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Direito

e Processo Penal Prof. Doutor Armando Ramos


ISCAL
LICENCIATURA EM SOLICITADORIA



AUXILIAR DE ESTUDO COM PROGRAMAÇÃO DE TAREFAS
DIREITO E PROCESSO PENAL

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS ORIENTADORES DO


DIREITO PENAL

1. Objectivos educativos e competências

1. – Considerar os princípios da legalidade e da jurisdicionalidade


como o princípios fundamentais do direito penal e garantias do
cidadão contra o arbítrio do estado;

2. – Apreender o sentido do princípio da legalidade e a sua relevância


prática no seio do direito penal;

3. – Compreender a razão da natureza subsidiária da intervenção do


direito penal;

4. – Reconhecer a relação entre intervenção do direito penal e o


regime dos direitos fundamentais;

5. – Compreender a carência penal e a dignidade penal como


requisitos para a intervenção do direito penal;

6. – Concretizar o sentido dos princípios da necessidade, dupla


fragmentaridade e proporcionalidade, relação entre si e com a
natureza subsidiária do direito penal;

7. – Reconhecer o princípio da culpa como fundamento e limite da


punição.

8. – Reconhecer a dignidade da pessoa humana como limite ao poder


punitivo do estado

9. – Concretizar, normativa e dogmaticamente o princípio da


humanidade das penas, integrando-o no sistema de direitos
fundamentais;

10. – Concretizar o significado do princípio da legalidade e identificar as


normas que o contemplam;
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11. – Distinguir as várias decorrências constitucionais do princípio da
legalidade Conhecer o significado dogmático das várias
decorrências do princípio da legalidade: garantia do princípio da
legalidade, exigência de lei escrita - a tipicidade, exigência de lei
formal - a reserva de lei, exigência de lei certa - as leis penais em
branco e os conceitos indeterminados, exigência de lei prévia, a
irretroactividade da lei penal e a retroactividade da lei mais
favorável;

12. – Identificar os desvios ao princípio da legalidade e as razões de


ser; princípio da retroactividade da lei penal; Possibilidade de
integração analógica e de interpretação extensiva da normas
penais favoráveis;

13. – Compreeender o significado do princípio do ne bis in idem e


enquadrá-lo no âmbito do direito e do processo penal;

14. 14. – Reconhecer, nos artigos da Constituição e da lei penal, o


regime dos referidos direitos.

2. Conteúdo para estudo

RESUMO DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO !

Princípios constitucionais e legais com relevância penal


1.O princípio da legalidade e da jurisdicionalidade;

2.O princípio da necessidade;

3. O princípio da subsidiariedade, dupla fragmentaridade,


proporcionalidade;

4. O princípio da culpa como fundamento e limite da punição. A dignidade


da pessoa humana como limite ao poder punitivo do estado

5.O princípio da humanidade das penas;

6. O princípio da legalidade (não há crime nem pena sem lei), suas


decorrências e desvios;

7.A garantia do princípio da legalidade


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8.A exigência de lei escrita - a tipicidade,

9.A exigência de lei formal - a reserva de lei;

10.A exigência de lei prévia, a irretroactividade da lei penal e a


retroactividade da lei mais favorável;

11. O princípio do ne bis in idem;

b) Atividades

AUXILIAR DE ESTUDO COM PROGRAMAÇÃO DE TAREFAS


DIREITO E PROCESSO PENAL

Tempo
Data limite para estimado
Designação Descrição realização de

trabalho

Conteúdo programático
Leitura reflexiva
desenvolvido e 1 hora
(obrigatória)
disponibilizado no Moodle

Noções de Direito Penal,


Santos, Manuel Simas e
Leitura reflexiva
Leal-Henriques, Manuel, 1 hora
(obrigatória)
5.ª Edição, Rei dos Livros,
2016, pp. 12 a 30

Aplicação de Resolução do questionário


1 hora
conhecimentos (disponibilizado no Moodle)




Direito e Processo Penal Prof. Doutor Armando Ramos
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LICENCIATURA EM SOLICITADORIA

Parte I – Aula 2
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Resumo do Conteúdo Programático

Direito Penal e Direito Processual Penal (noções introdutórias)

1. Conceito de crime em sentido formal e material.


2. Direito Penal e sistema global de Direito Penal (dogmática penal,
direito penal adjetivo, direito penal executivo ou de 
execução das
penas, criminologia, política criminal, vitimologia e ciências auxiliares
do direito penal);
3. Direito Penal e poder punitivo do Estado.
4. O objeto do Direito Penal e do Direito Processual Penal e sua relação;
5. A estrutura do Código Penal;
6. Conteúdo da parte geral e da parte especial; relevância da parte geral
enquanto extensão da parte especial;
7. O bem jurídico e a sua função limitadora da pretensão punitiva do
estado;
8. O conceito de bem jurídico; o condicionamento espacio-temporal do
bem jurídico;
9. A natureza do crime e sua repercussão prática;
10. A teoria da infração e as categorias analíticas do crime (breve noção).
11. A previsão e a estatuição/sanção da norma penal.
12. O Processo Penal na sua função instrumental na exequibilidade do
Direito Penal.

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Conteúdo programático desenvolvido

1. Conceito de crime em sentido formal e material.

DEFINIÇÃO DE DIREITO PENAL:

• O Direito Penal é o conjunto de normas que define as condutas


consideradas crimes e estatui a correspondente sanção.
• Conjunto de normas jurídicas que associam
o A factos penalmente relevantes (determinadas condutas
proibidas ou impostas por lei)
o Determinadas consequências jurídicas típicas do Direito Penal
jurídicas – PENAS ou MEDIDAS DE SEGURANÇA

O crime é o objeto do Direito Penal (embora alguns autores entendam que


aqui possam enquadrar-se, lato sensu, as contraordenações (remissão),
condutas também proibidas por lei, que protegem bens jurídicos,

A sanção característica do Direito Penal é a pena de prisão e a pena de multa


(ver outras).

A par da pena existem outras reações, outras consequências penais:

1. as medidas de segurança (aplicadas a inimputáveis em razão de


anomalia psíquica)
2. As medidas de correção (imputáveis entre os 16 e os 21 anos, DL
401/82, sem grande aplicação 
práRca pelos tribunais, ver mais
tarde).

O objeto do Direito Penal é o crime, mas o que é o crime? 


A lei penal não define crime. Assim, poderá encarar-se o crime sob uma
perspetiva formal, ou uma perspetiva material: 


Crime em sentido formal 


• o Código Penal de 18521, no seu artigo 1.º definia crime como “crime ou
delicto é o facto voluntario, declarado punivel pela lei penal”. Esta é uma
definição formal, que assenta a sua descrição numa definição positivista
a que corresponde, no limite, a afirmação de que crime é todo o facto
voluntário classificado como tal pelo legislador penal”
• Importância da definição - introduz o conceito de tipicidade (veremos

1
O primeiro código penal português, a que se seguiu o Código Penal de 1886 e o atual, de
1982, com várias alterações.

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adiante)
• Perigo desta conceção formal de crime- Se esta definição bastasse,
poderíamos ter um direito penal ao 
serviço dos interesses do Estado,
nomeadamente dos estados totalitários que estariam legitimados para
legislar sobre qualquer matéria.
• Nos estados de direito democráticos, a criação de crimes depende de
regras e têm de encontrar-se justificações que não sejam meramente
utilitárias, que sejam materiais, uma vez que o crime restringe
fortemente os direitos fundamentais. Caso contrário estaria em causa a
sua constitucionalidade. 


Crime em sentido formal analítico ou estrutural

• É ainda uma definição formal, mas que tem a vantagem de desdobrar o


crime nos seus vários elementos.
• Assim, pode afirmar-se que o crime é um facto típico, ilícito e culposo (e
punível).
• Esta definição opera uma análise do crime, desdobrando-o nos vários
elementos que possibilitam o seu 
estudo: tipo, ilicitude e culpa.
• Desvantagem – não acrescenta nada quanto ao verdadeiro conteúdo do
direito penal e seu objeto.
• Neste contexto diremos que estamos a referir-nos à teoria da infração
penal ou do facto punível e que tipo, ilicitude e culpa serão as categorias
analíticas.
• O Direito Penal é um poderoso instrumento do Estado e porque
restringe direitos fundamentais, é-lhe aplicável o art. 18.º, n.º 2 da CRP.
Por isso, exige uma dogmática muito apertada no que concerne à sua
aplicação, de modo a ser o mais seguro e justo possível, no respeito do
Princípio da igualdade que deve nortear todo e qualquer direito e, por
maioria de razão, o direito penal. 


Crime em sentido material

• Direito penal visa a proteção de bens fundamentais


• Interesses que a comunidade entende serem especialmente importantes,
nalguns casos imprescindíveis, para o desenvolvimento da pessoa
humana e para a existência da própria sociedade.
• A criação de tipos legais depende de determinadas regras
constitucionalmente consagradas.
• Só será lícita a criação de uma norma que penal quando vise tutelar um
bem jurídico fundamental. Caso contrário, se tutelar bens não
fundamentais, a norma será inconstitucional (remissão para a aula sobre
os princípios retores do direito penal)

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2. Direito Penal e sistema global de Direito Penal (dogmática penal, direito


penal adjetivo, direito penal executivo ou de execução das penas,
criminologia, política criminal, vitimologia e ciências auxiliares do direito
penal); O objeto do Direito Penal e do Direito Processual Penal e sua relação;

Durante bastante tempo, desde finais do séc. XVIII, quando se iniciou a


sistematização do Direito Penal, até meados do séc. XX, a Ciência Penal que
definia o os comportamentos ilícitos e a respetiva pena, dominou o estudo
dos criminalistas. A realidade veio a demonstrar a incapacidade desta ciência
em, isoladamente, lograr a finalidade do direito penal: o combate à
criminalidade.

Paulatinamente, concluiu-se que, para aquele combate, apenas a prática


concertada de várias ciências penais poderia resultar, adotando-se a conceção
de um sistema global de Direito Penal, construído com o concurso dos
conhecimentos desses saberes, reciprocamente referenciados.

Direito Penal substantivo ou material e direito penal adjetivo ou processual

DIREITO PENAL SUBSTANTIVO - CIÊNCIA PENAL (DOGMÁTICA


JURÍDICO-PENAL Teoria da infração ou do facto punível);

• Direito penal é o direito que mais constrange direitos fundamentais e


liberdades do indivíduo
• Exige maiores cautelas na sua determinação e aplicação
• Por essa razão exige uma sistemática rigorosa para que possa apurar-se
que determinado agente praticou o facto e que deve ser
responsabilizado

Para tal, estuda-se o crime segundo uma técnica de subsunção sucessiva,


integrando o facto sucessivamente nos vários elementos das categorias
analíticas

• Tipicidade (elementos objetivos e subjetivos)


• Ilicitude (nomeadamente verificando a inexistência ou existência de
causas de justificação ou exclusão da ilicitude)

• Culpa (verificando os seus vários elementos - capacidade de culpa,
consciência da ilicitude, exigibilidade de comportamento distinto e
inexistência de causas de desculpa

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Conjunto de normas escritas que:

• estabelecem os crimes (tipificam os comportamentos proibidos ou


impostos)
• definem os seus agentes (crimes gerais ou específicos)
• estabelecem as suas consequências (cominam as sanções)

DIREITO PENAL ADJETIVO OU DIREITO PROCESSUAL PENAL 


Conjunto de normas que:

• Disciplinam a aplicação do direito penal substantivo;


• Aplicando-o ao caso concreto;

• Investiga a notícia do existência do crime e de quem foi o seu agente;
• Decide sobre a verificação da prática do facto;

• Decide sobre a sanção a aplicar ao agente;
• Essa investigação cabe ao Estado, bem como a decisão e a aplicação da
sanção. 


Assim, é necessário a intermediação dos tribunais para tornar o direito penal


executável, isto é, é necessária a mediação judicial (princípio constitucional da
mediação judicial ou jurisdicional – art. 202.º CRP – para a proteção dos bens
jurídicos.

DIREITO DA EXECUÇÃO DAS PENAS e DIREITO PENITENCIÁRIO

• Direito Penitenciário - Conjunto de normas que disciplinam a execução


das penas liberdade
• Direito de Execução das Penas - Abrange não apenas normas de direito
penal, mas também de direito administrativo, direito do trabalho, etc.

No que ao Direito de Execução das penas
Art. 467.o ss do CPP + Lei n.º


115/2009, de 12 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.o
33/2010, de 2 de Setembro (revoga o arRgo 2.o)
Lei n.o 40/2010, de 3 de
Setembro (altera os artigos 14.º, 138.º e 142.º / adita o artigo 172.º-A)

Regulado por:

Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de Abril - Aprova o Regulamento Geral dos


Estabelecimentos Prisionais, em cumprimento do Código da Execução das
Penas e Medidas Privativas da Liberdade

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Portaria n.º 195-A/2010, de 8 de Abril - Altera a Portaria n.º 114/2008, de 6 de
Fevereiro, que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos
judiciais

• Acompanhamento da execução da pena:


§ Quer privativa, quer não privativa da liberdade);
§ Quer da pena efetiva, quer da pena suspensa;
§ Quer das penas principais;
§ Quer das penas acessórias;
• Regime da prisão domiciliária
• Concessão de saídas precárias
• Mandados de libertação
• Contagem do tempo de prisão

O DIREITO PENAL DE JOVENS (A LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E


JOVENS EM PERIGO, A LEI TUTELAR EDUCATIVA E O DL N.º 401/82).

• Aplicado a imputáveis – art. 19.


• Entre os 16 e os 21 anos

• Em virtude de se encontrarem ainda numa fase de formação da
personalidade (ver preâmbulo)
• Especial atenção à reinserção do agente e próximo do direito educativo
(tutelar)

POLÍTICA CRIMINAL;

• Objecto: estudo das estratégias e meios de combate à criminalidade



• Propostas ao legislador de reformas legislativas a serem positivadas
• Visa: maior eficácia

• Lei quadro da política criminal http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-
justica/livro-iv-leis-criminais/leis-processuais/outra-legislacao/lei-
quadro-da-politica
• Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio
• Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril (altera o relatório a que se refere o n.º 2
do artigo 19.º/ cria uma base de dados de procurações)

• Lei n.º 96/2017, de 23 de agosto (define os objetivos, prioridades e
orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019

CRIMINOLOGIA.

• Objeto: ciência empírica que estuda da realidade (paredes meias com a


psicologia e, sobretudo, com a sociologia).

• Dos fatores sociais que condicionam o crime:

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§ Arquitetónicos, económicos, sociais
§ 
E que determinam o comportamento dos criminosos
v O que leva a que determinados crimes tenham mais
incidência.
§ De molde a suportar teoricamente as opções legislativas propostas
pela política criminal
• Estudo do criminoso: o que leva o criminoso a praticar o facto? entre
outras (dar exemplos).

AS CIÊNCIAS AUXILIARES DO DIREITO PENAL

Investigação Criminal – as ciências auxiliares do Direito Penal, as ciências ao


serviço do Direito Penal

• A Medicina Legal (ver âmbito de atuação na página da Internet do


INML) www.inml.mj.pt
• A balística

• A entomologia

• A lofoscopia;

• A Psicologia judiciária
• (...)

3. Direito Penal e poder punitivo do Estado.

1.ª ideia: ninguém é punido se não tiver praticado previamente um facto que
a lei considera como crime, mesmo que a comunidade pense que essa pessoa
possa eventualmente ser perigosa!

Punir - processo penal adjetivo

Crime - direito penal substantivo

Diferença com o direito civil - o direito substantivo tem utilidade


independentemente do adjetivo e independentemente de qualquer litígio -
regras sobre contratos, sucessões, testamento, por exemplo.

O Código Penal e Código de Processo Penal encontram-se numa dependência


funcional, par além de que existem institutos que são simultaneamente
substantivos e adjetivos - exemplos: queixa, prescrição, natureza do crime

* 1.ª DISTINÇÃO: Direito penal subjetivo e direito penal objetivo

Direito Penal subjetivo - ius puniendi

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Faculdade, poder que o Estado tem de:

• Definir quais os comportamentos humanos que devem ser


criminalizados
• Estabelecer os crimes

• Ameaçar os agentes que pratiquem esses comportamentos com sanções
• De aplicar sanções a quem viole as proibições constantes nos crimes
• O poder de punir é uma manifestação de poder dos Estados -
caraterístico da soberania - relembrar direito europeu (crimes contra a
União Europeia) e internacional (remissão para direito internacional
penal – por opção dos Estados)
• Direito penal é instrumento do qual o Estado se serve para estruturar a
vida em sociedade e a política
• Dentro de garantias conferidas ao cidadão

Direito penal objetivo – ius poenale - Materializa o poder punitivo do


Estado

Conjunto de normas e princípios jurídicos estabelecidos na lei, que:

• Que tornam exequível a sanção de quem pratique os crimes



• Disciplinam o exercício do ius puniendi (do direito de punir)

• É o resultado da faculdade que o Estado tem de punir, ou seja, é o
resultado do ius puniendi

A estrutura do Código Penal; Conteúdo da parte geral e da parte especial;

A relevância da parte geral enquanto extensão da parte especial;

Parte Especial


Parte II do Código Penal

1. - Contém a tipificação de crimes e respetivas penas


2. - Contém, ainda:


• artigos com definições de conceitos utilizados nos tipos legais (ex. art.
202.º ou 386.º);

• Causas de exclusão de ilicitude especiais (ex. art. 142.º que exclui a
ilicitude do aborto quando praticado nas circunstâncias previstas nessa
norma);

• Causa de exclusão do tipo (art. 150.º, n.º1)

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Parte Geral


Parte I do Código Penal

Regime que se aplica a todos os crimes, quer se encontrem na parte especial


do Código Penal, quer em legislação avulsa (ex. Código da estrada, Lei da
televisão, Código do Trabalho, Legislação das infrações económicas e
tributárias, etc.)


1. – Contempla normas de extensão da parte especial, relativas à:

• tentativa e sua punição;



• negligência e dolo e suas modalidades;
• matéria relativa aos agentes do crime (tipos de autoria e
comparticipação)
• Regime das Penas e medidas de segurança, modalidades, limites,
etc.
[...]

Exemplo de aplicação da parte geral à parte especial:

art. 131.º - crime de homicídio simples



“Quem matar outra pessoa, é punido com uma pena de prisão de 8 a 16 anos”

Descrito como crime consumado. Poderá ser punido quem tente matar mas
não consiga consumar o crime? e, em caso positivo, como deverá ser punido?

Através das normas da parte geral, podemos concluir que:

a. Nem todos os atos praticados pelo agente são considerados tentativa, mas
apenas os atos de execução (que a lei define no n.º 2 do art. 22.º),
relativamente ao facto doloso

b. Que nem todas as tentativas são punidas (art. 23.º), mas apenas as que se
referirem a um facto cuja moldura penal seja superior a 3 anos ou, caso essa
moldura seja inferior a 3 anos, quando a lei diga que a tentativa é punida.

c. Que sendo punível a tentativa, essa punição será especialmente atenuada


face à punição do crime consumado descrito na parte especial (art. 23.º, n.º
2)

d. Que a nova moldura penal se determina a partir da moldura penal do crime


consumado, conjugadas com as regras do art. 72.º e 73.º da parte geral.

Assim, é possível descrever o crime de homicídio simples na forma tentada,


do seguinte modo:

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Quem praticar atos de execução com dolo de matar, sem que venha a
consumar-se o facto, é punido com uma pena de prisão de: limite mínimo: 8
anos correspondentes ao crime consumado, deduzido 1/5 e limite máximo :
16 anos deduzido de 1/3 [segundo a alínea a) e b) do n.º 1 do art. 73.º da parte
geral do Código Penal]

O bem jurídico e a sua função limitadora da pretensão punitiva do estado;


O conceito de bem jurídico; o condicionamento espacio-temporal do bem


jurídico;

A natureza do crime e sua repercussão prática;

Os crimes podem ter natureza de

• crime público
• crime semipúblico
• crime particular

Como determinar a natureza do crime?

• Se o artigo referir que o crime depende de queixa, trata-se de crime


semipúblico (ex. art. 143.º)
• Se o artigo disser que depende de acusação particular - trata-se de crime
particular (na realidade crime particular é o que depende de queixa, de
constituição de assistente e de acusação particular, como se verá no
direito processual penal (ex. art. 181.º - conjugado com o art. 188.º)
• Se o artigo nada disser quanto à necessidade de queixa ou de acusação
particular (ex. art.131.º) 

• crime público (cuidado! por vezes o legislador informa sobre a natureza
do crime em artigo específico para esse efeitos - ex. art. 188.º, que não
contém qualquer crime, antes informa sobre a natureza particular de
vários crimes) 


A teoria da infração e as categorias analíticas do crime (breve noção).

Para que possa concluir-se que alguém praticou um crime, é necessário que
alguém praticou um facto criminoso, é necessário que se faça uma análise do
facto segundo uma técnica substantiva sucessiva, isto é, que se vá integrando

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facto nas várias categorias analíticas, segundo determinada ordem: 


i. Verificar que se trata de uma ação penalmente relevante porque


voluntária controlada ou controlável pela vontade 

ii. Verificar se existe um tipo legal descrito na lei mo qual se possa
integrar o facto (verificar todos os elementos objectivos e subjetivos)
iii. Verificar se o facto é ilícito, ou se existe alguma causa que exclua a
ilicitude 

iv. Verificar se o facto ilícito é culposo (se o agente é imputável, se tem
capacidade de culpa, se tem consciência da ilicitude, se não existe
qualquer causa que exclua a culpa) 

v. Verificar se o facto é punível


Só após a subsunção do facto a todas estas categorias permitirá que o agente


venha a ser responsabilizado. 


Se o facto não conseguir preencher uma das categorias, o agente não deverá
ser responsabilizado. 


A previsão e a estatuição/sanção da norma penal. 


Como qualquer norma, o crime compõe-se de

PREVISÃO + ESTATUIÇÃO

O facto,
o comportamento A consequência jurídica

humano proibido ou imposto A sanção

O Processo Penal na sua função instrumental na exequibilidade do Direito


Penal

Inaplicabilidade prática do Direito Penal sem o auxílio funcional do Processo


Penal


Existência de institutos bifontes, cujo regime se enquadra em ambos os


diplomas: queixa, prescrição, etc...

11
DIREITO PENAL
OBJETO DO DIREITO PENAL
CONCEITO DE CRIME

CRIME EM SENTIDO FORMAL , EM SENTIDO ESTRUTURAL (ANALÍTICO)E CRIME


EM SENTIDO MATERIAL

Curso de Solicitadoria Docente: Prof. Doutor Armando Ramos


DIREITO PENAL

Conjunto de normas jurídica que

Associam, a factos penalmente relevantes Determinadas consequências jurídicas


(condutas por acção ou omissão proibidas típicas do direito penal
pela lei penal) PENAS OU MEDIDAS DE SEGURANÇA
CRIMES

PENAS
CRIME É O OBJECTO DO Sanções aplicáveis a imputáveis
DIREITO PENAL Fundamento: culpa
remissão

MEDIDAS DE SEGURANÇA
Aplicáveis a inimputáveis em razão de
anomalia psíquica
Fundamento: perigosidade

Curso de Solicitadoria Docente: Prof. Doutor Armando Ramos


A PAR DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA EXISTEM
OUTRAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS APLICÁVEIS

MEDIDAS DE CORRECÇÃO

APLICÁVEIS A JOVENS ENTRE OS 16 E OS 21 ANOS QUE PRATIQUEM CRIME

DL 401/82, de 23 de Setembro

Curso de Solicitadoria Docente: Prof. Doutor Armando Ramos


EXEMPLO: CRIME DE HOMICÍDIO
art. 131.º do Código Penal (CP)

É punido com uma pena de prisão de 8 a 16


Quem matar outra pessoa
anos

PREVISÃO ESTATUIÇÃO - SANÇÃO

Curso de Solicitadoria Docente: Prof. Doutor Armando Ramos


CRIME – OBJETO DO DIREITO PENAL

DEFINIÇÃO FORMAL DEFINIÇÃO ESTRUTURAL

Crime é todo o comportamento que a


lei designar como tal FACTO VOLUNTÁRIO

Crime é tudo o que o legislador tipificar TÍPICO TIPO


como tal
ILÍCITO ILICITUDE

CULPOSO CULPA

PUNÍVEL

VANTAGENS
Curso de Solicitadoria Docente: Prof. Doutor Armando Ramos
CRIME EM SENTIDO MATERIAL

O Direito Penal visa a tutela de bens jurídicos

O Crime representa

A violação de bens jurídicos fundamentais tutelados


pela lei penal

QUE BENS QUALQUER BEM


MAS O QUE É O JURÍDICOS SÃO JURÍDICO PODE
BEM JURÍDICO? TUTELADOS PELA SER TUTELADO
LEI PENAL? PELA LEI PENAL?

IPBeja – ESTIG – Curso de Solicitadoria


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Aula 3
DIREITO PENAL - Aplicação da Lei Penal no Tempo e no Espaço


Resumo do Conteúdo Programático

1. Momento da prática do facto.


2. Aplicação da lei penal no espaço.
3. Factos praticados fora do território português.
4. Restrição à aplicação da lei penal portuguesa.
5. Lugar da prática do facto.
6. Tipos de crimes.







Conteúdo programático desenvolvido

1. Momento da prática do facto

• Não basta saber a data de entrada em vigor de uma lei nova, nos
termos do art. 2.º ; é necessário ainda conhecer com precisão a data em
que uma infração se considera cometida, pois só assim se saberá se
deve ser punida ou que lei aplicar.
• O art. 3.º define o momento da prática do facto, e esclarece que é
irrelevante o momento da produção do resultado típico, adotando a
chamada teoria da ação.
• De notar, no entanto, que o art. 7.º, ao dispor sobre o lugar da prática
do facto, manda atender à produção do resultado como elemento
relevante na determinação desse lugar.

2. Aplicação da lei penal no Espaço. Factos praticados fora do território


nacional

• A lei penal é feita para exercer a sua eficácia sobre uma determinada
parte do mundo;
• Face às diferentes legislações penais dos Estados é necessário delimitar
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territorialmente a eficácia das respetivas legislações ao facto delituoso;
• Em matéria de direito internacional penal existem 5 princípios
essenciais:
o Da territorialidade – a lei penal só tem aplicação no território do
Estado que a determinou, sem atender à nacionalidade dos
sujeitos ativo ou passivo, ficando excluída a aplicação da lei
penal de um país fora do seu território;
o Da nacionalidade – a lei penal do Estado é aplicável aos seus
cidadãos onde quer que se encontrem. O que importa é a
nacionalidade do sujeito – art. 5.º, n.º 1, e);
o Da defesa – toma em consideração a nacionalidade do bem
jurídico lesado pelo crime, independentemente do local da sua
prática ou da nacionalidade do sujeito ativo;
o Da justiça universal – cada Estado tem o poder de punir
qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do delinquente e
da vítima, ou do local da sua prática, bastando-se a imposição
da pena com o encontrar-se o criminoso dentro do território de
um país.
o Da representação – a lei penal de determinado país é também
aplicável aos delitos cometidos em aeronaves e embarcações
privadas, quando ocorridos no estrangeiro e aí não venham a
ser julgados.
• O art. 4.º consagra o princípio da territorialidade como princípio geral,
como o seu corolário, o princípio do pavilhão (aplicável aos factos
praticados a bordo de navios ou aeronave portuguesa)
• A lei penal portuguesa é ainda aplicável a quaisquer factos cometidos
fora do território português e que este esteja obrigado a julgar por
convenção internacional ou acordo no âmbito da cooperação judiciária
e deixará de ser aplicável quando, pelos mesmos meios, Portugal tenha
aceite a aplicação de uma outra lei penal.

3. Restrições à aplicação da lei penal portuguesa

• Restrições à aplicação da lei penal portuguesa previstos no art. 6.º


• Obediência ao principio do ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5 CRP), isto é,
condiciona essa aplicação a determinadas condições negativas – art. 6.º,
n.º 1;
• Mesmo que se verifiquem as condições mencionadas anteriormente, esta
aplicação pode, em concreto, não vir a ter lugar, havendo que distinguir,
por força do art. 6.º, n.º 2,:
o Se a lei do país em que o facto foi praticado se mostra
concretamente mais favorável ao agente – será julgado de acordo
com essa lei e a pena aplicável será convertida naquela que lhe
corresponder no sistema português ou, não havendo
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correspondência direta, naquela que a lei prevê para o facto;
o Se aquela lei não se mostrar mais favorável - então funciona a regra
do n.º 1, aplicando-se a lei portuguesa
• Exceções a este regime correspondentes aos crimes previstos nas alíneas
a) e b) do n.º 1, do art. 5.º.

4. Lugar da prática do facto

• O art. 7.º estabelece um critério diverso do seguido na determinação do


momento da prática do facto (art. 3.º - princípio da territorialidade),
uma vez que manda atender ao resultado típico.
• Consagra-se, desta forma, a chamada teoria da ubiquidade, que resulta
da conjugação da teoria da atividade ou da ação (em que o lugar do crime
é aquele em que o agente realizou o processo executivo, isto é, a ação
ou a omissão causal), com a teoria do efeito (em que o lugar do crime é
onde se produziu o resultado típico) e a teoria do efeito intermédio (em
que o lugar do crime é aquele em que a energia posta em movimento
pelo agente atinge o objeto ou alcança a vítima);
• São suscetíveis as seguintes aplicações:
o No que se refere à ação, o lugar da comissão dos crimes de mera
atividade determinam-se unicamente pela ação típica (bastando
que se cometa só uma parte no território nacional) e, nos crimes
de resultado, pela ação e pelo resultado;
o Nos crimes que supõem a prática de vários atos é suficiente a
comissão de qualquer um deles. Pelo contrário, nos casos de ato
posterior também punido, está sujeito ao poder punitivo local só
este e não o facto posterior (Ex. casos de favorecimento,
encobrimento ou recetação, atende-se ao lugar em que se
cometeu a ação típica, não ao do facto referência);
o Nos crimes de perigo abstrato, são, em si, simples crimes de
atividade, pelo que neles é decisivo o lugar onde se comete a
ação típica;
o quanto ao crime continuado entende-se cometido em qualquer
lugar onde se haja cometido algum ato singular;
o o resultado típico é importante como ponto de conexão
sobretudo naqueles casos em que não coincidem o lugar da
comissão da ação e o da produção do resultado (crimes á
distância);
o nos crimes de perigo concreto, o resultado é já a produção do
perigo e nos crimes de omissão imprópria será o momento da
produção da lesão ou o da colocação em perigo, que o autor
devia ter evitado ao assumir o dever de garante;
o a tentativa entende-se cometida em território nacional quando o
autor tiver atuado no estrangeiro mas o resultado deveria
produzir-se em território nacional e inversamente;
o é suficiente para a co-autoria que um dos intervenientes tenha
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contribuído para o facto em território nacional. Nos casos de
autoria imediata (em que o autor do crime não o executa
pessoalmente, mas através de um terceiro) o lugar da comissão é
aquele lugar em que o autor mediato atua sobre o seu
instrumento e ainda o lugar em que o instrumento atua e,
finalmente, o lugar em que o resultado se produz ou devia
produzir.

TIPOS DE CRIMES:

• crimes de mera atividade são aqueles em que a consumação ocorre


com a simples ação ou omissão, não se descrevendo no respetivo tipo
qualquer resultado material dessa ação ou omissão (ex. violação de
domicílio – art. 190.º);
• crimes de resultado são aqueles em que para o preenchimento do tipo
descrito na lei se exige a ocorrência de determinada consequência
material da conduta assumida (v.g. o homicídio, em que não basta dar
o tiro ou golpe de navalhada, sendo ainda necessário que a morte
ocorra);
• crimes próprios de omissão ou omissivos próprios são os crimes de
mera atividade ou conduta em que a lei pune a simples omissão,
independentemente da ocorrência de qualquer resultado material (ex.
o crime de omissão de auxílio – art. 200.º);
• crime de dano são aqueles em que se verifica a efetiva lesão do
respetivo objeto jurídico, ou seja, do interesse penalmente protegido,
traduzida na destruição ou diminuição desse bem (ex. homicídio, furto,
etc...)
• crime de perigo são os crimes em que apenas se verifica o risco (o
perigo) de produção dessa lesão. Há aqui como que uma antecipação
jurídica de bens para momentos anteriores à sua efetiva lesão, em que
o legislador acautela, punindo, não a agressão a esses bens mas, mais
cedo ainda, o risco que certas condutas podem acarretar para tal
agressão. Por perigo, como refere o Prof. CAVALEIRO DE FERREIRA,
entende-se a capacidade ou a “potencia de um fenómeno para ocasionar a
perda ou a diminuição de um bem, o sacrifício ou restrição de um interesse”,
sendo, portanto, “o dano provável”.
• Crime de perigo abstrato ou presumido são os que têm como
resultado de conduta a possibilidade de um perigo de lesão de um bem
jurídico (e não de um dano efetivo), mas em que o perigo não carece de
ser demonstrado ou provado, já que é presumido por lei (ex. omissão
de auxílio – art. 200.º) OBS: Segundo o Prof. CAVALEIRO DE FERREIRA “o
perigo abstrato não é elemento do crime, é mero motivo de incriminação e
verifica-se, por exemplo, nas contravenções”, em que não é necessário que
sejam “causa de perigo real”, visto que são puníveis por serem contrárias
“a normas que pretendem prevenir perigos, mesmo que não tenha lugar a
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criação efetiva do perigo”;
• Crimes de perigo concreto são aqueles em que no caso concreto existe
uma situação de perigo real provocada pela ação do agente e não
apenas um risco meramente abstrato de que o perigo se concretize;
• Crimes de omissão imprópria ou comissivos por omissão são crimes
de resultado que apenas podem ser cometidos por determinadas
pessoas, a que se chamam garantes, e que por força da lei têm não só a
obrigação de impedir o resultado como o de vigilância em relação a
alguém (ex. o caso da mãe que deixa de alimentar o filho, causando-lhe
assim a morte).
• Crimes próprios ou de mão própria são todos aqueles em que o tipo
exige a execução corporal do crime pela própria pessoa do agente e não
se transmitem as qualidades exigidas no tipo (ver art. 28.º), Ex: o
incesto – art. 164.º, n.º 2, e 177.º, n.º 1, a); o perjúrio – art. 359.º, etc... As
qualidades do agente podem ser:
o qualidades profissionais – o funcionário, médico, comerciante,
advogado, solicitador, perito, técnico, etc...;
o qualidades que resultam da prática de atos que vinculam a deveres
especiais – testemunha, declarante, etc...;
o qualidades derivadas da prática de crimes – habitualidade,
profissionalismo, etc...;
o relações familiares – ascendente, descendente, cônjuge, etc....;
o relações de trabalho, de dependência hierárquica, de guarda, educação
ou proteção;
o relações com certas pessoas que fundamentam um dever jurídico de
pessoalmente evitar resultados danosos contidos em tipos legais
de crimes.
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LICENCIATURA EM SOLICITADORIA




DIREITO PENAL - DO FACTO; FORMAS DO CRIME


Resumo do Conteúdo Programático

1. O Crime e a sua estrutura


2. Pressupostos da punição:
a. Ação e causalidade
b. Responsabilidade das pessoas singulares e coletivas
c. Atuação em nome de outrem
d. Imputação do facto:
i. Culpabilidade
ii. Dolo
iii. Negligência
e. Agravação da pena pelo resultado
3. Circunstâncias exclusórias da responsabilidade criminal:
a. Causas de exclusão da ilicitude:
i. Ordem jurídica considerada na sua totalidade
ii. Legítima defesa
iii. Exercício de um direito (direito de necessidade)
iv. Cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem
legítima da autoridade
v. Consentimento do titular do interesse lesado
vi. Conflito de deveres
b. Causas de exclusão da culpabilidade:
i. Inimputabilidade:
1. Em razão da idade
2. Em razão da anomalia psíquica
ii. Inexigibilidade de conduta diversa
iii. Erro sobre as circunstâncias de facto
iv. Falta de consciência da ilicitude
4. Formas do crime:
a. Formas do crime quanto às suas fases:
i. Atos preparatórios
ii. Tentativa
iii. Desistência
iv. Crime consumado
b. Formas do crime quanto aos modos ou graus de participação:
i. Autoria simples
ii. Coautoria ou comparticipação
iii. Cumplicidade

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c. Formas do crime quanto ao número de infrações cometidas:
i. Crime unitário
ii. Concurso de crimes
iii. Crime continuado







Conteúdo programático desenvolvido

1. O CRIME E A SUA ESTRUTURA

• Como já referido anteriormente em outras aulas, crime é um facto


voluntário, típico, ilícito, culposo e punível. Ou seja, é constituído por
uma ação ou conduta material, que preenche um tipo descrito na lei,
que tenha sido praticado culposamente e que seja lesivo de algum
interesse juridicamente protegido.
• Por conduta entende-se o comportamento humano, expresso de forma
voluntária e consciente (não é conduta o ato meramente reflexo ou
inconsciente), ativo (isto é, expresso de forma positiva, atuante) ou
negativo (ou seja, manifestado pela inatividade, a abstenção, a omissão,
o não fazer), que produz um resultado.
• A ação é facto positivo, a atuação, que implica que o agente leve a cabo
um ou mais movimentos corporais que conduzem à produção do
evento.
• A omissão, que se traduz numa abstenção de atuar, pode ser: simples
ou própria; comissiva ou imprópria.
• O resultado é, pois, a consequência da ação e tanto pode consistir num
dano efetivo (e temos os crimes de dano, ex.: furto, homicídio, etc) ou na
criação de um perigo (e temos os crimes de perigo, ex.: perigo de
transmissão de uma doença como a SIDA).
• Por tipicidade entende-se a adequação da conduta ao tipo, ou seja,
“quando a conduta de alguém encaixa exatamente na abstração
plasmada na lei).
• A culpabilidade é o elemento subjetivo do delito e consiste na relação
que se estabelece entre a vontade do agente em cometer o facto e a
conduta que põe em prática essa vontade, conduzindo à realização
desse mesmo facto. Manifesta-se através do dolo (intenção ou propósito
de cometer o facto ilícito – culpabilidade direta) e da negligência (falta de
cuidado devido que leva a esse cometimento – culpabilidade indireta).

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- vontade – desejo (intenção) de praticar


o facto
- atividade – movimento humano
dirigido ao cometimento do facto
- resultado – consequência material da
conduta, o fim desejado e previsto na lei
ação
e inerente à maioria dos crimes (crimes
de resultado)
-nexo causal – ligação de conduta ao
resultado e sem o qual este não pode
atribuir-se àquela conduta

Conduta
- vontade – desejo de realizar o facto, i.é.,
conduta típica
- atividade – traduzida numa abstenção
(a chamada atividade negativa)
- resultado – consequência material da
CRIME omissão abstenção, exceto nos delitos de omissão
simples em que não há resultado
-nexo causal – ligação da omissão ao
resultado, exceto nos delitos de omissão
simples em que igualmente se não
produz qualquer resultado

- correspondência ao tipo legal


Tipicidade

- antijuricidade, i. é., desconformidade com as normas


Ilicitude
jurídicas (o mesmo que ilegalidade)

- relação subjetiva entre o facto típico e o seu autor, que


Culpabilidade permite responsabilizar este pelo cometimento daquele
(o mesmo que vontade racional e livre de dar causa ao
facto)

2. Pressupostos da punição

a) - Ação e causalidade

• A ação ou conduta é todo o comportamento humano de carácter


pessoal ou individual (exceto um comportamento coletivo, p. no art.
10.º), voluntário, que se exprima numa qualquer alteração exterior e

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produza um resultado (quando este esteja compreendido no tipo).
• Quando o crime exige para a sua consumação a produção de um
resultado material torna-se indispensável, por um lado, que ele derive
de um comportamento humano e, por outro, que entre a conduta e o
resultado se estabeleça um nexo de causalidade.
• Cfr. art. 10.º, n.º 1 – quando um tipo legal de crime compreender um
resto resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo
como a omissão da ação adequada a evitá-lo, salvo se for outra a intenção
da lei.
• Vemos, assim, que o legislador equipara, em princípio, a omissão à ação,
desde que adequadas ao resultado que delas possa advir; por outro,
que se tomou opção pela teoria da causalidade adequada ou da adequação,
segundo a qual a causa de um determinado evento é a que for mais
adequada ou idónea para o produzir; e finalmente, que aquela
equiparação só não se verificará quando for outro o sentido da lei.
• Como acentua TERESA BELEZA “para efeitos do Direito Penal só se pode
dizer que o evento é consequência de uma certa actividade quando essa
consequência é típica, é normal, é previsível segundo as regras gerais da vida”.
• Portanto para o legislador omissão é ação, desde que o resultado se
adeque à conduta (seja ela comissiva ou omissiva), uma e outra têm a
mesma relevância em Direito Penal.

TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA:

OBS: Apenas para conhecimento geral. Não sai em exame/oral.

• Para imputarmos um resultado ao agente temos que estabelecer um


nexo de causalidade e só a partir desta vinculação objetiva é que
podemos imputar essa responsabilidade.
• Este problema centra-se apenas na análise dos crimes de resultado, não
se colocará quando estamos na presença de crimes de mera atividade;
• A causalidade não se pode presumir, tem que estar fixada
objetivamente, i.e., determinada, para que possamos concluir que
aquele facto adveio daquela conduta. Nunca podemos apurar a
responsabilidade de ninguém por factos alheios e devemos ainda
apurar se determinado resultado é impossível de evitar, se o for não
poderemos responsabilizar o agente.
v TEORIA DA EQUIVALÊNCIA OU TEORIA DO “SINE QUO NON”:
• A produção do resultado advém de um complexo de várias situações
anteriores, que são no fundo os elementos causais daquela
circunstância. Denomina-se esta teoria de equivalência porque todas as
situações contribuem de forma equivalente para a produção do
resultado em questão. Há, assim, um processo hipotético de
eliminação, que consiste na eliminação dos factos anteriores para ver se
o resultado se mantém. Se a circunstância se mantiver é porque não há
nexo de causalidade, se desaparecer o resultado é porque lhe falta a

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vinculação da causa/efeito. VANTAGENS: Podemos fixar com clareza
a imputação de um resultado, mas é um critério que não deve ser
aplicado, por “pecar” por excesso. Ex.: A mata B a tiro. Existe nexo de
causalidade. Mas quem fez com que B fosse para aquele local? O C,
amigo de B, logo também há nexo de causalidade. Mas a arma foi
vendida ao A por um armeiro, logo também há nexo de causalidade,
etc.... Leva a uma cadeia quase infinita do nexo de causalidade porque
esta teoria refere que basta que exista uma ligação mínima.
Mas pode “pecar” por defeito, Ex.: A é amarrado a uma árvore e cinco
indivíduos disparam sobre o mesmo. Temos 5 tiros na cabeça: mas
questionamos: se B não tivesse disparado, A morria? A resposta é sim,
então não há nexo de causalidade em relação ao B e assim
sucessivamente. Não haveria, deste modo, responsabilidade para
nenhum dos 5 indivíduos. DONDE esta teoria não nos dá a resposta
adequada, por levar a resultados inaceitáveis.
v TEORIA DA CONDIÇÃO MAIS EFICAZ:
• É um aperfeiçoamento da teoria anterior. Foram praticados vários
factos, mas entre todos qual é que se revelou mais influente, decisivo e
mais eficaz para a contribuição daquele facto? Na prática causa muitas
dificuldades Ex.: Pelotão de fuzilamento.
v TEORIA DA CONDIÇÃO MAIS PRÓXIMA:
• É também uma correção à 1.ª teoria. Havendo vários atos, vários
comportamentos antecedentes, estabelecia-se o nexo de causalidade
relativamente ao último facto que antecedeu o resultado. MAS... por
vezes o último facto pode ser o menos eficaz. Ex.: A está a dar uma
tareia com um ferro durante horas em B e chega C e dá-lhe um pontapé
na cabeça, vindo B a falecer. O último facto foi o pontapé, terá sido este
o facto mais eficaz para a imputação objetiva do resultado?
OBS: Estas teoria corretivas são insuficientes e então a doutrina
constrói uma teoria que negasse as anteriores.
v TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA:
• Obriga-nos a analisar a conduta e a verificar se a mesma é idónea para
produzir aquele resultado. A ideia de causalidade adequada é aferir se
o facto praticado foi causa adequada à produção daquele resultado.
Propõe-se para isso, com esta teoria, que se faça um juízo de prognose
póstuma. Ou seja, à posteriori (depois do facto ter acontecido) faz-se
um prognostico com base numa ideia de probabilidade. Perguntamos:
era provável ou previsível ter acontecido aquele resultado a partir
daquela conduta? O julgador quando se depara com um facto formula
a pergunta, mas a quem? Utilizando o padrão do homem médio, mas
reportando-se aquele agente, que vai padronizar o homem médio. Dito
de outra forma: se o homem médio, colocado na posição do agente,
poderia prever que tal resultado viesse a acontecer.
• Esta teoria foi adotada pela maioria dos ordenamentos jurídicos e pelo
nosso também (art. 10.º, n.º1).
• Mas esta teoria também cria alguns problemas: como aferir o padrão
do homem médio?

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• ROXIN, constrói, por isso, um critério para corrigir esta teoria. Surge a
teoria ou critério do risco.
v TEORIA OU CRITÉRIO DO RISCO:
• Defende ROXIN que existirá causalidade adequada sempre que o
agente, pela sua conduta, tenha criado, aumentado ou não diminuído o
risco proibido. Desta forma esta formulação imputa objetivamente ao
agente por ter criado ou aumentado o risco. O autor coloca aqui a ideia
de que o risco é sinónimo de perigo, que a norma tutela. Ter-se-á que
verificar se o agente criou ou aumentou o risco e só posteriormente se
estabelecerá o nexo de causalidade. Contudo o nexo de causalidade
deve ser apenas estabelecido ao risco que é proibido. Quando o risco é
perfeitamente lícito, permitido não podemos estabelecer o nexo de
causalidade adequada. Ex.: num circuito automóvel há uma curva
onde há muitos acidentes. A compra o bilhete para B, pessoa que quer
ver morta para herdar dela. Verificamos que não há nexo de
causalidade adequada.
• Se estiver em causa uma situação de perigo então não há nexo de
causalidade.
• Por vezes é a própria lei que no tipo de crime estipula que é um risco
previsível. Ex.: art. 279.º - Quem em medida inadmissível... há a
adaptação do conceito de risco que é tolerado pela ordem jurídica e há
um risco proibido.
• A construção desta teoria feita por ROXIN é bem mais complexa e
apesar de haver risco deverá atender-se a outros factores. É necessário,
por isso, que o resultado produzido se encontre dentro da esfera da
proteção da norma violada. Ex. um condutor atropela uma criança na
passadeira. A mãe assiste à morte do filho e tem uma paragem
cardíaca. Pergunta-se: a morte da mãe é imputável ao condutor?
• Outra composição formulada pelo autor, no sentido de correção da
teoria do nexo causalidade adequada, prende-se com o desvio do
processo causal, i.é., circunstâncias que produzem um determinado
resultado. Se o agente colocar em marcha um atuação e depois há um
fator exterior, estamos na presença de um desvio do processo causal.
Donde temos que analisar se o facto no desvio do processo causal é
relevante ou irrelevante, para apuramos a concretização. Ex. A é
atacado com umas facadas, vai para o hospital, onde se recusa a
receber tratamento hospitalar, e morre. O agente colocou em marcha
um processo causal, mas temos um desvio que é relevante. O mesmo
sucede no caso de um futebolista que parte a perna a um colega, num
jogo, e a caminho do hospital a ambulância sobre um acidente e a
vítima morre.
• Quando há um desvio que é relevante o resultado final não pode ser
imputado ao agente, porque a conduta que ele iniciou é desviada.
• E se for um desvio irrelevante? Ex.: A quer matar B leva-o para a ponte
25 de abril e manda-o dali a baixo. Na queda o B bate com a cabeça
num ferro, tendo este ficado imediatamente espetando, e morre. Houve
um desvio, mas este não alterou a conduta do agente, dando-se a

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mesma lesão do bem jurídico.
• OUTRO CRITÉRIO desta teoria: por vezes para o mesmo facto
concorrem duas causas, uma que é a causa real e outra que é a causa
virtual. Ex.: A quer matar um espião e coloca-lhe veneno na comida,
que atua em 24h. Contudo 5 horas depois B, que também quer matar o
espião, dá-lhe um tiro. Devemos assumir como REGRA que quando
perante uma situação destas no qual concorrem a causa hipotética e a
causa real, em princípio o agente não beneficia da causa hipotética ou
virtual. O autor da causa real (A) pratica o crime consumado, não
beneficiando da causa hipotética. O autor da causa hipotética (B) não é
responsabilizado como o principal autor, mas é punido pela tentativa.
• ÚLTIMO CRITÉRIO: o critério do comportamento lícito alternativo.
Em determinadas circunstâncias o agente atua ilicitamente mas veio-se
a apurar que se ele tivesse cumprido a conduta alternativa (lícita) o
resultado acontecia na mesma. Ex.: numa fabrica de pincéis usa-se pêlo
de cabra. O dono da fábrica não mandou lavar o pêlo e os funcionários
ficaram doentes. Realizada uma análise chegou-se à conclusão que a
composição do pêlo era diferente do normal e mesmo se fosse efetuada
uma pré-lavagem dava-se a mesma circunstância.
• Nesta circunstância não se deverá estabelecer um nexo de causalidade
e logo não há responsabilidade criminal.

b) – Responsabilidade das pessoas singulares e coletivas

• A legislação portuguesa consagra o princípio da individualidade da


responsabilidade criminal (art. 11.º, n.º 1), o qual aliado ao princípio da
intransmissibilidade (art. 30.º, n.º 3 CRP e 127.º do CP) conforma o
princípio da pessoalidade das penas.
• No n.º 2 do art. 11.º estão consagradas as entidades coletivas por
infrações criminais praticadas pelos seus membros. Tal verifica-se após
a reforma de 2007, por razões que se ligam à impossibilidade ou
grande dificuldade em demostrar o nexo de causalidade entre a
atuação de determinados titulares dos órgãos e a lesão de bens
jurídicos, e ao facto de a aplicação de sanções aos membros dos órgãos
não ter qualquer efeito relativamente à pessoa coletiva.

c) – Atuação em nome de outrem

• Ressalva-se, no art. 12.º, a possibilidade de tais elementos se não


reunirem na pessoa do representante (agente do crime) mas na do
representado, daí que o legislador viesse entender que, apesar dessa
falta, deveria mesmo assim efetivar-se a punição daqueles.
• Extensão da punibilidade a certos tipos de crimes, visando o art. 12.º
unicamente alargar a punibilidade de certos tipos legalmente previstos

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na Parte Especial e que exigem determinados elementos pessoais ou
uma atuação no próprio interesse, a pessoas em que esses elementos
típicos se não verificam, mas que, contudo, agiram como órgãos ou
representantes de pessoa que reunia tais elementos ou o referido
interesse próprio.

d) – Imputação do facto

i) - Culpabilidade

• Tradição portuguesa e europeia na qual a culpa é o limite da pena.


• Não basta, para haver responsabilização jurídico-penal, a realização de
um tipo de ilícito. Tem que se atender que aquela realização possa ser
censurada ao agente em razão da culpa, o mesmo é dizer, que aquele
comportamento preencha também um tipo de culpa.
• Segundo o princípio da culpa, “não há pena sem culpa e a culpa decide
da medida da pena”. Cfr. art. 40.º, n.º 2.
• A liberdade de decisão prende-se com as questões relacionadas com a
imputabilidade, que é afastada em função da idade (art. 19.º) e em
razão de anomalia psíquica (art. 20.º).
• A culpa pode assumir-se como dolo (intenção do agente cometer o
facto – art. 14.º) ou como negligência (descuido no seu cometimento –
art. 15.º), sendo esta punidos nos casos previstos na lei.

ii) - Dolo

• Na estrutura do dolo podemos destacar dois elementos essenciais:


o Um elemento intelectual ou cognoscitivo – traduzido na
representação ou previsão pelo agente do facto ilícito com todos
os elementos integrantes e, por outro, à consciência de que esse
facto é censurável
o Um elemento emocional ou volitivo – ou seja uma especial
direção da vontade, qual seja a realização do facto ilícito
previsto pelo agente, e que dá lugar a diferentes tipos de dolo,
como sejam:
§ Dolo direto – em que o agente tem como fim, intenção, a
realização do facto criminoso, isto é, quer, deseja, o
resultado da sua conduta Ex.: o homicídio, o agente quer
tirar a vida ao ofendido (art. 14.º, n.º 1.)
§ Dolo necessário – em que o agente, tendo porventura
outro fim diferente, prevê o facto criminoso como
consequência necessária da sua conduta e, no entanto, não
se abstém da sua prática. Ex.: o agente não quer tirar a
vida ao ofendido, mas segundo as regras da experiência,
era-lhe fatalmente previsível que, com os factos
praticados, a morte ocorreria mesmo (art. 14.º, n.º 2).

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§ Dolo eventual – em que o agente ao atuar se conforma
com a possível realização do facto criminoso como
consequência da sua conduta. Ex.: o agente não tem o
propósito de tirar a vida ao ofendido, nem tão pouco
prevê que a sua ação possa conduzir fatalmente a esse
resultado. Aqui ele atua com indiferença pelo que possa
acontecer, tanto lhe fazendo que a morte ocorra como
não, e não lhe repugnando se ela vier a ter lugar.

iii) – Negligência

• Mesmo que se mostre excluído o dolo, ainda será possível censurar o


agente do facto se tiverem sido omitidos os deveres de diligência a que
era obrigado, segundo as circunstâncias e os conhecimentos e
capacidade pessoais (art. 15.º) e desde que a lei preveja expressamente
a censura a esse título (art. 13.º).
• A negligência pode ser tomada em dois sentidos:
§ Negligência consciente – quando o agente previu o
resultado da conduta mas confiou em que ele não teria
lugar ou se mostrou indiferente à sua produção (art. 15.º,
a) ).
§ Negligência inconsciente – quando o agente não previu
(como podia e devia) a produção daquele resultado (art.
15.º, b) ).

d) – Agravação da pena pelo resultado

• O CP contempla diversas hipóteses em que imputa intencionalmente


ao autor de certos crimes resultados mais graves produzidos pela sua
ação.
• Estamos no campo da preterintencionalidade ou predolo, que se
carateriza pela atribuição ao agente de um resultado penalmente
relevante e não abrangido pelo dolo da sua conduta.
• Para haver preterintencionalidade censurável é indispensável que:
o o agente tenha cometido um crime doloso (de resultado ou de
mera atividade);
o dele tenha resultado um evento agravante que não fazia parte
do dolo do agente (vg. a morte da gestante no crime de aborto);
o esteja prevista uma especial agravação da pena como censura do
resultado preterintencional.
• É o que resulta do art. 18.º, consequência necessária da ideia
consagrada no art. 13.º de que não há pena sem culpa.
• Perante uma situação destas a agravação da responsabilidade do
resultado não fica excluída, exigindo-se, contudo, que o resultado seja
ao menos imputável ao agente a título de negligência.
• Casos de agravação da pena pelo resultado:

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o Art. 138.º, n.º 3
o Art. 141.º, n.º 1
o Art. 145.º
o Art. 152.º-A, nº. 3 e art. 152.º-B, n.º 3 e 4
o Art. 155.º, n.º 2
o Etc......

3. Circunstâncias exclusórias da responsabilidade criminal

a) – Causas de exclusão da ilicitude

• O facto pode não ser imputado ao agente desde que existam


circunstâncias que, nos termos da lei, exclua a ilicitude do facto ou a
culpa na sua produção.
• Donde resulta como causa genérica de exclusão a ordem jurídica
considerada na sua totalidade – art. 31.º, n.º 1,; enumeração
exemplificativa, tal como a legitima defesa, exercício de um direito,
cumprimento de um dever imposto por lei ou ordem legítima da
autoridade, consentimento do lesado – art. 31.º, n.º 2; outras causas, tais
como o direito de necessidade(art. 34.º) e conflito de deveres (art. 36.º).
• Ordem jurídica considerada na sua totalidade: sendo o direito penal a
ultima ratio da política social, nunca uma conduta poderá ser ilícita
para esse ramos do direito se for lícita á face de qualquer outro ramo
estranho ao universo criminal. Ex.: situações de ação direta (art. 336.º
CC), estado de necessidade no mesmo âmbito (art. 339.º CC), do direito
de correção dos pais relativamente a seus filhos (art. 1878.º CC), etc...
• Legítima defesa: tem, entre nós, assento constitucional (art. 21.º CRP) e
também se refere a ela o Código Civil nos art.s 337.º e 338.º. A nível
penal está consagrada no art. 31.º, n.º 2, a) e 32.º. A legítima defesa será
pois a atuação de quem “usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem”. Para que se esteja perante a legítima defesa há que
atender aos seguintes requisitos:
o Agressão: - atualidade e ilicitude
o Defesa: - necessidade e intenção defensiva.
• A agressão tem que estar em curso e ilícita, não sendo obrigado que
constitua crime, tem, contudo que contrariar uma norma geral e
abstrata e viole um interesse geral protegido. A defesa tem que ser
dirigida apenas para um ato de pura defesa (não se poderá aproveitá-la
para agredir) e ao defender-se, o defensor só pode reagir a ofensas do
próprio agressor e não de terceiros. Obedece a determinados
requisitos, a saber:
o Necessidade – a defesa só é legítima se surgir como indispensável
para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de
terceiro.
o Vontade de defesa (animus defendendi) – a defesa tem que

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restringir-se a uma mera defesa, que, de resto, está claramente
expressa na lei, quando o legislador se refere a “facto praticado
como meio necessário para repelir a ação”.
• Ao contrário do CP/1886 em que se previa a proporcionalidade entre
a agressão e a defesa, o atual código não prevê tal situação. Mas se
houver uma clara desproporcionalidade entramos na situação de
abuso de direito. Contudo o circunstancialismo concreto exige do
julgador uma ponderação equilibrada, da resposta que o defendente
deu à agressão.
• Embora no Código Penal não se faça referência à impossibilidade de
recurso á força pública, para que se possa justificar a legítima defesa,
certo é que o mesmo consta do art. 21.º da CRP.
• Exercício de um direito (direito de necessidade): é integrado pelo
complexo de atos que o titular do direito pratica para conseguir a
satisfação de um interesse que a lei tutela. Ex.: art. 70.º CC – proteção
contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade
física e moral. Exclui-se a ilicitude da conduta quando:
o A situação de perigo não tenha sido voluntariamente criada
pelo agente, a menos que se trate de proteger interesses alheios
o O interesse sacrificado seja sensivelmente inferior ao interesse
a preservar;
o For razoavelmente de impor ao lesado o sacrifício do seu
interesse face á natureza ou valor do interesse ameaçado.
• Cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legitima de
autoridade: Ex.: a morte de inimigos pelos soldados em estado de
guerra
• Consentimento do titular do interesse lesado: Ex.: quando o dono da
casa permite a entrada nela a estranhos.
• Conflito de deveres: Quando o agente seja confrontado com a
concorrência de deveres jurídicos ou ordens legítimas da autoridade e
se lhe põe a opção de escolher, de entre eles, aquele ou aqueles que
deve sacrificar em detrimento dos demais. Com a ressalva que a
conduta do agente deixa de ser justificada quando implicar a prática
de um crime.

b) – Causas de exclusão da culpabilidade

• Definem-se como as circunstâncias que impedem que determinado ato


considerado ilícito pela lei, seja atribuível de forma culposa ao seu
autor.
• Inimputabilidade:
o Em razão da idade – art. 19.º
o Em razão de anomalia psíquica – art. 20.º
• Inexigibilidade de conduta diversa:
o Por excesso de legítima defesa – quando o excesso (dos meios
empregados em legítima defesa) resultar de perturbação, medo

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ou susto não censuráveis (art. 33.º, n.º 2)
o Por estado de necessidade desculpante – quando o ato é praticado
para afastar um perigo atual e não removível de outro modo,
que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade
do agente ou de terceiro (art. 35.º, n.º 1);
o Por obediência indevida desculpante – quando o ato resulta do
cumprimento de uma ordem por parte do funcionário,
desconhecendo que esse cumprimento conduz à prática de um
crime (art. 37.º)
• Erro sobre as circunstâncias do facto: por erro sobre os elementos de
facto e de direito ou sobre proibições cujo conhecimento for
indispensável para que se possa tomar conhecimento da ilicitude do
facto (art. 16.º)
• Falta de conhecimento da ilicitude não censurável: por
desconhecimento, não censurável, de que o facto era ilícito (art. 17.º, n.º
1).

4. Formas do crime

a) – Formas do crime quanto às suas fases

• Atos preparatórios: o código de 1886 definia o que eram atos


preparatórios, ao referir no seu art. 14.º que por tal se deveriam
entender “os actos conducentes a facilitar ou preparar a execução de um
crime”. O CP atual nada refere, limitando-se antes a referir o que são
atos de execução, no art. 22.º, n.º 2. Resulta então que tudo o que fica
para trás e até à linha limite da mera resolução ou cogitação será ato
preparatório.
• Face ao art. 21.º os atos preparatórios não são puníveis, mas contudo
existem exceções, sendo puníveis enquanto tal e não como crime
autónomo:
o Art. 256.º, 262.º, 263.º, 268.º, n.º 1, 269.º, n.º 1, e 270.º
o 272.º a 274.º - por força do art. 275.º
o 308.º a 317.º e 325.º a 327.º - por força do art. 344.º
o crimes de organizações terroristas – p. e p. pela Lei n,º 52/2003,
de 22 de agosto (Lei de combate ao terrorismo).
• Tentativa: carateriza-se pela prática de algum ato de execução do
crime.
• Art. 22.º e 23.º, a tentativa é punível nos crimes mais graves (limite
máximo superior a 3 anos de prisão), uma vez que em relação a eles
basta o início de realização do facto para abalar o sentimento coletivo
de segurança jurídica. Admite-se contudo a punibilidade da tentativa
quando tal for referido pelo legislador, quando a moldura penal é
inferior a 3 anos, por razões de prevenção geral. É o caso do art. 134.º,
n.º 2, 154.º, n.º 2, 193.º, n.º 2, 221.º, n.º 3, etc...
• À tentativa aplica-se a pena cominada para o crime consumado, mas

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especialmente atenuada (art. 23.º, n.º 3) segundo as regras do art. 73.º,
ou seja, diminuída nos seus limites máximo e mínimo, conforme as
diferentes situações aí previstas.
• Relativamente à tentativa impossível ou inidónea, mencionada no art.
23.º, n.º 3, não existe punibilidade. Existe tentativa impossível quando,
no caso concreto, a ação dirigida à realização de um tipo criminal não
pode consumar-se por razões fáticas ou jurídicas, o que sucederá, por
exemplo, no caso de inidoneidade do objeto, dos meios ou do sujeito,
ou ainda nas situações em que o objeto da ação previsto pelo agente
não se encontra no lugar da comissão do crime ou se encontra longe
dele, contra aquilo que o agente esperava. Ex.: tentativa de homicídio
num cadáver
• Desistência: deixa o crime de ser punível quando o agente abandone a
execução do delito.
• Para ser relevante tem que o agente:
o Abandonar voluntariamente e espontaneamente a execução do
crime – art. 24.º, n.º 1, primeira parte
o Impeça, voluntariamente e espontaneamente a consumação –
arrependimento ativo eficaz, art. 24.º, n.º 1, segunda parte
o Impeça a verificação do resultado não compreendo no tipo – art.
24.º, n.º 1, terceira parte.
o Faça um esforço sério para evitar a consumação do crime ou o
seu resultado – arrependimento ativo, mas ineficaz, art. 24.º, n.º
2. Ex.: A administra um veneno a B, com o intuito de lhe tirar a
vida, mas arrepende-se e procura um médico que lhe acuda, não
tendo a morte ocorrido porque, entretanto, um terceiro deu um
vomitório à vítima.
• De salientar que a desistência tem que ser espontânea, para ser
relevante. O que não sucede caso o agente tinha sido obrigado a
desistir.
• No caso de desistência em que há comparticipação, diferentemente do
que sucede na autoria singular, não basta que o desistente deixe de
prosseguir na execução, sendo necessário que impeça a consumação
ou a verificação do resultado, isto é, que a desistência seja sempre
ativa.
• Crime consumado: é o estádio último do inter criminis. É para ele que
a lei reserva, e sem restrições, a plenitude da censura penal, a menos
que se verifique, no caso, qualquer circunstância impeditiva da
ilicitude ou da culpa.

b) – Formas do crime quanto aos modos ou graus da participação

• Autoria simples: a lei penal portuguesa qualifica a participação no


crime ora como autoria ou autoria simples (participação principal), ora
de cumplicidade (participação secundária).
• De acordo com o art.º 26.º é autor quem:

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o Executa o facto por si mesmo;
o Toma parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente
com outro ou outros;
o Convence dolosamente outrem à prática do crime (determinado
crime), desde que esse crime tenha sido ou tenha começado a ser
executado.
• A autoria de um crime pode ser vista sob duas vertentes:
o Autoria imediata ou material – aquela em que o agente executa o
facto por si mesmo, diretamente por suas próprias mãos (art.
26.º, primeira parte);
o Autoria mediata, moral ou intelectual – aquela em que o agente
pratica o facto por intermédio de outrem, isto é, deixando-o
executar materialmente por outra pessoa, sem, todavia, perder
com isso o domínio do mesmo. Autor mediato é, assim, o que
comanda o facto.
• A instigação foi remetida, no âmbito do nosso Código Penal, para o
domínio da autoria mediata ou moral. Na instigação o agente,
dolosamente, determina outra pessoa à prática do facto. Aquela
determinação tem que poder ser concretamente limitada (ao menos a
título de dolo eventual) podendo ultrapassar a unidade, mas não
podendo ser geral e abstrata. Isto é, tem que se referir, pelo menos, a
um ato criminoso determinado, o que não se verifica quando, por
exemplo, se instiga alguém a prosseguir na senda do crime
(determinação abstrata).
• Coautoria ou comparticipação: quando o facto típico é compartilhado
por uma pluralidade de agentes, havendo conjugação de esforços no
sentido da consumação do facto ou factos típicos.
• Assim na coautoria a participação faz-se por uma de duas maneiras:
o Por acordo entre todos os comparticipantes – acordo este que
pode ser expresso ou tácito;
o Por participação direta na execução do facto juntamente com
outro ou outros. Ex.: a conduta do condutor do veículo onde se
deslocam os assaltantes de um banco.
• Há certos tipos de crimes que admitem coautoria mas onde se exige a
intervenção de pessoas com certas qualidades: casos dos crimes
próprios ou de mão própria, em que havendo comparticipação, não se
transmitem as qualidades exigidas no tipo.
• Contudo, na coautoria, a regra é a da comunicabilidade – ilicitude na
comparticipação.
• Diferentemente é o que diz respeito à culpa, no qual o legislador, no
art. 29.º, estabelece que cada participante é punido segundo a sua
culpa, independentemente da punição dos outros comparticipantes ou
do grau de culpa destes. Tal sucede por obediência ao princípio
consagrado no art. 13.º onde, “não há pena sem culpa e a culpa decide
da medida da pena”.
• Cumplicidade: consiste numa atividade extratípica acessória, de
auxílio ou colaboração com o autor, como no fornecimento de uma

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viatura, no empréstimo consciente de uma arma ou na vigilância dos
arredores. Na parte especial do CP só excecionalmente se criaram tipos
autónomos de cumplicidade (Ex.: art. 135.º, art. 349.º, art. 350.º)
• É cúmplice, nos termos do art. 27.º quem:
o Presta auxílio material ou moral à prática de um facto doloso
cometido por outrem;
o Fazendo-o dolosamente e utilizando qualquer meio.
• O cúmplice é punido na moldura correspondente ao facto típico
praticado pelo autor, sendo a pena especialmente atenuada, nos termos
do art. 72.º.

c) – Formas do crime quanto ao número de infrações cometidas

• Crime unitário: a atuação isolada do agente e leva a cabo uma única


ação criminosa.
• Concurso de crimes: quando o agente com a sua conduta não preenche
apenas um único ou mesmo tipo de ilícito, mas mais do que um tipo
e/ou o mesmo tipo mais do que uma vez.
• O art. 30.º, n.º 1, estabelece as seguintes regras:
o Unidade de tipos preenchidos com a conduta – unidade de
crimes;
o Pluralidade de tipos preenchidos com a conduta – concurso de
crimes;
o Unidade de tipos preenchidos, nas pluralidades de vezes em
que tal aconteceu – concurso de crimes.
• Verificando-se pluralidade de crimes, costuma-se distinguir-se entre:
o Concurso legal, aparente ou impuro – em que a conduta do
agente apenas formalmente preenche vários tipos de crimes,
mas, por via da interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa
conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por
um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem
recuar, não sendo considerados. Os diversos crimes podem-se
conexionar por diversas relações entre si, a saber:
§ Especialidade – um dos tipos aplicáveis (tipo especial)
incorpora os elementos essenciais de um outro tipo
também aplicável abstratamente (tipo fundamental),
acrescendo elementos suplementares ou especiais
referentes ao facto ou ao próprio agente (Ex.: homicídio
qualificado – art. 132.º - e homicídio privilegiado – art.
133.º - em relação ao simples homicídio.
§ Consumpção - o preenchimento do tipo legal (mais
grave) inclui o preenchimento do outro tipo legal (menos
grave) devendo a maior ou menor gravidade ser
encontrada na especificidade do caso concreto (Ex.: furto
qualificado – art. 204.º, n.º 2, al. f) e violação de domicílio
ou perturbação da vida privada – art. 190.º

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§ Subsidiariedade – em que certas normas só se aplicam
subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido
por uma norma mais grave (Ex.: usurpação de coisa
móvel – art. 215.º, apologia pública de um crime – art.
298.º)
§ Facto posterior não punível – os crimes que visam
garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes
(crimes de garantia ou aproveitamento) não são punidos
em concurso efetivo com o crime de fim lucrativo ou de
apropriação, salvo se ocasionarem um novo dano ao
ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico
(ex.: furto de uma coisa e sua posterior destruição para
afastar as suspeitas, em que só o primeiro é punível).
o Concurso efetivo, verdadeiro ou puro – em que entre os tipos
legais preenchidos pela conduta do agente se não dá uma
exclusão por via de qualquer das regras, como acontece com o
concurso ideal, aparecendo as diversas normas aplicáveis como
concorrentes na aplicação concreta (sendo a punição efetuada de
acordo com as prescrições constantes no n.º 1 a 4 do art. 77.º).
Ou seja, há concurso efetivo quando se comete mais que um
crime, quer através da mesma conduta, quer através de
condutas diferentes. Donde deveremos ainda distinguir:
§ Concurso ideal – quando mediante uma só ação se
violam diferentes tipos (concurso ideal heterogéneo – ex.:
agressão a uma pessoa que lhe provocou doença, e danos
em objetos de que se fazia acompanhar) – ou se viola
várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo –
Ex.: com um tiro agridem-se várias pessoas.
§ Concurso real – quando à pluralidade de crimes
cometidos corresponde uma pluralidade de ações.
• Crime continuado – verifica-se quando através de várias ações
criminosas se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos
que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento
que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um
condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim
diminuir consideravelmente a culpa do agente. É o que consta do art.
30.º, n.º 2 do CP.
• Os pressupostos do crime continuado são:
o Realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos
que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
o Homogeneidade da forma de execução;
o Unidade do dolo – as diversas resoluções devem conservar-se
dentro de “uma linha psicológica continuada”;
o Lesão do mesmo bem jurídico;
o Persistência de uma “situação exterior” que facilita a execução e
que diminui consideravelmente a culpa do agente.
• Nos termos do art. 79.º, n.º 1, o crime continuado é punido com a pena

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correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.

17
DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

Início do estudo da função do direito penal /legitimação do direito penal

O direito penal define os pressupostos da responsabilização penal – define o que se entende por crime – e
estatui a correspondente sanção

i.e.  associa, a factos penalmente relevantes,


determinada consequência jurídica

Objecto do Direito Penal – F.D. «Conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos
humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas privativas deste ramo do direito»  as penas e
as medidas de segurança.

Então:
Crime  é o objecto privilegiado do direito penal

Sentido formal de crime: todo a acção humana voluntária, típica, ilícita e culposa, que o ordenamento
comina com uma pena.

Sentido material de crime: todo o comportamento humano voluntário, que lese ou faça perigar bens
jurídicos.

O estudo da pena não é unitário, estende-se por várias áreas do direito penal enquanto sistema, dentro de
uma unidade funcional, segundo um trajecto: do geral – abstractamente aplicável a todos os infractores -
para o particular – individualizado no concreto agente que praticou o facto.

Assim:
• O Direito penal em sentido estrito - estuda os pressupostos de aplicação da pena nas suas várias
formas
• O direito processual penal contempla o regime jurídico de execução das penas – art. 369.º CPP –
determinação da sanção
• O direito penitenciário contempla o modo de cumprimento das penas

Porém, antes de vermos tipificadas na lei as sanções aplicáveis, houve todo um trabalho de política
criminal, que procedeu ao estudo das sanções adequadas à prática dos crimes, de acordo com as
finalidades que o sistema pretende alcançar.

Consequências jurídicas típicas:  A Pena  é a consequência jurídica característica do direito penal


As sanções típicas são a pena de prisão e a pena de multa
Fundamento: a culpa do agente

• Penas – a mais importante das consequências – aplica-se a agentes que tenham actuado com
culpa.
• Penas principais: pena privativa da liberdade (prisão carcerária, prisão domiciliária – permanência
na habitação - prisão por dias livres e pena pecuniária ou de multa. (art. 41.º ss).
• Penas acessórias: aquelas que apenas podem ser cominadas na sentença se existir outra pena
principal (art. 65.º ss)
• Penas de substituição: penas que são aplicadas em vez das penas principais (ex. penas de multa
em substituição de penas de prisão não superior a um ano – art. 43.º).
• No caso dos jovens entre os 16 e os 21 anos, o DL 421/82 determina a possibilidade de aplicação
das medidas de correcção prescritas para os menores de 16 anos (art. 4.º), mas essa norma foi
revogada com a entrada em vigor da Lei tutelar educativa.
• Penas alternativas: Qualquer pena alternativa pode ser convertida em pena de prisão se não for
cumprida, porque a pena típica continua a ser a pena de prisão. As outras são alternativas.

Mas existem outras consequências jurídicas:

A par das penas, existem outras reacções ou manifestações ou medidas penais: as medidas de segurança

Medidas de segurança

Fundamento: a perigosidade do agente

Medidas de segurança
Aplicáveis em primeira linha aos destinatários que não possam ser punidos com penas  porque lhes são
insensíveis
• Aplicam-se a incapazes de culpa – i.e. a inimputáveis – mas apenas aos inimputáveis em razão de
anomalia psíquica
• (privativas ou não privativas de liberdade)
• (não em razão da idade, porque a esses não são aplicáveis penas, mas medidas de protecção - aos
menores com idade inferior aos 12 anos - ou medidas tutelares, aos menores entre 12 e 16 anos)
• art. 91.º ss – e pressupõem a periculosidade do agente.
• Têm carácter especialmente preventivo
• Sempre em situações pós-delituais, praticadas por quem não tem capacidade de culpa  exemplo
• Porque no nosso sistema vigora o Princípio da culpa segundo o qual, a
quem não tiver capacidade de culpa, não pode ser aplicada uma pena
• Quanto mais censurável for o facto, maior será a pena a aplicar

• Como sabem, nem a todas as pessoas se reconhece legalmente a capacidade de culpa: A


inimputabilidade legal dos menores de 16 anos – art. 19.º
 Claus Roxin e a categoria da responsabilidade
• Há, ainda inimputáveis em razão de anomalia psíquica – art. 20.º
• As medidas de segurança não residem na culpa, como as penas, mas na perigosidade, no receio
de que possam vir a praticar novo facto
• Têm, no entanto, de ter já praticado um acto tipificado.

Direito de mera ordenação social e direito penal (a aprofundar para o próximo semestre lectivo)

O direito penal está submetido a vários princípios, entre os quais o Princípio da protecção dos bens
jurídicos, o Princípio da ultima ratio e da proporcionalidade (art. 18.º/2 CRP e 40.º CP)
• D.m.o.s. é um direito recente
• Criado por necessidade de intervir em certos sectores que não exigiam a tutela penal, mas para os
quais a sanção civil não era suficiente
o Relaciona-se, ainda, com os bens jurídicos, pelo que é ainda ilícito penal
o B.j de menor dignidade
o Consequência: coima  sanção administrativa
o Bens jurídicos tutelados
o Entidade que instrui o processo e aplica a sanção
o Tipo de sanção
o Recorribilidade para os tribunais das decisões administrativas
o Julgamento pelos Tribunais em caso de concurso entre ilícito criminal e ilícito de mera
ordenação social

A determinação das penas aplicáveis tem uma importância primordial, quer para o sistema, quer
para o delinquente

Nótulas:

A prisão apenas se generaliza como pena a partir do séc. XVIII porque exige, do Estado, meios logísticos de
que ele, atr então não pode dispor e porque não era aplicada como pena autónoma. Era uma pena utilitária,
para aplicação da pena principal. Servia para guardar o condenado e garantir que a pena lhe seria aplicada
 a pena principal era aplicada em público, para servir de exemplo (ler Surveiller et punir - Vigiar e Punir, a
origem das prisões – Michel Foucault e Só Deus e nós)

O Movimento Abolicionista Internacional e a introdução de penas alternativas humanizaram as penas e


auxiliaram à mudança de paradigma dos fins das penas.
Penas ligadas ao relativismo histórico.

QUANDO PENSAM QUE FOI ABOLIDA A PENA DE MORTE em Portugal?


1852 - abolida a pena para crimes políticos
1867 – abolida a pena de morte para crimes comuns
1976 – abolida para crimes militares

1995 - alterou regras em matéria de penas alternativas de prisão  tentativa de desencarceração


Direito e Processo Penal Professor Doutor Armando Ramos
ISCAL
LICENCIATURA EM SOLICITADORIA

DIREITO PROCESSO PENAL

Resumo do Conteúdo Programático

1. Atos processuais
2. O tempo da prática dos atos processuais
3. Vícios dos atos processuais

Conteúdo programático desenvolvido

1. ATOS PROCESSUAIS

• O processo constrói-se por atos. Estes atos têm um formalismo próprio e um tempo em que devem
ser praticados.
• A lei é rígida e determina o momento em que cada ato deve ser praticado.
• Há atos que são decisórios, ou seja, resolvem definitivamente uma questão (dentro daquele grau de
jurisdição). Ex.: Uma sentença (põe fim ao processo); certos despachos que podem ter efeito
decisório, tal como aceitar ou não uma prova.
• Todos os atos que ponham fim ao processo são atos decisórios (Ex. sentença, acórdão, despacho de
arquivamento....)
• Caraterística dos atos decisórios: têm que ser fundamentados sob pena de nulidade. Tal permite
conhecer a justiça do ato e principalmente permitir ao destinatário do ato que possa conhecer a
legalidade do mesmo (controle da legalidade).
• No quadro atual o processo é público, vigorando o Princípio da publicidade dos atos (art. 86.º, n.º 1
CPP). Contudo existem exceções.

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• O segredo de justiça não impede contudo que a autoridade judiciária possa em determinadas alturas,
por razões de segurança, prestar declarações públicas (art. 86.º , n.º 3 CPP).
• O segredo de justiça pode ser requerido pelo arguido, do assistente ou do ofendido ao JIC,
decidindo este por despacho irrecorrível (art. 86.º, n.º 2, CPP). Se o MP entender que os interesses
da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem pode determinar a aplicação
do segredo de justiça ao processo, na fase de inquérito, ficando a decisão sujeita a validação do
JIC, no prazo de 72 horas (art. 86.º, n.º 3, CPP).
• Sendo o processo público qualquer pessoa pode assistir aos atos processuais, nos termos do art. 87.º
CPP.
• Contudo há atos que decorrem com exclusão da publicidade, tais como o primeiro interrogatório
judicial de arguido detido (art. 141.º, n.º 2, CPP). Só serão admitidas outras pessoas por questões
de segurança.
• Relação dos meios de comunicação e a justiça: os meios de comunicação podem dentro dos limites
da lei proceder à narração circunstanciada do teor dos atos processuais, que não se encontrem sob
segredo de justiça, art. 88.º, n.º 1, CPP. Sob pena de desobediência simples existem as proibições
referidas no art. 88.º, n.º 2, do CPP.
• Durante o inquérito o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem
consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes. Se o inquérito se
encontrar em segredo de justiça o MP pode-se opor por considerar que pode prejudicar a
investigação ou os direitos dos participantes ou das vitimas (art. 89.º, n.º 1, CPP). Neste caso a
decisão cabe ao JIC que decide, por despacho irrecorrível (art. 89., n.º 2, CPP).
• No caso de segredo de justiça todos os intervenientes processuais ficam vinculados ao segredo de
justiça. A violação do segredo de justiça é um crime doloso (art. 16.º, n.º 1, do CP).
• Terminado o inquérito o processo é público. Os sujeitos processuais mencionados anteriormente
podem consultar os autos fora da secretaria (confiança do processo judicial), no prazo
determinado pela autoridade judiciária (art. 89.º, n.º 4, CPP).
• As testemunhas prestam juramento perante as autoridades judiciárias e incorrem no crime de falsas
declarações se mentirem. Caso não queiram prestar juramento ocorrem no crime de obstrução à
justiça. Os peritos prestam compromisso. Os menores de 16 anos e os interpretes não prestam
juramento (art. 91.º CPP).

2. O TEMPO DA PRÁTICA DOS ATOS PROCESSUAIS

• O fator tempo é um condicionalismo para a prática dos atos processuais.


• Determina a nossa lei que os atos processuais são, em regra, praticados nos dias úteis e no horário

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de expediente (art. 103.º, n.º 1, CPP).
• Contudo há exceções que não podem ter limite temporal.(art. 103.º, n.º2, CPP).
• Limitações quanto ao interrogatório de arguido:
o Não pode ser interrogado entre as 00H00 e as 07H00, exceto em ato seguido à detenção
(art. 103.º, n.º 2, alínea g) )
o Não pode o arguido ser interrogado mais de 4 horas seguidas. Tem que existir um
intervalo mínimo de 1 hora. Tal fundamento prende-se com o respeito pela dignidade da
pessoa humana (art. 103.º, n.º 4, CPP), sob pena de nulidade (art. 103.º, n.º 5, CPP).
• Finalidades dos prazos processuais:
o Garantir a celeridade processual
o Garantias de defesa.
• Tipos de prazos:
o Dilatórios: marcam o momento a partir do qual um certo ato pode ser praticado. Ex.:
citação por edital, só pode acontecer quando se tiverem esgotado as outras formas de
citação.
o Perentórios: o prazo dado para praticar um ato.
o Meramente ordenadores: limitam um prazo para que o ato seja praticado, mas se o
prazo for ultrapassado e o ato não for praticado não há qualquer sanção. Ex.: O tribunal
tem um prazo para proferir a sentença, se não acontecer naquele prazo o ato não perde a
validade.
• Por regra o prazo para a pratica de atos processuais é de 10 dias, mas há exceções (art. 105.º, CPP),
Ex.: requerimento de abertura de instrução (art. 287.º, n.º 1, CPP).
• A contagem de prazos não está dependente de um ato formal e aplicam-se as disposições do
processo civil (art. 104.º, n.º 1, CPP). A contagem é efetuada de forma contínua (incluindo fins-
de-semana e feriados). Interrompem para férias judiais. OBS: Contudo há prazos que continuam a
contar nas férias judiciais (art. 103.º, n.º 2, a) e e) por força do art. 104.º, n.º 2, CPP).
• Aceleração processual: fundamento para requerer que os prazos não estão a ser respeitados.
Podem requerer a aceleração processual os sujeitos processuais e as partes civis (art. 109.º).
o Se o responsável for o MP requerimento para o PGR, que decide no prazo de 5 dias.
o Se o responsável for o Juiz requerimento para o Conselho Superior da Magistratura.
o Decisões art. 109.º, n.º 5, CPP.
o Pedido manifestamente infundado condenação do peticionante entre 6 e 20 UC (art.
110.º CPP).
• Falar de prazos implica a abordagem à prescrição:
o Do procedimento criminal, i. é., entre a prática do crime e o processo – varia quanto à
moldura penal dos crimes art. 118.º CP

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o Suspensão do prazo art. 120.º CP
• O prazo inicia-se a partir do dia em que o crime foi consumado. Atenção: for um crime continuado
inicia-se o prazo no momento em que se deu o último ato.
• Os atos processuais são comunicados aos sujeitos processuais (art. 111.º, n.º 3):
o Por mandado
o Por carta (precatória, se o ato a praticar for fora dos limites territoriais; rogatória, havendo
que concretizar-se no estrangeiro).
o Por ofício, ....
• Convocação para atos processuais – art. 112.º. Caso a pessoa falte e não justique a falta pode ser
condenado pelo Juiz numa sanção pecuniária – art. 116.º, n.º 1.

3. VÍCIOS DOS ATOS PROCESSUAIS

• A regra é que há atos feridos de irregularidade. Quando os atos são nulos a lei tem que o referir
expressamente.
• Efeitos dos atos inválidos:
o Nulidade insanável;
o Nulidade com necessidade de arguição;
o Irregularidades
• Nulidade Insanável: é de conhecimento oficioso, podendo o tribunal declarar a nulidade em
qualquer fase processual, desde que não tenha havido caso julgado. No caso de existir uma
sentença/acórdão transitado em julgado então a nulidade não pode ser declarada.
o Em obediência ao Princípio da tipicidade são as referidas no art. 119.º CPP.
• Consequências da nulidade insanável: afeta o ato e tudo o que depender dos mesmos – art. 122.º, n.º
1.
• Nulidade com necessidade de arguição: tem de ser arguida pelos interessados – art. 120.º :
o Antes que o ato termine, quando o interessado está presente;
o Tratando-se da falta de notificação até 5 dias após a notificação do despacho que designar
dia para a audiência;
o Se a nulidade dizer respeito ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate
instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até 5 dias após a notificação do despacho
que tiver encerrado o inquérito;
o Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.
• Não é de conhecimento oficioso.
• Consequências da nulidade dependente de arguição: afeta o ato e tudo o que depender dos mesmos

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– art. 122.º, n.º 1.
• Irregularidades: é a regra quanto ao ato a invocar pelos interessados.
• Devem ser invocadas quando o interessado se encontra presente no ato. Caso não esteja tem o prazo
de 3 dias para a invocar.
• Não é do conhecimento oficioso.
• Consequência da irregularidade: se não for arguida dentro do prazo produz os seus efeitos – art.
123.º.

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Resumo do Conteúdo Programático

1. A prova em processo penal


2. Princípios gerais em matéria de prova
3. Legalidade da prova
4. Meios de prova

Conteúdo programático desenvolvido

1. A PROVA EM PROCESSO PENAL

• A prova é sempre um elemento fundamental e serve para demonstrar que esses factos se
verificaram.
• Procura-se apurar no Proc. Penal a existência de um crime, se o arguido tem ou não
responsabilidade pelo crime e em caso afirmativo que pena aplicar.
• O Proc. Penal está centrado na preocupação de apurar os factos. A prova é o instrumento que leva
os factos ao processo.
• A nossa lei, em matéria de prova, estipula o Princ. da atipicidade, i. e., todas as provas são
admitidas, desde que não sejam proibidas (art. 125.º CPP).
• O Proc. Penal percorre o itinerário provatório (iter probatorium). No julgamento, através das
provas, apuram-se os factos.
• Há que distinguir duas situações distintas:
o Meio de prova – que serve para apurar os factos;
o Produção da prova – como se recolhem as provas, i.e., como se chega à prova.
• Todos os sujeitos processuais têm o dever de colaborar na produção da prova.
• As provas são produzidas e dirigidas a quem julga, na audiência de julgamento, de forma a formar a
convicção do julgador. Daí que o tribunal tenha que fundamentar como formou a sua convicção.
• A prova está condicionada pelo objeto do processo fixado na acusação ou despacho de pronúncia.

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• Quem têm o ónus da prova?:
o O ónus da prova não pertence a ninguém, uma vez que todos os sujeitos processuais têm
por missão carrear para o processo todos os factos provatórios, com vista à descoberta
da verdade material.
o Logo o tribunal também tem o ónus da prova.
• Há 2 elementos essenciais que condicionam o ónus da prova:
1. Presunção de inocência, consagrada constitucionalmente.
2. Princípio do in dubio pro reo, ou seja, caso não se faça prova dos factos, na dúvida
absolve-se o arguido dos factos que lhe são imputados.

2. PRINCÍPIOS GERAIS EM MATÉRIA DE PROVA


• Princípio da atipicidade – art. 125.º CPP.
• Princípio da livre convicção – art. 127.º CPP.
• Princípio da investigação judicial – art. 340.º, n.º 1, CPP.
• Princípio da verdade material – o processo é visto como um todo, como um conjunto de
elementos que configuram o facto, procurando-se reconstruir uma situação passada.

• A prova distingue-se :
o Direta – nos casos em que o meio de prova se refere diretamente aquele facto que se quer
provar, ou seja, a partir da prova o facto revela-se. Ex.: A testemunha A diz “eu vi o B a
disparar uma arma de fogo contra C ”.
o Indiciária – quando a prova não demonstra o facto mas leva-nos a que tal facto se possa
ter verificado. Ex.: A diz que deu um tiro em B quando estava na casa de C. C vem dizer
que A nunca esteve em sua casa.
• As provas indiciárias em determinada fase do processo têm um efeito relevante, nomeadamente na
fase de inquérito. Nesta fase pretende-se demonstrar a presença de indícios, logo a prova
indiciária é suficiente (art. 277.º, n.º 2, a contrário).

3. LEGALIDADE DA PROVA
• Provas proibidas por lei – art. 126.º CPP. A proibição de prova está relacionada com o respeito
pelos direitos dos cidadãos, fundamentalmente pelo respeito da dignidade da pessoa humana.
• Se uma prova for obtida de modo proibitivo então ela é nula, sendo esta nulidade dependente de
arguição.
• A lei não prevê a admissibilidade ou não de se utilizarem determinados meios de prova, tais como

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o polígrafo (que tem uma validade científica). Contudo se for contra a vontade da pessoa não será
admissível o uso do polígrafo – art. 126.º.
• Se a pessoa se dispõe a utilizar este meio de prova, no nosso Código não existe um verdadeiro
fundamento para a sua proibição. Defende Prof. Costa Andrade que não está proibido o recurso a
este meio, em matéria de prova.
• A utilização de meios enganosos também é proibido na prova, tais como o uso de homem de
confiança ou de um polícia disfarçado que integra um cartel de droga. Contudo, em certas
circunstâncias a lei permite tais atos, tal como o previsto no regime do agente infiltrado.
• Há provas que são proibidas de se obter consoante a qualidade do agente. Ex.: art. 137.º.
• Existem proibições de prova relativa, ou seja, elas são proibidas, mas se forem ordenadas por certos
sujeitos processuais são permitidas. Ex.: o juiz ordena a realização de escutas telefónicas.
• As provas proibidas são nulas e aproveitam a todos os arguidos.
• Todos os atos processuais que tenham uma natureza decisória carecem de fundamentação (meio
para se controlar a legalidade e a convicção do juiz). O juiz tem que apresentar os fundamentos
com base:
o Nos factos
o Fundamentação de direito
o Apresentar os meios probatórios que levaram aquela decisão.
• A prova possuí ainda duas características:
o Imediação – contacto com a prova, nos termos do art. 355.º a prova produz-se em
audiência.
o Contraditório – todos os sujeitos processuais intervêm na produção da prova.

4. MEIOS DE PROVA

• Declaração das testemunhas – art.s 128.º e ss do CPP


• Declaração do arguido – art.s 140.º e ss do CPP
• Prova por acareação – art. 146.º CPP
• Prova por reconhecimento:
o De pessoas – art.- 147.º CPP
o De objetos – art. 148.º CPP
• Reconstituição dos factos – art. 150.º CPP
• Prova pericial – art.s 151.º e ss do CPP
• Prova documental – art.s 164.º e ss do CPP

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DIREITO PROCESSO PENAL

Resumo do Conteúdo Programático

1. Competência Territorial
2. Desenvolvimento do Processo Penal
3. Processos Especiais






Conteúdo programático desenvolvido

1. Competência Territorial
A competência territorial do Tribunal é, por regra, o de 1.ª instância, aplicando-se as regras do Direito
Penal sobre a ocorrência dos factos decorrentes do Direito Penal (matéria já estudada).
Exceção para o caso em que os arguidos sejam magistrados que é competente o Tribunal da Instância
superior em relação aquele em que o magistrado desempenha funções. Ex. Se for um magistrado do
Tribunal da Relação será competente o STJ. (Cfr. art.º 11.º, n.º 4.º, a); art. 12.º, n.º 3, a) CPP)

Na hierarquia dos Tribunais temos:


1.º - O Supremo Tribunal de Justiça
2.º - Os Tribunais das Relações
a) Porto
b) Guimarães
c) Coimbra
d) Lisboa
e) Évora
3.º - Os Tribunais Judiciais de 1.ª instância, também chamados Tribunais de Comarca.

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2. DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO PENAL E SUAS FASES

O processo penal nasce com a aquisição da notícia do crime, art. 241.º CPP. Consoante o tipo de crime o
Ministério Público (MP) deverá proceder à investigação. Assim temos:
Crimes Públicos – Aqueles que não necessitam de uma queixa formal, basta que chegue ao
conhecimento do MP para que este seja obrigado a proceder à investigação. Ex. Crime de
Homicídio.

Crimes Semipúblicos – Todos aqueles onde o legislador refere que o procedimento criminal
depende de queixa. Ex. Burla Informática (art. 221.º, n.º 4 CP). Se não existir queixa, até 6 meses
após o conhecimento do facto o procedimento criminal extingue-se e o MP nunca poderá dar início
à investigação, por falta de legitimidade.

Crimes Particulares – Todos os crimes onde se refere que o procedimento criminal depende de
queixa e de acusação particular. (ex. art. 188.º do CP). Nestes casos é obrigatório que o
queixoso/lesado se constituía assistente (art. 68.º do CPP). Caso não exista esta constituição o MP
não poderá proceder à investigação, por falta de legitimidade e terá que arquivar o processo
obrigatoriamente (art. 277.º, n.º 1 in fine).

Assim, o processo inicia-se na FASE DE INQUÉRITO. É a fase em que o MP procede por si mesmo, ou
delegando nos Órgãos de Polícia Criminal (OPC) a competência para a investigação. O INQUÉRITO é a
fase do processo penal destinada à investigação da existência de um crime, ao apuramento dos seus
agentes e respetivas responsabilidades, bem como à descoberta e recolha de provas relevantes que
sustentem a decisão sobre a acusação (art. 262.º, n.º 1 CPP).
A falta de INQUÉRITO constitui nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, als. b), 1.ª parte e d) CPP.
Terminado o INQUÉRITO o MP pode arquivar o mesmo (art. 277.º e 280.º CPP), deduzir acusação (art.
283.º ) ou suspender provisoriamente o processo (art. 281.º).

SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO


Se o crime não for punível com pena de prisão superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão o MP
(oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente) determina, em concordância com o Juiz de
Instrução Criminal (JIC), a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido de
injunções e regras de conduta, se se verificarem cumulativamente os seguintes pressupostos:
a) - concordância do arguido e do assistente;
b) - ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;

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c) - ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza;
d) - não haver lugar a medida de segurança ou internamento;
e) - ausência de um grau de culpa elevado;
f) - ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às
exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

Segue-se a fase facultativa denominada INSTRUÇÃO. Esta fase é presidida pelo JIC que poderá praticar
todos os atos tendentes à descoberta da verdade material, incluindo diligências de prova. Tem o seu
regime jurídico regulado nos art. 286.º a 310.º. Após a acusação ou arquivamento ou o arguido ou o
assistente se conformam com a decisão do MP e o processo segue para a fase de JULGAMENTO ou não
se conformando podem requer a abertura da INSTRUÇÃO. O requerimento deverá ter lugar nos 20 dias
após a data da notificação do despacho de arquivamento ou da acusação. Se o processo se revelar de
excecional complexidade este prazo pode ser alargado até 30 dias ( art. 107.º, n.º 6 e 215.º, n.º 3, parte
final).
Terminada esta fase o JIC decide por despacho de não pronúncia (semelhante ao arquivamento do MP) ou
por despacho de pronúncia do arguido (semelhante à acusação do MP) e o processo segue para a fase de
julgamento.

Na fase de JULGAMENTO, uma das fases nucleares do processo penal, tem por objeto a decisão da causa
final. Vigoram aqui os princípios já estudados (rever – juiz natural, da vinculação temática, da
investigação ou da verdade material, do contraditório, da livre apreciação da prova, oralidade, imediação,
etc...).

Consoante o limite máximo da pena assim será composto o Tribunal:


TRIBUNAL SINGULAR (art. 16.º CPP): Crimes com pena abstrata até 5 anos de prisão ou em que o MP
requeira pena até 5 anos de prisão, nos termos do art. 16.º, n.º 3 CPP. à Este Tribunal decide por
Sentença.

TRIBUNAL COLETIVO (art. 15.º): constituído por 3 juízes. Julga todos os processo que não sejam da
competência do Tribunal Singular. à Este Tribunal decide por Acórdão.

Segue-se a FASE DE RECURSO e a FASE DE CUMPRIMENTO DA PENA (que não iremos estudar).

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3 . PROCESSOS ESPECIAIS

Quando não se enquadra em nenhuma forma especial (sumário, abreviado ou sumaríssimo) é aplicável a
forma de processo comum.
Não há lugar à fase de instrução nas formas de processos especiais (antes da reforma de 2007, existia a
possibilidade, na forma abreviada, de o arguido requerer a realização de um debate instrutório).

PROCESSO SUMÁRIO:

Forma de processo vocacionado para a média criminalidade e onde está subjacente o principio da
celeridade processual, designadamente porque o detido deve ser julgado no prazo máximo de 48h após a
detenção, sendo os atos e termos do julgamento reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e
boa decisão da causa (cfr. art.s 386.º, n.º 2, 387.º, n.º 1 CPP).

Requisitos:
• Os detidos em flagrante delito, nos termos do art. 255.º e 256.º (primeira parte do n.º 1, do art.
381.º) por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos,
mesmo em caso de concurso de infrações. (alteração efetuada pela Lei n.º 1/2016, de 25 fev).
Podem ainda ser julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito com pena superior a
5 anos de prisão mas o MP na acusação deve mencionar que não deve ser aplicada, em concreto,
pena de prisão superior a 5 anos.
• Donde:
o Tratando-se de crime particular não há lugar à detenção em flagrante delito, mas apenas à
identificação do infrator (art. 255.º, n.º 4)
o Nos crimes semipúblicos a detenção é possível, mas só se mantém se, em ato seguido a
ela, o titular respetivo exercer o direito de queixa (art. 255.º, n.º 3). Se a queixa não for
apresentada após a detenção, o detido deve ser libertado.
o Nos crimes públicos a detenção é possível e o julgamento realiza-se sob a forma sumária
se forem observados os restantes requisitos previstos no art. 381.º.
• Se o crime não admitir pena de prisão não poderá haver detenção em flagrante delito (art. 255.º, n.º
1, a contrario).
• Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial (al. a), do n.º
1, do art. 381.º).

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• E o início da audiência de julgamento ter lugar no prazo máximo de 48 horas após a detenção.

O tribunal só remete os autos ao MP para tramitação sob outra forma quando:


- se verificar a inadmissibilidade, no caso, do processo sumário (art. 390.º, a) )
- não tenham podido, por razões devidamente fundamentadas, realizar-se, no prazo máximo previsto
no art. 387.º, as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade (art. 390.º, b) )
- o procedimento se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de
arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime (art. 390, c) ).

PROCESSO ABREVIADO

São julgados em processo abreviado os crime de média gravidade (públicos, semi-públicos e particulares).
Não obstante verificar-se uma substancial aceleração da tramitação nas fases preliminares, o julgamento
obedece às mesmas formalidades do processo comum

Requisitos:
• O crime for punível com pena de multa ou de prisão não superior a 5 anos;
• Existirem provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o
crime e de quem foi o seu agente. Com a reforma de 2007, entende-se que há provas simples e
evidentes, nomeadamente quando:
o O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não possa efetuar-se sob
a forma de processo sumário (art. 391.º-A, n.º 3, al. a) )
o A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a
dedução da acusação (art. 391.º-A, n.º 3, al. b) )
o A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos (art.
391.º-A, n.º 3, al. c) )
• A audiência de julgamento deve ter início no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação.

PROCESSO SUMARÍSSIMO
Vigoram com especial intensidade os princípios da simplicidade, consensualidade e economia processual,
não havendo lugar a uma audiência formal e solene no sentido pleno do termo, já que a decisão do
tribunal é um despacho baseado no requerimento do MP e no acordo do arguido.
Trata-se de um processo facultativo para o MP (porque apenas promoverá se entender que ao caso deve

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ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativas da liberdade) e para o arguido,
visto que poderá recusar-se a aceitar as sanções propostas pelo MP ou pelo Juiz (cfr. arts 396.º, n.º 1, b) e
398.º.
É possível a constituição de assistente, mas não a intervenção das partes civis, sem prejuízo da
possibilidade de aplicação do disposto no art. 82.º-A, relativo à reparação da vítima em casos especiais.

Requisitos:
• O arguido assim o solicitar, ou
• Depois de o ter ouvido e entender que ao caso deva ser concretamente aplicada pena ou medida de
segurança não privativas da liberdade.

Se o procedimento depender de acusação particular, o referido requerimento do MP depende da


concordância do assistente (art. 392.º, n.º 1 e 2).

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