociedade. Não temos capítulo específico
aqui, mas as regras do CC e as regras da Lei das SA’s são muito parecidas. Por isso, aqui, podemos
tratar a dissolução total como uma coisa só para todas as sociedades personificadas.

Dissolução Total

A dissolução total é o procedimento que visa ao encerramento da sociedade, ao


encerramento da pessoa jurídica. É ‘procedimento’ porque é algo que demora. [1:12:38 a 1:13:24 O
GDF tem 2 dissoluções totais que andam há mais de 20 anos e ainda não acabaram (SAB -
Sociedade de Abastecimento de Brasília, que era um supermercado que tem o DF como
controlador; e a Proflora que é uma sociedade de reflorestamento que tem o DF como controlador).
Ninguém demora tanto assim - esses processos começaram em 1991 e 1996 e até hoje essas pessoas
jurídicas ainda existem].

Importante ressaltar que durante esse procedimento a pessoa jurídica ainda existe.
Não se pode dizer que acabou a pessoa jurídica durante o procedimento. A pessoa jurídica só acaba
o final do procedimento.

E esse procedimento tem como marca inicial, alguma das causas de dissolução
previstas na lei ou no contrato social ou no estatuto.

Causas

São muitas causas de dissolução, que estão nos arts. 1.033 e 1.034 do CC e art. 206
da Lei das SA’s. Dependendo do jeito que se organizar, são 7 ou 8 causas de dissolução na lei, além
das causas previstas contratualmente. Estamos falando aqui de acordo, decurso de prazo,
21

deliberação da maioria se a sociedade for por prazo indeterminado, unipessoalidade além dos 180
dias do CC (além das 2 AGO’s), e por aí vai.

Código Civil

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e


sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se
prorrogará por tempo indeterminado;

II - o consenso unânime dos sócios;

III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade


de prazo indeterminado;

IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo


de cento e oitenta dias;

V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o


sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da
sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas
Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual
ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que
couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a


requerimento de qualquer dos sócios, quando:

I - anulada a sua constituição;

II - exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade.

Lei das SA’s

Art. 206. Dissolve-se a companhia:

I - de pleno direito:

a) pelo término do prazo de duração;

b) nos casos previstos no estatuto;

c) por deliberação da assembléia-geral (art. 136, X);


22

d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em


assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à
do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;

e) pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar.

II - por decisão judicial:

a) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por


qualquer acionista;

b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação


proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do
capital social;

c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei;

III - por decisão de autoridade administrativa competente, nos


casos e na forma previstos em lei especial.

Essas causas serão fatos ou decisões judiciais. A causa pode ocorrer de pleno direito
– o simples fato dela ocorrer coloca a sociedade no processo, por exemplo, a deliberação da maioria
dos sócios. Ou pode ser uma decisão judicial, como por exemplo, a anulação da constituição da
sociedade. Todos esses fatos ou decisões judiciais dão início ao procedimento de encerramento.

Liquidação

E a maior parte desse procedimento de encerramento é a chamada liquidação. Tanto


é que as sociedades que estão nesse procedimento, têm que acrescentar a expressão “em liquidação”
no seu nome. Ex.: SAB SA em liquidação.

A liquidação nada mais é do que a apuração do patrimônio da sociedade, pagamento


das dívidas, e partilha do que sobrar. Não parecer ser tão complicado, mas costuma demorar
consideravelmente, especialmente a questão da apuração do patrimônio e o pagamento das dívidas.

Durante essa liquidação, então, a sociedade continua funcionando, mas ela não vai
mais funcionar nas suas condições normais. Ela vai funcionar com outro foco, que é esse: apurar
patrimônio da sociedade, pagar dívidas, e dividir o que sobrar. E dentro deste outro foco, precisa ser
nomeada uma pessoa para praticar os atos pela sociedade dentro dessa nova finalidade, dentro desse
novo foco.

* Liquidante
23

Em outras palavras, durante a liquidação será nomeado um liquidante para agir pela
sociedade. Durante a liquidação não se usa mais os administradores/diretores. O liquidante é quem
age pela sociedade e tem poderemos maiores.

O liquidante pode até vender bens imóveis, algo que os administradores


normalmente não podem, salvo se isso for o objeto da sociedade.

Esse liquidante ou ele é nomeado no contrato social ou pelos sócios ou pelo juiz se
houver divergência. Esse liquidante vai ter essa competência para praticar os atos necessários e vai
ter o dever de prestar contas periodicamente. Como o liquidante age pela sociedade, ele está gerindo
recursos de terceiros, e quem gere recursos de terceiros tem o dever de prestar contas. Na
liquidação, esse dever de prestar contas tem que ser feito periodicamente – período mínimo é 3
meses e o período máximo é 1 ano – vai depender do que for aplicável ao caso.

A última prestação de contas do liquidante é o que encerra essa liquidação, se for


devidamente aprovada. Se não for devidamente aprovado, não encerrou. Vai haver uma ata ou uma
decisão judicial, conforme o caso, que aprova a última prestação de contas. Essa ata da última
prestação de contas será arquivada e publicada, gerando a extinção da pessoa jurídica. É só com
esses últimos atos que a pessoa jurídica acaba. Enquanto não se fizer isso, a sociedade existe ainda
mesmo que não esteja funcionando. E o fato de parar de funcionar sem dar baixa é considerada
tributariamente dissolução irregular, gera responsabilidade dos sócios - art. 134, CTN. O ideal é que
se dê baixa, que se vá a Junta Comercial e se pratique esses atos.

Para fazer isso, para arquivar essa última ata na Junta Comercial, a sociedade/o
liquidante tem que apresentar CND - Certidão Negativa de Débitos Tributários. Ninguém tem isso.
Nesse caso, a LC 123 permite que seja dada a baixa sem CND, mas o fato de fazer isso gera uma
responsabilidade solidária dos sócios por essas dívidas tributárias. Nesse caso tem
inconstitucionalidade? Prof. Tomazette queria que tivesse, mas como é LC é difícil bancar uma
inconstitucionalidade.Já foi questionada incidenter tantum, mas não declararam. De toda forma, o
que interessa aqui é que deu baixa, acabou a pessoa jurídica.

Uma vez encerrada a pessoa jurídica, o que acontece se alguma credor ficou sem
receber? (1:24:46) O que esse credor pode fazer? A lei diz que não pode mais processar a sociedade
porque ela não existe mais. Mas pode processar o liquidante demonstrando que ele agiu com culpa
ou pode processar os sócios. Mas processando os sócios só pode cobrar deles apenas o que eles
receberam na liquidação. Tem um limite para a cobrança dos sócios, que são os valores recebidos
na liquidação.
24

Essas 2 medidas, tanto a ação contra o liquidante quanto a ação contra os sócios
pelos valores que ele receberam prescrevem no prazo de 1 ano da publicação da extinção.

Tem toda uma discussão processual sobre essa questão ainda, mas para gente isso era
o que importante. E com isso encerramos o direito societário.

(1:26:52) Para a 2ª prova a matéria começa agora.

- Títulos de crédito

- Falência

- Recuperação

Títulos de Crédito

É o assunto mais simples, embora seja cheio de detalhes. Mas, mais importante que
isso, considerando os últimos concursos dos últimos 5 anos (prova de juiz), esse é o assunto mais
cobrado, inclusive nas subjetivas. E nesse assunto temos uma importância especial para a
jurisprudência STJ. Tem que dar muita atenção para a jurisprudência do STJ nesse assunto ‘títulos
de crédito’, porque o STJ inova em muita coisa, e vai e volta em muitas outras matérias.

Para estudar títulos de crédito começamos com uma teoria geral e depois vai para os
títulos em espécie. Nos títulos em espécie, o nosso programa só tem letra de câmbio, nota
promissória, cheque e duplicata. Acrescentaremos a CCB (cédula de crédito bancário), que é um
extra que nem pode ser cobrado nas provas da Escola do MP.

(1:29:11) Conceito

Para estudarmos títulos de crédito em geral, precisamos de um conceito de título de


crédito. O conceito que se usa em geral é o conceito de um autor italiano chamado Vivante,
especialmente aqui no Brasil, em que esse conceito é praticamente reproduzido pelo art. 887, CC.

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício


do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando
preencha os requisitos da lei.

TÍTULOS DE CRÉDITO

83. CESPE 05/02/2012 - TJ - PI - Juiz Substituto

De acordo com o Código Civil, o título de crédito, documento necessário ao


exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preenchidos os
25

requisitos legais. Com base nessa informação e na teoria geral dos títulos de crédito, assinale a
opção correta.

a) De acordo com a teoria da emissão, embasada nos estudos de Kuntze, os títulos de


crédito representam obrigações abstratas, porquanto a causa não é essencial à formação do título.

b) Reputam-se abstratos ou perfeitos os chamados títulos representativos, cuja


circulação importa a transferência da mercadoria a que se referem, como o conhecimento de
transporte ferroviário ou marítimo e a duplicata.

c) Consoante o princípio da autonomia, o título de crédito desvincula-se do negócio


jurídico que lhe deu origem, ou seja, questões relativas a esse negócio jurídico subjacente não
afetam o cumprimento da obrigação do título.

d) Enquanto estiver em circulação, só o título de crédito poderá ser dado em


garantia, ou ser objeto de medidas judiciais, e não separadamente os direitos ou mercadorias
que ele represente.

e) O conceito mais clássico de título de crédito, praticamente reproduzido no artigo


887 do Código Civil, foi elaborado por Tullio Ascarelli. [o conceito está certo; o erro está na pessoa
que elaborou o conceito. O correto seria Vivante].

Segundo Vivante, título de crédito é o documentário necessário para exercício do


direito literal e autônomo nele mencionado. No CC se troca ‘mencionado’ por ‘contido’. O conceito
é bem genérico e tem uma razão de ser. Essa realidade dos títulos de créditos é bem ampla. E ela
essencialmente é caracterizada por documentos (podem ser físicos ou eletrônicos), e esses
documentos dão ao seu titular determinados direitos. É um documento físico e eletrônico que
assegura direitos, só que esses direitos têm certa peculiaridade. Não são direitos comuns, são
direitos com certas peculiaridades que visam a favorecer o credor. Nos títulos de crédito toda a
lógica é de favorecimento ao credor. [se tiverem que chutar uma questão de título de crédito,
chutem que o credor tem razão, e que o devedor vai se ferrar].

Funções

Essa ideia genérica veio para cumprir 2 funções. Os títulos de crédito surgiram na
Idade Média dentro da própria lógica do direito comercial e que o direito civil era insuficiente.
Então, surgiram os títulos de crédito para cumprir 2 funções:

1ª Facilitar o exercício do direito; simplificar a vida do credor. Ao invés de precisar


de um processo de conhecimento, ouvir testemunhas, assinaturas, formalidades,… o título de
crédito é mais simples para facilitar a vida do credor. O credor com uma folha de choque na mão,
26

com uma nota promissória ou uma cédula de crédito na mão, consegue exercer seus direitos de
forma mais simples. Mas hoje especialmente, outros documentos também cumprem esse papel. Mas
existe uma 2ª função que só os títulos conseguiram preencher até hoje.

2ª Agilizar a circulação de riquezas. Isso significa que uma pessoa que tem um título
de crédito na mão, para recebe daqui a 90 dias, ela consegue receber parte desse valor antes. Como?
Vendendo, passando o título de crédito para frente, seja no factoring, seja no desconto bancário,
seja na securitização de recebíveis. Essas figuras, essas pessoas só compram o título de crédito e
antecipam uma parte do valor, porque os títulos de crédito têm regras muito próprias de proteção a
esse terceiro que comprou esse título. Ex.: você tem um título de 10 mil pra receber daqui a 90 dias,
você consegue hoje receber 8 mil, 8,5 mil. A riqueza que só chegaria para o credor daqui a 90 dias,
chega hoje. E essa agilização da circulação só é possível com as regras, com as características
próprias dos títulos de crédito.

Outros contratos podem gerar créditos a receber a longo prazo. Mas nos contratos
não se consegue fazer a mesma agilidade de circulação que se consegue fazer com os títulos de
crédito.

As figuras do factoring e do desconto bancário só existem por conta de títulos de


crédito. Se os títulos de crédito não existissem, essas figuras não existiriam e nem haveria
interessados na compra desses créditos representados/corporificados em um título. STJ mudou de
opinião de novo em agosto, mudança favoreceu o credor.

Pensando em cumprir essas 2 funções, o mundo inteiro conhece 3 títulos de crédito:


letra de câmbio, nota promissória e cheque existem em todo o mundo. A letra de câmbio foi
pensada para quando credor e devedor estão em locais distintos; para uma distância física entre
credor e devedor. Tanto é que hoje, ela é usada essencialmente em importações e exportações. A
nota promissória foi pensada para credor e devedor sem essa distância física. E o cheque foi
pensado para usar a segurança do sistema bancário. O cheque realmente diminuiu muito seu uso,
mas no ano de 2018 tivemos compensados 103 milhões de cheques. Então, o número ainda é
relevante. Desses 103 milhões, mais ou menos 2% foram devolvidos, então são potenciais 2
milhões de processos de execução por aí. (1:38:06)

Mas o fato é que esses 3 primeiros títulos que existem no mundo inteiros foram
pensados e entraram para a legislação. São títulos que hoje têm leis próprias que tratam. Cada país,
diante das peculiaridades da sua atividade econômica acabou criando outros títulos (Portugal nem
isso fez, só tem os 3). Mas na Itália, por exemplo, além desses 3, tem mais 3 títulos de crédito. Na
França tem mais 4, na Alemanha tem mais 5. E a ideia foi criar títulos com peculiaridades.
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Títulos Típicos x Títulos Atípicos

No Brasil temos 50 títulos na lei. Temos legislação desde 1850 que que é o bilhete de
mercadoria e conhecimento de transporte marítima até legislação de 2017. São chamados de títulos
típicos, porque eles têm legislação específica. São criados e disciplinados por lei. Nos outros países,
que têm poucos, começou a se discutir a possibilidade de criação dos títulos pelos particulares e não
pela lei. Esses títulos eventualmente criados pelos particulares são chamados de títulos atípicos.
Fora do Brasil isso faz muito sentido, porque tem poucos títulos. E essa discussão chegou no Brasil.

No Brasil, pode ter título atípico? Os particulares podem criar títulos atípicos? A
resposta hoje é sim. Apesar dos 50 se estende que o brasileiro é tão criativo que ainda pode criar
outros. E todos os livros dão um único exemplo de título atípico, título criado por particulares,
porque esse título chegou ao STJ em 12 acórdãos. É um título chamado vaca-papel (representa o
direito de receber gado que tenha colocado em uma parceria pecuária - um parceiro tem o gado e
outro tem o pasto. Entre o gado para o 1º parceiro, e tem direito de receber aquele gado de volta
com o engorda. O título é redigido em arrobas do animal). O título surgiu para que essa pessoa que
tem o direito de receber o gado de volta não precise pegá-lo de volta; mas sim para que possa
vender aquele gado passando o título para frente. A operação foi feita para se ter a figura do
endosso, vendendo aquele título, vendendo consequentemente o direito de receber o gado. Você só
receberia o gado daqui a 6 meses, você vende esse direito de receber o gado antes e recebe
antecipadamente. Funcionou para isso.

O que importa é a diferença dos títulos típicos e atípicos, que tem uma implicação na
legislação. O CC tem um capítulo inteiro sobre títulos de crédito que vai do art. 887 ao art. 926. Só
que esse capítulo tem uma regra de aplicação que está no art. 903.

Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os


títulos de crédito pelo disposto neste Código.

Os 50 títulos típicos têm lei especial. Então, para quê que serve o CC? A
interpretação que se fez e a interpretação hoje é tranquila, o STJ já aplicou (REsp1633399) é que o
CC serve para disciplinar os títulos atípicos. Ex.: vaca papel segue as regras do CC.

E mais, o CC também se aplica aos títulos típicos em caráter supletivo. Ou seja, não
havendo regra especial, usa-se o CC. É muito importante para provas, saber a diferença da aplicação
do CC para típicos e atípicos. Aparece muito a pergunta: é permitido o aval parcial? O CC proíbe
(art. 897, § único). E as leis especiais permitem, como por exemplo, art. 30 da LUG (Lei Uniforme
de Genebra.
28

Art. 897, CC. O pagamento de título de crédito, que contenha


obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.

Parágrafo único. É vedado o aval parcial.

Art. 30, LUG. O pagamento de uma letra pode ser no todo ou


em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por
um signatário da letra.

Último concurso de juiz: é verdade aval parcial do cheque – verdadeiro ou falso? É


falso. O aval parcial é vedado nos títulos atípicos; nos títulos típicos a lei especial permite. E esse
tipo de questão vai se repetir em outros dispositivos do Código Civil.

No último ano perguntaram sobre o aval da pessoa casada. O STJ mudou de ideia.
Em um 1º momento o STJ disse que a exigência de outorga conjugal valia para todos os títulos
(típicos e atípicos). E há pouco tempo voltou a atrás e disse que a exigência da outorga conjugal
(art. 1.647) sé vale para nos títulos atípicos (REsp1633399).

Então, a distinção entre típicos e atípicos é muito importante para provas para
definição da legislação aplicável. A figura dos títulos atípicos em si tem muito pouco uso. O que
importa é saber quando se aplica o CC e quando não aplica.

Embora os títulos tenham regras diferentes, eles são títulos de crédito e se inserem
dentro da mesma ideia. E, por isso, sejam típicos sejam atípicos seguem os mesmos princípios. Os
princípios, na linha do Dworkin, são normas gerais e abstratas que dão coerência ao sistema.
Integrar o mesmo sistema significa seguir os mesmos princípios. Lembrem-se, também na linha do
Dworkin, que os princípios não são regras, no sentido de que você cumpre ou não cumpre. Os
princípios podem sofrer juízo de ponderação; pode mitigar a aplicação dos princípios quando eles
entrarem em choque com outro princípio. Aqui, é essencial, o princípio da boa fé objetiva.

Os princípios específicos dos títulos de crédito vão entrar em choque com a boa fé, e
nesses casos é preciso fazer um juízo de ponderação entre esses princípios sem que eles deixem de
existir.

Princípios

Aqui, vamos seguir a identificação dos princípios do Fábio Ulhoa Coelho e do André
Luiz Ramos. Não é a identificação que o Prof. Tomazette acha melhor para estudar. Serão
apontados 5 princípios, sendo que 1 deles haverá 2 subprincípios (é aqui que Prof. Tomazette tem
discordância). Esse é o caminho mais rápido.
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1) Princípio da cartularidade ou incorporação – não adianta querer substituir


cartularidade por incorporação, porque não é assim que a doutrina e a jurisprudência fazem. A
expressão correta é cartularidade. Esse princípio significa que o documento é necessário para
exercer o direito. De início, sempre que se precisar exercer o direito, tem que mostrar o título. Não
vale cópia nem outros documentos. O grande exemplo de aplicação disso são as 2 regras básicas
para execução de título de crédito e para protesto dos títulos. Art. 798, CPC exige como documento
essencial à execução que se apresente o título. (1:52:03)

Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente:

I - instruir a petição inicial com:

a) o título executivo extrajudicial;

[…]

Resp 1277394

Resp 712334

A jurisprudência é tranquila ao dizer que essa exigência do próprio título é necessária


para os títulos cambiais e não para todos os títulos executivos. É necessária apenas para os títulos de
crédito.

Então, determinado banco foi ajuizar uma execução com base em uma cédula de
crédito bancário e juntou uma cópia autenticada. Qual foi a decisão do juiz diante dessa cópia
autentica? Juiz mandou emendar a inicial, não foi atendia a emenda e o juiz extinguiu o feito. Aqui
no TJDFT, com a cédula de crédito bancário, especialmente, porque o HSBC perdeu as cédulas de
crédito bancário, simplesmente não tem nenhum original. Ele toma pancada em toda execução, por
cont dessa necessidade de junta o original. Em Santa Catarina está acontecendo a mesma coisa.
REsp 1277394 - É um primeiro julgado, mas que ilustra a necessidade do título original. A mesma
ideia vai valer para o protesto, mas aí a gente usa o art. 9º da Lei 9.492/97 que diz que para fazer o
protesto tem que levar o título original no cartório.

Lembrando que estamos falando de um princípio. E esse princípio vem sendo


mitigado pela jurisprudência sempre que não há risco para o devedor pagar 2x. Se o devedor não
tem o risco de pagar aquela mesma dívida 2x, a jurisprudência vem sendo bem flexível nesses
casos. Ex.: se o título original está em uma falência ou está em um inquérito policial, pode executar
com cópia autenticada, desde que demonstre que o origina está lá. (REsp 712334).

Além disso, nos títulos de valor elevado, mesmo antes do PJe a jurisprudência vinha
aceitando que o advogado ou a que a parte assumisse a condição de depositário do título, se
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obrigando apresentar o título em juízo caso houvesse a necessidade de uma perícia ou caso
houvesse o pagamento da dívida. E essa é uma prática muito frequente. E com o PJe a doutrina
entende que isso está presumido – como a parte junta apenas uma digitalização, ela assume o
compromisso de apresentar o original se for necessário. A lei presume esse compromisso, por
questões de boa fé. Evita que haja prejuízo para o credor, mas admite por questões de boa fé
eventuais processos sem a apresentação do original.

Além desses casos, que são construções jurisprudenciais, a Lei das Duplicatas (Lei nº
5.474/68) abre exceções. Nas duplicatas nem sempre precisa dos títulos. Arts. 9º, 13 e 15 abrem
essas exceções e permitem que na duplicata se exerça o direito sem a apresentação do documento
original. Uma das exceções é a duplicada virtual. Duplicata Virtual ≠ Duplicata Escritural
(entenderemos essa diferença mais a frente).

O princípio da cartularidade em si é o mais simples de todos. Ressalta a ideia da


necessidade de apresentação do título.

2) Princípio da Literalidade – é um pouco de decorrência do primeiro. A ideia aqui


é: já que é preciso apresentar o documento, tudo o que interessa, tudo o que importa para aquele
título tem que estar escrito. Então, o valor do título tem que decorrer do que está escrito no
documento. Ex.: não pode ter um título de 10 mil e a pessoa falar que foi combinado verbalmente a
quantia de 18 mil a receber. Nos títulos de crédito vale o que está escrito.

Não pode chegar uma pessoa que tem como devedor fulano, mas o pai do fulano
disse que garantiria, mas não assinou nada. O pai do fulano não pode ser executado. Só pode ser
executada aquela pessoa que assinou o título. Sem assinatura no título não há responsabilidade da
pessoa, ela não se torna devedora. E isso foi cobrado na última prova oral do TJDFT e da mesma
forma, o credor depende do teor do documento. (1:59:39) O credor vai ser aquele identificado no
título como credor ou aquele que recebeu o título por endosso. Se não é o nome dele que está lá e se
não há endosso, ele não tem legitimidade para executar.

Resp 1334464

Aplicando essa lógica da literalidade, o STJ disse que uma assinatura dada fora do
título não valia como obrigação naquele título, mesmo fazendo a ideia de que era a mesma ideia.

REsp 1334464 - No caso aqui, o devedor tinha dado aceite fora do título. O STJ
entendeu que como regra geral, literalidade, se está fora do título, não produz efeitos no título.
Produz efeitos, mas não no título. Vai precisar de uma ação de conhecimento ou de outros
mecanismos. No título só produz efeitos do que está escrito no título.
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Esse princípio também vem sendo mitigado. Na duplicata, por lei, também há
previsões de coisas que não estão escritas no título que produzam efeitos. Na duplicata existe um
aceite que não é escrito no título, que é o aceite presumido.

E além disso, a jurisprudência admite eventualmente que se junte 2 documentos.


Pode-se, eventualmente, complementar o título de crédito com outro documento. Ex.: uma nota
promissória firmada entre 2 partes ficou, no papel, sem data de emissão e isso invalida a nota
promissória como título executivo. Só que junto da nota promissória estava um contrato dizendo
que a nota promissória foi emitida em tal data. O STJ confirmou isso suficiente e permitiu que
fossem juntados os 2 documentos. Isso em última análise é a súmula 27; tem precedentes
específicos, mas tem essa súmula.

Súm. 27, STJ. Pode a execução fundar-se em mais de um


título extrajudicial relativos ao mesmo negócio.

3) Princípio da Autonomia das Obrigações (mais importante e gera mais


questões). A ideia do princípio é simples: as várias obrigações existentes em um título de crédito
são autônomas. Uma obrigação não influencia a outra. Mais diretamente: um devedor não
influencia outro devedor; o direito de um credor não é influenciado pelos credores anteriores.

Para entender melhor a autonomia, é preciso adiantar que a nota promissória é o


título de crédito mais simples de todos. A estrutura da not promissória é a seguinte: A promete
pagar B. Ao assinar a nota promissória, A se tornou devedor. Mas, por qualquer motivo, B pediu
para que X fosse avalista (X assinou o título). B, depois, não quis ficar com o título e endossou para
C que endossou para D; e entre D e C apareceu o Y que foi avalista também – 1 título de crédito
que contém 5 assinaturas. Assinatura de A que é emissão; assinaturas de X e Y que são aval e
assinatura de B e C que é endosso.

Isso, a princípio, não tem exceções. A regra é que todo mundo que assina é devedor.
Em geral, as assinaturas no título de crédito geram obrigações. No exemplo acima, os 5 que
assinaram são devedores, e há solidariedade entre eles, por lei.

Ex2.: Descobre-se que a obrigação do B é nula, porque ele é absolutamente incapaz e


não foi representado. Essa nulidade para B afeta os outros devedores do título? A obrigação de B é
nula, ele não é mais devedor. E os outros devedores, continuam devedores ou sofrem o efeito dessa
nulidade? É aqui que está a autonomia. A autonomia significa que os outros devedores não sofrem o
efeito dessa nulidade. Cada devedor tem que ser analisado separadamente. Não se pode comunicar
vício de um devedor para os ouros.
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A ideia aqui é de, literalmente, separação entre os devedores. O fato de um devedor


ter a obrigação nula, não torna a dos outros nula. O fato de um devedor ter a assinatura falsa, não
atinge a dos outros. As obrigações são autônomas, no sentido de que elas são sempre analisadas
individualmente.

Ex3.: Somente A, B e Y na relação. A assinatura do A (quem criou o título) seja


falsa. B e X ainda são devedores desse título? São devedores desse título. Está separado. Não
importa onde está o vício; cada devedor está separados dos outros.

Art. 7º, LUG. Se a letra contém assinaturas de pessoas


incapazes de se obrigarem por letras, assinaturas falsas, assinaturas de
pessoas fictícias, ou assinaturas que por qualquer outra razão não poderiam
obrigar as pessoas que assinaram a letra, ou em nome das quais ela foi
assinada, as obrigações dos outros signatários nem por isso deixam de ser
válidas. 

Isso é bom para quem no final das contas? Para o credor. Essa é toda a lógica dos
títulos de crédito, e o devedor fica no prejuízo. Lida-se comum jogo de interesses – o credor tem
interesse legítimo de receber e o devedor de interesse legítimo de não pagar. (2:09:28)

Nos títulos de crédito, a bola sempre vai pro lado do credor, desde que esteja de boa
fé. A pedra base aqui é a boa fé do credor. E a autonomia é o exemplo mais clássico disso, de
separação e de proteção ao credor, mesmo diante de vícios de vontade. Não se dá ao credor o direito
de receber da pessoa que falsificou a assinatura, dá-se o direito a receber dos outros. Alguém tem
que ficar no prejuízo. Nos títulos de crédito esse alguém não vai ser o credor – REsp 1321856.

Fabio Ulhoa Coelho e o Andre Luiz Ramos colocam dentro da autonomia 2 sub
princípios.

3.1) Princípio da Inoponibilidade das Exceções Pessoais – esse princípio tem a ver
com o credor. O direito empresarial só protege o credor de boa fé.

Ex.: A – B – C – D. 1º credor da nota promissória foi B, depois que endossou passou


a ser C e depois passou a ser D. Em um título de crédito, então, pode-se ter vários credores
sucessivos, especialmente pelo figura do endosso. Imagine que C seja alguém de má fé que furtou o
título de B e falsificou a assinatura. Se esse C cobrar o título, ele vai ser protegido pelo direito?
Não, porque ele não está de boa fé; ele furtou e falsificou. A prova é complicada, mas não
falaremos sobre isso agora. Mas imaginem que, ciente disso, ele passe o título para D que cobra o
A. A alega que não vai pagar porque o título foi furtado por C. Isso é uma defesa que em termos
processuais também é chamado de exceção, mas que não é oponível ao credor de boa fé. O credor
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de boa fé não é afetado por nada que diga respeito a outras pessoas. A inoponibilidade é a separação
das defesas que podem ser opostas contra o credor.

No caso de credores sucessivos, as defesa são individuais.

Ex.: D cobra o A, e o A diz que não tem que pagar esse título porque o B (credor
original), também o deve, e que vão fazer uma compensação. Esse crédito que ele tem contra B não
vale contra D, que é o credor de boa fé. Os fatos, as defesas terão individuais. A inoponibilidade das
exceções pessoais ao credor de boa fé nada mais é do que separar as defesas cabíveis para cada
credor sucessivo. De novo, proteção extrema ao credor. Isso está no art. 17 da LUG, art. 915 do CC
e art. 25 da Lei dos Cheques. Mas, nada mais é do que esse princípio da autonomia.

Art. 17, LUG. As pessoas acionadas em virtude de uma letra


não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas
com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao
adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Art. 915, CC. O devedor, além das exceções fundadas nas


relações pessoais que tiver com o portador, só poderá opor a este as exceções
relativas à forma do título e ao seu conteúdo literal, à falsidade da própria
assinatura, a defeito de capacidade ou de representação no momento da
subscrição, e à falta de requisito necessário ao exercício da ação.

Art. 916, CC. As exceções, fundadas em relação do devedor


com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao
portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.

Art. 25, Lei dos Cheques. Quem for demandado por obrigação
resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações
pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o
adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

A inoponibilidade é só essa ideia da separação das defesas oponíveis aos credores.


Na linha do Fabio Ulhoa e André Luiz, ainda temos, dentro da autonomia, um segundo
subprincípio:

3.2) Princípio da Abstração – isso está dentro da autonomia, mas representa um


aspecto específico dela. Esse subprincípio significa que o título de crédito se desvincula do negócio
jurídico que lhe deu origem. Também é uma separação, mas não entre pessoas, mas entre o negócio
do título e o negócio jurídico de origem. Voltaremos para o mesmo ponto: problemas no negócio de
origem não afetam o credor de boa fé. Ex.: A contratou C, marceneiro, para fazer móveis
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planejados. Os móveis não foram entregues e o C repassou esse título pro D, fornecedor de matéria-
prima. D executa o A, dizendo que tem o direito de receber, porque o cheque lhe foi transferido. A
diz que não tem que pagar porque não recebeu os móveis. Entre esses 2 interesses legítimos, sendo
um cheque, qual vai prevalecer? O do credor. O Credor vai ter direito de receber. REsp 1321856
também fala sobre esse aspecto da abstração; sobre a impossibilidade de discutir contra o credor de
boa fé, problemas do negócio jurídico.

A abstração é o que mais gera discussão na prática, o maior número de julgados


envolve esse subprincípio. E ainda, a abstração não vale para todos os títulos de crédito. Os
chamados os títulos causais não obedecem à abstração - entram nos títulos causais as duplicatas e as
cédulas de crédito (temos 6 cédulas de crédito).

Além disso, a abstração vale para só para o credor de boa fé. Se o credor não estiver
de boa fé, pode-se discutir o que deu origem ao negócio. Afasta-se a abstração. Ou seja, se quebrar
a boa fé do credor, o devedor só terá que pagar o título se tiver que pagar o negócio jurídico. Se ele
não tem que pagar o negócio jurídico, ele não tem que pagar o título, diante de um credor sem boa
fé.

Daí, a jurisprudência consolidou 3 situações em que se afasta a boa fé do credor de


modo que o devedor pode discutir o negócio jurídico; de modo que o devedor só terá que pagar se
tiver que pagar o negócio jurídico.

1ª situação – Exemplo acima: imagine que o marceneiro, que não entregou os


móveis, não passou o título para frente. É o marceneiro mesmo que está executando. Ele não está de
boa fé. A 1ª hipótese em que se afasta a boa fé e a abstração, é quando o título não circulou/não foi
passado para frente – REsp 1608424. Toda a doutrina diz que o subprincípio da abstração pressupõe
a circulação.

2ª situação – Ex.: imagine que o título seja passado para frente (D), mas o 3º sabia
dos problemas. Prova dificílima, tanto é que tem um único precedente sobre isso. O título circulou,
mas o 3º sabia dos problemas de origem, também não vale a abstração – REsp 612423. Ele acabou
confessando que sabia dos problemas.

3ª situação – A questão mais complicada: STJ também entende se afastar a boa fé do


credor, que permite a discussão do contrato, se o título está expressamente vinculado ao contrato.
Escrever no título “referente ao contato X” também tiraria a abstração – REsp 1477400. Cuidado!
Porque a doutrina majoritária não concorda muito com isso, mas a jurisprudência é tranquila. Esse é
um dos muitos julgados que envolvem essa ideia da vinculação do título ao contrato. Tem até
súmula sobre isso, que é extremamente cobrada em provas.
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Súmula 258, STJ. A nota promissória vinculada a contrato de


abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que
a originou.

Explicando a súmula 258: há uma contrato chamado de contrato de abertura de


crédito. É pacífico que ele é um contrato ilíquido, que não pode ser executado. (2:25:42) Para tentar
fugir desses problemas, os bancos que são os credores desse contrato, começaram a pedir ao
devedor uma nota promissória em branco, vinculada ao contrato. E aí surgiu a seguinte questão:
será que essa nota promissória pode ser executada ou será que ela é contaminada pelo vício do
contrato, que é a iliquidez? E a resposta do STJ é que ela é contaminada. Nesses casos de
vinculação, todos os vícios do contrato atingem o título a ele vinculado. Então, se o contrato é
ilíquido, a nota promissória vinculada é ilíquida. Se o contrato é nulo, a nota promissória é nula. A
ideia é: não valendo a abstração, há uma contaminação entre título e obrigação jurídica.

Nesse julgado REsp 1608424 era uma nulidade do contrato de origem, a promissória
vinculada também foi declarada nula. E aí devemos ter cuidado especial com a súmula 258.

Prova subjetiva de Juiz TJDF, uma das questões foi: quais são as consequências de
vinculação de uma nota promissória ao contrato? A consequência é uma só – perde a abstração.

O STJ fez uma confusão no final de 2018, mas por enquanto ressalta-se que também
não vale a abstração sempre que usar o instituto da cessão de crédito. Não é uma interpretação
jurisprudencial nesse momento; é lei. O art. 294, CC diz que na cessão de crédito não tem
abstração; que ficam vinculados negócio de origem e eventual outro negócio que surgir.

Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que


lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter
conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.

Voltaremos mais a frente nisso quando falarmos da figura do endosso, que é a


comparação com a cessão de crédito.

Além desses 3 princípios e subprincípios, a doutrina costuma indicar mais 2:

4) Princípio da Independência/Completude – significa que o título de crédito vale


por si só; ele não depende de outros documentos. A ideia é a suficiência do título de crédito no
exercício do direito; ele é necessário (cartularidade) e seria suficiente (independência). A ideia é
que quando foi receber um cheque, basta mostrar o cheque - não precisa mostrar contrato, nota
fiscal. A ideia do princípio é muito simples, mas existem algumas exceções.
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Como o Brasil tem muitas leis especiais sobre títulos de crédito, algumas leis
especiais exigem que título de crédito seja acompanhado por outros documentos. Ex.: cédula de
crédito bancário deve ser acompanhada pelos extratos da conta corrente. Art. 28, §2º da Lei nº
10.931 (prova de sentença do concurso do TJDFT).

5) Princípio do Formalismo – nada mais é do que a reprodução do art. 888, CC.

Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao


escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do
negócio jurídico que lhe deu origem.

Prof. Tomazatte nem acha que seja princípio, mas alguns doutrinadores que como
princípio. A ideia desse princípio é que o tratamento dado aos títulos de crédito é tão favorável que
não é qualquer documento que vai ser considerado título de crédito. Só é considerado título de
crédito o documento que preencha todos os requisitos legais. Se faltar um requisito, ele perde a
proteção como título de crédito. Tem documentos que são títulos de crédito, mas esses documentos
precisam preencher requisitos. A falta de um requisito que seja, não é um documento mulo, mas não
terá mais a força de um título de crédito. E isso vale para todos os títulos. Até os atípicos têm
requisitos - art. 889, CC fala quais são os requisitos de forma genérica.

Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a


indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.

[…]

Em todos os títulos, um requisito obrigatório é a data de emissão/data de nascimento


do título. Imagine que um sujeito receba uma nota promissória sem data de emissão e ele vai lá e
executa. Qual deve ser a decisão do juiz diante disso? Está faltando requisito. É formal, é
exagerado, mas é o nosso sistema. A decisão do juiz deve ser pelo indeferimento da petição inicial
porque não se emenda documento/não se pode completar o documento depois que ele foi
apresentado em juízo – REsp 1724744.

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