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DIREITO

CONSTITUCIONAL III

Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli


Habeas data
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir habeas data.


 Estabelecer as hipóteses de cabimento e a competência para ingresso
do habeas data.
 Descrever o procedimento do habeas data.

Introdução
O habeas data compõe o rol das chamadas ações constitucionais. É de
natureza mandamental e o seu rito processual é específico. Poderá ser
impetrado para solicitar judicialmente a exibição dos registros públicos
ou privados, nos quais estejam contidos os dados da pessoa do impe-
trante, a fim de que tomem conhecimento e, caso necessário, possam
ser corrigidos.
É pacífica a orientação jurisprudencial dos tribunais superiores de que
seja comprovado o esgotamento da via administrativa para que seja via-
bilizada a impetração do habeas data. Embora seja objeto de divergência
doutrinária, deve ser verificada a resistência do órgão administrativo em
oferecer as informações, tendo em vista que, caso contrário, não estará
comprovado o interesse de agir para impetrar o habeas data.
Neste capítulo, você vai ler sobre as definições de habeas data, as
suas hipóteses de cabimento e competência e os principais aspectos
processuais dessa ação constitucional.

Habeas data
O habeas data é uma das ações constitucionais, previsto no art. 5º, LXXII,
da Constituição Federal. Assim prevê o dispositivo legal:
2 Habeas data

Art. 5º [...]
LXXII — conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impe-
trante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais
ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo (BRASIL, 1988, documento on-line).

O habeas data pode ser definido como o direito de todo o indivíduo de solicitar
judicialmente a exibição dos registros públicos ou privados, nos quais estejam contidos
seus dados pessoais, a fim de que tomem conhecimento e, caso necessário, sejam
corrigidos os dados inexatos ou obsoletos, que impliquem em danos.

Para Lenza (2009, p. 955), o habeas data:

[...] destina-se a disciplinar o direito de acesso a informações, constantes


de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público, para o conhecimento ou retificação (tanto informações erradas como
imprecisas, ou, apesar de corretas e verdadeiras, desatualizadas), todas refe-
rentes a dados pessoais, concorrentes à pessoa do impetrante.

Assim, o habeas data é o instrumento constitucional viável para o acesso


a informações pessoais e para a tomada de providências necessárias.
Além das hipóteses de cabimento referidas na Constituição Federal,
o art. 7º da Lei nº. 9.507, de 12 de novembro de 1997, que regulamenta o
processamento e julgamento do habeas data, apresenta no inciso III uma
terceira hipótese de cabimento da ação constitucional: para a anotação nos
assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado
verdadeiro, mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável
(BRASIL, 1997).
Habeas data 3

O habeas data não pode ser confundido com o direito de obter certidões, previsto
no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, ou informações de interesse particular,
coletivo ou geral, nos termos do inciso XXXIII do referido artigo. Se houver recusa no
fornecimento de certidões ou informações para a defesa de direitos ou esclarecimento
de situações de interesse pessoal ou de terceiros, o instrumento jurídico correto é o
mandado de segurança (BRASIL, 1988).

Destacamos que, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores,


é necessário o esgotamento da via administrativa, obtendo-se a negativa, para
que seja justificado o ajuizamento do habeas data, sob pena de declarar-se
a inexistência de interesse de agir nessa ação constitucional se não houver
resistência do órgão detentor das informações que se pretende obter.
Para Moraes (2017, p. 143):

[...] tendo o habeas data natureza jurídica de ação constitucional, submetem-se


às condições da ação, entre as quais o interesse de agir, que nessa hipótese
configura-se, processualmente, pela resistência oferecida pela entidade go-
vernamental ou de caráter público, detentora das informações pleiteadas.

Assim prevê a Súmula nº. 2 do Supremo Tribunal Federal: “[...] não cabe
o habeas data (CF, art. 5º, LXXII, a) se não houve recusa de informações por
parte da autoridade administrativa”. Nesse sentido, observamos a decisão do
Recurso Especial nº. 1.304.736-RS, analisando o habeas data em situação que
envolve o direito do consumidor:

Realmente, não se mostra razoável, tendo como norte a atual jurisprudência


do STF e do STJ, que o pedido de exibição de documentos seja feito direta-
mente ao Judiciário, sem que antes se demonstre que a negativa da pretensão
creditória ao estabelecimento comercial tenha ocorrido justamente em virtude
de informações constantes no Crediscore e que, posteriormente, tenha havido
resistência da instituição responsável pelo sistema na disponibilização das in-
formações requeridas em prazo razoável (BRASIL, 2016, documento on-line).
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São considerados de caráter público os registros ou banco de dados que dispõem de


informações que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo
do órgão ou da entidade produtora ou depositária de informações, de acordo com o
art. 1º, parágrafo único, da Lei nº. 9.507/1997. O Serviço de Proteção ao Crédito é um
exemplo de órgão que poderá ser objeto de habeas data (BRASIL, 1997).

O cabimento do habeas data visa:

 assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do


impetrante;
 retificar os dados, quando não se preferir fazer por processo sigiloso,
judicial ou administrativo;
 anotar contestação ou explicação nos assentamentos do interessado
sobre fato que esteja sob pendência.

Legitimidade e competência do habeas data


No que se refere à legitimidade para o ajuizamento de habeas data, qualquer
pessoa, física ou jurídica, poderá ajuizar a ação constitucional para ter acesso
às informações a seu respeito.
Para Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2013, p. 780):

[...] o habeas data pode ser impetrado por pessoa física ou por pessoa jurídica,
seja nacional ou estrangeira, para tutela do direito à informação que lhe diga
respeito de forma direta. Não há qualquer restrição na legislação a respeito.
Falecendo o titular do direito à informação, admite-se a impetração de habeas
data pelos herdeiros ou sucessores da pessoa, inclusive cônjuge supérstite.

No entanto, não descartamos o caráter personalíssimo dessa ação constitu-


cional, que resulta da própria amplitude do direito defendido, pois o direito de
ter acesso aos próprios dados e registros que constam nas entidades passíveis de
habeas data abrange também o direito de que esses dados não sejam violados
ou transmitidos a terceiros.
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No que se refere à legitimidade passiva, poderão formar o polo passivo


da demanda as entidades governamentais, da administração pública direta e
indireta, assim como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas
que prestem serviços públicos.

Ao falar da competência para o julgamento do habeas data, a Constituição Federal,


nos arts. 102, I, d, e 105, I, b, por exemplo, apresenta algumas autoridades que podem
ser sujeitos passivos do habeas data. Essas autoridades deverão justificar a razão de
terem os registros sobre determinados indivíduos, sob pena de responsabilidade civil
e penal (BRASIL, 1988).

Um aspecto relevante no que se refere ao habeas data é a sua impetração


por pessoa que pleiteia informações em relação a dados e registros sob sigilo da
defesa nacional. Há divergências doutrinárias sobre o tema, porém, para autores
como Moraes (2017, p. 152), é “[...] inaplicável a possibilidade de negar-se ao
próprio impetrante todas ou algumas informações pessoais, alegando-se sigilo
em virtude da imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado”.
O direito de manter determinados dados em sigilo refere-se a terceiros
impedidos de conhecê-los em virtude da segurança social ou do Estado, não
ao próprio impetrante, pois, se as informações forem verdadeiras, já eram de
conhecimento, obviamente, do impetrante e, se forem falsas, sua retificação
não causará danos à segurança social ou nacional.
Sobre a competência para julgamento do habeas data, as regras que a
definem estão no art. 20 da Lei nº. 9.507/1997, que dispõe:

Art. 20 O julgamento do habeas data compete:


I — originariamente:
a) ao Supremo Tribunal Federal, contra atos do Presidente da República,
das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de
Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo
Tribunal Federal;
b) ao Superior Tribunal de Justiça, contra atos de Ministro de Estado ou do
próprio Tribunal;
c) aos Tribunais Regionais Federais contra atos do próprio Tribunal ou de
juiz federal;
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d) a juiz federal, contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de


competência dos tribunais federais;
e) a tribunais estaduais, segundo o disposto na Constituição do Estado;
f) a juiz estadual, nos demais casos (BRASIL, 1997, documento on-line).

Os incisos II e III do art. 20 indicam a competência dos tribunais em grau


de recurso:

Art. 20 [...]
II — em grau de recurso:
a) ao Supremo Tribunal Federal, quando a decisão denegatória for proferida
em única instância pelos Tribunais Superiores;
b) ao Superior Tribunal de Justiça, quando a decisão for proferida em única
instância pelos Tribunais Regionais Federais;
c) aos Tribunais Regionais Federais, quando a decisão for proferida por juiz
federal;
d) aos Tribunais Estaduais e ao do Distrito Federal e Territórios, conforme
dispuserem a respectiva Constituição e a lei que organizar a Justiça do Dis-
trito Federal;
III — mediante recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, nos casos
previstos na Constituição (BRASIL, 1997, documento on-line).

Ressaltamos que as disposições da Lei nº. 9.507/1997 são reproduções de


artigos da Constituição Federal, que tratam da competência para o habeas data,
de forma que o legislador pretendeu consolidar as orientações constitucionais
esparsas em um único instrumento legal.

Procedimento
O habeas data relaciona-se intimamente com outras duas ações constitucionais:
o habeas corpus e o mandado de injunção, de forma que todos são ações civis
de natureza mandamental, que segue rito processual específico. Para Sarlet,
Marinoni e Mitidiero (2013, p. 780), “[...] trata-se de procedimento documen-
tal, cuja viabilização da prestação da tutela jurisdicional está subordinada à
produção de prova pré-constituída”.
O art. 8º da Lei nº. 9.507/1997 estipula que a petição inicial deverá atender
aos requisitos indicados pelo Código de Processo Civil e deverá ser apresentada
em duas vias, sendo que os documentos originais devem ser apresentados na
primeira via. Ainda, o parágrafo único do art. 8º indica que a peça inicial
deverá ser instruída com prova de uma das situações ali indicadas:
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Art. 8º [...]
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I — da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias
sem decisão;
II — da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze
dias, sem decisão; ou
III — da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2º do art. 4º u do de-
curso de mais de quinze dias sem decisão (BRASIL, 1997, documento on-line).

Se o juiz entender que a petição inicial deve ser indeferida, poderá fazer desde logo,
cabendo recurso de apelação contra tal decisão. Caso o juiz decida pelo prossegui-
mento da demanda, ele determinará a notificação do coator, acompanhada das cópias
dos documentos, para que preste informações no prazo de 10 dias. Findo o prazo,
o Ministério Público será ouvido no prazo de 5 dias, ficando os autos conclusos para
sentença também em 5 dias.

Na hipótese de a sentença ser procedente, algumas providências deverão


ser tomadas, nos termos do art. 13 da Lei nº. 9.507/1997:

Art. 13 Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e


horário para que o coator:
I — apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de
registros ou bancos de dadas; ou
II — apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos as-
sentamentos do impetrante (BRASIL, 1997, documento on-line).

Da sentença, cabe recurso de apelação. Quanto à legitimidade recursal,


Moraes (2017, p. 147) afirma que:

[...] são legitimados para interposição do recurso de apelação: o impetrante; o


Ministério Público; o coator e as entidades governamentais, da administração
pública direta e indireta, bem como as instituições, entidades e pessoas jurí-
dicas privadas que prestem serviços para o público ou de interesse público,
desde que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas, a que
pertencer o coator.
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Tendo em vista que a lei infraconstitucional não indica os prazos recursais,


deverão ser considerados os prazos previstos no Código de Processo Civil.
Por fim, nos termos do art. 19:

Art. 19 Os processos de habeas data terão prioridade sobre todos os atos


judiciais, exceto habeas corpus e mandado de segurança. Na instância su-
perior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à
data em que, feita a distribuição, forem conclusos ao relator (BRASIL, 2017,
documento on-line).

Destacamos, ainda, que a ação de habeas data é gratuita, assim como o


procedimento administrativo para acesso a informações, retificação de dados
e anotação de justificação.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-
tuicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 maio 2019.
BRASIL. Lei nº. 9.507, de 12 de novembro de 1997. Regula o direito de acesso a infor-
mações e disciplina o rito processual do habeas data. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 13 nov. 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9507.htm.
Acesso em: 29 maio 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.304.736-RS, de 24 de feve-
reiro de 2016. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça eletrônico, Brasília,
DF, 30 mar. 2016. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/548704188/
recurso-especial-resp-1490920-rs-2014-0214427-3?ref=serp. Acesso em: 29 maio 2019.
LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva. 2009.
MORAES, A. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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