Você está na página 1de 9

Relato do caso

Sara, sexo feminino, 17 anos, 1,60 de altura, 40 kilos possuí características


psíquicas próprias da fase da adolescência (crise de identidade, relacional,
familiar e de autoestima) trazida a força para a terapia pela mãe depois de uma
tentativa de suicídio recente.
Nas primeiras sessões vinha sempre vestida com roupas grossas de tons
escuros, na maioria das vezes com toucas cobrindo parcialmente seu rosto,
visualmente apresentava fadiga, irritabilidade e magreza excessiva, se mostrou
hostil com a terapeuta durante toda a seção se negando a responder a maioria
das perguntas feitas a ela com exceção de algumas onde se limitava apenas a
dizer sim ou não.
Em seus históricos médicos a relatos de várias dietas restritivas, peso muito
abaixo do ideal, duas internações por desnutrição e algumas entradas por
lesões musculares. Ao ser questionada disse que simplesmente era exagero
dos médicos e que tudo não passava do “Showzinho” de sua mãe criando
assim uma aversão aos profissionais de saúde dizendo que todos eram pagos
para concordarem com sua mãe e discordarem dela.
Quando perguntado sobre a tentativa de suicídio a unica coisa que disse é que
não queria se matar apenas misturou os remédios pois estava com problemas
para ir ao banheiro e com problemas para dormir.
História de Vida
Ao contar sobre sua história, demonstrou grande descontrole sentimental ao
falar sobre seu pai, dizendo que ela e seu irmão eram bem próximos quando
ele ainda estava vivo mas tudo isso mudou após sua morte, logo depois disso
seu irmão virou modelo e as várias viagens a trabalho distanciaram os dois
quando tinha 15 anos tentou trilhar o mesmo caminho, passou por várias
agências até que um cara de uma das agências disse que ela não poderia ser
modelo porque não estava no perfil e que estava “um pouco barriguda, apesar
de ser alta e magra”. A partir de então começou a fazer dietas radicais para ser
aceita nas agências e começou a ter problemas em fazer amizades já que não
estava no “padrão” das outras garotas das revistas de moda. Começou a evitar
ao máximo olhar para o espelho pois se achava horrível e só o fazia em raras
vezes para medir a barriga.
Frequentou a escola até o penúltimo ano do ensino médio, e abandonou após
repetência. Não quer estudar, pois segundo ela sentiu-se "destratada" por
professores dizendo que os mesmos a perseguiam, porém não soube explicar
o porquê e qual o tipo de perseguição sofria e que por não conseguia criar
relacionamentos afetivos com os outros alunos.
Já relação com a mãe é bastante conturbada e permeada por diversas
situações conflitivas, segundo ela a mãe era bastante amável antes do pai
cometer suicídio mais depois se tornou rude e impaciente com ela e tudo
piorou quando ela foi rejeitada pela agência de modelos. A paciente diz que
sente raiva da mãe, principalmente quando a mãe a obriga a fazer o que ela
não quer como ir ao médico, ir a terapia e muitas vezes quando a mãe a obriga
a comer mesmo sabendo que ela engorda muito fácil, dizendo que a mãe quer
engorda-la para que ela não tenha sucesso como o irmão e a abandone.
Teve um namorado no passado sobre o qual não quis falar muito, apenas disse
que toda vez que começavam a ir para encontros mais íntimos ela preferia se
despir no escuro e pedia para que ele não a olhassem por muito tempo pois
ainda estava muito gorda mesmo ele verbalizando que não estava, segundo
ela “namorados precisam agradar suas namoradas por isso mentem”.
Nunca teve relações homossexuais porem atualmente disse ser apaixonada
por uma garota com quem nunca manteve relações pois disse ainda estar
gorda demais para ela e que tem vergonha de se mostrar.
Sua avó paterna faz visitas frequentes depois que seu avô também cometeu
suicido no passado, não entrou muito em detalhes sobre o ocorrido mas disse
achar que o avô tinha depressão, disse também que sua avó compactua com
sua mãe a obrigando a comer.
Quando perguntada sobre seu irmão disse que ele é o único da família que deu
certo, é bonito, com o corpo perfeito e puxou toda a genética do pai deixando
todo o resto da mãe para ela, disse sentir muitas saudades mas evita fazer
chamadas de vídeo com ele pois segundo ela a mãe e a avó encheu a cabeça
dele com exageros e que a câmera a distorce.
Já na entrevista com a mãe a mesma disse que a filha sempre foi problemática,
segundo ela: “A garota puxou ao pai... sempre fez de tudo para irrita-la com
questões de beleza”. Segundo a mãe os problemas com a aparência da filha
começaram bem antes do suicídio do pai mais o menos quando ela tinha 12
anos e a filha começou a se preocupar muito com o peso depois do ocorrido
na agência de modelos a fazendo comprar várias revistas de moda, disse que
a filha começou a comer isolada no quarto, onde escondia parte da comida
para que ela não achasse, porem a empregada sempre achava, ao questionar
a filha ela disse que escondia comida para “comer mais tarde” e que não
gostava que a obrigassem a comer na frente dos outros, quando a mãe
questionou o porque ela não comia junto de todos ela respondeu que isso a
deixava incomodada.
Quando questionada sobre os laudos médicos sobre desnutrição e as lesões
musculares a mãe disse que a filha desenvolveu juntamente com as dietas
radicais uma compulsão por exercícios físicos, “ ela passa parte do tempo no
quarto e a outra parte na academia que montamos para o Eduardo na
garagem” e que de um tempo para cá começou a se machucar muito nos
exercícios mais pesados, ela chegou a proibir a filha de ir a garagem gerando
algumas discussões.
Ela também relata rituais realizados pela filha que são executados antes das
refeições como, por exemplo, separar e cortar a comida em pequenas porções,
devolver metade de todas as refeições e sempre se pesar após cada refeição.
Relatou que teve que esconder os laxantes pois a filha começou a toma-los
escondido e com bastante frequência. A própria mãe já tentou impedi-la de
cumprir esses rituais, mas sempre que fazia deixava a filha mais irritada e
violenta.
A mãe da paciente também relata perda de cabelo, peso e cansaço, diz que a
filha começou a ter problemas com a menstruação a algum tempo. Uma
informação adicionada por ela é que sempre ouve a filha vomitando no
banheiro do quarto, as vezes mais de uma vez por dia, mandou retirar a porta
do quarto e a do banheiro e teve que esconder os laxantes pois a filha
começou a toma-los escondido e com bastante frequência mas isso causou
mais irritação por parte da filha.
Quando perguntado sobre os remédios que foram usados na tentativa de
suicídio a mãe disse que os usa os antidepressivos para dormir, pois desde
que seu marido se matou ela não tem dormido direito e com os problemas da
filha isso piorou, a mãe também compara o comportamento do filho com o da
filha dizendo que “ o Eduardo apesar de tudo nunca me deu problemas, mas
trabalho dobrado para aguentar as maluquices da Sara”.

Genograma Familiar
Queixa Principal
Como a paciente foi obrigada a estar na consulta não apresentou nenhuma
queixa a não ser o exagero da mãe com a saúde dela, a paciente não enxerga
a própria magreza dizendo sempre que está “gorda” e que a mãe quer
engorda-la mais.
Sintomas Presentes:

 Aparência excessivamente magra


 Anemia
 Cansaço frequente
 Cabelos fracos, finos, quebradiços
 Amenorreia

Pensamentos e crenças associadas


A paciente apresenta crenças distorcidas e disfuncionais acerca de peso,
formato corporal, alimentação e valor pessoal, que são significativas. Ela
acredita que não é tão bonita quanto o pai e o irmão e que para chegar perto
precisa ser como as modelos das revistas.
Acredita que a culpa de tudo é da mãe que quer engorda-la para que ela não
a abandone.

Diagnostico
Anorexia nervosa (com comportamento purgativo)
Critérios Diagnósticos
A. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso
corporal significativamente baixo no contexto de idade, gênero, trajetória do
desenvolvimento e saúde física.

Peso significativamente baixo é definido como um peso inferior ao peso mínimo


normal ou, no caso de crianças e adolescentes, menor do que o minimamente
esperado.

B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que


interfere no ganho de peso, mesmo estando com peso significativamente baixo.

C. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados,


influência indevida do peso ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência
persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.

A paciente apresenta todos os critérios diagnósticos para Anorexia nervosa com


comportamento purgativo pois segundo o DSM5 nos últimos três meses, o indivíduo
se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa (i.e., vômitos
auto induzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).
Gravidade atual:

Segundo o DSM5 O nível mínimo de gravidade baseia-se, em adultos, no índice de


massa corporal (IMC) atual (ver a seguir) ou, para crianças e adolescentes, no
percentil do IMC. Os intervalos abaixo são derivados das categorias da Organização
Mundial da Saúde para baixo peso em adultos; para crianças e adolescentes, os
percentis do IMC correspondentes devem ser usados. O nível de gravidade pode ser
aumentado de maneira a refletir sintomas clínicos, o grau de incapacidade funcional e
a necessidade de supervisão.

Leve: IMC ≥ 17 kg/m2

Moderada: IMC 16-16,99 kg/m2

Grave: IMC 15-15,99 kg/m2

Extrema: IMC < 15 kg/m2

IMC = 40kg ÷ (1,60m x 1,60m) = 15,6


Diagrama de Conceitualização Cognitiva

Nome Sara Terapeuta Daniele Data 23/08/2020

Diagnostico Eixo I Diagnóstico Eixo II

Dados Relevantes da História

- Relação conturbada com a mãe agravada com a morte do pai, distanciamento do irmão
que fazia varias viajens a trabalho, passou por varias agencias de modelos sendo que em
uma dessas foi dito que estava um “pouco barriguda”, dificuldade em manter
relacionamentos.

Crenças Nucleares Principais Crenças nucleares sobre os outros

- Estou muito gorda. - As pessoas não querem ser minhas


amigas porque não estou no padrão
- Não consigo fazer amizades.
das outras meninas.
- Meu irmão é o único que deu certo na
- Minha mãe e minha avó querem me
família.
engordar para que eu não tenha
- Os médicos exageram sucesso e as abandonem.

- Minha mãe paga as pessoas para


exagerarem sobre mim.

Pensamentos Automáticos
“Não vão gostar de mim porque sou gorda”, “Se eu comer vou engordar’’, “nunca vou ser
tão bonita quanto meu irmão se engordar”.

Pressupostos e Regras
“ Se eu for magra vou ser aceita’’, “Preciso ser magra como as meninas das revistas”, Não
vou comer pois engordo muito fácil.

Estratégias Compensatórias
“Preocupação exagerada com o peso”, “ Alto padrão comparativo com o irmão”, Alto
padrão comparativo a revistas de moda”
Tecnica Utilizada:
CBT-E – sigla em ingles para “Terapia cognitivo-comportamental potencializada”.

É uma tecnica multidiciplinar baseada em 4 etapas elaborada por Moreira, Boff, Pessa, Oliveira
e Neufeld (2017)

- A primeira etapa dessa técnica de tratamento envolve aproximadamente oito sessões


divididas em dois dias da semana e o objetivo desse momento é estimular o engajamento ao
tratamento e à mudança, psicoeducar a paciente sobre o tratamento e o transtorno e
introduzir a pesagem semanal e a alimentação regular sempre visando criar um vínculo
terapeuta/paciente.

Já de inicio tivemos algumas complicações com a não aceitação da terapia pela paciente,
sendo assim as 5 primeiras seções foram focadas na criação de vinculo e a psicoeducação
usando a comunicação Efetiva desenvolvida por Burns que fornece aos terapeutas um
conjunto de técnicas concretas projetadas para melhorar a comunicação e fortalecer a
empatia terapêutica.

Essas técnicas são:

1 - Técnica de Desarmamento

Onde é necessário encontrar algo verdadeiro no que a outra pessoa está dizendo, mesmo que
pareça totalmente não razoável ou injusto.

2 - Empatia (onde divididos em dois subgrupos)

Empatia de Pensamento

Parafrasear as palavras da outra pessoa.

Empatia de Sentimento

Reconhecer como a outra pessoa está provavelmente se sentindo, com base no que ela diz

3 - Questionamento

Onde é necessário elaborar perguntas gentis e encorajadoras, a fim de aprender mais sobre
como a outra pessoa está pensando ou se sentindo.

4 - Afirmações do tipo “Eu sinto”

Expresse suas próprias ideias e sentimentos de forma direta e com tato. Usando afirmações
que se iniciam com “eu sinto”, ao contrário de afirmações que se iniciam com “você”, por
exemplo “eu me sinto abalado”, ao invés de “você está errado” ou “você está me deixando
furioso!”

5 Afago

Onde é necessário transmitir uma atitude de respeito, mesmo que você se sinta frustrado ou
furioso com a outra pessoa. Encontre algo de genuinamente positivo para dizer a outra pessoa,
mesmo durante o ápice da discussão.
Quando estabelecemos a confiança paciente/terapeuta começamos com o foco do ganho de
peso, para isso contamos com a ajuda de uma nutricionista que criou um esquema, com
horários, tipos de alimentos e quantidades consumidas, para regularizar o hábito alimentar da
paciente para assim conseguir metas gradativas de ganho de peso para atingir o peso
saudável.

Houve um pouco de resistência pela paciente criando pensamentos automáticos irracionais


como por exemplo “Eu comi o que a nutricionista propôs, mas não me sinto bem pois com
certeza eu devo ter engordado uns três quilos, eu posso sentir isso!”. Com isso usamos
técnicas de confronto proposta por (Moreira et al., 2017). Instruindo a paciente a se pesar
após cada refeição para assim conseguir uma evidencia contraria aos seus pensamentos
disfuncionais.

Foi necessário também a ajuda de um médico psiquiatra que prescreveu um Antipsicótico


(Pimozida) para ajudar no caso da distorção corporal e (Buspirona) para ajudar na diminuição
da ansiedade pós refeições.

- A segunda etapa envolve duas sessões, tendo como propósito, revisar o processo, com o
intuito de identificar obstáculos para a mudança e os problemas que ainda existem.

Nesta etapa foi apresentado dois obstáculos que ainda ofereciam resistência:

- A baixa autoestima

Onde é trabalhada na terceira etapa

- A desconfiança que a paciente tem pela mãe

Onde foi proposta uma inversão de papéis para criar empatia entre ambas as partes, ajudando
assim a mãe a entender melhor o transtorno da filha e a filha entender melhor a preocupação
da mãe.

A terceira etapa consiste em acessar os mecanismos que mantêm o TA do paciente.


Geralmente, essa fase dura oito sessões. O terapeuta auxilia o paciente a perceber como ele se
avalia, mostrando a importância atribuída ao corpo e à alimentação.

Nessa etapa ajudamos a paciente compreender os problemas relacionados a sua crença


inadequada a ajudando perceber as principais distorções cognitivas como (“As pessoas não
vão gostar de mim por que estou gorda”) ou ( “Nunca vou ser tão bonita quanto meu irmão”),
assim podendo examinar as provas que corroboram com esses pensamentos podendo rebate-
los de forma direta e compassiva como ( “Eu entendo que você se sinta assim mais quais as
provas que você tem para chegar à conclusão que as pessoas não gostam de você?”) ou
( Entendo seu pensamento, porem como você mesmo disse as pessoas elogiam você na rua
porque os elogios cabem para seu irmão mas nunca para você?”) o intuito disso é mostrar
para a paciente o quanto ela desconsidera suas qualidades positivas e supervaloriza seus
aspectos negativos. Com isso podendo aplicar a reestruturação cognitiva, alcançando uma
visão mais equilibrada de sua autoestima.

E para finalizar, a quarta etapa consiste em um programa de prevenção a recaídas por meio de
antecipação e preparação para o enfrentamento de situações estressoras que provocavam os
padrões disfuncionais consistindo em identificar os fatores, buscar estratégias para preveni-los
e especificar como agir durante uma recaída como:
- Induzir ao vomito toda vez que comer por se sentir engordando muito: onde a prática de
pesagem deve ser empregada para exercer uma prova contraria ao pensamento.

- A manutenção da autoestima, podendo ser feita no convívio familiar.

Referencias

http://rbp.celg.org.br/detalhe_artigo.asp?id=221

http://www.itcbr.com/hotsite/pdf/terapiacognitiva_mod8.pdf

https://pt.scribd.com/doc/24188786/Tecnicas-Basicas-Duplo-Espelho-e-Inversao-de-Papeis

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-554520130001000044

http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312009000200006

https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/handle/11338/4971/TCC%20Lilian%20Muller.pdf?
sequence=1

Você também pode gostar