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TRANSTORNO DO PÂNICO

Por Dr. Jorge Wilson Magalhães de Souza

1. ORIGEM DA PALAVRA

É proveniente do grego "panikon" que tem como significado susto ou pavor repetitivo. Na
mitologia grega o Deus Pã, que possuía chifres e pés de bode, provocava com seu
aparecimento, horror nos pastores e camponeses. Desta forma a palavra tem em nossa língua o
significado de medo ou pavor violento e repetitivo. Em Atenas, teria sido erguido na Acrópole
um templo ao Deus Pã, ao lado da Ágora, praça do mercado onde se reunia a assembléia
popular para discutir os problemas da cidade, sendo daí derivado o termo agorafobia, usado
em psiquiatria e que possui como significado o medo de lugares abertos.

Sinonímia: Desordem, Doença, Síndrome, Distúrbio do Pânico.

2. INTRODUÇÃO

O Transtorno do Pânico (TP) é uma entidade clínica recente e era antigamente chamada de
neurastenia cardiocirculatória ou doença do coração do soldado ("coração irritável",
denominação dada por Da Costa em 1860 durante a guerra civil americana), embora a primeira
descrição sintomatológica tenha sido feita por Freud, que a classificou como neurose ansiosa.
Até 1980, o quadro foi agrupado sob o título de "neurose de ansiedade" e atualmente este
mesmo grupo foi subdividido em Doença do Pânico e Transtorno de Ansiedade Aguda ou
Generalizada.

As diferenças clínicas, razão pela qual derivou a subdivisão do grupo em Reações de Ansiedade
Aguda e TP, residem no fato de que os fatores geradores da primeira são motivados por
agentes externos que ameaçam de forma clara e consistente a vida do indivíduo tais como
catástrofes, panes em aviões, trens, veículos, incêndios em teatros e cinemas entre outros.

No distúrbio que deflagra a "crise de pânico" o agente externo freqüentemente encontra-se


ausente e a ameaça está dentro do próprio paciente (endógena). Ambas as desordens vem
acompanhadas de grande estímulo do sistema nervoso autônomo caracterizados por boca
seca, aceleração dos batimentos cardíacos, palpitações, palidez, sudorese e falta de ar. Este
conjunto de manifestações qualifica o que se denomina "reação de alarme" adaptando o
organismo às situações de fuga, luta ou perigo iminente. Esses achados constituem os
elementos básicos para que se cogite a possibilidade de estarmos diante de um paciente
portador de TP.

O TP é causa freqüente de procura a psiquiatras e psicoterapeutas sendo considerada uma


doença da "modernidade" ligada ao stress cotidiano. É uma patologia real (alguns a rotulam
como frescura) e incapacitante devido a seus sintomas extremamente desagradáveis. Só quem
padece de TP é que sabe valorizar a intensidade de sua sintomatologia.

Este fato é devido em grande parte ao desconhecimento do TP por médicos não especialistas
(não psiquiatras) o que determina a demora no diagnóstico do caso com o conseqüente e
indesejável desenvolvimento das complicações.

A grande maioria dos pacientes, devido a predominância dos sintomas ligados ao aparelho
cardiovascular, são atendidos em pronto-socorros cardiológicos por clínicos e/ou cardiologistas
e medicados com fármacos que não são capazes de bloquear as "crises ou ataques de pânico".
A medida as crises se sucedem, sem que os pacientes observem melhora, os leva a insegurança
e ao desespero. São realizados inúmeros exames sem se chegar a uma conclusão diagnóstica
sendo os sintomas atribuídos a situações genéricas como estafa, nervosismo, fraqueza ou com
frases do tipo: "o Sr.(a) não tem nada".

3. ETIOLOGIA

São consideradas possíveis 3 hipóteses básicas:

• hiperatividade ou disfunção de sistemas ligados aos neurotransmissores (substâncias


responsáveis pela transmissão do estímulo nervoso entre as células) cerebrais
relacionados com vários elementos dos sistemas de alerta, reação e defesa do Sistema
Nervoso Central (SNC).

• alteração ainda não bem determinada na sensibilidade do SNC a mudanças bruscas de


pH e concentrações de CO2 intracerebral e/ou hipersensibilidade de receptores pós-
sinápticos (zona distal de contato entre duas células nervosas) de 5 hidroxitriptamina
envolvidos no sistema cerebral aversivo.

• fatores genéticos

4. EPIDEMIOLOGIA

Pesquisas realizadas nos EUA demonstram que para cada 1000 indivíduos cerca de 1 a 3 são
afetados pelo TP. No Brasil, infelizmente, as estatísticas são inconclusivas.
Ocorre, sobretudo, em adultos jovens na faixa etária entre 20 e 45 anos de ambos os sexos,
com predileção pelo feminino na proporção de 3:1. Nesta faixa etária os pacientes estão na
plenitude de seu potencial de trabalho e ao apresentarem a doença são geradas conseqüências
desastrosas voltadas tanto para o desenvolvimento profissional quanto social.

5. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO TP

O diagnóstico baseia-se nos seguintes critérios segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística


de Doenças Mentais (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana:

Ataques de pânico recorrentes e inesperados. Critérios para o Ataque de Pânico:

Um curto período de intenso medo ou desconforto em que 4 ou mais dos seguintes


sintomas aparecem abruptamente e alcançam o pico em cerca de 10 minutos.

• sudorese

• palpitações e taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos)

• tremores ou abalos

• sensação de falta de ar ou de sufocamento

• sensação de asfixia

• náusea ou desconforto abdominal

• sensação de instabilidade, vertigem, tontura ou desmaio

• sensação de irrealidade (desrealização) ou despersonalização (estardistante de si


mesmo)

• medo de morrer

• medo de perder o controle da situação ou enlouquecer

• parestesias (sensação de anestesia ou formigamento)

• calafrios ou ondas de calor

Pelo menos um dos ataques ter sido seguido por 1 mês ou mais de uma ou mais das seguintes
condições:

• medo persistente de ter novo ataque

• preocupação acerca das implicações do ataque ou suas conseqüências (isto é,


perda de controle, ter um ataque cardíaco, ficar maluco)

• uma significativa alteração do comportamento relacionada aos ataques

O Ataque de Pânico não ser devido a efeitos fisiológicos diretos de substâncias (drogas ou
medicamentos) como: álcool, ioimbina, cocaína, crack, cafeína, ecstasy ou de outra condição
médica geral (hipertireoidismo, feocromocitoma, etc...)

Os ataques não devem ser conseqüência de outra doença mental, como Fobia Social (exposição
a situações sociais que geram medo), Fobia Específica (medo de avião, de elevador, etc...),
Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Pós-traumático ou de Separação.

6. O ATAQUE E O TP

Devemos observar que existem critérios diagnósticos para considerar um paciente como
portador de TP e eles devem ser bem estabelecidos. Um episódio de ataque de pânico isolado
não preenche as condições necessárias para o diagnóstico de TP. Os sintomas que caracterizam
o ataque devem ser recorrentes e não precipitados por uma situação ou acontecimento
externo.

7. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Se os critérios diagnósticos são preenchidos há grande possibilidade de estarmos diante de um


caso de TP, mas como muitos sinais e sintomas coincidem com os de outras doenças orgânicas
e psiquiátricas, faz-se mister estabelecer o diagnóstico diferencial entre elas:

7.1 Doenças Orgânicas

 hipertireoidismo e hipotireoidismo
 hiperpatireoidismo
 prolapso da válvula mitral
 arritmias cardíacas
 insuficiência coronária
 crises epilépticas ( principalmente as do lobo temporal )
 feocromocitoma
 hipoglicemia
 labirintite, lesões neurológicas
 abstinência de álcool e/ou outras drogas
Para que sejam avaliadas estas doenças é extremamente importante uma boa anamnese e
avaliação clínica, como também tornam-se necessários exames laboratoriais (dosagem da
glicemia, de hormônios, de ácidovanil-mandélico, etc...), gráficos (eletrocardiograma, teste
ergométrico, Holter, eletroencefalograma basal com foto estimulação, hiperpnéia, privação de
sono e sono induzido, etc...) e de imagem (tomografia computadorizada, ressonância nuclear
magnética, ecocardiograma, etc...).

O SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography), exame atualmente realizado em


pesquisas (cintilografia com medida do fluxo sangüíneo regional cerebral, marcado com
contraste radioativo) tem revelado assimetria (direita > esquerda) no giro parahipocampal dos
lobos temporais e na região órbito-frontal dos córtices pré-frontais dos pacientes portadores de
TP.

Outro fato que merece destaque é que cerca de 36 a 40% dos pacientes portadores de TP
apresentam prolapso valvular mitral associado, revelado na ecocardiografia.

7.2 Distúrbios Psiquiátricos

• de ansiedade generalizada

• de depressão

• de despersonalização

• somatiforme

• esquizofrenia

• de caráter

8. COMPLICAÇÕES E INTERFERÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E FAMILIARES

As complicações decorrentes dos repetidos ataques de pânico induzem a gastos excessivos por
parte dos pacientes com médicos e exames complementares, muitas vezes dispensáveis.
Afastamento do trabalho, faltas, impossibilidade de aceitar promoções (por medo de assumir
maiores responsabilidades) e até pedidos de demissão, são situações corriqueiras na vida
destes pacientes, sobretudo se o TP não é diagnosticado precocemente e vem acompanhada de
agorafobia (medo de freqüentar lugares públicos e abertos). Somando-se a estes fatos há uma
deterioração econômica progressiva.
Socialmente, as sucessivas recusas a convites recebidos geram afastamento e perda dos
contatos sociais.

No que tange ao relacionamento familiar, o paciente recebe inicialmente os cuidados dos


parentes mais intimamente envolvidos. Após várias "peregrinações" a consultórios médicos,
onde os exames insistentemente não demonstram patologia palpável, os familiares adotam
atitude de estímulo para que o paciente saia da crise. Porém, com o tempo, esse mesmo
paciente passa a ser alvo de críticas desferidas não só pela família como também de amigos
que, lamentavelmente, só contribuem para o agravamento da situação.

O desenvolvimento da agorafobia ocorre porque os pacientes passam a ter medo de sofrer


novo ataque de pânico onde um anterior já tenha acontecido (teatro ou cinema, por exemplo).

Deve também ser lembrada a "ansiedade antecipatória" (vou ter a crise novamente?)
apresentada pelos pacientes no desempenho de tarefas complexa sou mesmo simples como
pegar seu carro e dirigir até o trabalho.

Se o diagnóstico e o tratamento eficaz não são estabelecidos precocemente, maior será seu
isolamento, assim como a tendência a não sair de casa. A perda de peso é freqüentemente
observada.

9. TRATAMENTO DO TP

O fator primordial no início do tratamento é o efetivo bloqueio dos ataques ou redução na sua
freqüência e intensidade, através do uso de medicamentos e desta forma (sem o sofrimento
com os ataques) permitir outras abordagens terapêuticas.

É necessário que se estabeleça uma boa relação médico-paciente, um vínculo terapêutico e de


informação. O conhecimento pelo paciente de sua doença, evolução, efeitos colaterais
possíveis das drogas, necessidade do uso contínuo da medicação (o ajuste da dose capaz de
bloquear os ataques terá que ser feito) pelo tempo necessário para o controle dos sintomas é
imperativo. Os efeitos adversos das medicações devem ser informados para que não haja
motivos de frustração ou culpa nos relacionamentos mais íntimos.

9.1 Drogas Antipânico

Embora ainda pouco conhecido, mas sabidamente eficaz, o mecanismo de ação destas drogas
parece exercer seus efeitos através de ações as vezes aparentemente antagônicas, a nível dos
sistemas de neurotransmissão cerebral, principalmente a noradrenérgica e serotoninérgica
(neurotransmissores ). As drogas aumentam a transmissão destas substâncias a nível cerebral
assim como a diminuição de sua captação.

No tratamento são usadas drogas sabidamente capazes de bloquear os ataques de pânico


como os benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoaminaoxidase,
inibidores seletivos da recaptação deserotonina e os inibidores seletivos de serotonina e
noradrenalina.

 Benzodiazepínicos: Alprazolam e Clonazepam

 Antidepressivos Tricíclicos (ADT): Imipramina, Clorimipramina, Amitriptilina, Nortriptilina

 Inibidores da Monoaminaoxidase (IMAO): Tranilcipromina, Moclobemida

 Inibidores Seletivos da recaptação de serotonina: Sertralina, Fluoxetina, Paroxetina,


Fluvoxamina e Citalopram

 Inibidores Seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina: Venlafaxina

Todos os medicamentos devem ser prescritos por médicos, pois possuem efeitos colaterais.

Há grande controvérsia quanto ao tempo necessário para manutenção do tratamento. Grande


parte dos autores admite ser a duração ideal entre 6 meses a dois anos com posterior
suspensão gradativa dos fármacos e reavaliação se os ataques de pânicos voltam a ocorrer.
Apesar de adotados estes critérios, o índice de recaída após a suspensão da droga varia entre
20 e 50%.

O paciente deve ser informado de que o início da melhora da sintomatologia pode levar
algumas semanas e depende do ajuste das doses necessárias para o bloqueio dos ataques,
assim como de sua fiel adesão a terapêutica instituída. Este fato deve ser bem esclarecido ao
paciente para que o portador de TP não fique ansioso ou deprimido com a expectativa de
melhora imediata.

9.2 Apoio Psicoterápico

É também de fundamental importância. Visa a manutenção da adesão a terapêutica e a


orientação quanto ao desenvolvimento e combate às complicações associadas. As técnicas
cognitivo-comportamentais parecem ser as mais eficazes neste sentido, aumentando inclusive
a resposta ao tratamento medicamentoso.

A medida que os ataques de pânico se sucedem o paciente desenvolve hipocondria, fobias


associadas direta ou indiretamente com as circunstâncias nas quais teve a crise, ansiedade
basal e antecipatória, agorafobia, autodepreciação, depressão, desmoralização, alcoolismo
e/ou uso abusivo de drogas. Qualquer combinação é possível e independe das características
de personalidade embora estejam na dependência da severidade e freqüência das crises, assim
como a demora no diagnóstico. O paciente deve ser paulatinamente encorajado (após
bloqueados os ataques farmacologicamente) a enfrentar os lugares ou situações onde foi
acometido pelo ataque e desta forma ir ganhando auto confiança ao enfrentar suas
adversidades.

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