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Texto 1
Bebezinho do Nininho-ninho:
Oh! Venho só quevê pâ dizê ó Bebezinho que gotei muito da catinha dela. Oh!
E também tive munta pena de não tá ó pé do Bebé pâ ie dá jinhos.
Oh! 0 Nininho é pequenininho!
Hoje o Nininho não vai a Belém porque, como não sabia se havia carros, combinei tá aqui às
seis ho'as.
Amanhã, a não sê qu'o Nininho não possa é que sai daqui pelas cinco e meia (isto é a meia
das cinco meia).
Amanhã o Bebé espera pelo Nininho, sim? Em Belém, sim? Sim?
Jinhos, jinhos e mais jinhos.
Fernando
31-05-1920
Texto 2
Então o meu Bebé não ficou ontem descontente com o Íbis? Então ontem achou o Íbis meigo
e digno de jinhos? Ainda bem, porque o íbis não gosta que a Nininha fique zangada, ou triste
com ele, porque o Íbis, e mesmo o Álvaro de Campos, gosta muito, muito do seu Bebezinho.
Olha, Nininha: hoje estou muito aborrecido; não é bem o que se chama mal disposto, mas
apenas o que se chama aborrecido. Hoje sentir-me-ia muito melhor se pudesse contar com ir
logo ver a Nininha, e vir para baixo de Belém com ela, e sem o Álvaro de Campos; que ela,
naturalmente, não gostaria que esse distinto engenheiro aparecesse.
Nininha do Íbis, eu estou muito aborrecido; principalmente, porque as cousas da minha vida,
o que tenho preparado e estudado para uma, e mesmo mais que uma, empresa, se me está
atrasando tudo. Não digo que esteja correndo mal; está simplesmente atrasado, não corre
nem de um modo nem de outro, nem mal nem bem. […]
Fernando
11-06-1920
TEXTO 3
9-10-1929
Terrível bebé:
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha
também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas, e não das vespas, e tudo está
certo, e o bebé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu
estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também por que é que havia de
gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e
gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer
os beijinhos que tivesse lá escondidos encostar-me ao seu ombro e escorregar para a
ternura dos pombinhos e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes,
e ponto final até recomeçar, e por que é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um
cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral
de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque
estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu
gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a e o
papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano, mas é
escrito por mim.
Fernando
Texto 4
24-9-1929
Pela minha parte, e como íntimo e sincero amigo que sou do meliante de cuja comunicação
(com sacrifício) me encarrego, aconselho V. Ex.ª a pegar na imagem mental, que acaso
tenha formado do indivíduo cuja citação está estragando este papel razoavelmente branco, e
deitar essa imagem na pia, por ser materialmente impossível dar esse justo Destino à
entidade fingidamente humana a quem ele competiria, se houvesse justiça no mundo.
Cumprimenta V. Ex.ª
Texto 5
Basta seguir o percurso labiríntico da carta de despedida que Fernando Pessoa endereça a
Ophelia, primeiro escrita à máquina, depois interrompida e seguida de um poema em inglês
com a mesma temática; novamente retomada (conhecendo-se-lhe posteriores acrescentos a
lápis), logo se iniciando um outro poema na mesma língua...
Explica a ensaísta, também organizadora das edições da Poesia de Ricardo Reis (Assírio), da
Correspondência Inédita (Livros Horizonte) e dos dois volumes da Correspondência (Assírio)
"Há uma construção. Provavelmente Pessoa estaria a ser sincero perante uma ruptura, algo
que certamente o abalou e que iria abalar Ophelia, mas nunca deixa de ser escritor."
Em Pessoa "há sempre o filtro entre o sentimento e a sua expressão". É sempre outro, como
tão bem escreveu Octavio Paz, assinalando a sua poética do fingimento "Ele escreve num
segundo momento, não a quente", diz a também investigadora do Instituto de Estudos sobre
o Modernismo, cuja Reflexão Prévia sobre o Discurso Epistolar (incluída em Realidade e
Ficção) é modelar na afirmação da "carta-corpo da escrita" também como espaço de criação.
3. Compare esse auto-retrato com o retrato da mesma pessoa que é feito no texto 4.
[funcionamento da língua]
8. Faça o levantamento das expressões que, nas duas primeiras cartas expostas, denunciam
os diferentes níveis de língua que conhece.
[oficina de escrita]
11. Faça uma minibiografia de Fernando Pessoa para o jornal e/ou sítio da Escola.
[oral]
[actividade]
13. Faça a cronologia por ano dos factos históricos mais importantes do tempo de Fernando
Pessoa.