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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 3

2. A TEORIA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS ............................................... 4

3. TIPOS DE PERSONALIDADE – ABORDAGEM TIPOLÓGICA DE CARL


JUNG 8

4. VISÃO PSICANALÍTICA ........................................................................ 12

5. DE FREUD A JUNG: CONSCIENTE E INCONSCIENTE PESSOAL .... 13

5.1 O inconsciente coletivo de Carl Jung ................................................. 17

6. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E SEU DESENVOLVIMENTO ............. 20

6.1 Da Dependência à Independência ..................................................... 27

7. A MÃE SUFICIENTEMENTE BOA ........................................................ 31

8. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 36

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1. INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2. A TEORIA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS

Fonte: encenasaudemental.com

Carl Gustav Jung foi um dos autores que mais se preocupou com a
personalidade humana, interessado e preocupado com as relações humanas com o
mundo exterior e a comunicação entre as pessoas. Jung é considerado um dos
maiores psicólogos do século XX. Conforme afirma Hall & Lindzey apud LESSA
(2018):

“Durante meio século dedicou-se com grande energia e originalidade de


propósito a analisar os processos profundos da personalidade humana. A
originalidade e a audácia do pensamento de Jung têm poucos paralelos na
história da ciência atual, nenhum outro homem, pondo de lado Freud, abriu
maiores perspectivas naquilo que Jung chamou ’a alma do homem’. ” Hall &
Lindzey (1973: 131 apud LESSA (2018).

Segundo LESSA (2018), em 1921 Jung deu uma contribuição fundamental para
a compreensão da tipologia humana e escreveu uma de suas obras mais importantes,
o livro "Tipos psicológicos", resultado de mais de 20 anos de observação e prática em
medicina psiquiátrica e psicologia prática.

“Tipo é uma disposição geral que se observa nos indivíduos, caracterizando-


os quanto a interesses, referências e habilidades. Por disposição deve-se
entender o estado da psique preparada para agir ou reagir numa determinada
situação. ” Jung (1967: 551). Ainda segundo Jung, “Tipo é um aspecto
unilateral do desenvolvimento. ” Jung (1971: 477 apud LESSA 2018).

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Conforme LESSA (2018) Jung distingue duas formas de atitude / disposição
das pessoas em relação ao objeto: aquelas que preferem focalizar sua atenção no
mundo externo dos fatos e das pessoas (extroversão), e / ou no mundo interno das
representações e impressões psicológicas (introversão). A natureza da disposição
representa apenas uma preferência natural do indivíduo em lidar com o mundo,
semelhante à preferência pela mão direita ou esquerda.

Para Jung, mostrar disposição significa, “estar disposto para algo


determinado, ainda que esse algo seja inconsciente”. Jung (1967: 493 apud
LESSA 2018).

Jung (1967 apud LESSA, 2018) descreveu os tipos de disposição geral como
introvertidos e extrovertidos e vê as diferenças como: “Facilmente perceptível mesmo
para um leigo…. Para ser encontrado em absolutamente todas as classes da
população." A distinção de Jung entre introvertidos e extrovertidos está na direção de
seus interesses e no movimento da libido, que Jung entende como energia psíquica.
Assim, podemos entender a extroversão como enfoque ao objeto e a introversão como
enfoque ao sujeito. Em relação ao tipo introvertido e extrovertido, ele revelou:

“Um encarrega-se da reflexão; o outro, da iniciativa e da ação prática. ” Jung


(1971: 47 apud LESSA 2018).

Na extroversão, a energia da pessoa flui naturalmente para o mundo externo


dos objetos, eventos e pessoas em que é observada: atenção à ação, impulsividade
(ação antes do pensamento), comunicabilidade, sociabilidade e facilidade de
expressão oral. Extroversão significa “o fluxo da libido de dentro para fora. Jung (1967:
48 apud LESSA, 2018). A pessoa extrovertida torna-se autoconsciente diante do
objeto. Esse aspecto favorece sua adaptação às condições externas, geralmente mais
facilmente do que para o indivíduo introvertido.
Segundo LESSA (2018), na introversão, o indivíduo chama a atenção para seu
mundo interior de impressões, emoções e pensamentos, de forma que haja uma ação
dirigida para dentro, hesitação, pensamento antes da ação; postura contida,
retraimento social, preservação das emoções, discrição e facilidade de expressão no
domínio da escrita.
O introvertido lida com seus processos internos, que são causados por fatos
externos. O tipo introvertido difere do tipo extrovertido por sua orientação através de
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fatores subjetivos e não pelo aspecto objetivamente dado. Jung ressalta que o termo
"fator subjetivo" não deve ter a conotação prejudicial de algo que foge da realidade.
De acordo com Jung, ninguém é exclusivamente introvertido ou extrovertido:

“Ambas as atitudes existem dentro dele, mas só uma delas foi desenvolvida
como função de adaptação; logo podemos supor que a extroversão cochila
no fundo do introvertido, como uma larva, e vice-versa. ” Jung (1971: 48 apud
LESSA 2018)

A respeito da introversão e extroversão, Silveira apontou:

“Não só o homem comum pode ser enquadrado numa dessas duas atitudes
típicas. Igualmente os filósofos, através de suas concepções do mundo
revelam seus tipos psicológicos, bem como os artistas, através de suas
interpretações da vida. Jung se intrigava que os mesmos fenômenos
psíquicos fossem vistos e compreendidos tão diferentemente por homens de
ciência, cada um de seu lado, honestamente convencido de haver descoberto
a verdade única. ” Silveira (1988: 54 apud LESSA, 2018).

De acordo com LESSA (2018), Jung usa o conceito de função psicológica ou


função psicológica para explicar as diferenças entre os tipos psicológicos. Esta é uma
atividade da psique que tem uma consistência interna, uma atribuição inata que
determina habilidades, aptidões e tendências no relacionamento do indivíduo com o
mundo e consigo mesmo. A forma preferida de reagir ao mundo se deve, entre outras
coisas, à herança genética, às influências familiares e às experiências pessoais.
Além das duas atitudes de extroversão e introversão, Jung (1971 apud LESSA
2018) descobriu que existem diferenças importantes entre pessoas no mesmo grupo,
ou seja, um introvertido pode ser muito diferente de outro introvertido. Os indivíduos
são causados pelas diferentes maneiras como as pessoas usam os pensamentos, ou
seja, as funções mentais e / ou processos mentais que as pessoas preferem usar para
se conectar com o mundo externo ou interno. Jung identificou quatro funções
psicológicas que a consciência usa para reconhecer o mundo exterior e guiá-lo.
Segundo LESSA (2018) ele definiu as funções como: sensação, pensamento,
sentimento e intuição - estes representarão os tipos psicológicos juntamente com a
atitude de introversão e extroversão. De acordo com Jung, existem duas formas
opostas de perceber as coisas - sensação e intuição - e existem duas outras que
usamos para julgar os fatos - pensamento e sentimento.
De acordo com LESSA (2018), sensação e intuição são funções irracionais,
uma vez que a situação é compreendida diretamente sem transmitir julgamentos ou

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avaliações. A função sensação é a função dos sentidos, a função da realidade, a
função que traz informações (percepções) do mundo através dos órgãos dos sentidos.
De acordo com LESSA (2018), sensação e intuição são funções irracionais,
uma vez que a situação é compreendida diretamente sem transmitir julgamentos ou
avaliações. A função sensação é a função dos sentidos, a função da realidade, a
função que traz informações (percepções) do mundo através dos órgãos dos sentidos.
Pessoas do tipo Sensação acreditam em fatos, são fáceis de lembrar e prestar
atenção ao presente. Essas pessoas estão focadas no real e no concreto, orientam-
se no "aqui - agora" e costumam ser práticas e realistas. Preferem manter as coisas
funcionando do que criar novos caminhos. O oposto da função sensação é a função
intuição, em que a percepção é feita pelo inconsciente e a percepção do ambiente
geralmente é feita por meio de "palpites", "dicas" ou "inspirações".
A intuição busca significados, conexões e possibilidades futuras das
informações recebidas. Pessoas intuitivas olham para o todo e não para as partes,
por isso às vezes têm dificuldade em perceber os detalhes, diz LESSA (2018).
Segundo LESSA (2018), as funções de Pensamento e Sentimento são
consideradas racionais, pois possuem caráter julgador e são influenciadas pela
reflexão, que determinam o modo de tomada de decisão. Essas funções também são
chamadas de funções de julgamento e são responsáveis por tirar conclusões sobre
os assuntos tratados pela consciência. A função Pensamento estabelece a conexão
lógica e conceitual entre os fatos percebidos. As pessoas que usam os Pensamentos
realizam uma análise lógica e racional dos fatos, naturalmente focado na Razão e
tente ser neutro em seus julgamentos.
A função racional oposta à função Pensamento é a função Sentimento. Aqueles
que usam o Sentimento avaliam o valor intrínseco das coisas, usam valores pessoais
(próprios ou de terceiros) ao tomar decisões. Para Nise da Silveira, “A pessoa que usa
a função Sentimento faz julgamentos como Pensamento, mas sua lógica é muito
diferente. É a lógica do coração ”. Silveira (1988: 54 apud LESSA 2018).

Ao demonstrar as quatro funções, Jung escreveu:

“Sob o conceito de Sensação pretendo abranger todas as percepções através


dos órgãos sensoriais; o Pensamento é a função do conhecimento intelectual
e da formação lógica de conclusões; por Sentimento entendo uma função que
avalia as coisas subjetivamente e por Intuição entendo a percepção por vias
inconscientes … A Sensação constata o que realmente está presente. O
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Pensamento nos permite conhecer o que significa este presente; o
Sentimento, qual o seu valor; a Intuição, finalmente, aponta as possibilidades
do “de onde” e do “para onde” que estão contidas neste presente… As quatro
funções são algo como os quatro pontos cardeais. Tão arbitrárias e tão
indispensáveis quanto estes. ” Jung (1971: 497 LESSA 2018).

2.1 Tipos de personalidade – abordagem tipológica de Carl Jung

Fonte: filosofiahoje.com

Carl Jung (1875 - 1961), psiquiatra suíço e psicanalista, foi o fundador da


Psicologia Analítica. Em 1921 publicou sua obra sobre os tipos psicológicos (JUNG,
2012 apud COLETTA, 2018), na qual apresenta as duas direções principais da libido
entendida como energia psíquica conhecidas como extrovertida e introvertida, dois
conceitos teorizados. Jung (2012 apud COLETTA, 2018) acreditava que todos os
indivíduos estariam em alguma dessas posições quanto ao interesse pelo objeto ou
pelo sujeito ou, na movimentação da libido, em direção ao objeto ou ao sujeito. Porém
ambas as posições existem dentro do indivíduo, sendo uma delas desenvolvida com
o objetivo de adaptação.
Segundo COLETTA, (2018) na extroversão (iniciativa e ação prática) é dado
enfoque ao objeto e, na introversão (reflexão), ao sujeito. Na atitude extrovertida, a
libido, isto é, a energia psíquica, volta-se naturalmente para o mundo externo de
objetos, fatos e pessoas, caracterizando uma disposição para a ação, a impulsividade,
a comunicabilidade, a sociabilidade e a facilidade de expressão oral. Na atitude
introvertida, a atenção do indivíduo é voltada para o seu mundo interior suas
impressões, emoções e pensamentos, favorecendo características como a hesitação,
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o pensar antes de agir, a maneira reservada, o retraimento social, a retenção de
emoções, a discrição e a facilidade de expressão no campo da escrita, com uma
ênfase à subjetividade.
Além desses dois tipos básicos, Jung identificou diferenças individuais entre os
extrovertidos e os introvertidos, que atribuiu às diversas maneiras com que o indivíduo
utiliza a mente, ou melhor, às funções psíquicas e/ou processos mentais que utiliza
para se relacionar com o mundo externo ou interno (LESSA, 2012 apud COLETTA,
2018).
De acordo com Feist, Feist e Roberts (2015, p. 81 apud COLETTA, 2018):

[...] tanto a introversão quanto a extroversão podem se combinar com uma ou


mais das quatro funções, formando oito orientações possíveis, ou tipos. As
quatro funções sensação, pensamento, sentimento e intuição podem ser
brevemente resumidas da seguinte forma: a sensação diz às pessoas que
algo existe; o pensamento lhes possibilita reconhecer seu significado; o
sentimento lhes diz seu valor; e a intuição lhes permite saberem a seu
respeito sem saber como.

Diariamente as pessoas utilizam essas quatro funções, sendo que, por meio da
sensação e da intuição, a situação é percebida diretamente, sem a intermediação de
um juízo ou uma verificação. A sensação é uma função dos sentidos, que traz as
percepções do mundo através dos órgãos dos sentidos. Segundo Lessa (2012 apud
COLETTA, 2018), pessoas com essa função predominante são aquelas que:

[...] acreditam nos fatos, têm facilidade para lembrar-se deles e importam-se
com o presente, com foco no real e no concreto, são voltadas para o ‘aqui- -
agora’, sendo práticas e realistas; preocupam-se mais em manter as coisas
funcionando do que em conceber novos caminhos.

Feist, Feist e Roberts (2015, p. 82 apud COLETTA, 2018) referem que “[...] as
pessoas com sensação extrovertida percebem os estímulos externos de modo
objetivo, de uma forma muito parecida como esses estímulos existem na realidade”.
Suas sensações não são tão influenciadas por suas atitudes subjetivas. Por outro
lado, ainda segundo os autores:

[...] as pessoas com sensação introvertida são influenciadas por suas


sensações subjetivas de visão, audição, olfato e tato, sendo guiadas por sua
interpretação dos estímulos sensoriais, não pelos estímulos em si; é uma
interpretação subjetiva dos fenômenos objetivos e, quando esta atitude é
levada ao extremo, pode resultar em alucinações (FEIST; FEIST; ROBERTS,
2015, p. 82 apud COLETTA, 2018).

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Na função intuição, a percepção ocorre por meio do inconsciente, e o
entendimento ou a compreensão do ambiente externo ocorre por meio de
pressentimentos, palpites ou inspirações. As pessoas do tipo intuição veem o todo e
não as partes, tendo dificuldades em verificar detalhes. Segundo Feist, Feist e Roberts
(2015, p. 82 apud COLETTA, 2018):

[...] as pessoas intuitivas extrovertidas são orientadas para a percepção


externa de maneira subliminar, podem criar coisas que atendem a uma
necessidade que apenas poucas pessoas perceberam que existia. [...] as
pessoas intuitivas introvertidas são guiadas pela percepção inconsciente de
fatos que são basicamente subjetivos e têm pouca ou nenhuma semelhança
com a realidade externa.

Por estarem relacionadas ao ato de julgar e serem influenciadas pela reflexão


que propicia o modo de tomada de decisão, as funções pensamento e sentimento são
consideradas racionais, sendo também denominadas funções de julgamento; a
palavra que melhor expressa estas funções é “apreciação”. Na função pensamento é
instituída a conexão lógica e conceitual dos eventos e situações apreendidas. As
pessoas que utilizam a função pensamento são julgadoras e categorizadoras e
distinguem um fato de outro sem envolver a afetividade. Orientam-se pela razão,
sendo mais neutras nos seus posicionamentos e julgamentos. A função que se
contrapõe ao pensamento é o sentimento. As pessoas que utilizam essa função
valorizam mais os sentimentos nas suas avaliações e decisões, atentando mais para
a harmonia do clima social; suas decisões seguem mais o coração (LESSA, 2012
apud COLETTA, 2018).
Segundo Feist, Feist e Roberts (2015, p. 81 apud COLETTA, 2018):

[...] as pessoas com pensamento extrovertido contam com pensamentos


concretos, mas elas também podem usar ideias abstratas se estas foram
transmitidas de fora, por exemplo, por pais e professores. Matemáticos,
engenheiros e contadores fazem uso frequente do pensamento extrovertido,
pois precisam ser objetivos. [...] as pessoas com pensamento introvertido
reagem aos estímulos externos, porém sua interpretação de um evento é
mais colorida pelo significado interno que trazem consigo do que pelos fatos
objetivos em si. [...] quando levado ao extremo, o pensamento introvertido
resulta em pensamentos místicos improdutivos, os quais são tão
individualizados que acabam sendo inúteis para qualquer outra pessoa.

A função sentimento deve ser diferenciada da emoção. Por sentimento


entende-se a avaliação de cada atividade consciente, sem necessariamente ter uma
emoção. As emoções apresentam-se em qualquer uma das quatro funções quando

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suas forças forem aumentadas. Para Feist, Feist e Roberts (2015, p. 82 apud
COLETTA, 2018):

[...] as pessoas com sentimento extrovertido usam dados objetivos para


fazerem avaliações. Elas não são tão guiadas por sua opinião subjetiva, mas
pelos valores externos e por padrões de julgamento aceitos. [...] as pessoas
geralmente gostam delas, devido a sua socialização, mas, em sua busca de
se adequarem aos padrões sociais, elas podem parecer artificiais, superficiais
e não confiáveis. [...] as pessoas com sentimento introvertido baseiam seus
julgamentos de valor principalmente em percepções subjetivas, em vez de
fatos objetivos. [...] elas ignoram opiniões e crenças tradicionais, e sua
indiferença quase completa pelo mundo objetivo (incluindo as pessoas),
muitas vezes, faz os indivíduos à sua volta se sentirem desconfortáveis.

Analisando a dinâmica da personalidade, Jung (2012 apud COLETTA, 2018)


constatou que uma das funções se torna distinta e adquire um estágio de dominância,
de função dominante ou principal. Outra função pode ter um desenvolvimento com
menor intensidade e vir a tornar-se uma função auxiliar da primeira. As outras duas
funções (terciária e inferior) permanecerão no inconsciente.
A função dominante manifesta-se pelo exercício maior na utilização desta
função do que as demais, ficando mais desenvolvida, pois as pessoas buscam sempre
resultados melhores na sua luta pela existência e na adaptação ao meio. Quanto à
função auxiliar ou secundária, por ter se desenvolvido menos, servirá de apoio à
função dominante ou principal, para dar equilíbrio entre a extroversão e a introversão,
e entre o julgamento e a percepção. A função terciária é o complemento na dinâmica
consciente/inconsciente. A função inferior é a menos desenvolvida, contrapõe-se à
função dominante e faz a ponte para o inconsciente; ou seja, se a função
dominante/principal for a intuição, a função inferior será a sensação que é o seu
oposto. Caso a função inferior ganhe energia e emerja no consciente, será de forma
arcaica e infantil, levando ao desequilíbrio e à neurose (LESSA, 2012 apud COLETTA,
2018).
Segundo Feist, Feist e Roberts (2015, p. 89 apud COLETTA, 2018):

[...] a abordagem de Jung da personalidade foi muito influente no início do


desenvolvimento da psicologia da personalidade. [...] hoje, a maior parte das
pesquisas relacionadas a Jung foca suas descrições dos tipos de
personalidade. O Indicador Tipológico Myers-Briggs (Myers-Briggs Type
Indicator, MTBI; Myers, 1962) é a medida usada com mais frequência
baseada nos tipos de personalidade de Jung. O MTBI acrescenta uma quinta
e uma sexta funções, julgamento e percepção, à tipologia original de Jung,
criando um total de 16 tipos de personalidade possíveis.

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O Quadro 1 apresenta os oito tipos de personalidade junguianos.

Fonte: Adaptado de Feist, Feist e Roberts (2015)

3. VISÃO PSICANALÍTICA

Com Freud e seu estudo intitulado "Psicologia das Massas e Análise do Self
(eu)" em 1921, a psicanálise começou a olhar para os laços sociais, mais
precisamente os laços sociais. Nesse estudo, Freud aborda a que se refere a noção
de “massa”. Buscando inicialmente o diálogo com autores como Le Bon e McDougall.
Freud (apud MAYA, 2016 apud LOPES, 2017) se preocupa em Le Bon com a falta de
uma resposta para a seguinte questão: “Se os indivíduos do grupo são combinados
em uma unidade, certamente deve haver algo que os conecte e esta conexão poderia
ser exatamente o que caracteriza um grupo ”.
Sobre a organização de massa de McDougall, uma tese se destaca aos olhos
de Freud (apud MAYA, 2016 apud LOPES, 2017): “A tarefa consiste em procurar na
massa as mesmas propriedades que eram características do indivíduo e se apagaram
pela formação de massa” e apresenta termos centrais que a clínica lhe deu, como
identificação, sugestão e libido.

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Fonte: psicanalise.com.br

Freud (1921 apud LOPES, 2017) enfatiza a libido e o amor como forças que
unem as massas à necessidade do indivíduo de um outro. O que aconteceu no
indivíduo e o que aconteceu na constituição de uma multidão que nos faz pensar na
ligação entre a multidão e o indivíduo.

4. DE FREUD A JUNG: CONSCIENTE E INCONSCIENTE PESSOAL

O inconsciente se constitui como um conceito fundamental para a psicanálise


freudiana, influenciando inclusive psicólogos que se afastaram da psicanálise, como
a psicologia junguiana. Carl Jung foi colega de Freud, interessando-se pela
psicanálise a partir da publicação de A interpretação dos sonhos (FREUD, 2002 apud
MAIA, 2020). Embora tenham trabalhado juntos, sendo Jung considerado pelo próprio
Freud o herdeiro do seu legado teórico, as diferenças em relação ao inconsciente e
sobre a libido levaram à ruptura na relação entre ambos. Jung julgava o papel do sexo
com um peso menor em relação a Freud, o pai da psicanálise, considerando a libido
como uma energia psíquica geral da qual o sexo seria apenas uma parte (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2016 apud MAIA, 2020).
A psicanálise freudiana, por sua vez, surge no século XIX dando ênfase às
forças motivadoras, ao inconsciente, a conflitos internos e seus efeitos sob o
comportamento. No desenvolvimento teórico sobre o inconsciente, Freud inicialmente
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considerava a vida psíquica estruturada entre consciente e inconsciente e,
posteriormente, por id, ego e superego (FREUD, 1980 apud MAIA, 2020). Jung,
seguindo esse pressuposto, também considerava que a psique era formada por um
nível consciente e outro inconsciente (JUNG, 1980a; 198b apud MAIA, 2020), mas
amplia a concepção de inconsciente ao acrescentar o inconsciente coletivo (FEIST;
FEIST; ROBERTS, 2015 apud MAIA, 2020).
A libido aparece nas elaborações de Jung como uma energia de vida difusa e
generalizada e enquanto uma energia que alimentaria a psique ou a personalidade.
Desenvolve a ideia de energia, então, influenciado pela física, compreendendo a
energia psíquica a partir de princípios como opostos, equivalência e entropia, afirma
apud MAIA, (2020).

Fonte: psicologia.com.br

A ideia dos opostos é característica de toda a perspectiva junguiana, mas o


psicanalista também compreende que há um princípio de conservação de energia,
que pode ser transferida para outras dimensões da personalidade essa compreensão
considera que a energia está sempre circulando pela personalidade. Com isso, tem-
se uma tendência ao equilíbrio, em que se busca a distribuição da energia psíquica
pelas estruturas da personalidade de forma igualitária (SCHULTZ; SCHULTZ, 2016
apud MAIA, 2020).

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A personalidade, nessa perspectiva, é composta por várias estruturas, sendo
as principais o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. O ego é
entendido como o centro da consciência, em que estariam a execução da percepção,
sentimentos, desejos e raciocínio através da energia psíquica. Precisa para ser
completado pelo centro da personalidade que é em sua maior parte inconsciente
(FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015 apud MAIA, 2020). Segundo Jung (1967 apud MAIA,
2020), o ego seria o organizador da psique e constitutivo da identidade. É por meio
dessa dimensão que o inconsciente se manifesta, um mediador que possibilita a
resolução dos opostos, base da formação da subjetividade em Jung.
O inconsciente pessoal, em Jung (1980a; 1980b apud MAIA, 2020), surge das
experiências vividas e assemelhar-se-ia à noção de pré-consciente da psicanálise
freudiana, uma dimensão que abarcaria processos psíquicos que não são plenamente
conscientes, mas também não estão no inconsciente (JUNG, 1980a; 1980b apud
MAIA, 2020). Diz respeito aos conteúdos reprimidos das memórias infantis, percepção
e sensação vividas por cada pessoa e que são esquecidas e não totalmente
conscientes por isso individuais, únicas (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015 apud MAIA,
2020), formado, então, por experiências que conflitam com aspectos pessoais, morais
ou que são provenientes de sofrimento ou situações que não seriam necessárias
relembrar cotidianamente. A função é organizar esses conteúdos, que somente
podem ser acessados por meio da constelação, que seriam as reações emocionais
agrupadas (NASSER, 2010 apud MAIA, 2020).
Diferentemente da perspectiva freudiana de inconsciente (FREUD, 1980 apud
MAIA, 2020), enquanto um depósito de material reprimido, desejos, pensamentos e
emoções, sede de conflitos e tensões que buscam alívio, Jung considera o
inconsciente pessoal como aquele em que se guarda as diversas experiências e
agrupadas no que se denomina complexos, que são formados não apenas pelas
experiências infantis, mas também por aquelas vivenciadas na vida adulta, bem como
de ancestrais que estão no inconsciente coletivo. Schultz e Schultz (2016, p. 95 apud
MAIA, 2020) afirmam que “[...] um complexo é um centro ou padrão de emoções,
lembranças, percepções e desejos no inconsciente pessoal, organizado em torno de
um tema comum”. Esses influenciam os pensamentos, desejos e comportamentos dos
indivíduos, que, embora não tenham consciência do complexo, podem perceber seus
efeitos.

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Os complexos são constituintes da psique, dotando a estrutura psíquica de uma
carga afetiva que liga representações, memórias e pensamentos (JUNG, 1971b apud
MAIA, 2020). Como aponta Jacobi (2017, p. 28 apud MAIA, 2020), na perspectiva
junguiana, os complexos são:

[...] como os pontos focais e nodais da vida psíquica que absolutamente não
gostaríamos de perder, que não podem estar ausentes, pois, do contrário, a
atividade psíquica chegaria a uma paralisação fatal. Eles formam aqueles
pontos nevrálgicos da estrutura psíquica a que aderem as coisas não
digeridas, inaceitáveis, conflituosas, mas sua dolorosidade não revela
nenhum distúrbio patológico.

Essa visão, afirma Jacobi (2017 apud MAIA, 2020), contrapõe-se à perspectiva
freudiana de complexo porque, enquanto nesta a discussão parte das experiências
patológicas e, portanto, assume um caráter negativo, produto de mecanismos de
repressão, formando sintomas, em Jung, seria resultado de um olhar para um duplo
aspecto dos complexos, aqueles resultantes das experiências e que estão no
inconsciente pessoal e aqueles que teriam relação com o inconsciente coletivo.
Por agirem inconscientemente, levam os sujeitos a agir, controlando condutas,
pensamentos e emoções. Jacobi (2017, p. 18 apud MAIA, 2020) diz que a abordagem
junguiana do complexo:

[...] consiste primariamente em um elemento central, um portador de


significado, que, subtraindo-se à vontade consciente, é inconsciente e
incontrolável, e, secundariamente, em uma série de associações a ele
ligadas, que se originam, em parte, da disposição pessoal original e, em
parte, das vivências do indivíduo condicionadas pelo ambiente.

Os complexos, quando constelados, podem fazer emergir a consciência, ainda


que não se conheça o plano de fundo. Esse só acontece após a conscientização pelo
processo terapêutico, que possibilita o descarregamento energético do complexo e,
desse modo, a sua influência. O restante ficará inconsciente, enquanto elemento
central. Por isso, seria uma dimensão saudável da psique, assumindo caráter
patológico apenas quando revestido pelo conteúdo da experiência (JACOBI, 2017
apud MAIA, 2020).

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4.1 O inconsciente coletivo de Carl Jung

A compreensão de Jung a respeito da psique é ampliada, incluindo uma


dimensão que não se reduz ao pessoal, mas é constituída por uma memória coletiva,
acúmulo das experiências herdadas enquanto espécie humana. Seria uma dimensão
que se manifestaria nos sonhos, mitos, religiões, etc. e que inclui experiências
universais que têm autonomia em relação ao ego e ao inconsciente pessoal porque é
formada por uma dimensão transcendente e coletiva, um repertório de experiências
ancestrais que influenciam a personalidade (JUNG, 1971 apud MAIA, 2020).
Para Jung (1980 apud MAIA, 2020), o inconsciente coletivo diz respeito às
memórias que conectam toda a história da humanidade. Por isso, as experiências
básicas e cotidianas caracterizariam os vários momentos dessa história maternidade,
medos, morte são experiências comuns e compartilhadas.

As pessoas sempre tiveram uma figura materna, vivenciaram nascimentos,


mortes, enfrentaram terrores desconhecidos no escuro, idolatraram o poder
ou algum tipo de figura divina e temeram um ser malvado. A universalidade
dessas experiências em inúmeras gerações deixa uma marca em cada um
de nós quando nascemos e determina a maneira como percebemos e
reagimos ao nosso mundo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2016, p. 96 apud MAIA,
2020).

O inconsciente coletivo opera de forma imagética, pelas fantasias e pelo


pensamento mítico, complementando as outras dimensões da psique. Difere- -se de
uma concepção do pensamento enquanto linguagem e do inconsciente formado por
representações porque é formado por símbolos e se expressa simbolicamente (JUNG,
1980 apud MAIA, 2020). O símbolo manifesta padrões de experiências arcaicas da
humanidade e realiza uma mediação entre consciente e inconsciente, é oriundo de
arquétipos e representa “[...] situações e temas típicos e recorrentes da existência
humana, [...] pois o arquétipo é uma estrutura do inconsciente, uma constante
antropológica” (SERBENA, 2010, p. 78 apud MAIA, 2020).
O arquétipo se constitui em uma estrutura que possibilita compreender as
experiências, existindo em uma variedade na mente humana, cada um relacionado a
elementos como nascimento, morte, casamento, doenças, infância, poder, etc. Por
sua dimensão inconsciente, não estaria acessível a não ser pelas manifestações;
formou-se ao longo da história da humanidade, acumulando um repertório de padrões
que constituem a natureza humana (SERBENA, 2010 apud MAIA, 2020).

17
Os arquétipos em si não estão determinados, e o seu conteúdo se forma a partir
da conexão com as experiências consciente dos indivíduos. Sua manifestação se dá
por padrões de comportamentos a partir de imagens, representações e as produções
humanas por meio dos símbolos. Jung elaborou esse conceito a partir dos estudos de
mitologia, literatura, sonhos e fantasias de pacientes que continham temas comuns e
que estavam relacionados a situações da experiência humana. Desse modo, atuam
“[...] como padrões estruturais na mente humana que devem ser preenchidos com
conteúdo da experiência individual do sujeito, a qual é social, cultural e historicamente
localizada” (SERBENA, 2010, p. 79 apud MAIA, 2020).
Arquétipos, então, foram as estruturas da psique tanto enquanto fatores
biológicos quanto históricos que são atualizados pelas experiências dos indivíduos,
recebendo forma e aparecendo na consciência. É importante ressaltar que o que se
observa são manifestações, os efeitos do arquétipo. “Só depois de ter recebido uma
forma, manifestada pelo material psíquico individual, é que ele se torna psíquico e
penetra na esfera do consciente” (JACOBI, 2017, p. 40 apud MAIA, 2020). Nessa
concepção, todas as manifestações psíquicas possuem um substrato comum na
história da humanidade.
Na obra junguiana, os arquétipos representam a história da humanidade, mas
sua transmissão não se dá pela cultura apenas, mas por formas inconscientes
herdadas com a estrutura cerebral. Isso significa que os arquétipos são condições
estruturais herdadas que possibilitam a produção de formações semelhantes a partir
de determinada constelação. É essa herança que estrutura a psique, a possibilidade
da formação das ideias, imagens e símbolos (JACOBI, 2017 apud MAIA, 2020).
Entre os muitos arquétipos, na perspectiva junguiana, é possível encontrar a
reflexão sobre persona, anima e animus, sombra e self. Persona se refere à máscara,
a uma representação de papéis, e foi utilizada no arquétipo da persona como a
expressão pública que é utilizada pela pessoa para se apresentarem. Já anima e
animus seriam opostos complementares, representando o masculino (animus) e o
feminino (anima). Ambos são expressos pelos indivíduos para o desenvolvimento da
personalidade, considerando o princípio de que a psique opera pelos opostos
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2016 apud MAIA, 2020).

18
Fonte: O tei-gi... (2018)

Sombra, conforme Jung (1971 apud MAIA, 2020) seria o arquétipo mais
poderoso porque contém instintos básicos e arcaicos, formando um lado obscuro da
personalidade e que precisa ser contido para a convivência em sociedade. Esse
arquétipo se relaciona não apenas com aspectos negativos, mas também com a
vitalidade e a criatividade; por isso, deve ser contido para o desenvolvimento das
relações em sociedade, mas não reprimido para que sejam possíveis a expressão
criativa e as emoções. O self, por sua vez, implica a unidade e a harmonia da
personalidade, envolvendo o equilíbrio e a integridade, em que há uma assimilação
dos processos conscientes e inconscientes. O self, portanto, é uma fonte motivadora
para a busca de realização, tendo como o foco o futuro, e esse processo somente
acontece com autoconhecimento (SCHULTUZ; SCHULTZ, 2016 apud MAIA, 2020).
Jung (2000 apud LOPES, 2017) formulou uma teoria que incluía tanto o
inconsciente pessoal quanto o coletivo. O inconsciente pessoal é composto de
memórias esquecidas, experiências reprimidas e percepções subliminares é
semelhante ao conceito de inconsciente de Freud. Os conteúdos do inconsciente
coletivo, também conhecido como inconsciente impessoal ou transpessoal, são
universais e não se enraízam em nossa experiência pessoal. Jung (2000 apud
LOPES, 2017) define o inconsciente como um processo, em que a psique se
transforma ou se desenvolve pelo relacionamento do ego com os conteúdos do
inconsciente.
19
O inconsciente coletivo, que resulta das experiências comuns a todas as
pessoas, também inclui material de nossa genealogia pré-humana e animal. Jung
sugeriu que existe um nível de imagens no inconsciente comum a todas as pessoas.
Ele também descobriu uma íntima correspondência entre os conteúdos oníricos dos
pacientes e os temas míticos e religiosos encontrados em muitas culturas amplamente
dispersas, afirma LOPES, (2017).

5. CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E SEU DESENVOLVIMENTO

Fonte: ururau.com.br

Para destacarmos as especificações das fases de desenvolvimento infantil em


Freud, vale ressaltar que desde o início de seus trabalhos, no Projeto (FREUD, 1996
apud BARBOSA, 2020), ele analisa o vínculo mãe-bebê com uma experiência de
satisfação erógena. A experiência de satisfação vai ser importante no processo
dinâmico psíquico de prazer-desprazer. Para Testi (2012 apud BARBOSA, 2020), a
experiência de satisfação em Freud se caracteriza pelo encontro entre o bebê e a
pessoa que permite as descargas das tensões internas (geralmente a mãe),
promovendo, assim, o apaziguamento dessas tensões, que é reconhecida como uma
vivência de satisfação, produzindo a primeira sensação de prazer, além da saciação

20
de uma pura necessidade. Assim, para a autora, quando a mãe está cuidando do filho,
ela também está despertando no filho a pulsão sexual ou libido.
Garcia-Roza (1993 apud BARBOSA, 2020) lembra a distinção freudiana entre
Narcisismo primário e secundário. O narcisismo é uma categoria criada por Freud para
representar um investimento libidinal no Ego. O narcisismo primário descreve um
estado precoce em que a criança investe toda a libido em si mesma (autoerotismo),
ao passo que o secundário descreve o retorno da libido ao Ego depois da retirada dos
investimentos objetais (libido do objeto). O narcisismo primário é entendido aqui,
enquanto realidade psíquica, como o mito primário do regresso ao seio materno,
sendo o autoerotismo uma fase anterior e preparatória ao narcisismo. Uma das formas
de lidar com o narcisismo infantil é o recalque (função normalizante).
Freud defendia tanto o menino quanto a menina como sendo o primeiro objeto
original de amor da mãe, mas insistia na ideia de que o abandono da mãe, como
objeto de amor, é uma condição necessária para a entrada da menina no Édipo
(MOREIRA, 2004 apud BARBOSA, 2020). Freud caracterizou as fases de
desenvolvimento infantil a partir das pulsões sexuais em quatro fazes: oral, anal,
genital e fálica. Para Testi (2012 apud BARBOSA, 2020), a sexualidade infantil na
teoria freudiana não se caracteriza por uma fase cronológica de desenvolvimento, mas
por fases de organização psíquica frente ao objeto. Na constituição psíquica do
sujeito, Freud classificou duas etapas de organização pré-genital: a oral e a sádico-
anal, pois estando a satisfação a serviço da autopreservação, é natural que ocorra em
referência à nutrição. Situada entre a organização pré-genital e a organização sexual
adulta, é definida uma organização sexual infantil ou fálica (sob a primazia do falo). O
amadurecimento da criança pode levar à resolução (dissolução) de seu Complexo de
Édipo.
Devemos destacar, ainda, algumas contribuições à constituição do sujeito e ao
seu desenvolvimento segundo outras Escolas de Psicanálise pós-freudiana. Além de
Anna Freud, que deu continuidade à Escola de seu pai, mas tomando rumos próprios,
Jung, que fundou sua própria terapia, Abraham, Bion, entre outros, podemos também
destacar as contribuições de Melaine Klein. Segundo Ribeiro e Caropreso (2018 apud
BARBOSA, 2020), entre 1920 e 1945, a Psicanálise infantil se restringia ao circuito
europeu, tendo Anna Freud, Melaine Klein, Margaret Mahler, Donald Winnicott, Spitz,
Ferencsi e Abraham como seus principais contribuidores. Com os determinantes da

21
Segunda Guerra, alguns desses psicanalistas precisaram se mudar para os Estados
Unidos.
Melaine Klein teve seu ponto de partida se baseando em alguns conceitos de
Freud, como fantasia, mundo interno, Complexo de Édipo, etc., mas ela também
elaborou outros conceitos originais, como o de posição e Ego primitivo (desde o
nascimento) para mobilizar mecanismos de defesa arcaicos (dissociações,
identificação projetiva, identificação introjetiva, negação onipotente, idealização e
denegrimento) contra ansiedades primitivas advindas da inata pulsão de morte,
conservando o conceito freudiano do Complexo de Édipo, mas identificando-o nos
primórdios da vida da criança (NEVES, 2007 apud BARBOSA, 2020).
Melaine Klein fundou a Escola dos Teóricos das Relações Objetais. Ela
investigava os estágios iniciais do desenvolvimento infantil, criando a técnica do
brincar como forma de expressão do Ics. Klein avaliou o primeiro trimestre de vida do
desenvolvimento infantil, identificando o medo do aniquilamento (perpetrado pelo
trauma do nascimento e pela identificação de objetos parciais, como o seio materno)
uma ansiedade persecutória que engendra seus primeiros mecanismos de defesa
(posição esquizo-paranoide da criança). A partir desse conceito, Melaine Klein
descreveu o desenvolvimento psicológico do indivíduo humano. O período
caracterizado pela Escola kleiniana valorizou os aspectos relacionados ao
desenvolvimento emocional primitivo, as relações objetais parciais, os mecanismos
de defesa primitivos e, apesar da valorização da transferência oriunda da teoria
freudiana, começou-se a ganhar visibilidade o caráter contratransferencial do analista.
Essa Escola se desenvolveu nos trabalhos de vários autores, inclusive no Brasil, como
Isaacs, Segal, Rosenfeld, Meltzer, Bion e Aberastury (ABRÃO, 2008 apud BARBOSA,
2020).
Ribeiro e Caropreso (2018 apud BARBOSA, 2020) resumem a fase da
separação-individuação como se iniciando entre os 4 e 5 meses de vida do bebê e
indo até os 30 a 36 meses. Nas observações diárias no Master Children’s Center
(MAHLER, 1971 apud BARBOSA, 2020), descreveram-se certos comportamentos
frequentes nos bebês, como o uso de objetos inanimados relacionados à mãe, os
quais funcionavam como substitutos dela durante a sua ausência (objeto transicional).
Além disso:

22
Outro fato observado é que houve significativa modificação cinestésica das
crianças normais quando em contato com o corpo humano e pouca alteração
quando manuseando objetos inanimados. Entretanto, nas crianças
psicóticas, o quadro inverso foi notado. Uma terceira observação foi a
ocorrência, entre irmãos, de diferentes reações diante de estranhos,
mostrando que, apesar de terem o mesmo objeto materno, a aquisição da
expectativa confiante e da desconfiança básica dependem da maneira com
que foram cuidados (RIBEIRO; CAROPRESO, 2018, p. 905 apud BARBOSA,
2020).

Outra importante escola criada nos EUA foi a Psicologia do self. Ela foi
inaugurada por Heiz Kohut, médico austríaco que, assim como Mahler e outros, fugiu
do caos nazista. Kohut inicialmente se considerava um aprofundador dos conceitos
freudianos, porém, em Chicago, ele acabou se distanciando desses conceitos de base
dos egressos da Psicanálise tradicional. Para Kohut, as concepções psicanalíticas
tomavam posturas muito ortodoxas (as Escolas de Anna Freud, Melaine Klein e a
Psicologia do Ego). Ele afirmou que fenômenos psicológicos só podem ser
apreendidos por intermédio da introspecção e da empatia. Por estudar as patologias
narcísicas, sofreu críticas negativas contundentes, apesar disso, seus ensinamentos
se expandiram. Segundo Sarkis (2016 apud BARBOSA, 2020), os estudos de Kohut
sobre as patologias narcísicas apresentadas em trabalhos e publicadas em seus livros
sofreram críticas negativas. Colegas e estudantes se reuniam e o ajudaram a formar
o Grupo de Estudos da Psicologia do self.
Heiz Kohut formulou o conceito de self-objeto que responde empaticamente às
necessidades psicológicas, ou seja, o indivíduo que vem a desempenhar uma vivência
aglutinada às funções que um bebê ainda não pode desempenhar sozinho, devido a
dispor apenas de um núcleo de self a ser desenvolvido, por intermédio da vinculação
com seu próprio self (SARKIS, 2016 apud BARBOSA, 2020). De forma mais clara,
para o bebê, o adulto que cuida dele é parte de si mesmo. O self-objeto idealizado
garante a segurança e o amparo e o sentimento de pertencer a um contexto humano,
mas se esse self-objeto falha, haverá a internalização idealizada do self vinculado,
surgindo, a partir daí as patologias narcísicas do self. Kohut defendia a existência de
um self completo (não defeituoso) com capacidades realizantes, criativas e produtivas
em oposição ao self narcísico (defeituoso). A cura do self narcísico se dá pelas
vivências emocionais do paciente na reativação e na análise de transferência,
emoções inconscientes revividas e elaboradas na consciência durante o processo
analítico. Mais tarde, Kohut modificou certos conceitos, como o do narcisismo, que

23
passou a ser conceituado como uma estrutura da mente, algo próprio das relações
humanas, tendo capacidade de transformações evolutivas. Ele criticava, por meio do
conceito de fúria narcísica, a agressividade destrutiva que é reativa às ameaças de
fragmentação do self. Além disso, Kohut diferenciava, fazendo uso de metáforas, o
homem culpado (relação do homem com suas pulsões) do homem trágico (que busca
um sentido existencial), ao apontar decisivamente seu distanciamento da Psicanálise
freudiana, afirmando que o homem sofre pela ameaça de fragmentação do self.
A Escola de Donald Woods Winnicott (1896–1971 apud BARBOSA, 2020)
também se tornou bastante importante, tendo em vista que o pediatra, psiquiatra
infantil e psicanalista nascido na Grã-Bretanha atuou clinicamente e escreveu para
revistas destinadas ao público em geral. Nelas, ele discutia os problemas das crianças
e das suas famílias. Sua extensa obra foi dedicada à construção da teoria dos
processos maturacionais (um caminho a ser percorrido partindo da dependência
absoluta e da dependência relativa à independência relativa) que, além de constituir
uma teoria da saúde, com descrição das tarefas impostas desde o início da vida pelo
próprio amadurecimento, configura também o horizonte teórico necessário para a
compreensão da natureza e a etiologia dos distúrbios psíquicos. Winnicott exerceu a
psiquiatria infantil com base na Psicanálise modelada por ele mesmo em três pontos:
1. A teoria da sexualidade no entendimento das patologias maturacionais e das
práticas clínicas;
2. A valorização do fator ambiental;
3. A substituição do Complexo de Édipo pela resolução dos conflitos no colo da
mãe e nos ciclos que vão se ampliando conforme o amadurecimento.
A distinção de seu trabalho, metodologicamente, em relação a Freud e outros,
foi a decisão de estudar o bebê e sua mãe como uma unidade psíquica. Isso lhe
permitia observar a sucessão de mães e bebês e obter conhecimento referente à
constelação mãe-bebê, e não como dois seres puramente distintos. Assim, não há
como descrever um bebê sem falar de sua mãe, pois, no início, o ambiente é a mãe
(ambiente facilitador: mãe suficientemente boa), é apenas gradualmente que ele vai
se transformando em algo externo e separado do bebê. Naffah Neto (2005 apud
BARBOSA, 2020) defende que, para Winnicott, muito antes de o bebê constituir seu
self unificado e coeso, ele define um jeito peculiar de estar no mundo, aglutinando a
herança biológica e a articulando com o seu ambiente. Apesar de um início de self

24
fragmentado (gesto espontâneo, criativo), há um eixo central, um núcleo a partir do
qual se desenvolverá rumo à maturidade, produzindo experiência, o fator primordial
para o desenvolvimento da análise winnicottiana.
Segundo BARBOSA (2020), a psicopatia se caracteriza por um transtorno ou
falha no ambiente. A teoria de Winnicott se baseia no fato de que a psique não é uma
estrutura pré-existente, mas, sim, algo que vai se constituindo a partir da elaboração
imaginativa do corpo e de suas funções o que constitui o binômio psique soma. Essa
elaboração se faz na possibilidade materna de exercer funções primordiais, como o
holding (permite a integração no tempo e no espaço), o handling (possibilita o
alojamento da psique no corpo) e a apresentação de objetos (permite o contato com
a realidade). O psique-soma inicial prossegue ao longo de uma linha de
desenvolvimento, desde que sua continuidade de existência não seja perturbada.
Para que isso ocorra, é necessário um ambiente suficientemente bom, no qual as
necessidades do bebê sejam satisfeitas. Um ambiente mau é sentido como uma
invasão a que o psicossoma (o bebê) precisa reagir. Essa reação perturba a
continuidade de existência do bebê. O adoecimento, então, ocorre devido a
perturbações na relação mãe-bebê, pois estas provocam falhas no desenvolvimento
do indivíduo. Tais perturbações criam uma sensação de falta de fronteiras no corpo,
ameaças de despersonalização, angústias impensáveis, ameaças de desintegração
e despedaçamento e de cair para sempre e falta de coesão psicossomática.
Conforme BARBOSA (2020), a última Escola de Psicanálise que abordaremos
aqui é a da Escola Francesa inaugurada por Jacques Lacan. Lacan se tornou um autor
polêmico, muito discutido e admirado, de modo que seus seguidores o consideram
um psicanalista brilhante, e o maior depois de Freud, enquanto seus críticos o acusam
de deturpar/desvirtuar a Psicanálise, afirmando que a teoria lacaniana é um retrocesso
à Psicanálise. Lacan debruça-se sobre a teoria freudiana para apoiar suas diversas
críticas à Psicologia do Ego e as escolas desenvolvidas nos EUA.
Segundo Garcia-Roza (1993 apud BARBOSA, 2020), Lacan lê Freud e se
propõe a analisar a enigmática frase do final da XXXI Conferência: Wo es war, sol ich
werden (FREUD, 1996 apud BARBOSA, 2020). O autor considera que, para Freud, o
sujeito não é o sujeito da verdade, que o Eu desconhece os desejos do sujeito
(deslocamento do sujeito cartesiano já mencionado aqui). Então, “[…] dizem Freud e
Lacan é que esse sujeito, até então absoluto, é atropelado por outro sujeito que ele

25
desconhece e que lhe impõe uma fala que é vivida pelo sujeito consciente como
estranha, lacunar e sem sentido” (GARCIA-ROZA, 1993, p. 210 apud BARBOSA,
2020). No discurso do sujeito (na cadeia significante), o que é lacunar é o lugar do
Outro para Lacan, e é nele que o sujeito aparece. Lacan fazia distinção desse Outro
(com O maiúsculo) como sendo o lugar do Ics e da ordem simbólica, ao passo que o
outro (com letra minúscula) é o semelhante, ou seja, um outro sujeito. Para Lacan, é
esse Outro que agita (GARCIA-ROZA, 1993 apud BARBOSA, 2020). O Outro é a
própria ordem simbólica que é constituída pela linguagem e composta de elementos
significantes formadores do Ics. Já o Ego é a imagem que o sujeito tem de si mesmo,
manifestando-se como defesa e por isso tem a função fundamental de
desconhecimento. Em sua origem, o Ego (moi) é anterior ao Eu (je). O Eu, para Lacan,
é o da realidade falada, da comunicação, aquele que faz referência a um tu.
Lacan determinou a origem do Ego como anterior à linguagem. Ele formulou a
teoria do Estádio do Espelho como formador da função do Eu, designando um
momento da história do sujeito entre os 6 e 18 meses de vida, quando a criança se
torna capaz de formar sua unidade corporal por identificar a imagem do outro (reflexo,
espelho) (GARCIA-ROZA, 1993 apud BARBOSA, 2020). O sujeito é produzido na
passagem do imaginário ao simbólico, ou seja, por meio da linguagem. Nesse
momento, Lacan concebeu a constituição e o desenvolvimento do sujeito a partir de
uma ordem tríplice: a ordem Simbólica, a ordem Imaginária, e a ordem do Real. Essa
última representa a realidade barrada, impossível de ser definida, já que não é
possível de ser definida por escapar da compreensão do sujeito.
São considerados discípulos de Lacan os psicanalistas Jaques Allain-Miller,
Fraçoise Dolto, Maud Mannoni, Moustapha Safouan, entre outros, que ajudaram a
disseminar no mundo a Escola Psicanalítica francesa, afirma BARBOSA, (2020).
Podemos apontar uma questão para a reflexão: partindo do que conhecemos
até aqui quanto à revelação do Ics e a constituição do Eu, perpassando por diversos
conceitos que contribuem para o entendimento do campo da Psicologia e para o
desenvolvimento do ser humano, ao comparar a ideia e a dinâmica da sexualidade
infantil presente em todas essas linhas de pesquisa, podemos afirmar que o ser
humano sofre enquanto ainda retém conteúdos infantis na forma de agir no mundo
externo? Talvez aqueles que conseguem melhor se adaptar às exigências do nosso

26
ambiente interno e externo sejam sujeitos um pouco mais amadurecidos e livres de
suas energias libidinais infantilizadas, afirma BARBOSA (2020).

5.1 Da Dependência à Independência

Segundo ROCHA, (2006) para Winnicott, a maturidade de uma pessoa não se


dá por completo, mas por etapas, e cada etapa representa um determinado estado. A
cada etapa alcançada, uma pessoa amadurece ao desempenhar as tarefas próprias
de cada uma delas. Dessa forma, o indivíduo vai se constituir a partir da experiência
vivida em cada período. A esse respeito Winnicott destaca que:

Todos os estágios do desenvolvimento emocional podem ser mais ou menos


datados. Presumivelmente todos os estágios do desenvolvimento têm uma
data em cada criança. A despeito disso, essas datas não apenas variam de
criança para criança, mas também, ainda que fossem conhecidas com
antecipação no caso de uma certa criança, não poderiam ser utilizadas para
predizer o desenvolvimento real da criança por causa do outro fator, o
cuidado materno (Winnicott 1960c, p.43 apud ROCHA, (2006).

Fonte: pixabay.com

Conforme ROCHA, (2006) no estágio inicial de desenvolvimento emocional,


uma pessoa é absolutamente dependente do ambiente físico e emocional. No
princípio o bebê não denota nenhum sinal de que percebe sua dependência. À medida
que as crianças crescem, elas adquirem a capacidade de expressar suas próprias
27
necessidades e se tornam relativamente dependentes do meio ambiente. Nesse
estágio de desenvolvimento emocional, a adaptação materna falha gradativamente.
Aos poucos, à medida que o meio ambiente vai se desequilibrando gradativamente, a
criança vai ganhando relativa independência, pois na visão de Winnicott, uma pessoa
sempre dependerá do meio ambiente e das pessoas que o compõem ao longo de sua
vida.
De acordo com ROCHA, (2006) à medida que explorava a raiz do
desenvolvimento emocional, Winnicott tornou-se cada vez mais consciente de que
quanto mais olhava para os estágios iniciais e quanto mais incapaz de seguir em
frente, mais percebia que a criança estava em um estado de dependência total do
ambiente. O que aconteceu nos primeiros meses de vida O processo de maturação
garante seu sustento sem a presença da mãe ou da mãe de aluguel para suprir suas
necessidades.
Em decorrência disso, o bebê não tem ainda condições de perceber os
cuidados que recebe do ambiente, nem poderá dar continuidade ao processo de
amadurecimento que ocorre nesses primeiros meses de vida e ter sua existência
assegurada sem que tenha a presença de sua mãe ou de uma mãe substituta, que se
encarregue de cuidar de suas necessidades, afirma ROCHA, (2006).

Com relação a esse estágio, o autor tem a seguinte posição:

Em outras palavras, sem as técnicas que permitem cuidar do bebê de um


modo suficientemente bom o novo ser humano não teria chance alguma.
Através dessas técnicas, o centro de gravidade do ser no interior do contexto
ambiente-indivíduo pode dar-se ao luxo de estabelecer-se no centro, no cerne
em vez de na casca. O ser humano que agora passa a desenvolver uma
entidade a partir do centro pode localizar-se no corpo do bebê, começando
assim a criar um mundo externo ao mesmo tempo que adquire uma
membrana limitadora e um interior. De acordo com esta teoria, não havia no
início um mundo externo, ainda que nós, enquanto observadores,
pudéssemos ver um bebê dentro de um ambiente. Até que ponto isto pode
nos decepcionar é demonstrado pelo fato de que muitas vezes o que
acreditávamos ser um bebê revele-se posteriormente, através da análise, um
ambiente desenvolvendo-se falsamente na forma de um ser humano, ficando
o indivíduo em potencial oculto em seu interior (Winnicott, 1958d [1952],
p.166 apud ROCHA, (2006).

Segundo ROCHA, (2006) nos primeiros meses de vida do bebê, a mãe sozinha
é o ambiente facilitador. O ambiente é essencial, mesmo não sendo o responsável
pelo crescimento. Porém, quando a mãe está devidamente adaptada às necessidades
do filho, permite que a maturidade continue. Tal adaptação é sutil e possui um alto
28
grau de complexidade, exigindo uma extrema dedicação por parte da mãe ou das
pessoas que se ocupam dele. Em outras palavras, é necessário que a mãe não
desaponte seu bebê. Disso depreende-se que os cuidados com o bebê devem ser
suficientemente bons, caso contrário o bebê não poderá dar início ao desenvolvimento
saudável.
De acordo com ROCHA, (2006) assim, Winnicott confirmou essa situação,
utilizando como ilustração o comportamento de segurar uma criança nos braços, pois
na opinião do autor, se uma criança não consegue se identificar com ela, ninguém
consegue segurá-la.
Entretanto, a adaptação oferecida pela mãe inicialmente será o pilar principal
para que o bebê se sinta vivo e qualquer falha na adaptação poderá provocar uma
quebra na continuidade do ser do bebê, interferindo, assim, na tendência natural de
se tornar uma unidade. Sobre essa questão, Winnicott afirma:

A mãe que é capaz de se devotar, por um período, a essa tarefa natural, é


capaz de proteger o vir-a-ser de seu nenê. Qualquer irritação, ou falha de
adaptação, causa uma reação no lactente, e essa reação quebra esse vir-a-
ser. Se reagir a irritações é o padrão da vida da criança, então existe uma
séria interferência com a tendência natural que existe na criança de se tornar
uma unidade integrada capaz de ter um self com um passado, um presente
e um futuro. Com uma relativa ausência de reações e irritações, as funções
corporais da criança dão a base para a construção de um ego corporal. Desse
modo se lançam, as bases para a saúde mental futura. (Winnicott 1965r
[1963], p.82 apud ROCHA, (2006).

Para ele, tudo isso depende também dos cuidados prévios da mãe, pois o
conhecimento constante do mundo é para a criança, então isso pode ser feito não só
com o auxílio da inteligência, mas também não pode ser feito com terapia mecânica,
afirma ROCHA, (2006).
ROCHA, (2006) diz que após alguns meses de cuidado com o bebê no período
de dependência absoluta, a mãe começa a reaver sua própria vida que,
eventualmente, se torna relativamente independente das necessidades do seu bebê.
Inicia-se, então, o período seguinte, o de dependência relativa, onde a mãe
proporciona uma falha gradual às necessidades do bebê, sendo ao mesmo tempo
uma resposta ao desenvolvimento revelado por ele. Nesse sentido, Winnicott dá
como exemplo o começo da compreensão intelectual em que o bebê já pode esperar
uns poucos minutos pela sua alimentação, e isto ocorre quando ouve os ruídos na

29
cozinha que lhe indicam que o seu alimento está prestes a chegar. Para ele, tudo isso
também depende do cuidado proporcionado anteriormente pela mãe, como
apresentação contínua do mundo ao bebê, de modo que isso não pode ser feito
apenas através do intelecto, nem sequer pelo manejo mecânico.
Winnicott afirma que o estágio de dependência relativa vem a ser:

Um estágio de adaptação a uma falha gradual dessa mesma adaptação. É


parte do repertório da grande maioria das mães prover uma desadaptação
gradativa e isso está bem orientado para o rápido desenvolvimento que o
lactente revela (Winnicott 1965r [1963], p.83 apud ROCHA, (2006).

Segundo ROCHA, (2006) um acontecimento relevante nesse estágio de


dependência relativa é a constituição da capacidade que o bebê adquire de relacionar-
se com um objeto e de unir a ideia desse mesmo objeto com a percepção da pessoa
total da mãe. Para o bebê alcançar esse estágio, obviamente precisa-se da existência
do ambiente favorável, representado pela mãe.
Nessa abordagem, Winnicott percebe que:

[...] a adaptação suficientemente boa da mãe é essencial, e deve durar por


um período suficientemente longo, ou a capacidade para se relacionar com
objetos pode ser perdida, total ou parcialmente. De início o relacionamento é
com um objeto subjetivo, e é uma longa jornada daqui até o desenvolvimento
e estabelecimento da capacidade de se relacionar a um objeto, que é
percebido objetivamente e que tem a possibilidade de ter uma existência
separada, uma existência exterior ao controle onipotente do indivíduo
(Winnicott 1963c, p.202 apud ROCHA, (2006).

Conforme mencionado acima, ao cuidar dos filhos, a mãe desempenha um


papel importante na representação do mundo, mas deve-se lembrar que sua principal
tarefa é apresentar-se como ser humano nos cuidados com o bebê.
E sobre essa questão, Winnicott expõe seu pensamento da seguinte forma:

Estou me referindo ao processo bidirecional em que a criança vive num


mundo subjetivo e a mãe se adapta, com o intuito de dar a cada criança um
suprimento básico da experiência de onipotência. Isso envolve
essencialmente uma relação viva (Winnicott 1971f, p.5 apud ROCHA, (2006).

De acordo com ROCHA, (2006) um outro aspecto da dependência relativa é


também citado por Winnicott, isto é, quando se origina, no bebê, o desenvolvimento
global do entendimento de que sua mãe tem uma existência pessoal e separada, isso
de certo modo demonstra que o bebê se dá conta da dependência do ambiente.
Assim, quando a mãe está longe por um tempo superior ao da sua capacidade de crer

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em sua sobrevivência, aparece no bebê a ansiedade, e este é o primeiro sinal de que
a criança percebe se a mãe está ausente. Essa circunstância denota que o bebê já
percebe o cuidado e da proteção que a mãe lhe oferece, ou seja, o bebê começa a
saber em sua mente que a mãe é necessária. De outro lado, a mãe também percebe
o que se passa com o bebê de modo que tenta não lhe causar aflição ou mesmo
produzir raiva ou desilusão durante esta fase de necessidade especial. Segundo
Winnicott esta fase dura aproximadamente de seis meses a dois anos.
Conforme ROCHA, (2006) já rumo à independência, à medida que a mãe torna
gradativamente o bebê capaz de se defrontar com o mundo e todas as suas
complexidades, inicia-se o seu percurso rumo à independência, ou seja, o mundo do
bebê que inicialmente era a sua mãe, aos poucos vai abrangendo o pai, a família, a
comunidade e um grupo cada vez maior. Segundo Winnicott, a busca pela
independência do indivíduo será contínua, portanto, sua capacidade de cuidar de si
mesmo quando adulto não significa que ele atingiu a maturidade emocional suficiente.
Desse ponto de vista, Winnicott conclui:

A maturidade individual implica movimento em direção à independência, mas


não existe essa coisa chamada “independência”. Seria nocivo para a saúde
o fato de um indivíduo ficar isolado a ponto de se sentir independente e
invulnerável. Se essa pessoa está viva, sem dúvida há dependência!
(Winnicott 1971f, p.3 apud ROCHA, (2006).

6. A MÃE SUFICIENTEMENTE BOA

De acordo com MACHADO, (2016) para a psicanálise, o indivíduo humano não


é um objeto da natureza, mas um sujeito que, para existir, precisa do cuidado e da
atenção de outra pessoa. O psicanalista inglês D.W.Winnicott dirá que não há bebê,
mas o bebê com sua mãe, ele enfatiza que a mãe intervém como construtora ativa do
espaço mental da criança e forma uma unidade quase verdadeira com ela.
Segundo OLIVEIRA, et al., (2018), dentre as concepções winnicottianas,
destaca-se o conceito de mãe suficientemente boa, em que a ênfase é colocada na
capacidade de cuidar do outro, reciprocidade, aceitação de sentimentos conflitantes e
à transicionalidade. Diz Winnicott que o melhor que uma mãe pode fazer com um bebê
é ser suficientemente boa de uma forma sensível inicialmente, de modo que a ilusão
para ele se torne algo possível desde o início.

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De acordo com OLIVEIRA, et al., (2018) em sua teoria do desenvolvimento
emocional, é a adaptação da mãe às necessidades do bebê que lhe dá uma
experiência de onipotência, e essa experiência cria a ilusão necessária para um
desenvolvimento saudável. Assim, a mãe boa o suficiente é comparada com a mãe
comum que, em termos de saúde, pode entrar em estado de atenção materna
primária.

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Define a vontade e a capacidade da mãe de deixar de lado seus interesses


pessoais e focar no bebê como sua principal preocupação materna, é parte do
processo normal para a mãe recuperar o interesse por si mesma e fazê-lo na medida
em que o bebê possa tolerá-lo, afirma OLIVEIRA, et al., (2018).
Segundo OLIVEIRA, et al., (2018) a mãe patologicamente preocupada
permanece identificada com seu filho por muito tempo ou sai desse estado
abruptamente, sem ser capaz de levar em consideração as necessidades do bebê
que se desenvolve gradualmente. Quando a mãe não é boa o suficiente, quando ela
não reconhece os gestos do bebê, isso se torna uma série de reações frente às falhas
ambientais e o verdadeiro self não chega a desenvolver-se, permanecendo oculto por
um falso-self.
Conforme MACHADO, (2016) Winnicott explica que não é necessário que a
mãe tenha uma compreensão intelectual de seu papel ou tarefas, para ele a mãe está

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essencialmente preparada para isso por meio da orientação biológica do próprio filho.
Envolve mais dedicação do que compreensão de ser suficiente boa para ter sucesso
no início da vida de seu bebê. Quando você confia em seu próprio julgamento, em sua
melhor forma.
Para Winnicott, o adulto saudável é aquele que lançou as bases de sua saúde
mental na infância, nas primeiras semanas e meses. Para que o bebê se transforme
em sujeito, é importante que, desde o início, seja reconhecido como pessoa e não
como objeto. Para se estabelecer, o bebê não pode prescindir do prazer da mãe no
desempenho de sua função materna. Quando toda tarefa do cuidado é feita com
prazer, isso é estruturante para o sujeito. O prazer materno de estar realmente
presente nesta relação orienta o bebê para o seu pleno desenvolvimento, afirma
MACHADO, (2016).
Conforme BARBIERI; et al., (2005), as características da “mãe boa o suficiente”
derivadas do trabalho de Winnicott e psicanalistas que trabalham com o assunto são
modificadas e acordo com os estágios de desenvolvimento do bebê e podem ser
sistematizadas da seguinte forma:

Estágio de Dependência Absoluta: Dada a prevalência do autoerotismo, o


processo de pensamento primário e as relações subjetivas no bebê, o que significa
continuar o cuidado fisiológico intrauterino
e estabelecer uma rotina de cuidados que gere sentimento de ter uma existência
contínua no bebê. Esse sentimento também surge de experiências de ilusão, quando
a mãe encontra sua onipotência adaptando-se aos objetos que o bebê cria por
necessidade e dá a ela a sensação de que a realidade é gerada por ele, afirma
BARBIERI; et al., (2005).
Segundo BARBIERI; et al., (2005), ao mesmo tempo, ela apresenta o mundo
exterior à criança de acordo com suas condições para assimilá-la, ajuda-a a
desenvolver o sentimento de self e a iniciar as tarefas de integração, personalização
e realização. Ao final dessa fase, a função da mãe é desiludir o filho, capacitá-lo a se
desmamar e chegar ao próximo estágio de desenvolvimento em que o pai é
apresentado a ele, mas de uma forma mediada e, portanto, dependente da qualidade
de sua figura paterna.

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Estágio de Dependência Relativa: Capaz de uma maior integração temporal,
de uma vida sem fusão completa com a mãe e de uma simbolização mais
desenvolvida, o bebê pode entrar na área de conciliação entre as realidades interna e
externa e usar o objeto transicional. Isso, que significa separação e união ao mesmo
tempo, permite que o bebê preencha o espaço vazio entre seu corpo e o da mãe
(períodos de ausência), preparando-se para o desmame. Para tanto, é necessário que
a criança disponha de um objeto interno suficientemente vivo e bom, e como a
integração do self ainda é precária, suas qualidades dependem das propriedades do
objeto externo. (Winnicott, 1951/1993c apud BARBIERI; et al., (2005).
Embora Winnicott atribua a tarefa do desmame à mãe, Furman (2000 apud
BARBIERI; et al., 2005) argumenta que é o bebê que toma a iniciativa e rejeita
ativamente o seio, desde que possa distinguir entre o objeto e o investimento libidinal
nele. Portanto, é o bebê que decepciona (desilude) a mãe, e não o contrário, e sua
resposta a essa experiência determinará a atitude da criança em relação ao
crescimento.
Uma vez que a maior integração pulsional dessa fase estimula sentimento de
culpa ou preocupação, a sobrevivência da mãe é tão vital quanto suas condições para
aceitar a restituição do bebê, o que lhe daria confiança em sua própria capacidade
reparadora e na liberdade para utilizar as pulsões, afirma BARBIERI; et al., (2005).

Estágio de Rumo à Independência: a maior integração da personalidade e a


crescente constituição da realidade externa limitam a onipotência de períodos
anteriores e permitem que a criança renuncie ao verdadeiro cuidado maternal por
meio de sua introjeção e projeção de suas necessidades pessoais, de acordo com
BARBIERI; et al., (2005).
Como os principais conflitos desta época giram em torno do complexo de Édipo,
a criança se depara com o problema de desenvolver mecanismos de defesa para
conter e enfrentar a angústia de castração, ambivalência, sentimento de exclusão e
adquirir ainda mais sua identidade sexual, pois este é o setor em que a Mãe (e também
o pai) pudesse ajudá-la, afirma BARBIERI; et al., (2005).
A análise das opiniões de Winnicott, Furman e Geissman sugere que as
qualidades maternas que promovem o desenvolvimento harmonioso da criança
seriam: ter uma boa e forte figura materna como objeto de identificação; ter uma figura

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paterna boa e preservada; capacidade de transição; capacidade de ir e voltar da
regressão; flexibilidade defensiva; Aceitação da própria identidade sexual; impulsos
atuais integrados ao self; boa elaboração edipiana; capacidade de conter medos e
apresentar um superego baseado em princípios realistas. De forma sintética, a
caracterização da "mãe suficientemente boa" está ligada à qualidade de seus objetos
internos (paternos e maternos) e à natureza de seu ego e superego, conclui
BARBIERI; et al., (2005).

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7. BIBLIOGRAFIA

BARBOSA, Fernanda Egger. Psicologia, 2020

COLETTA, Eliane Dalla. Psicologia e criminologia, 2018

FERREIRA, Saulo Durso. A noção de ego na obra de D.W. Winnicott, 2011

LESSA, Elvina. A teoria dos tipos psicológicos, 2018

LOPES, Daiane Duarte. Psicologia social, 2017

MAIA, Gabriela Felten da. Comunicação e psicologia, 2020

ROCHA, Marlene Pereira Da. Elementos da teoria Winnicottiana na constituição


da maternidade, 2006

OLIVEIRA, Alda Regina Dorneles de; CRUZ, Juarez Guedes; RIZZO, Luisa Maria;
FURTADO, Nina Rosa; POZIOMCZYK, Rosane Schermann; BRUM, Tula Bisol.
Implicando com Winnicott, 2018

MACHADO, Paulo Emanuel. A mãe suficientemente boa, 2016

BARBIERI, Valéria; JACQUEMIM, André; MENDES, Zélia Maria; ALVES, Biasoli.


Personalidade materna e resultados de crianças no psicodiagnóstico
interventivo: o que significa ‘mãe suficientemente boa’? 2005

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