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Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 02526/10.9BEPRT
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 02/28/2020
Tribunal: TAF do Porto
Relator: Helena Canelas
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR – DIREITO DE DEFESA
Sumário: I – O direito de audiência no âmbito de procedimento disciplinar é um direito fundamental e compreende não só o direito do trabalhador arguido a ser ouvido, como o direito a defender-se da
acusação.

II - Esse direito de defesa deve ser assegurado relativamente à materialidade dos factos integrantes da infração pela qual o trabalhador arguido venha a ser disciplinarmente punido.

III – Se a decisão disciplinar punitiva assentou em factos que foram dados como provados no respetivo Relatório Final mas que não constavam da acusação, e se estes não serviram para
excluir, dirimir ou atenuar a responsabilidade disciplinar da trabalhadora arguida, antes tendo justificado, nos termos da fundamentação externada no Relatório Final, o juízo de muito elevada
gravidade da conduta da trabalhadora arguida, traduzido no seu enriquecimento ilegítimo à custa do erário público no quantitativo que ali foi apurado, não se mostra assegurado, quanto a eles,
o direito de defesa da trabalhadora arguida, consubstanciando nulidade insuprível do processo disciplinar, a qual contamina a decisão final punitiva. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente: MUNICÍPIO DE (...) e A.M.N.F.P.B.
Recorrido 1: A.M.N.F.P.B. e MUNICÍPIO DE (...)
Votação: Unanimidade
Meio Processual: Acção Administrativa Especial
Decisão: Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo
Norte:

I. RELATÓRIO

A.M.N.F.P.B. (devidamente identificada nos autos) instaurou em 01/09/2010 no Tribunal Administrativa e Fiscal do
Porto na ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DO (...), na qual, impugnando a deliberação da
Câmara Municipal do (...) datada de 04/05/2010, que lhe determinou a aplicação da sanção disciplinar de
suspensão por 90 dias, peticionou a declaração de nulidade ou anulação daquela decisão bem como a
condenação deste a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática daquele ato, designadamente a
pagar-lhe a quantia de 2.883,54€ correspondente à remuneração base que deixou de auferir acrescida de juros
de mora.
Por sentença datada de 21/01/2014 o Tribunal a quo julgando a ação procedente anulou a deliberação
impugnada e condenou o réu MUNICÍPIO DO (...) a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática do
ato anulado, designadamente a pagar à autora a correspondente remuneração base que não lhe pagou durante o
período da suspensão, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Inconformado, o MUNICÍPIO DO (...) dela interpôs recurso de apelação (fls. 432 SITAF), pugnando pela sua
revogação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
(a) O presente recurso restringe-se aos aspetos da decisão a quo que não foram favoráveis ao R., aqui Recorrente,
nomeadamente na parte em que considerou existir violação do direito de audiência prévia da Recorrida, e
violação de lei pelo facto de a infração disciplinar praticada pela A. integrar a violação do dever de isenção, mas
já não do dever de zelo;
(b) Na presente demanda, o R. decaiu no facto de ter sido reconhecida a violação do direito de audiência do
arguido, bem como a inexistência de violação do dever de zelo, anulando consequentemente o ato por esse
motivo. É assim, nos termos do artigo 633.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 1.º e
140.º do CPTA), admissível e tempestivo o presente recurso subordinado de revista;
(c) Nos termos do artigo 55.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar na decisão podem ser invocados factos constantes da
acusação ou da defesa do arguido, bem como todos os factos que contribuam para diminuir a responsabilidade
disciplinar deste último;
(d) Na sua resposta à acusação a Recorrida alegou que efetuava pagamentos à clínica de St.º (...), pelo que, face à
defesa apresentada pela Recorrida, o instrutor teve o cuidado de analisar se o processo continha prova nesse
sentido, tendo efetivamente localizado os cheques constantes do ponto 45) do relatório final, incluindo assim os
mesmos na matéria de facto provada;
(e) O facto de a Recorrida efetivamente ter utilizado o dinheiro que recebia das comparticipações dos SMAS para
pagar os tratamentos que efetuava na Clínica serviu para atenuar a sua culpa, o que foi devidamente valorado
pelo instrutor disciplinar, pois que isso revelava, como revelou, uma intenção de pagar tratamentos efetivamente
recebidos e já não um enriquecimento pecuniário direto (como aconteceu com outros arguidos);
(f) O instrutor disciplinar e a entidade decisória não puderam ser indiferentes a estes factos no único plano em
que os mesmos podiam ser valorados (no plano da culpa do agente), pelo que, nessa medida, o facto 45),
alegados pela Recorrida, contribuíram para a diminuição da sua responsabilidade;
(g) À data da prática dos factos, havia nos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do MUNICÍPIO DO
(...) (SMAS Porto) regras vigentes e claras no que diz respeito à entrega, por parte dos colaboradores, de recibos
para pagamento de comparticipações médicas, as quais eram conhecidas de todos os colaboradores,
inclusivamente da A.;
(h) A A. exercia funções nos SMAS do (...) desde 1985, motivo pelo qual, à data da prática dos factos, tinha já
cerca de 20 anos de antiguidade e estando, assim, plenamente familiarizada com os procedimentos vigentes
nesses serviços no que diz respeito à entrega de despesas médicas com vista ao processamento de
comparticipações;
(i) As regras referentes ao pagamento de comparticipações médicas por quem seja beneficiário da ADSE estavam
igualmente previstas no Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, designadamente nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e
45.º;
(j) Viola o seu dever de zelo o colaborador que não cumpre as regras legais e regulamentares e as ordens e
instruções vigentes nos serviços onde exerce funções, designadamente entregando recibos que sabia serem
falsos, com vista a que lhe fossem processadas comparticipações médicas em valores muito superiores àqueles
que sabia lhe serem devidos, devendo ter sido esse o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas
pelo Tribunal a quo as normas constantes do artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo
4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º
e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro;
(k) As regras constantes no Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, por um lado, e especialmente as regras
então vigentes nos SMAS do (...) a respeito da entrega de recibos para comparticipações médicas, relacionam-se
particularmente com a realidade aí vivida, estando direcionadas para destinatários específicos (os funcionários
dos SMAS), no qual a Recorrida se incluía. Por esse motivo, e face à antiguidade da mesma, o não cumprimento
dessas regras está diretamente relacionado com o serviço em que a Recorrida se encontrava, devendo ser sido
esse o sentido em que os artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro deviam ter sido
interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo;
(l) O dever de zelo implica também que o funcionário ou agente deve evitar o desbarato ou a irregularidade nas
despesas, sendo que o não cumprimento das regras regulamentares a observar no caso da obtenção de
comparticipações médicas implica responsabilidade disciplinar por violação do dever de zelo – o que ocorreu
claramente no caso em apreço, devendo ter sido esse o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e
aplicadas pelo Tribunal a quo as normas constantes do artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no
artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7,
17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de
fevereiro;
(m) Face aos factos descobertos e dados como provados, e tendo presente o enquadramento legal aplicável, a
pena de suspensão por 90 dias afigura-se como a mais adequada e proporcional, dada a gravidade e
censurabilidade da conduta, a culpa do agente e os danos causados ao Recorrente, sendo que, nas hipóteses em
que a medida se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada
aquela de que a administração se serviu;
(n) Caso assim não se entenda, e sem prescindir, independentemente dos deveres violados, a conduta infratora
adotada pela Recorrida é a mesma e foi plenamente dada como provada, em sede disciplinar e judicial, tendo
sido por essa conduta que aquela foi disciplinarmente punida. Assim, mesmo que se considerasse não ter havido
violação do dever de zelo – tese à qual efetivamente não se pode aderir – ainda assim a conduta verificada, a sua
gravidade, culpa e consequências, sustentavam a aplicação da pena disciplinar de suspensão;
(o) Acresce que, tendo ficado demonstrada a violação do dever de isenção, legalmente punível com a pena
disciplinar de demissão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea m) do ED, a pena
disciplinar de suspensão aplicada à recorrida situa-se dentro do círculo de medidas possíveis face aos deveres
funcionais violados e, assim, proporcional e consistente;
(p) Caso se venha a entender que o ato administrativo se encontra efetivamente ferido de algum vício – o que não
se concede, mas se admite por mero dever de ofício – estaríamos sempre perante vícios geradores de mera
anulabilidade do ato, o que permitiria a prática de novo ato, em sede de execução de sentença;
(q) Tendo já ficado demonstrado que a Recorrida violou, pelo menos, o seu dever de isenção, o qual é punido com
a pena de demissão pelo artigo 18.º, n.º 1, alínea m) do novo ED (ou, no mesmo sentido, pelo artigo 26.º, n.º 4,
alínea d) do anterior ED), a anulação do ato levaria à prática de novo ato, com o mesmo conteúdo;
(r) Uma vez que nenhum erro nos pressupostos de facto foi detetado judicialmente, sendo que o ato
administrativo a praticar será sempre o mesmo (por ter sido violado, pelo menos, o dever de isenção), justifica-se
o aproveitamento do ato administrativo, o que expressamente se requer;
(s) A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte ora posta em crise, violou o disposto nos artigos 3.º,
n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto
nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e
45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro.

Também a autora A.M. interpôs recurso de apelação (fls. 469 SITAF) daquela sentença, na parte em que nela
foram julgados como não verificados outros vícios que haviam sido assacados ao ato administrativo impugnado,
pugnando pela revogação da sentença recorrida, nessa parte, com procedência da pretensão impugnatória
também com fundamento nesses indicados vícios, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. A Câmara Municipal do (...) era incompetente para aplicar a pena disciplinar de suspensão à recorrente, por
força do n.º 4 do artigo 58.º da Lei 12-A/2008, de 27/02.
2. A decisão recorrida, ao assim não considerar, violou a referida norma, bem como o disposto nos artigos 63.º,
n.º 3 do ED/84 e 54.º, n.º 3 do ED/08, uma vez que a Câmara Municipal tinha no caso, findo o relatório final
disciplinar, dois dias para remeter o processo ao Conselho de Administração da AdP, enquanto entidade
cessionária.
3. A falta de competência para punir constitui nulidade insuprível, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, al. d) do
CPA, por preterição de uma formalidade essencial e que impede a pratica de novo acto em sede de execução de
sentença, nos termos dos artigos 63.º do ED/ 08 e 141, n.º 1 do CPA.
4. O n.º 2 do artigo 42.º do ED/84 e o n.º 2 do artigo 37.º do actual ED são inaplicáveis ao caso por serem
inconstitucionais e contrariarem o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do correspondente «direito
fundamental ao recurso contencioso» ou «direito fundamental de impugnação dos actos administrativos», o qual
não pode ser restringido, sob pena de violação dos artigos 20.º, 30.º, n.º 10; 53.º; 58.º, n.º 1; 268.º, n.º 4 e 269.º,
n.º 3 da Constituição.
5. A inconstitucionalidade aqui arguida pela Recorrente do n.º 2 do artigo 42.º do ED/84 e n.º 2 do artigo 37.º
do actual ED é do conhecimento oficioso do Tribunal pelo que deve ser conhecida (artigo 204.º da CRP).
6. À data dos factos (2005) a competência disciplinar pertencia ao Conselho de Administração dos SMAS nos
termos do artigo 19.º do ED/84, cabendo apenas recurso hierárquico para o órgão executivo Câmara Municipal
de acordo com o disposto no artigo 75.º, n.º 4 do ED/84.
7. À data da instauração do processo (11/12/2008) o Autor prestava serviço nos Serviços Jurídicos da entidade
cessionária, no caso, a AdP, não estando sujeito por força do disposto no n.º 3 do artigo 58.º da Lei 12-A/2008,
de 27 de Fevereiro, às ordens e instruções do Presidente da Câmara Municipal do (...), isto é, sob a alçada do seu
poder hierárquico.
8. Ou seja, em qualquer dos casos, contrariamente ao decidido, o Presidente da Câmara Municipal do (...) não
era superior hierárquico do Autor – pressuposto errado em que assentou a decisão recorrida.
9. O Acórdão recorrido violou, assim, o disposto no n.º 3 e 4 do artigo 58.º da LVCR; artigos 39.º, 1 e 51.º, n.º 2
do ED/84.
10. Ainda que o MUNICÍPIO DO (...) fosse a entidade competente para instaurar o processo disciplinar, teria essa
decisão de ser tomada por deliberação do órgão executivo «Câmara Municipal» e não por despacho do Presidente
da Câmara, que não era superior hierárquico do Recorrente (cfr. Acórdãos do TCA Norte de 2/10/2008, proc.
02480/05.9BEPRT; e Acórdãos do TCA Norte de 13/11/2008, proc. 01552/05.4BEPRT e 01569/05.9BEPRT).
11. A Ordem de Serviço n.º 13/05, de 28/03/2005, não delega qualquer competência para nomear instrutores
de processos disciplinares na Directora do DMJC, nem o poderia fazer uma vez que tal competência não é
delegável, está perfeitamente definida no ED/84 e não carece de qualquer regulamentação.
12. As regras constantes da Ordem de Serviço n.º 13/05, de 28/03/2005, que a decisão recorrida aplicou, não
podem contrariar o disposto no ED/84, sob pena de serem inconstitucionais por violação do disposto no artigo
112.º, n.º 6 e 8 da CRP (falta de citação e violação de lei habilitante), inconstitucionalidade que expressamente
aqui se deixa arguida para ser devidamente conhecida pelo Tribunal.
13. Não sendo também superior hierárquica do Recorrente, quer à data dos factos, quer à data do início do
processo disciplinar, a Directora do DMJC era, nos termos dos artigos 39.º e n.º 1 e 2 e 51.º do ED/84,
incompetente para nomear o instrutor do processo, tendo a decisão recorrida violado tais normas.
14. Ao contrário do decidido, deve considerar-se prescrito o procedimento disciplinar nos termos do n.º 2 do
artigo 4.º do ED/84, não sendo credível perante os elementos constantes dos autos, que o Conselho de
Administração dos ex-SMAS não tivesse conhecimento dos ilícitos de caracter disciplinar, e se não tinha foi
porque não quis deles tomar conhecimento, uma vez que eram conhecidos da maioria dos seus membros
(Presidentes e Administrador Delegado).
15. Aliás, se permaneciam dúvidas quanto à relevância jurídico disciplinar das alegadas faltas, deveria ter-se
instaurado processo de inquérito o que por essa via teria interrompido o prazo de prescrição de 3 meses.
16. Ao não decidir nesse sentido, a decisão recorrida violou o artigo 4.º, n.º 2 e 5, 85.º e 87.º do anterior ED.
17. O Tribunal a quo esqueceu por completo as normas do anterior Estatuto Disciplinar de aplicação em
concreto mais favorável ao Recorrente, pelo que é patente a nulidade da acusação do processo disciplinar por
não conter a referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis, com referência ao ED/84 vigente à data do
despacho de instauração do processo disciplinar.
18. A decisão recorrida não fez uma apreciação concreta do caso, como impunha o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º
58/2008, de 9 de Setembro, pelo que violou frontalmente este normativo.
19. Por conseguinte, incorreu em manifesto erro de julgamento, ao não dar como verificada uma das nulidades
da acusação insupríveis, tendo violado o disposto nos artigos 42.º, n.º 1, 57.º, n.º 2 e 59.º, n.º 4 do ED/84 e o
princípio da legalidade e da não retroactividade das leis penais consagrados nos artigos 1.º e 2.º do Código
Penal, aplicável ex vi artigo 9.º do ED/84 – e ainda os artigos 29.º, n.º 4 e 32.º, n.º 10 da CRP.
20. A decisão recorrida, errou também na determinação da norma aplicável, tendo violado o disposto no artigo
3.º, n.º 4, al. a) do ED/84, ao enquadrar a situação sub judice na violação do “dever de isenção”, pois não se
verifica, contrariamente ao decidido, o indicado nexo causal com a condição de funcionário público, mas sim e
tão só apenas com a qualidade de beneficiário da ADSE (sendo que, é sabido, existem beneficiários que não são
necessariamente funcionários públicos. Ex: cônjuge e filhos).
21. A haver um qualquer delito, o que não se aceita de forma alguma, sempre teria o mesmo de ser enquadrado
nos chamados delitos comuns prestigiantes praticados fora do serviço e não na violação do dever geral de
“isenção” que pressupõe o exercício efectivo da função.
22. O Tribunal a quo deveria ter ponderado, face às nulidades insupríveis e preterições de formalidades
verificadas, ex officio ou ao abrigo do n.º 3 do artigo 95.º do CPTA, a aplicação do disposto no artigo 63.º do novo
ED em conjugação com o disposto no n.º 6 do mesmo Estatuto e do n.º 1 do artigo 141.º do CPA, sendo tal
necessário para impedir em sede de execução de sentença a prática de um novo acto punitivo por parte do Réu.

Relativamente ao recurso do réu não foram apresentadas contra-alegações pela autora.

E relativamente ao recurso da autora o réu MUNICÍPIO DO (...) apresentou contra-alegações (fls. 516 SITAF)
pugnando pela sua improcedência, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
(a) O acórdão proferido pelo Tribunal a quo, no que às presentes alegações de recurso subordinado diz respeito,
foi injustamente posto em crise, uma vez que procedeu a uma correta e cuidadosa análise de toda a matéria de
facto, sendo corretas e ajuizadas as considerações jurídicas do mesmo constantes sobre as matérias aqui
abordadas – que estão, além do mais, e como se viu, em perfeita sintonia com o que vem sendo defendido, de
forma pacífica, pelos tribunais superiores – inexistindo assim a violação dos preceitos indicados pela Recorrente;
(b) A existência de um prazo para a arguição de vícios na pendência do procedimento disciplinar não prejudica,
de forma alguma, o direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º e 268.º da Constituição da
República Portuguesa, sendo uma manifestação do princípio da segurança jurídica que orienta o nosso
ordenamento jurídico, e que preside a tantos outros regimes legais conhecidos, como é o caso da prescrição do
direito de exercício do poder disciplinar, previsto no artigo 6.º do ED;
(c) À data da prática dos factos que enformaram o presente procedimento disciplinar a Recorrente era
colaboradora dos SMAS do (...), e não da empresa Águas do (...), E.M. (entidade que, nessa data, nem sequer
existia), sendo que aquando da instauração do procedimento disciplinar a mesma era já funcionária do
MUNICÍPIO DO (...), motivo pelo qual era este último quem detinha o poder disciplinar sobre a Recorrente;
(d) A infração disciplinar praticada pela Recorrente era abstratamente aplicável com a pena de demissão (por
violação do dever se isenção, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea m) do ED), sendo que só a entidade
empregadora desta última poderá avaliar se o vínculo funcional se encontra definitivamente rompido, ou não,
motivo pelo qual, também por esse motivo, cabia ao Recorrido o poder para punir disciplinarmente a Recorrente
no presente procedimento disciplinar;
(e) Sendo o Presidente da Câmara superior hierárquico do Recorrente desde 2006, é evidente que o mesmo tinha
competência para mandar instaurar o respetivo procedimento, como de facto aconteceu;
(f) Nos termos conjugados dos artigos 39.º e 51.º do anterior ED (vigente à data da nomeação do instrutor), podia
o Presidente da Câmara nomear o instrutor, podendo igualmente delegar essa competência, como de facto
aconteceu, na Senhora Diretora do Departamento Municipal de Jurídico e Contencioso, por força da Ordem de
Serviço n.º 13/05, de 28 de Março de 2005;
(g) A Ordem de Serviço n.º 13/05, de 28 de Março de 2005 limita-se a delegar a competência quanto à nomeação
e escolha do instrutor, matéria que em nada afeta o que dispõe o ED, mas apenas o adapta a uma estrutura com
grandes dimensões como é o caso do MUNICÍPIO DO (...);
(h) O prazo de prescrição previsto no artigo 4.º, n.º 2 do ED/84 inicia a sua contagem logo que a falta seja
conhecida pelo dirigente máximo do serviço;
(i) A Recorrente apenas integrou o quadro de pessoal do Recorrido em 26 de outubro de 2006 – na sequência da
transformação dos SMAS do (...) em empresa Municipal e face ao Protocolo celebrado entre o Recorrido e a Águas
do (...) –, pelo que em 2005 o dirigente máximo do serviço em que a Recorrente exercia funções era o Conselho de
Administração dos SMAS do (...);
(j) Não ficou provado nos autos que o Conselho de Administração dos SMAS do (...) tenha tomado conhecimento
da falta em 2005, ou sequer antes da transformação dos SMAS em empresa municipal;
(k) O Diretor Delegado dos SMAS do (...) referiu não ter conhecimento, mas meras suspeitas, da existência de
irregularidades nos processamentos das comparticipações da ADSE, mais referindo que se desconhecia
inclusivamente quais as pessoas envolvidas e a dimensão dos casos, motivo pelo qual essa matéria teria de ser
investigada pela Polícia Judiciária (facto provado n.º 24.º, não impugnado pela Recorrente);
(l) De todo o modo, o Diretor Delegado dos SMAS do (...) também não era o dirigente máximo do serviço, pelo que
o conhecimento que este pudesse ter tido é indiferente para os presentes autos, sendo certo que esse
conhecimento, caso tivesse existido, não vem provado nos autos;
(m) Competia à Recorrente demonstrar que houve conhecimento da falta (e não de meros factos ou indícios) por
parte do dirigente máximo do serviço, ou seja, por parte do Conselho de Administração dos SMAS do (...), o que
não aconteceu;
(n) Os factos conhecidos em 2005 pelas dirigentes dos SMAS e pelo seu Diretor Delegado não permitiam
conhecer a infração disciplinar praticada pela Recorrente em toda a sua extensão, na medida em que se
desconhecia: (i) se os recibos entregues nos serviços e emitidos por aquela Clínica de St.º (...) eram verdadeiros
ou falsos, (ii) quais eram verdadeiros e quais eram falsos, (iii) quais os funcionários que eram pacientes naquela
Clínica e, nestes casos, que tratamentos haviam realizado, (iv) quais os preços praticados pela clínica pelos
tratamentos que realizasse, (v) quem emitia os recibos, quem os entregava nos serviços, (iv) quanto era pago à
Clínica ou se algo era pago de todo, (vii) se os recibos emitidos tinham subjacente algum tratamento médico
efetivamente realizado, do colaborador ou de terceiro, etc. – ou seja, tudo circunstâncias fundamentais para se
apurar se existia ou não alguma falta, quem a tinha praticado, como, quando e de que forma, e quais as
consequências da mesma;
(o) Na denúncia apresentada ao Ministério Público, o Diretor Delegado dos SMAS deu conta das dúvidas e
suspeitas existentes e não de qualquer conhecimento da existência de faltas – muito menos de faltas praticadas
por alguém em concreto, de que forma, quando e com que consequências – sendo que, de todos os colaboradores
que apresentaram recibos da Clínica de St.º (...) nesses anos, só parte deles vieram a ser constituídos arguidos
(criminal e disciplinarmente), porque somente parte deles tinham apresentados recibos falsos;
(p) O “conhecimento da falta” (conceito que vem sendo consistentemente usado pela nossa Jurisprudência),
aquele a que se reportava o artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED não se confunde com “conhecimento de indícios” ou
sequer com o “conhecimento de fortes indícios”, pois que uma coisa é a falta e outra coisa são os indícios, sendo
que o conhecimento da falta se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, de modo a
poder efetuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não o
poder sancionador – o que, no caso em apreço, ocorreu somente quando o Presidente da Câmara Municipal do
(...) tomou conhecimento da acusação crime deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos e, assim, foi
dado acesso ao respetivo processo de inquérito crime e toda a prova aí recolhida, sendo assim que o referido
preceito legal deve ser interpretado e aplicado;
(q) A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações é uma faculdade e não um ónus da
Administração, sendo que a sua não instauração tem como única consequência a não suspensão do prazo de
prescrição mais longo (previsto no artigo 4.º, n.º 1 do anterior ED), não afetando o prazo de prescrição mais
curto (previsto no artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED), uma vez que este último só inicia a sua contagem a partir do
momento em que a falta é conhecida pelo dirigente máximo do serviço;
(r) Qualquer processo de inquérito ou de averiguações era, no caso em concreto, inútil, por ser insuscetível de
descobrir o que quer que fosse, pois que toda a prova então necessária para se apurar os contornos em que
haviam sido cometidas as faltas estavam somente ao alcance de uma investigação desencadeada pelo Ministério
Público e pela Polícia Judiciária (nos estritos termos previstos nos artigos 135.º, 174.º, n.º 2, n.º 3, e n.º 4 e
177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, como de facto veio a acontecer), por ser necessário:
(i) Fazer buscas à Clínica para recolha das fichas médicas (protegidas pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro);
(ii) Fazer o levantamento de sigilo bancário em relação às contas dos colaboradores, Clínica e seus sócios
gerentes (todas protegidas pelo artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro);
(iii) Chamar a depor pessoas externas ao SMAS, deontologicamente obrigadas a sigilo profissional (como é o caso
dos médicos da Clínica, obrigados a sigilo nos termos dos artigos 85.º e ss. do Código Deontológico da Ordem
dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13 de janeiro);
(s) A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, não estando estes cobertos por segredo de
justiça, comportava ainda o risco de prejudicar ou inviabilizar praticamente a investigação em curso, pelo que
também por aqui o mesmo se revelava prejudicial à descoberta das faltas cometidas e um desbarato de recursos
da Administração.
(t) A aplicação de um determinado Estatuto Disciplinar, à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º
58/2008, de 9 de setembro, quando em concreto mais favorável ao arguido, não pode ser concretizada
parcelarmente, aplicando-se determinados preceitos e desaplicando-se outros;
(u) A acusação disciplinar elaborada pelo instrutor deu cumprimento integral às exigências constantes do artigo
48.º, n.º 3 do ED, tendo concretamente o instrutor indicado quais as penas disciplinares aplicáveis;
(v) O artigo 48.º, n.º 3 do ED ou o artigo 4.º, n.º 1 e 2 da Lei 58/2008, de 9 de setembro, não exigem que o
instrutor indique na acusação as penas disciplinares aplicáveis e ainda as penas disciplinares não aplicáveis.
Aquelas disposições legais exigem somente que o instrutor pondere todo o regime legal potencialmente aplicável
e, feita essa ponderação, indique na acusação somente os deveres que considera violados e as penas que
considera aplicáveis;
(w) O regime do atual ED é mais favorável ao arguido do que o regime do anterior ED, por ser mais exigente para
a Administração, impor prazos mais curtos de atuação e melhor proteger os interesses dos arguidos, sendo que,
no caso das penas disciplinares aplicáveis, o facto de se ter aplicado o atual ED permitiu que os colaboradores
que não foram punidos com a pena de demissão viessem a ser punidos com a pena de suspensão (e não com as
penas de inatividade e aposentação compulsiva, entretanto extintas) – como foi o caso da Recorrente;
(x) A Recorrente foi punida por se ter demonstrado que, face aos tratamentos efetivamente realizados (de acordo
com a ficha clínica do Recorrente na Clínica, validada pelos médicos e funcionários destes estabelecimento) e
face ao real custo dos mesmos (de acordo com as tabelas de preços praticadas pela Clínica), aqueles tiveram um
custo de apenas € 937,83 (dando lugar a comparticipações de € 633,46), mas, face à combinação com os sócios
gerentes da Clínica, a Recorrente conseguiu que lhe fossem emitidos recibos falsos, titulando tratamentos no
valor de € 2.796,43, com os quais a Recorrente conseguiu receber comparticipações no valor de € 1.852,27;
(y) Viola o seu dever de isenção a colaboradora que, aproveitando-se da sua qualidade de funcionária pública e,
consequentemente, beneficiário da ADSE, retira daí vantagens pecuniárias, para seu enriquecimento pessoal, no
valor total de € 1.218,81 (equivalente à diferença entre as comparticipações recebidas e as comparticipações que
eram devidas);
(z) Na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação de penalidades disciplinares, a
Administração goza de uma ampla margem de livre apreciação da prova, pelo que o resultado probatório só pode
ser objeto de censura judicial se tiver havido erro sobre o valor legal das provas, erro manifesto na sua
apreciação ou desvio de poder;
(aa) O artigo 63.º do ED é inaplicável ao caso em apreço, seja por não terem sido reconhecidas quaisquer
nulidades insupríveis da acusação, seja por nunca estar em causa uma renovação do procedimento disciplinar,
ou seja, a nova instauração do procedimento disciplinar.
*
Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos
artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
*
Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA
Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e
146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos
artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, vêm interpostos dois recursos independentes, dirigidos um e outro à sentença recorrida, mas em que o
recurso do réu MUNICÍPIO DO (...) se insurge quanto à decisão de procedência da ação, com anulação do ato
impugnado e condenação do réu à reconstituição da situação atual hipotética, a que aponta erro de julgamento
de direito, e o recurso da autora A.M. que se insurge quanto à sentença na parte em que nela foram julgados
como não verificados outros vícios que haviam sido assacados ao ato administrativo impugnado, pugnando pela
procedência da pretensão impugnatória também com fundamento nesses indicados vícios.
Cumprindo, assim, conhecer de ambos os recursos, apreciando os respetivos fundamentos tal como foram por
cada um dos recorrentes delimitados nas respetivas conclusões.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1 - Entre 18 de dezembro de 1985 e 24 de outubro de 2006, a Autora foi funcionária dos SMAS - Serviços Municipalizados de
Águas e Saneamento – Cfr. fls. 183 do Processo Administrativo, Anexo A;
2 – Por deliberação da Câmara Municipal do (...), datada de 30 de maio de 2006, os Serviços Municipalizados de Águas e
Saneamento, foram transformados na Empresa de Águas do MUNICÍPIO DO (...), EM – Cfr. fls. 544 e 545 do Processo
Administrativo, 1/09, Vol. III;
3 – Por deliberação da Câmara Municipal do (...), datada de 30 de maio de 2006, foi aprovado o Protocolo entre o MUNICÍPIO
DO (...), e a Empresa de Águas do MUNICÍPIO DO (...), EM – Cfr. fls. 546 a 550 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III;
4 - Por deliberação da Câmara Municipal do (...), datada de 30 de Maio de 2006, a partir de 26 de Outubro de 2006, a Autora
foi integrada no quadro de pessoal do MUNICÍPIO DO (...) – Facto não controvertido;
5 - A Autora era beneficiária do sub sistema de saúde da ADSE – Facto não controvertido;
6 - Por volta de setembro de 2005, a então Chefe de Divisão dos Recursos Humanos dos SMAS, tomou conhecimento que nos
meses imediatamente anteriores surgiu um excessivo volume de despesas com dentistas, para comparticipação pela ADSE –
Cfr. fls. 571 a 575 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III;
7 - A referida Chefe de Divisão, no exercício das suas funções, consultou as pastas mensais, as quais continham recibos de
despesas médicas dos trabalhadores e seus familiares - Cfr. fls. 571 a 575 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III;
8 - Como resultado dessa consulta, constatou de imediato que, das centenas de recibos que a pasta continha, uma
percentagem muito significativa era de serviços prestados pela Clínica Dentária de Santo (...) - Cfr. fls. 571 a 575 do Processo
Administrativo, 1/09, Vol. III;
9 - Mais constatou que tais recibos, na sua maior parte, se encontravam rasurados com tinta corretora - Cfr. fls. 571 a 575 do
Processo Administrativo, 1/09, Vol. III;
10 - A referida Chefe de Divisão dos Recursos Humanos comunicou à sua superior hierárquica, Diretora do Departamento dos
Serviços Centrais e Jurídicos dos SMAS, os factos constatados - Cfr. fls. 553 a 556, e 571 a 575 do Processo Administrativo,
1/09, Vol. III;
11 - Esta, por sua vez, deu conhecimento ao Diretor Delegado de então dos SMAS das suspeitas que se haviam levantado - Cfr.
fls. 553 a 556 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III;
12 - Em 02 de Dezembro de 2005, o Diretor Delegado dos SMAS efetuou participação à Polícia Judiciária do Porto – Cfr. fls. 3 a
5 do Processo Administrativo, Anexo B, Vol. I -, que por facilidade, para aqui se extrai como segue:
“... Os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do MUNICÍPIO DO (...), contribuinte n.º (...), com sede na Rua (...) vêm
participar os seguintes factos: 1.º Em sede de análise das comparticipações pagas em matéria de despesas de saúde aos
funcionários destes Serviços abrangidos pelo sistema de proteção social da ADSE, verificámos a existência de factos que indiciam
a prática de ilícitos criminais, designadamente, de falsificação de documentos e burla. 2.º Analisando todas as comparticipações
pagas aos funcionários em despesas de saúde na especialidade de Estomatologia, por atos médicos efetuados no ano de 2004,
até esta data, na Clínica Dentária Santo (...), Lda., contribuinte n.º (…), com sede na Rua (….), Porto, detetámos: existência de
rasuras grosseiras em alguns recibos; Omissão de data em alguns recibos; Discrepância entre o número sequencial dos recibos e
as datas constantes dos mesmos; Existência de número anormal de atos médicos, por sessão e por funcionário; Atos médicos
temporalmente próximos e que, julgamos, de natureza incompatível; Processamento de comparticipações para além dos limites
legalmente estabelecidos para cada tipo de intervenção; Aceitação e processamento de comparticipações com base em recibos que
não cumprem os requisitos legais; Em inúmeras situações, verifica-se que os valores lançados no sistema informático relativos
aos pagos pelos funcionários, são superiores aos constantes dos recibos apresentados. Esclarecemos que esta participação se
baseou na análise apenas no período acima indicado e exclusivamente no tocante àquele prestador de serviços de saúde, pelo
que desconhecemos a extensão e os contornos exatos do problema, designadamente, anos anteriores, outras especialidades
médicas, ou a mesma especialidade (estomatologia) noutros prestadores de serviços. Igualmente, não temos meios para avaliar
outros benefícios obtidos pelos funcionários relativamente aos valores não comparticipados, nomeadamente em sede de IRS e
complementos de comparticipação efetuados pela Casa do Trabalhador existente nos SMAS do (...). Anexamos cópias dos recibos
em causa e listagens que sistematizam informação por nós recolhida. Destes factos e nesta data será dado conhecimento à
Direção Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE) ...”

13 - Na mesma data, o Diretor Delegado dos SMAS participou os factos suprareferidos, à Direção-Geral de Proteção Social aos
Funcionários e Agentes da Administração Pública – Cfr. fls. 103 a 105 dos autos;
14 - Com data de 28 de Junho de 2006, lia-se no site da Câmara Municipal do (...) – Facto não controvertido -, o que por
facilidade, para aqui se extrai como segue:
“… A prioridade geral definida por RR(…) de combate à fraude e à corrupção, designadamente no que concerne à articulação com
o Conselho de Administração dos SMAS nomeado após as eleições de outubro e presidido por SC(…), tem já um primeiro
resultado em condições de divulgação pública. (...) Em face da gravidade do que foi descoberto e da prioridade definida de
permanente e redobrada atenção no que toca ao combate à fraude e à corrupção, o Presidente da Câmara solicitou ao Conselho
de Administração dos SMAS a participação detalhada de todos os factos apurados. (...) nesse sentido foi, em 2 de dezembro de
2005, feita participação oficial à Polícia Judiciária …”.

15 - Em 30 de Setembro de 2008, pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, no processo de inquérito n.º
1993/05.7JAPRT, foi deduzida acusação criminal contra, entre outros, a aqui Autora – Cfr. fls. 1873 a 2110 do Processo
Administrativo, Anexo B, Vol. 8; em particular, cfr. fls. 1881, e 1926 a 1931];
16 - Em 10 de Dezembro de 2008, foi elaborada proposta pelo Presidente do Conselho de Administração das Águas do (...),
E.M., de instauração de processos disciplinares, visando, entre outros, a ora Autora – Cfr. fls. 1 a 4 do Processo Administrativo,
n.º 1/09, Vol. I];
17 - Por despacho datado de 11 de dezembro de 2008, da autoria do Presidente da Câmara Municipal do (...), proferido sobre a
proposta enunciado no ponto 16 supra, foi determinada a instauração de processo disciplinar contra, entre outros, a aqui
Autora, sendo que, por despacho datado de 12 de dezembro de 2008, o mesmo remeteu o expediente ao Departamento
Jurídico e Contencioso, para os devidos efeitos – Cfr. fls. 1 do Processo Administrativo, n.º 1/09, Vol. I];
18 – Pela Ordem de serviço n.º 13/05, de 28 de março de 2005, o Presidente da Câmara Municipal do (...) determinou que os
procedimentos disciplinares passem a obedecer às regras de tramitação anexas a essa Ordem de serviço – Cfr. fls. 244 a 247
dos autos;
19 - Por despacho de 06 de janeiro de 2009, da autoria da Diretora de Departamento de Contencioso e Serviços Jurídicos da
Câmara Municipal do (...), foi nomeado como instrutor do processo disciplinar, o Técnico superior jurista, C.P. – Cfr. fls. 1 –
verso do Processo Administrativo, n.º 1/09, Vol. I];
20 - No referido processo disciplinar instaurado à Autora, foi deduzida Acusação contra si – Cfr. fls. 760 a 774 do Processo
Administrativo 1/09, Vol. IV];
21 - A Autora apresentou defesa escrita – Cfr. fls. 91 a 99 dos autos;
22 – No âmbito da instrução do processo disciplinar, a Diretora dos Serviços Centrais e Jurídicos, P.C., prestou o depoimento –
Cfr. fls. 553 a 556 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III -, que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:
“… Em finais de 2005 exercia nos então SMAS do (...) o cargo de Diretora dos Serviços Centrais e Jurídicos, tendo a seu cargo a
gestão dos Recursos Humanos. (…) Nessa altura detetou, através das contas, que os valores das comparticipações da ADSE
abonadas pelos SMAS aos seus funcionários eram muito elevados face ao número de funcionários. (...) Os recibos eram entregues
na Divisão de Recursos Humanos, eram processados por esses serviços (...). (...) Dirigiu-se aos Serviços dos Recursos Humanos e
foi buscar os recibos de 2005 que estavam arquivados por meses. (…) Face aos recibos detetou a existência de recibos rasurados,
de recibos com números não compatíveis com as datas apostas nos mesmos, atos médicos incompatíveis e praticados
relativamente aos mesmos dentes, bem como às próteses. (…) a referida discrepância era entre as datas e os números de série
dos recibos o que levava à existência de recibos com números posteriores relativos a atos médicos praticados em datas
anteriores, constantes de outros passados em datas posteriores e vice-versa. (...) Face à constatação dos factos atrás
mencionados, comunicou ao Senhor Diretor Delegado de então (...). (…) Comunicou, também, que face aos indícios era necessário
proceder à verificação dos recibos da ADSE relativos a anos anteriores, tendo ficado decidido que o trabalho de investigação seria
sobre os anos de 2001 a 2005. (…) Começou a investigar com a colaboração da Chefe de Divisão e com o apoio dos funcionários
MMG(...) e JN(...). (...) Concluída a investigação, e face à constatação de indícios da prática de ilícitos disciplinares, compilou todos
os dados que anexou a uma participação, por si elaborada, à Polícia Judiciária. (…) Seguidamente, apresentou este documento ao
Diretor Delegado e ao Presidente do Conselho de Administração (...) tendo o mesmo sido assinado e por si entregue à Diretoria
Geral da Polícia Judiciária do Porto. (...) Quando a existência do Inquérito se tornou pública, o impacto da notícia foi brutal nos
Serviços, tendo havido consequências, mesmo através da prática de ilícitos criminais, contra a sua pessoa. (...) Esclarece ainda
que o esquema existente era do conhecimento de grande parte dos funcionários dos SMAS. (...) À data, os SMAS tinham cerca de
600 trabalhadores, e os 90% que não beneficiavam do esquema montado consideraram a atuação da declarante da mais
elementar …”.

23 - A Chefe de Divisão de Recursos Humanos dos ex-SMAS, C.T., prestou o depoimento – Cfr. fls. 571 a 575 do Processo
Administrativo, 1/09, Vol. III -, que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:
“… a deponente e a Dr.ª P.C. passaram uma semana a analisar todas as pastas de recibos do ano de 2005 passando toda a
informação para uma base de Excel donde constava o nome dos funcionários, os números e os valores dos recibos que diziam
respeito aos mesmos e a familiares. (…) um dos objetivos (...) era ter uma ideia do número de funcionários em questão bem como
os respetivos valores que cada funcionário alegadamente teria pago à clínica de Santo (...)(...) (...) resumidamente o movimento do
processamento das remunerações e abonos processava-se da seguinte forma: a informação era transmitida em papel e portanto
sujeita a controlo da depoente à Divisão de Informática pela Divisão de Recursos Humanos (...) e outras informações respeitantes
a despesas médicas eram transmitidas por via de ficheiros informáticos sem que a depoente tivesse qualquer controlo sobre esta
informação, carregado na secção de salários e transferido para a Divisão de Informática ...”.

24 – No âmbito da instrução do processo disciplinar, J.S.C., antigo administrador dos SMAS prestou o depoimento – Cfr. fls.
507 e 508 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. III -, que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:
“ … Na altura em que foi feita a participação à polícia judiciária era Presidente do Conselho de Administração dos SMAS; (…)Num
determinado dia, a Dr.ª P.C., Directora do Departamento Central e Jurídico dos SMAS, informou-o verbalmente que tinham de
tratar de um conjunto de irregularidades relacionadas com o processamento dos abonos da ADSE, visto que se tratava de uma
situação grave e passível de comunicação à Polícia Judiciária, não se conhecendo a dimensão das situações envolvidas, embora
prevendo-se que envolveria muita gente. (…)De imediato comunicou estes factos ao Presidente da Câmara Municipal do (...), Dr.
R.R., no sentido de o informar da situação e que iria participar os factos à Polícia Judiciária. O processo desenvolveu-se com a
entrega do dossier na Polícia Judiciária, processo esse que formalmente foi conduzido pelo Eng.º S.F., à data, Director Delegado
do SMAS e pela Dr.ª P.C., que conduziu todo o processo de recolha e articulação com a Polícia Judiciária, coadjuvada pela Dr.ª
C.T.. De acordo com uma conversa que teve com a Dr.ª P.C. sobre este assunto, foi acordado que a recolha documental deveria
ser célere e recatada. Na altura, também instruiu os Serviços para que fosse participado o ocorrido à ADSE e à DGCI, o que, de
facto aconteceu.(…)”

25 - Em março de 2010 foi elaborado o relatório final de procedimento disciplinar – Cfr. fls. 3009 a 3732, do Processo
Administrativo, Vol. XVI, XVII e XVIII, em particular, fls. 3109 a 3120 -, do qual, por facilidade, para aqui se extrai o que segue:

1) A arguida, com o n.º mecanográfico (...), entre Janeiro de 2001 e 24 de Outubro de 2006 foi funcionária dos então SMAS,
que depois deram origem à AdP, aí exercendo as funções de assistente administrativo;
2) A arguida iniciou funções nos ex-SMAS em 18 de Dezembro de 1985;
3) A arguida, ao ser funcionária dos SMAS deste Município, era funcionária pública (artigo 237.º e seguintes, 243.º n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa, artigo 5.º do D.L. n.º 116/84, de 6 de Abril., artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 5 do D.L. n.º
427/89, de 7 de Dezembro e artigos 1.º, 5.º A e seguintes e 8.º do D.L. n.º 409/91, de 17 de Outubro, então em vigor);
4) Os SMAS, não tendo personalidade jurídica, mas apenas autonomia administrativa e financeira, estavam integrados na
pessoa colectiva – MUNICÍPIO DO (...) (alínea l) do n.º 2 do artigo 53.º e alínea i) do n.º 1 do artigo 64.º da Lei n.º 169/99, de
18 de Setembro, deliberações, da Assembleia Municipal, da macroestrutura dos referidos Serviços – Avisos n.º s 4634/99 e
1952/2004, Diário da República, II Série, respectivamente de 3 de Julho de 1999 e 19 de Março de 2004);
5) A partir de 26 de Outubro de 2006, por deliberação camarária de 30 de Maio de 2006, nos termos do protocolo celebrado
entre o MUNICÍPIO DO (...) e a AdP, ao abrigo do n.º 6 do artigo 37.º da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, a arguida foi integrada
nos quadros deste Município, pelo que ficou sua funcionária;
6) Por ser funcionária, a arguida era beneficiária, da ADSE, gozando dos benefícios por esta concedidos, nos termos da alínea
b) do artigo 3.º e do artigo 5.º, do D.L. n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, actual redacção;
7) A ADSE é um organismo público, tutelado por lei, que tem por objectivo a protecção social, entre outros, em cuidados de
saúde aos funcionários públicos, inclusive os das autarquias locais;
8) Através da ADSE, a arguida podia receber comparticipação em despesas com a saúde, no que aqui interessa, com cuidados
de medicina dentária, ou com meios de correcção estomatológicos;
9) Nos termos da lei, a arguida podia deslocar-se a um médico ou Clínica para se tratar;
10) Relativamente às despesas incorridas, vários cenários eram possíveis, sendo que entre os mais habituais deve destacar-se,
desde logo, aquele em que, no caso de assistência em médico ou Clínica, ao funcionário era logo descontada a comparticipação
legal, pagando este apenas a parte não comparticipada, bem como aquele em que o funcionário pagava a totalidade do preço e
apresentava o respectivo recibo, emitido por médico ou Clínica na Secção de Salários da Divisão dos Recursos Humanos dos
SMAS, deixando-os numa caixa, lá colocada para o efeito;
11) Nesta última hipótese, – apresentação do recibo nos SMAS – estes Serviços suportando a parte comparticipada pela ADSE,
creditavam tal quantia ao funcionário num dos meses seguintes, da mesma forma em que se creditava o respectivo
vencimento, ou seja, na conta bancária do funcionário/beneficiário titular;
12) A funcionária da Secção de salários, encarregada do movimento dos recibos deixados pelos trabalhadores para posterior
processamento, verificava se o nome do beneficiário ou do familiar estava correcto, bem como se os mesmos correspondiam
aos respectivos números de beneficiários;
13) Por volta de Setembro de 2005, a então Chefe de Divisão dos Recursos Humanos dos SMAS tomou conhecimento que, nos
meses imediatamente anteriores, surgiu um excessivo volume de despesas com dentistas, para comparticipação da ADSE;
14) Nesse sentido e no exercício das suas funções, consultou as pastas mensais, as quais continham recibos de despesas
médicas dos trabalhadores e seus familiares;
15) A referida Chefe de Divisão constatou de imediato que, das centenas de recibos que a pasta continha, uma percentagem
muito significativa era de serviços prestados pela Clínica Dentária Santo (...), sita na rua de St.º (...), n.º 71, 2 F, na cidade do
(...), cujo objecto social consistia na prestação de serviços clínicos de boca e dentes e próteses dentárias;
16) Mais constatou a Chefe de Divisão que tais recibos, na sua maior parte, se encontravam rasurados com tinta correctora;
17) Na Clínica, a cada um dos actos médicos praticados, correspondia um determinado código, para fins de comparticipação (o
Código das Tabelas da ADSE) e, mediante o tratamento efectuado, a Clínica cobrava um determinado preço;
18) Entre 2001 e 2005, os Códigos ali existentes, constam do Anexo 1 da acusação formulada contra a arguida;
19) Na sequência desses tratamentos e serviços, cada um dos funcionários dos SMAS tinha direito às respectivas
comparticipações da ADSE que, entre 2001 e 2005, vigoraram através das Tabelas de Comparticipação da ADSE de cuidados
de saúde, regime livre, que resultaram da publicação dos Avisos números:
n 12433/2000 (de 1 de Setembro de 2000 a 1 de Outubro de 2001);
n 11730/2001 (de 1 de Outubro de 2001 a 31 de Dezembro de 2002);
n 12737/2002 (de 1 de Janeiro de 2003 a 31 de Maio de 2004); e
n Despacho n.º 8738/2004 (a partir de 1 de Junho de 2004),
publicados no Diário da República, II Série, respectivamente n.º 187, de 14 de Agosto de 2000, n.º 224, de 26 de Setembro de
2001, n.º 279, de 3 de Dezembro de 2002 e n.º 103, de 3 de Maio de 2004;
20) Para a utilização das referidas Tabelas, os cuidados, actos e apoios em relação aos quais os funcionários beneficiam de
comparticipação da ADSE são identificados através de um código a que, por seu turno, corresponde uma designação;
21) A Clínica possuía, para fins de gestão, de uma “Tabela” de Honorários (média de preços) à qual correspondiam
determinados códigos, consoante os tratamentos efectuados, sendo que a cada tratamento correspondia um código que, uma
vez finalizada a consulta – existindo esta – era inscrito na ficha individual de cada paciente;
22) Também todos os tratamentos e actos médicos eram inscritos nas fichas individuais dos clientes, mediante a menção dos
códigos, e, quando a ficha se mostrasse completa, era agrafada à mesma uma nova ficha para prosseguimento das anotações;
23) De acordo com os preços médios facturados pela Clínica, entre 2001 e 2005, os serviços e tratamentos médicos aos
funcionários/beneficiários dos SMAS deveriam ter sido cobrados nos termos, constantes do Anexo 2 da acusação formulada
contra a arguida;
24) Entre 3 de Setembro de 2001 e 29 de Novembro de 2005, a arguida recebeu os tratamentos e serviços na Clínica,
constantes do Anexo 3 da sua acusação, os quais, atentos os preços médios praticados pela Clínica correspondiam aos preços
constantes do mesmo Anexo;
25) Tendo em conta os tratamentos enunciados no Anexo 3 da acusação, a arguida deveria ter recebido a título de
comparticipações dos SMAS/ADSE, apenas o valor de 633,46 €;
26) Na sequência de combinação entre a arguida e os sócios e gerentes da Clínica – F.H.M.M., odontologista e sua mulher
J.M.M.S.M., gerente, àquela foram emitidos e entregues os recibos com as descrições, datas e valores, também constantes do
mesmo Anexo;
27) Entretanto, na sequência da entrega desses recibos pelos alegados tratamentos estomatológicos nos serviços da secção de
salários dos SMAS, a arguida recebeu, a título de comparticipações da ADSE, em Setembro de 2001, Fevereiro, Março, Junho,
Setembro e Outubro do ano de 2002, Novembro e Dezembro do ano de 2003, Janeiro, Abril, e Novembro do ano de 2004,
Março, Abril e Novembro de 2005, os valores, respectivamente de 59,31 €, 96,96 €, 38,16 €, 41,20 €, 103,21 €, 45,19 €,
57,97€, 139,72 €, 43,65 €, 523,00 €, 132,00 €, 55,60 €, 96,00 € e 420,00 €, no valor total de 1.852,27 €;
28) A arguida recebeu indevidamente, a título de comparticipação da ADSE, o montante total de 1.852,27 €, em vez dos
mencionados 633,46 €; ficando os serviços, consequentemente, desembolsados da respectiva diferença, quantia que se
considera dinheiro público;
29) Todos os recibos emitidos pela Clínica abrangiam actos médicos não totalmente realizados de forma a inflacionar o valor a
receber de comparticipações da ADSE/SMAS;
30) A arguida quis e conseguiu receber aquele montante, no total de 1.218,81 €, correspondente à dita diferença, à custa
daquela entidade, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia, era dinheiro público;
31) Mais sabendo que estava a prejudicar, dessa maneira o erário público, pois que recebeu quantias que não lhe pertenciam,
e que sabia não lhe pertencerem, através do estratagema descrito;
32) Sabia a arguida que, com o seu comportamento, ao ter recebido o aludido montante, se aproveitava ilícita e abusivamente
do facto de ser funcionária dos SMAS, e dos direitos que a ADSE legalmente lhe concedeu, para à custa da qualidade de
funcionária e daqueles direitos se enriquecer, com o consequente empobrecimento dos SMAS e do erário público;
33) Conseguiu a arguida ter vantagens patrimoniais a que não tinha direito, enganando conscientemente os SMAS, a sua
entidade patronal que sempre cumprira as suas obrigações que sobre si impendiam no contexto do vínculo público que a
ligava àquela;
34) Se a arguida não prosseguiu mais a sua actividade ilícita, tal se deveu não a qualquer inversão consciente do seu
comportamento, mas tão só à circunstância de o seu comportamento e de o estratagema em que aquele se inseriu ter sido
descoberto e denunciado criminalmente;
35) Com o seu comportamento, a arguida contribuiu para envergonhar os SMAS e o MUNICÍPIO DO (...), porquanto a sua
conduta foi idêntica à de muitos colegas, co-arguidos no presente processo;
36) Aquando da denúncia criminal, e da dedução da acusação em processo-crime, em Outubro de 2008, tais factos vieram
amplamente noticiados na comunicação social, aparecendo os SMAS e a edilidade no papel de entes enganados anos a fio por
dezenas e dezenas de funcionários e entidades e pessoas terceiras, o que em muito manchou em especial a imagem dos SMAS
que se viu “nas bocas” do mundo pelos piores motivos;
37) E com grave ameaça do bom-nome dos funcionários não envolvidos no esquema em causa nos autos;
38) Na verdade o vergonhoso esquema subjacente aos autos levou a que a comunidade tomasse naturalmente “a parte pelo
todo”, no que concerne à seriedade dos trabalhadores dos SMAS, que entre 2001 e 2005 rondavam os 600 funcionários;
39) Com o comportamento da arguida, os trabalhadores dos ex-SMAS, não arguidos, ficaram envergonhados e consternados
pela sua ligação àquela entidade, situação agravada quando começaram a ser publicadas notícias do caso na comunicação
social;
40) A arguida praticou os factos aqui descritos e dados como provados sempre voluntária, deliberada e conscientemente, bem
sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
41) A arguida tem instrução, formação e experiência profissional mais do que bastantes para configurar e representar tudo o
que fez, bem como o esquema de que foi peça integrante, o qual abrangeu, quase sem excepção, quadros administrativos,
superiores e/ou funções de responsabilidade da AdP, antes SMAS;
42) O ambiente de trabalho dos SMAS foi gravemente comprometido, pois que os trabalhadores com menor categoria
profissional ficaram com a inaceitável sensação que os serviços administrativos e alguns dos seus dirigentes estavam
envolvidos em actos ilícitos;
43) Com o comportamento descrito, a arguida, como funcionária, faltou ao respeito aos SMAS, ao serviço público, ao Município
e aos colegas, sendo desleal para com os mesmos e atentou contra os deveres funcionais, que lhe são exigidos como
trabalhadora da administração pública;
44) A arguida sabia que estava ao serviço público e com o seu comportamento prestou-lhe um péssimo serviço, degradando a
confiança do público – que ao invés deveria sempre salvaguardar e promover, ofendendo e violando, desse modo, a
imparcialidade, a legalidade e a transparência da administração publica e, consequentemente, o bom andamento da
administração dos ex-SMAS e do MUNICÍPIO DO (...) e os fins de ordem pública que este deve satisfazer;
45) A arguida emitiu, nas seguintes datas, os seguintes cheques, à ordem da Clínica de St.º (...), sacados sob a sua conta na
Caixa Geral de Depósitos n.º 0160/044992/900, no montante total de € 946,33, a saber:
n A 03/09/2001, o montante de € 72,33, titulado pelo cheque n.º 5129219713;
n A 22/05/2002, o montante de € 40,00, titulado pelo cheque n.º 4424827572;
n A 28/08/2002, o montante de € 45,00, titulado pelo cheque n.º 4349642360;
n A 25/09/2002, o montante de € 45,00, titulado pelo cheque n.º 1649642363;
n A 4/11/2003, o montante de € 58,00, titulado pelo cheque n.º 8634995269;
n A 18/11/2003, o montante de € 65,00, titulado pelo cheque n.º 6834995271;
n A 12/12/2003, o montante de € 45,00, titulado pelo cheque n.º 6149516064;
n A 19/03/2004, o montante de € 46,00, titulado pelo cheque n.º 8649516072;
n A 29/10/2004, o montante de € 50,00, titulado pelo cheque n.º 3876585447;
n A 8/04/2005, o montante de € 60,00, titulado pelo cheque n.º 3335557142;
n A 30/09/2005, o cheque de € 420,00, titulado pelo cheque n.º 7452609274.

4.7.2 Tipificação da Infracção Disciplinar e Eventuais Circunstâncias Agravantes e Atenuantes

Os factos descritos constituem a prática, pela arguida, de uma infracção disciplinar, pois violou alguns dos deveres gerais
inerentes à função que exercia e exerce (artigo 3.º, n.º 1 do E.D.).
Com efeito, a arguida, com o comportamento descrito, incorreu na violação dos deveres de isenção e zelo, previstos nas alíneas
b) e e) do n.º 2, n.º 4 e n.º 7 do citado artigo 3.º do E.D.

Face à factologia dada como provada, a violação:


a) Do dever de isenção está sancionada com a pena de demissão, como previsto no artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e artigo 18.º, n.º
1, alínea m);
b) Do dever de zelo está sancionada com a pena de suspensão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea c) e do artigo 17.º (corpo
da norma: “trabalhadores que actuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres
funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função”), mas a censurar
numa única medida disciplinar, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, tudo do E. D.

As referidas penas estão previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 9.º, a sua caracterização e efeitos estão estatuídos nos
artigos 10.º e 11.º do E.D.

A responsabilidade disciplinar da arguida é agravada pela circunstância prevista na alínea d) do artigo 24.º do E.D.,
nomeadamente por haver «comparticipação com outros indivíduos para a sua prática».

A arguida tem mais de 10 anos de serviço como funcionária pública, no entanto, não ficou provado que tenha desempenhado
as suas funções, ao longo desses anos, «com exemplar comportamento e zelo».

Veja-se, a este propósito, o acórdão do STA de 14 de Março de 2001 (processo n.º 38664), onde se pode ler que «Para que exista
atenuante especial derivada de exemplar comportamento e zelo, prevista na alínea d) do art. 29.º, do E.D. [que corresponde,
ipsis verbis, à actual alínea a) do artigo 22.º do novo ED] é necessário não só que esse comportamento e zelo se prolonguem
por mais de 10 anos, mas também que possam ser considerados um modelo para os restantes funcionários, o que supõe que
sejam qualitativamente superiores aos deveres gerais destes» (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA de 9 de Dezembro de 1998 (processo n.º 38100), o qual nos indica que “a
circunstância atenuante especial prevista no artigo 29.º, alínea a), do citado diploma (…) exige mais do que a simples ausência
de anteriores punições disciplinares, postula antes que o currículo anterior do arguido denote elementos que permitam
qualifica-lo como modelar” (sublinhado nosso).
Por tal facto, não se aplica ao caso a circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 22.º, bem como qualquer outra.

4.7.3 Gravidade, Culpa e Personalidade da Arguida

Com a conduta infraccional atrás descrita e dada como provada, os SMAS empobreceram-se indevidamente em € 1.218,81,
valor que corresponde à diferença entre as comparticipações que deveriam ter sido atribuídas à arguida (tendo em conta os
tratamentos por esta efectivamente realizados) e as comparticipações que acabaram por lhe ser atribuídas, em resultado da
emissão de recibos com valores inflacionados.

Perante a factologia provada, entende-se que o presente esquema representava uma dupla vantagem para ambas as partes,
com o necessário empobrecimento dos SMAS: a clínica garantia o pagamento do preço dos tratamentos realizados num valor
superior ao tabelado, e a arguida pagava esses tratamentos exclusivamente com dinheiro recebido de comparticipações, não
desembolsando qualquer montante do seu bolso e ainda se tendo enriquecido em cerca de € 900 com o referido esquema.

De facto, a arguida alegou e demonstrou a existência de pagamentos feitos à clínica de St.º (...). No entanto, do cruzamento dos
valores por esta recebidos com os valores por esta entregues à clínica resulta que, a mesma pagou à clínica € 946,33, mas
recebeu dos SMAS € 1.852,27, ou seja, cerca do dobro daquilo que pagou.

Assim sendo, a gravidade da conduta da arguida é muito elevada, pois ganhou e deu a ganhar a terceiros valores à custa de
um uso fraudulento dos direitos que tinha enquanto beneficiária da ADSE.

Por outro lado, deve sublinhar-se que todos os factos aqui descritos são absolutamente contrários às normas legais vigentes,
bem como às regras internas dos SMAS e aos próprios objectivos daquela entidade – regras essas conhecidas da arguida mas
que, mesmo assim, aquela aplicou de forma fraudulenta, para se enriquecer.

A culpa da arguida traduz-se na existência de dolo directo, uma vez que a arguida estava plenamente consciente da ilicitude
do seu comportamento e das consequências que o mesmo teria para os SMAS, sua entidade empregadora, e para o próprio
interesse público. Ora, consciente de tudo isto, a arguida consumou o seu comportamento, obtendo o resultado previamente
desejado.

A arguida representou correctamente todos os elementos de facto da situação descrita, visando, deliberada, voluntária e
conscientemente, produzir o resultado desvalioso, o que consequentemente se traduziu no seu enriquecimento ilegítimo à
custa dos SMAS e do erário público.
Além do mais, neste âmbito deve ainda ser valorado o facto de a arguida ter provocado conscientemente um empobrecimento
dos SMAS, com o objectivo de um seu enriquecimento pessoal.
Importa, também, referir que a arguida trabalha nos SMAS como assistente administrativa, cujas funções lhe permitiam saber
de perto quais os seus deveres funcionais.
De facto é notório o alto grau de censurabilidade da sua conduta, desprezando os seus deveres laborais e legais, mormente
quando estão em causa funções de interesse público.
A arguida trabalha nos SMAS, agora AdP, desde 1985, pelo que conta com uma longa careira ao serviço desta entidade. Por tal
facto, a gravidade do seu comportamento e a culpa revelada assumem um alto relevo.
Com efeito, face à sua antiguidade, a conduta da arguida enquanto funcionária pública deveria constituir um exemplo para os
seus restantes colegas de trabalho – o que, como se viu, está longe de corresponder à verdade dos factos.
Por outro lado, a sua antiguidade implicava também que os serviços depositassem uma confiança acrescida sobre a arguida –
confiança essa que, com o presente comportamento, a arguida defraudou.
Fazendo retroagir a missão dos SMAS à data da prática dos factos, como consta dos factos provados, tal entidade visava
prestar serviços de águas e saneamento aos cidadãos, pelo que a sua missão se relacionava com a defesa e prossecução do
interesse público.
Por tal facto, a arguida estava vinculada a deveres profissionais, não só para com a sua dignidade pessoal e profissional, mas
também para com um ente público e para com os cidadãos.
Pena Proposta
Orientado pelos princípios da justiça e da proporcionalidade, conforme exige o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da
República Portuguesa, tendo em conta a gravidade objectiva, grau de culpa, a personalidade do arguido e a sua categoria
profissional, e bem assim, os acima especificados contornos concretos da infracção e sua expressão, há que ponderar a pena
adequada. Propõe-se a aplicação da pena de suspensão por 90 (noventa dias) à arguida Ana Basto.”
26 – A Câmara Municipal do (...), em reunião datada de 04 de maio de 2010, deliberou, em escrutínio secreto, aplicar à Autora
a pena disciplinar proposta – Cfr. fls. 3749 a 3770 do Processo Administrativo,, 1709, Vol. XIX;
27 – A Senhora mandatária da Autora foi notificada da deliberação, por ofício datado de 12 de maio de 2010 – Cfr. fls. 3782 e
3783, do Processo Administrativo 1/09, Vol. XIX;
28 - Com a participação referida em 12 supra, e que deu origem ao processo comum coletivo sob o n.º 1993/05.7JAPRT, na 2.ª
Vara Criminal do Porto, não seguiu, nem foi entregue qualquer documentação - Cfr. informação inserta a fls. 2967/2978, do
Processo Administrativo 1/09, Vol. XV;
29 - A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi remetido a este Tribunal [ao site SITAF], em 02 de Setembro de 2010 –
Cfr. fls. 2 dos autos.
30 – O Réu foi citado para os termos dos autos, em 15 de Setembro de 2010 – Cfr. fls. 156 dos autos.
**
B – De direito

1. Da sentença recorrida
Pela sentença recorrida o Tribunal a quo anulou a deliberação da Câmara Municipal do (...) datada de
04/05/2010, que determinou a aplicação à autora da sanção disciplinar de suspensão por 90 dias, e condenou
o réu MUNICÍPIO DO (...) a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática do ato anulado,
designadamente a pagar à autora a correspondente remuneração base que não lhe pagou durante o período da
suspensão, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.

2. Do recurso do réu MUNICÍPIO DO (...)


2.1 Pugna o recorrente MUNICÍPIO DO (...), réu na ação, pela revogação da sentença recorrida, com
improcedência da ação, defendendo não ocorrerem as causas de invalidade que a sentença recorrida deu por
verificadas (que identifica tratarem-se de violação do direito de audiência e de violação de lei pelo facto de a
infração disciplinar não integrar a violação do dever de zelo).
Sustenta para tanto, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões,
que nos termos do artigo 55.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar na decisão podem ser invocados factos constantes
da acusação ou da defesa do arguido, bem como todos os factos que contribuam para diminuir a
responsabilidade disciplinar deste último; que na sua resposta à acusação a recorrida alegou que efetuava
pagamentos à clínica de St.º (...), pelo que, face à defesa apresentada pela Recorrida, o instrutor teve o cuidado
de analisar se o processo continha prova nesse sentido, tendo efetivamente localizado os cheques constantes do
ponto 45) do relatório final, incluindo assim os mesmos na matéria de facto provada; que o facto de a Recorrida
efetivamente ter utilizado o dinheiro que recebia das comparticipações dos SMAS para pagar os tratamentos que
efetuava na Clínica serviu para atenuar a sua culpa, o que foi devidamente valorado pelo instrutor disciplinar,
pois que isso revelava, como revelou, uma intenção de pagar tratamentos efetivamente recebidos e já não um
enriquecimento pecuniário direto (como aconteceu com outros arguidos); que o instrutor disciplinar e a entidade
decisória não puderam ser indiferentes a estes factos no único plano em que os mesmos podiam ser valorados
(no plano da culpa do agente), pelo que, nessa medida, o facto 45), alegados pela Recorrida, contribuíram para a
diminuição da sua responsabilidade; que à data da prática dos factos, havia nos Serviços Municipalizados de
Águas e Saneamento do MUNICÍPIO DO (...) (SMAS Porto) regras vigentes e claras no que diz respeito à entrega,
por parte dos colaboradores, de recibos para pagamento de comparticipações médicas, as quais eram conhecidas
de todos os colaboradores, inclusivamente da A.; que a autora exercia funções nos SMAS do (...) desde 1985,
motivo pelo qual, à data da prática dos factos, tinha já cerca de 20 anos de antiguidade e estando, assim,
plenamente familiarizada com os procedimentos vigentes nesses serviços no que diz respeito à entrega de
despesas médicas com vista ao processamento de comparticipações; que as regras referentes ao pagamento de
comparticipações médicas por quem seja beneficiário da ADSE estavam igualmente previstas no Decreto-lei n.º
118/83, de 25 de fevereiro, designadamente nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º; que viola o seu dever de zelo o
colaborador que não cumpre as regras legais e regulamentares e as ordens e instruções vigentes nos serviços
onde exerce funções, designadamente entregando recibos que sabia serem falsos, com vista a que lhe fossem
processadas comparticipações médicas em valores muito superiores àqueles que sabia lhe serem devidos,
devendo ter sido esse o sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo as
normas constantes do artigo 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º
58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008
e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro; que as regras
constantes no Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, por um lado, e especialmente as regras então vigentes
nos SMAS do (...) a respeito da entrega de recibos para comparticipações médicas, relacionam-se
particularmente com a realidade aí vivida, estando direcionadas para destinatários específicos (os funcionários
dos SMAS), no qual a Recorrida se incluía. Por esse motivo, e face à antiguidade da mesma, o não cumprimento
dessas regras está diretamente relacionado com o serviço em que a Recorrida se encontrava, devendo ser sido
esse o sentido em que os artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro deviam ter sido
interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo; que o dever de zelo implica também que o funcionário ou agente
deve evitar o desbarato ou a irregularidade nas despesas, sendo que o não cumprimento das regras
regulamentares a observar no caso da obtenção de comparticipações médicas implica responsabilidade
disciplinar por violação do dever de zelo – o que ocorreu claramente no caso em apreço, devendo ter sido esse o
sentido em que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo as normas constantes do artigo
3.º, n.º 4, alínea b) e n.º 6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o
disposto nos artigos 3.º, n.º 1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º,
5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro; que face aos factos descobertos e dados como
provados, e tendo presente o enquadramento legal aplicável, a pena de suspensão por 90 dias afigura-se como a
mais adequada e proporcional, dada a gravidade e censurabilidade da conduta, a culpa do agente e os danos
causados ao Recorrente, sendo que, nas hipóteses em que a medida se situa dentro de um círculo de medidas
possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a administração se serviu; que caso
assim não se entenda, e sem prescindir, independentemente dos deveres violados, a conduta infratora adotada
pela Recorrida é a mesma e foi plenamente dada como provada, em sede disciplinar e judicial, tendo sido por
essa conduta que aquela foi disciplinarmente punida; que assim, mesmo que se considerasse não ter havido
violação do dever de zelo – tese à qual efetivamente não se pode aderir – ainda assim a conduta verificada, a sua
gravidade, culpa e consequências, sustentavam a aplicação da pena disciplinar de suspensão; que acresce que,
tendo ficado demonstrada a violação do dever de isenção, legalmente punível com a pena disciplinar de
demissão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea m) do ED, a pena disciplinar de
suspensão aplicada à recorrida situa-se dentro do círculo de medidas possíveis face aos deveres funcionais
violados e, assim, proporcional e consistente; que caso se venha a entender que o ato administrativo se encontra
efetivamente ferido de algum vício – o que não se concede, mas se admite por mero dever de ofício – estaríamos
sempre perante vícios geradores de mera anulabilidade do ato, o que permitiria a prática de novo ato, em sede de
execução de sentença; que tendo já ficado demonstrado que a Recorrida violou, pelo menos, o seu dever de
isenção, o qual é punido com a pena de demissão pelo artigo 18.º, n.º 1, alínea m) do novo ED (ou, no mesmo
sentido, pelo artigo 26.º, n.º 4, alínea d) do anterior ED), a anulação do ato levaria à prática de novo ato, com o
mesmo conteúdo; que uma vez que nenhum erro nos pressupostos de facto foi detetado judicialmente, sendo
que o ato administrativo a praticar será sempre o mesmo (por ter sido violado, pelo menos, o dever de isenção),
justifica-se o aproveitamento do ato administrativo, o que expressamente se requer.
Conclui ter a sentença recorrida, na parte posta em crise, violado o disposto nos artigos 3.º, n.º 4, alínea b) e n.º
6 do ED/84, o disposto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, o disposto nos artigos 3.º, n.º
1, n.º 2, alínea e), n.º 7, 17.º, 18.º e 54.º do ED/2008 e o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 44.º e 45.º do Decreto-lei
n.º 118/83, de 25 de fevereiro.
Vejamos.
2.2 Comecemos pelo primeiro dos vícios que tendo sido julgado como verificado na sentença recorrida conduziu
à anulação da decisão disciplinar punitiva impugnada na ação.
2.2.1 A tal respeito, e enfrentando a invocação feita pela autora, a sentença recorrida verteu o seguinte, que se
passa a transcrever:
«(…)
Cumpre agora conhecer, em torno do que a Autora designou por nulidades insupríveis [Cfr. ponto 95 da Petição inicial], mormente,
que no relatório final foram considerados factos que não constavam da acusação e que serviram para agravar a sua culpa.

Neste domínio, referiu a Autora [Cfr. pontos 118 a 123 da Petição inicial], que no relatório final foram considerados factos que não
constavam da acusação e que serviram para agravar a sua culpa, mormente, que apesar de ter alegado e demonstrado a “…
existência de pagamentos feitos à clínica de St.º (...), que no cruzamento dos valores por [si] recebidos com os valores por [si]
entregues à clínica resulta que […] pagou à clínica € 946,33, mas recebeu dos SMAS € 1.852,27, ou seja, cerca do dobro daquilo
que pagou”, e que “… ganhou e deu a ganhar a terceiros”, e bem assim, que os factos são “… contrários às normas legais
vigentes, bem como às regras internas dos SMAS e aos próprios objectivos daquela entidade – regras essas conhecidas [por si]
mas que, mesmo assim […] aplicou de forma fraudulenta, para se enriquecer.”

Sustenta que não aceita esses factos, por ter efetuado pagamentos em dinheiro e desconhecer quais as “regras internas” e os
“objectivos” a que se refere o relatório, e que a acusação contra si deduzida é também nula por violação dos artigos 57.º, n.º 2 e
59.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro [actual artigo 48.º, n.º 3 do novo E.D.], e que por ocorrer a falta da sua
audiência, tal é igualmente insuprível, nos termos do artigo 42.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro [artigo 37.º, n.º
1 do novo E.D.]

Ora, como julgamos, por aqui assiste razão à Autora.


Conforme já apreciamos e decidimos supra, o Réu enunciou de forma expressa na Acusação [Cfr. artigo 1.º - por reporte aos
anexos -, 20.º, 26.º, 27.º, 29.º, 32.º e 33.º], que a Autora auferiu a título de comparticipação da ADSE, o montante de 1.852,27
euros, quando pelo suporte documental, por reporte às datas em que foi dado como provado que apresentou suporte documental
em torno da realização de tratamentos e serviços médicos na Clínica Santo (...), apenas devia ter auferido a quantia de 633,46
euros, e que por isso, a diferença [que é o resultante de uma mera operação aritmética], no valor de 1.218,81 euros, constituiu
para si [Autora], num ganho indevido.

O Réu também enunciou de forma expressa, no Relatório final [Cfr. pontos 18, 23, 24, 25, 27, 28, 30 e 45] que a Autora auferiu a
título de comparticipação da ADSE, o montante de 1.852,27 euros, quando pelo suporte documental, por reporte às datas em que
foi dado como provado que apresentou suporte documental em torno da realização de tratamentos e serviços médicos na Clínica
Santo (...), apenas pagou de forma efectiva, o valor de 946,33 euros.

Ora, este valor de 946,33 euros, enquanto verdadeira expressão do esforço financeiro da Autora, como contrapartida pelos
serviços que lhe foram prestados, assim como a enunciação das datas, e números de cheque, em que a Autora sacou da sua
conta bancária determinadas quantias [para aquele valor global de 946,33 euros] a favor da Clínica Santo (...), apenas foi
apresentado à Autora já em sede do Relatório final.

Ou seja, o Instrutor do processo disciplinar [no âmbito do Relatório por si elaborado] considerou factualidade absolutamente nova,
fundada em suporte documental [Cfr. ponto 45 do Relatório final], que não expendeu/verteu na Acusação deduzida, não tendo
assim, em sede da fase procedimental, sido respeitado o seu direito ao contraditório. Aliás, essa expressa enunciação por parte
do Instrutor do Processo Disciplinar, surge até a título de réplica, em face da defesa apresentada pela Autora.

No Relatório final, o Réu deu como provado o facto n.º 45, no sentido, em suma, de que a Autora apenas pagou à dita Clínica, no
período de 03 de Setembro de 2001 a 30 de Setembro de 2005, o montante global de 946,33 euros, por cheques nominados, valor
este que não se encontra vertido nos anexos juntos à Acusação da aqui Autora, não podendo neste domínio, prosseguir-se numa
presunção, de que os valores de 937,83 euros, 932,74 euros, ou 944,16 euros, constituem a evidencia daquele pagamento. Até
porque, na tese do Réu, tendo aquele valor global sido pago por cheques, de valores parcelares, ao longo dos referidos anos, não
podia ser patente este desacerto de valores.

Por outro lado, neste conspeto, como julgamos, é ainda patente, na fundamentação motivada pelo Instrutor no Relatório final, que
a Autora pagou à dita Clínica, todos os serviços dela recebidos, por cheques, por contraponto ao que considerou ter a Autora
logrado conseguir por efeito da sua defesa, e que foi demonstrar a existência de pagamentos feitos à dita Clínica, mas que o
mesmo não considerou a possibilidade de a Autora ter feito o pagamento de algum desses serviços, em dinheiro.

E mais ainda, então e nesse pressuposto, tendo o Réu, sob o ponto 45 do Relatório final, dado como provado que o primeiro
pagamento por cheque foi em 03 de setembro de 2001, no montante de 72,33 euros, e que o segundo pagamento já ocorreu a 22
de maio de 2002, pelo montante de 40,00 euros, fica por explicar, por que forma e meio de pagamento, pagou a Autora os
serviços recebidos da dita Clínica, no período de 08 de fevereiro de 2002, até março de 2002, como enunciados nos anexos à
Acusação, mais concretamente a fls. 771 do Processo Administrativo, 1/09, Vol. IV.

Não se coloca aqui em causa, que a Autora não tenha conseguido explicar [como não conseguiu] muitos dos valores enunciados
nos Anexos, designadamente os relativos a “Desvitalização”, “Restauração”, “Destartarização”, pois que estes tratamentos, ao
contrário do que referiu na defesa que apresentou à Acusação [Cfr. pontos 45 a 51] não comportam uma designação técnica que
não fosse por si, ou pelo cidadão médio, apreensível. E desde logo, como bem refere o Réu na Contestação [Cfr. nºs 268.º a 274.º]
um “Aparelho superior e inferior”, pelo custo nominal de 750,00 euros, também não comporta qualquer dificuldade para o
entendimento humano, sobre o que seja, até pela significância do seu encargo monetário, e do valor que a Autora auferiu a título
de comparticipação por parte da ADSE, de 476,46 euros.

Ou seja, temos para nós que a Autora praticou infrações, como relatado pelo Réu na acusação deduzida.

Constitui todavia um ónus processual do Réu, provar a factualidade invocada como fundamento para a proposta de pena, do que
tinha dado prévio conhecimento à arguida, quando deduziu a Acusação e a notificou para apresentar defesa. Caso quisesse
considerar factualidade diversa, seja para melhor fundamentar a sua decisão de aplicação da pena, seja para agravar a culpa
da Autora [enquanto arguida], tinha forçosamente que efetivar a audiência da Autora, e se necessário, refazer a factualidade que
lhe queria assacar, deduzindo uma outra Acusação, onde vertesse, concretamente, a factualidade que veio a dar como provada,
quanto aos concretos montantes valores sacados pela Autora da sua conta bancária, para pagamento da totalidade dos serviços
que a Autora recebeu da Clínica Santo (...).

É que, com o “gravame” aportado pelo facto vertido no ponto 45 do Relatório Final, ficamos sem saber se, caso a Autora tivesse
sido confrontada, na Acusação, com essa factualidade, se, desde logo, a pena proposta, de suspensão, se manteria, ou até pelos
mesmos 90 dias de suspensão, ou se, poderia vislumbrar-se a hipótese de a pena vir a fixar-se, por exemplo, em 80, ou em 70
dias.

Termos em que, tendo subjacente o expendido supra, julgamos assim que ocorreu a falta de audiência da Autora, quanto à
factualidade que veio a ser dada como provada sob o ponto 45 do Relatório final, o que consubstancia nulidade insuprível, nos
termos do artigo 42.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro [Cfr. artigo 37.º, n.º 1 do novo E.D.].»

2.2.2 O julgamento assim feito é de confirmar. Vejamos porquê.


2.2.3 Resulta nos autos que o processo disciplinar instaurado à autora veio a culminar na aplicação da pena
disciplinar de suspensão pelo período de 90 (noventa) dias, nos termos da proposta contida no respetivo
Relatório Final que mereceu acolhimento na deliberação de 04/05/2019 da Câmara Municipal do (...) (vide pontos
25. e 26. do probatório).
Sendo que do confronto entre a acusação e o relatório final em que se suportou a decisão punitiva resulta, como
foi constatado pela sentença recorrida, que foi dada como provada no âmbito da instrução disciplinar
factualidade que não integrava a acusação e que veio a justificar (conjugada com a demais) a aplicação daquela
pena disciplinar.
2.2.4 O recorrente MUNICÍPIO DO (...) não põe em causa que assim seja. O que defende é que à luz do disposto
no artigo 55º nº 5 do Estatuto Disciplinar é de admitir a consideração da factualidade elencada no ponto 45) do
Relatório Final, a que o instrutor e a entidade decisória não puderam ser indiferentes, por ter sido alegada pela
trabalhadora arguida e a mesma ter servido para atenuar a sua culpa, tendo contribuído para a diminuição da
sua responsabilidade.
2.2.5 Mas esta argumentação não colhe, já que se atentarmos no Relatório Final do processo disciplinar o que
nele se refere a respeito da apreciação da culpa da trabalhadora arguida é o seguinte:
«4.7.3 Gravidade, Culpa e Personalidade da Arguida

Com a conduta infraccional atrás descrita e dada como provada, os SMAS empobreceram-se indevidamente em € 1.218,81, valor
que corresponde à diferença entre as comparticipações que deveriam ter sido atribuídas à arguida (tendo em conta os
tratamentos por esta efectivamente realizados) e as comparticipações que acabaram por lhe ser atribuídas, em resultado da
emissão de recibos com valores inflacionados.
Perante a factologia provada, entende-se que o presente esquema representava uma dupla vantagem para ambas as partes, com
o necessário empobrecimento dos SMAS: a clínica garantia o pagamento do preço dos tratamentos realizados num valor superior
ao tabelado, e a arguida pagava esses tratamentos exclusivamente com dinheiro recebido de comparticipações, não
desembolsando qualquer montante do seu bolso e ainda se tendo enriquecido em cerca de € 900 com o referido esquema.
De facto, a arguida alegou e demonstrou a existência de pagamentos feitos à clínica de St.º (...). No entanto, do cruzamento dos
valores por esta recebidos com os valores por esta entregues à clínica resulta que, a mesma pagou à clínica € 946,33, mas
recebeu dos SMAS € 1.852,27, ou seja, cerca do dobro daquilo que pagou.
Assim sendo, a gravidade da conduta da arguida é muito elevada, pois ganhou e deu a ganhar a terceiros valores à custa de um
uso fraudulento dos direitos que tinha enquanto beneficiária da ADSE.
Por outro lado, deve sublinhar-se que todos os factos aqui descritos são absolutamente contrários às normas legais vigentes, bem
como às regras internas dos SMAS e aos próprios objectivos daquela entidade – regras essas conhecidas da arguida mas que,
mesmo assim, aquela aplicou de forma fraudulenta, para se enriquecer.
A culpa da arguida traduz-se na existência de dolo directo, uma vez que a arguida estava plenamente consciente da ilicitude do
seu comportamento e das consequências que o mesmo teria para os SMAS, sua entidade empregadora, e para o próprio interesse
público. Ora, consciente de tudo isto, a arguida consumou o seu comportamento, obtendo o resultado previamente desejado.
A arguida representou correctamente todos os elementos de facto da situação descrita, visando, deliberada, voluntária e
conscientemente, produzir o resultado desvalioso, o que consequentemente se traduziu no seu enriquecimento ilegítimo à custa
dos SMAS e do erário público.
Além do mais, neste âmbito deve ainda ser valorado o facto de a arguida ter provocado conscientemente um empobrecimento dos
SMAS, com o objectivo de um seu enriquecimento pessoal.
Importa, também, referir que a arguida trabalha nos SMAS como assistente administrativa, cujas funções lhe permitiam saber de
perto quais os seus deveres funcionais.
De facto é notório o alto grau de censurabilidade da sua conduta, desprezando os seus deveres laborais e legais, mormente
quando estão em causa funções de interesse público.
A arguida trabalha nos SMAS, agora AdP, desde 1985, pelo que conta com uma longa careira ao serviço desta entidade. Por tal
facto, a gravidade do seu comportamento e a culpa revelada assumem um alto relevo.
Com efeito, face à sua antiguidade, a conduta da arguida enquanto funcionária pública deveria constituir um exemplo para os
seus restantes colegas de trabalho – o que, como se viu, está longe de corresponder à verdade dos factos.
Por outro lado, a sua antiguidade implicava também que os serviços depositassem uma confiança acrescida sobre a arguida –
confiança essa que, com o presente comportamento, a arguida defraudou.
Fazendo retroagir a missão dos SMAS à data da prática dos factos, como consta dos factos provados, tal entidade visava prestar
serviços de águas e saneamento aos cidadãos, pelo que a sua missão se relacionava com a defesa e prossecução do interesse
público.
Por tal facto, a arguida estava vinculada a deveres profissionais, não só para com a sua dignidade pessoal e profissional, mas
também para com um ente público e para com os cidadãos.»

2.2.6 Se a decisão disciplinar punitiva assentou em factos que foram dados como provados no respetivo
Relatório Final mas que não constavam da acusação, e se estes não serviram para excluir, dirimir ou atenuar a
responsabilidade disciplinar da trabalhadora arguida, antes tendo justificado, nos termos da fundamentação
externada no Relatório Final, o juízo de muito elevada gravidade da conduta da trabalhadora arguida, traduzido
no seu enriquecimento ilegítimo à custa do erário público no quantitativo que ali foi apurado, não se mostra
assegurado, quanto a eles, o direito de defesa da trabalhadora arguida, consubstanciando nulidade insuprível do
processo disciplinar, a qual contamina a decisão final punitiva.
2.2.7 Atenha-se que é constitucionalmente garantida aos trabalhadores da Administração Pública pelo artigo
269º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, em processo disciplinar, o direito à sua audiência e defesa.
O que decorre também do disposto no artigo 32º nº do da Constituição da República Portuguesa, preceito que
muito embora se referindo às garantias em processo penal, assegura também aos arguidos “… em quaisquer
processos sancionatórios (…) os direitos de audiência e defesa”. Garantias que gozam de tutela direta (cfr. artigo
18º da CRP).
2.2.8 O direito de audiência no âmbito de procedimento disciplinar é, pois, um direito fundamental e
compreende não só o direito do trabalhador arguido a ser ouvido, como o direito a defender-se da acusação (vide,
entre outros, o acórdão do STA de 17/10/2006, Rec. nº 0548/06, votado com unanimidade pelo pleno da secção do
Contencioso Administrativo daquele Supremo Tribunal em sede de processo de oposição de julgados; o acórdão do STA de
18/06/2008, Proc. nº 0145/08; o acórdão do STA de 10/10/2013, Proc. nº 01489/12, todos disponíveis, in,
www.dgsi.pt/jsta), .
O que significa que esse direito de defesa deve ser assegurado relativamente à factualidade que consubstanciará
a infração pela qual o trabalhador arguido venha a ser disciplinarmente punido.
2.2.9 Deste modo, se no Relatório Final, a elaborar pelo instrutor, deve constar “…a existência material das
faltas, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena
que entender justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação” (cfr. artigo 65º nº
1 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84, de 16 de janeiro e artigo 54º nº 1 do Estatuto Disciplinar aprovado DL.
nº 58/2008, de 9 de setembro), deve ser assegurada no processo disciplinar o direito de defesa quanto à
materialidade dos factos integrantes da infração, os quais haverão de constar da acusação (cfr. artigo 59º nº 4 do
Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84 e artigo 48º nº 3 do Estatuto Disciplinar aprovado DL. nº 58/2008).
2.2.10 Não sendo assegurada essa defesa ocorre nulidade insuprível do processo disciplinar nos termos do
disposto no artigo 42º nº 1 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84. E isso mesmo foi considerado, e
bem, na sentença recorrida.
Nulidade que sempre se verificaria, também, nos termos do disposto no artigo 37º nº 1 do Estatuto Disciplinar,
aprovado pelo DL. nº 58/2008, de 9 de setembro, a que a sentença recorrida também aludiu. Não servindo o
disposto no artigo 55º nº 5 deste Estatuto Disciplinar, nos termos do qual na decisão disciplinar “…não podem
ser invocados factos não constantes da acusação nem referidos na resposta do arguido, exceto quando excluam,
dirimam ou atenuem a sua responsabilidade disciplina” o ensejo pretendido pelo recorrente MUNICÍPIO na exata
medida em que os factos que não constavam da acusação vieram a ser dados como provados no Relatório Final
do processo disciplinar não serviram para excluir, dirimir ou atenuar a responsabilidade disciplinar da
trabalhadora arguida, antes tendo justificado, nos termos da fundamentação externada naquele Relatório Final,
o juízo de muito elevada gravidade da sua conduta.
2.2.11 Pelo que, não se mostrando assegurado, quanto a eles, o direito de defesa da trabalhadora arguida, ocorre
nulidade insuprível do processo disciplinar, a qual fere de invalidade a decisão final punitiva.
2.2.12 Não, colhe, pois, o recurso do MUNICÍPIO DO (...) nesta parte.

2.3 Atentemos agora o outro dos vícios relativamente ao qual o recorrente MUNICÍPIO DO (...) também se insurge
no recurso.
2.3.1 A decisão disciplinar punitiva considerou que a trabalhadora arguida violou, com a prática dos factos
descritos no Relatório Final do processo disciplinar, os deveres de isenção e de zelo, previstos respetivamente
nas alíneas b) e e) do nº 2, e nºs 4 e 7 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo aprovado pelo DL. nº
58/2008, e foi pela prática dessas infrações que aplicou à trabalhadora arguida a pena disciplinar única de
suspensão pelo período de 90 dias (vide probatório).
Enfrentando a invocação de ocorrência de erro na qualificação jurídica da infração, seja quanto à violação do
dever de isenção seja quanto à violação do dever de zelo, a sentença recorrida considerou não assistir razão à
autora no que tange à qualificação de violação do dever de isenção, mas reconheceu-lhe razão quanto ao
invocado erro de qualificação como violação do dever de zelo, vertendo a este respeito o seguinte, que se passa a
transcrever:
«(…)
Já quanto à invocada violação do dever de zelo, julgamos que assiste razão à Autora. Com efeito, atenta a conduta da Autora,
objecto de sindicância por parte do Réu, não está em causa a sua atuação, a sua inobservância face a instruções ou regras que a
mesma devesse observar para prossecução da sua função, enquanto funcionária que presta o seu serviço ao Réu, que na
prossecução da sua função movimenta dinheiros, e que não prossegue uma prática conforme, devendo assim ser rotulada como
não diligente ou não zelosa, pese embora a sua prestação [como enunciada no Relatório final, que a deliberação sob impugnação
acolheu] poder ser reputada como ilícita.
De modo que, julgamos que a deliberação em apreço, violou o disposto no artigo 3.º, n.ºs 4, alínea b) e 6 do ED aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro [Cfr. o artigo 3.º, n.ºs 2, al. e) e 7 do novo ED].»

2.3.2 Tenhamos presente as convocadas normas, constantes de cada um dos Estatutos Disciplinares, o
aprovado pelo DL. nº 24/84 e o subsequente, aprovado pelo DL. nº 58/2008.
O artigo 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84 considerava ser “infração disciplinar o facto,
ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou
especiais decorrentes da função que exerce” (nº 1), enunciando ser “dever geral dos funcionários e agentes atuar
no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública, em especial no que à sua
imparcialidade diz respeito” (nº 3), e explicitando considerarem-se ainda deveres gerais, entre os demais
elencados nas diversas alíneas do seu nº 4 o “dever de isenção” (alínea a)) e o “dever de zelo” (alínea b)), os quais
definia assim:
- “…o dever de isenção consiste em não retirar vantagens diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, das funções
que exerce, atuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na
perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos” (nº 5);
- “…dever de zelo consiste em conhecer as normas legais regulamentares e as instruções dos seus superiores
hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a
exercer as suas funções com eficiência e correção” (nº 6).
Por seu turno o artigo 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 58/2008 considerava ser “infração
disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres
gerais ou especiais inerentes à função que exerce” (nº 1), enunciando entre os demais deveres gerais dos
trabalhadores, elencados nas diversas alíneas do seu nº 2, o “dever de isenção” (alínea b)) e o “dever de zelo”
(alínea e)), os quais definia assim:
- “o dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou
para terceiro, das funções que exerce” (nº 4);
- “o dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos
superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e
utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas” (nº 7).
2.3.3 A questão aqui em dissídio, que é a de saber se a infração disciplinar imputada à trabalhadora arguida se
subsume na violação do dever de zelo, foi já objeto de outros acórdãos deste TCA Norte, em situações
absolutamente similares à dos presentes autos, tendo em todos eles obtido resposta negativa.
Assim, foi primariamente abordada no acórdão de 19/04/2013, Proc. nº 02269/10.3BEPRT, disponível in,
www.dgsi.pt/jtcn, onde se disse o seguinte:
«(…)
LIX. Ora este dever geral dos trabalhadores que se mostra em questão consubstancia-se num dever profissional com manifesta
conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os mesmos estejam adstritos.
LX. O mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento e objetivos prefixados de
eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins.
LXI. Daí que este dever se assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto
desempenho e execução das funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se
apartar daqueles mesmos padrões ou objetivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios
apropriados ou por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço.
LXII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in actu exercito» [cfr. Ac. STA/Pleno de 23.01.2013 - Proc. n.º 042/12
in: «www.dgsi.pt/jsta»], cabendo inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a
atividade funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo
revelou desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como
exercer as funções em desacordo com os objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução
desses fins.
LXIII. Cientes destas notas de enquadramento e revertendo, agora, ao caso sob apreciação cremos não assistir razão na crítica
que o R./recorrente dirige a este segmento da decisão judicial aqui sindicada.
LXIV. Com efeito, afigura-se-nos que a conduta em questão que veio a ser desenvolvida pela associada do A. não integra a
previsão, não preenche o quadro qualificativo decorrente do dever de zelo.
LXV. Parece-nos que aquela conduta ou atuação não se quadra ou enquadra com um concreto desrespeito a normas, instruções,
objetivos ou uso de meios/competências no desempenho ou exercício do serviço/função levada a cabo pela associada do A.,
reveladores duma postura não diligente, não zelosa e eficiente.
LXVI. Do facto de tal atuação ou conduta infringir determinados comandos legais e normativos que se impunham ao funcionário e
que lhe exigiam uma postura radicalmente diversa no seu relacionamento com as instituições, mormente, com a «ADSE», não
deriva que a mesma se subsuma ou integre a violação do dever de zelo porquanto tais comandos legais ou normativos e sua
estrita observância colocam-se ou posicionam-se como um padrão geral de conduta para todos os beneficiários daquele
subsistema e independentemente daquilo que são as funções desempenhadas pelo beneficiário [o mesmo até pode em
desempenhar qualquer função/serviço ou até estar aposentado], sem que se mostrem, por conseguinte, em conexão com um
cabal, diligente, competente e eficiente exercício ou desempenho de concretas funções de funcionário/trabalhador.
LXVII. A conduta ilegítima, ilícita e ilegal havida dificilmente se traduzirá ou poderá configurar como uma ofensa do dever de zelo
porquanto isso só poderia suceder quando os comandos e normativos em referência estivessem conectados ou preordenados com
o incumprimento de determinado objetivo funcional do funcionário/trabalhador o que não se vislumbra ocorrer ou estar
demonstrado nos autos, na certeza de que a regularidade na realização das despesas públicas e o uso prudente, eficiente e
zeloso dos dinheiros/verbas inscritos nos orçamentos dos entes públicos que importa em absoluto assegurar e respeitar sempre
não são postos em causa com o atrás concluído para a situação sob apreciação porquanto o cumprimento e observância daquelas
exigências e padrão [em termos normativos e mesmo éticos] sai observado quer com as reposições das verbas ilegalmente
recebidas, quer com o sancionamento dos comportamentos a vários níveis, incluindo disciplinar, sem que a punição a este título
do comportamento ilícito havido tenha que passar pela integração, a todo o transe, em todos e quaisquer deveres que impendam
sobre todo e qualquer funcionário/trabalhador independentemente das funções/serviço que desempenhem.
LXVIII. Uma conduta como aquela que temos em presença, apesar de no caso concreto não integrar a violação do dever de zelo,
não fica, todavia, impune em termos disciplinares à luz do respetivo Estatuto, tal como, aliás, se concluiu na decisão judicial
recorrida quando desatendeu o fundamento de ilegalidade relativo à alegada inexistência de violação do dever de isenção,
segmento da decisão esse que não se mostra alvo de impugnação nesta sede.
LXIX. Daí que não se revelando dos autos que a funcionária associada do A. desempenhasse em concreto funções em serviço na
área de orçamento e finanças e que, por essa via, o seu incumprimento revelasse violação de comandos normativos cujo
desconhecimento e inobservância a fizessem incorrer em infração dos seus deveres funcionais não incorreu a mesma em violação
do dever de zelo.
LXX. Nessa medida, neste segmento não pode manter-se na ordem jurídica a decisão disciplinar punitiva que incorreu, nos seus
pressupostos e termos, em violação do que se mostra disposto quer no art. 03.º, n.ºs 4, al. b) e 6 do ED/84, quer no art. 03.º, n.ºs
2, al. e) e 7 do ED/2008, porquanto no caso a conduta em questão não preenche ou integra a previsão da infração ao dever de
zelo, tal como com inteiro acerto se concluiu neste âmbito na decisão judicial.»

Posição que foi reiterada, entre outros, nos seguintes subsequentes acórdãos deste mesmo TCA Norte, todos
disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn:
- Acórdão de 19/04/2013, Proc. nº 02271/10.5BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «(…) V. O dever de
zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os
mesmos estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento
e objetivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. VI. Daí que este dever se
assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução das
funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar daqueles mesmos
padrões ou objetivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos
fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço. VII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in
actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a atividade
funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou
desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer
as funções em desacordo com os objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses
fins.»;
- Acórdão de 19/11/2015, Proc. nº 02287/10.1BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «(…) IV — O dever de
zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os
trabalhadores estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma actuação funcional de acordo com padrões de
comportamento e objectivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. V — Daí que
este dever se assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e
execução das funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar
daqueles mesmos padrões ou objectivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou
por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço. VI — Nessa medida, o zelo ou a falta
dele parecem surgir «in actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detectá-lo à luz ou por referência com aquilo em que
consiste a actividade funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho
o mesmo revelou desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos,
bem como exercer as funções em desacordo com os objectivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à
consecução desses fins.»;
- Acórdão de 01/07/2016, Proc. nº 01996/10.0BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «(…) V. O dever de
zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os
mesmos estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento
e objetivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. VI. Daí que este dever se
assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução das
funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar daqueles mesmos
padrões ou objetivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos
fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço. VII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in
actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a atividade
funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou
desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer
as funções em desacordo com os objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses
fins.»;
- Acórdão de 18/11/2016, Proc. nº 2252/10.9BEPRT, em que se sumariou: «1. O dever de zelo consubstancia-se num
dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os mesmos estejam adstritos, já
que o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento e objetivos prefixados de
eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. 2. Daí que este dever se assume como um dever de
diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução das funções/serviço por parte
do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar daqueles mesmos padrões ou objetivos,
mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos fins estabelecidos no
estrito exercício daquelas suas funções/serviço. 3. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in actu exercito» cabendo
inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a atividade funcional desempenhada pelo
funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou desconhecer e aplicar as normas
legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer as funções em desacordo com os
objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses fins.»;
- Acórdão de 16/12/2016, Proc. nº 02207/10.3BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «(…) III. O dever de
zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os
mesmos estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma atuação funcional de acordo com padrões de comportamento
e objetivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. VI. Daí que este dever se
assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução das
funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar daqueles mesmos
padrões ou objetivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos
fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço. VII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele parecem surgir «in
actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detetá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste a atividade
funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo revelou
desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como exercer
as funções em desacordo com os objetivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução desses
fins.»;
- Acórdão de 16/03/2018, Proc. nº 02251/10.0BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «(…) V. O dever de
zelo consubstancia-se num dever profissional com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço/função a que os
mesmos estejam adstritos, já que o mesmo cumpre-se mediante uma autuação funcional de acordo com padrões de
comportamento e objectivos prefixados de eficiência e mobilizando os meios adequados à consecução desses fins. VI. Daí que este
dever se assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e
execução das funções/serviço por parte do funcionário/trabalhador, violando tal conduta funcional se o mesmo se apartar
daqueles mesmos padrões ou objectivos, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou
por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício daquelas suas funções/serviço. VII. Nessa medida, o zelo ou a falta dele
parecem surgir «in actu exercito» cabendo inferir da sua existência ou detectá-lo à luz ou por referência com aquilo em que consiste
a actividade funcional desempenhada pelo funcionário/trabalhador, determinando e apurando se naquele desempenho o mesmo
revelou desconhecer e aplicar as normas legais, regulamentares, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como
exercer as funções em desacordo com os objectivos que haviam sido fixados ou mobilizando meios desadequados à consecução
desses fins.».

2.3.4 O entendimento sufragado nos supra citados arestos é aqui de manter, tendo total aplicação no caso
presente.
2.3.5 Não se desconhece que no acórdão do STA de 03/12/2015, Proc. nº 01888/13, disponível in,
www.dgsi.pt/jsta, pronunciando-se em sede de recurso de revista de acórdão de 28/06/2013 deste TCA Norte,
se veio a entender, precisamente por o dever geral de zelo, previsto no art. 3º, nº 4, alínea b) do ED/84, se
revestir um cariz profissional, com manifesta conexão funcional com o desempenho do serviço a que o
funcionário está adstrito, distinguindo-se um funcionário zeloso pela sua eficiência e correção naquele
desempenho, que na situação ali em apreço «…uma funcionária que exercia funções na secção de remunerações do SMAS,
sendo responsável pelo tratamento dos recibos com despesas médicas apresentadas pelos funcionários e posterior
processamento das comparticipações da ADSE e que apresentou no respetivo serviço recibos médicos falsos, reportados a
despesas que não realizou na totalidade, até pelo concreto exercício das suas funções, sabe que ao agir como o fez estava a violar
as normas que regulavam o direito dos funcionários dos SMAS ao reembolso das comparticipações médicas e a onerar o serviço a
que pertencia com despesas que não eram devidas, violando o dever de zelo».
Mas a situação da trabalhadora arguida, ali em análise não assume paralelo com a da trabalhadora autora na
presente ação, cujas funções não abrangiam o tratamento dos recibos com despesas médicas apresentadas pelos
funcionários ou o posterior processamento das comparticipações da ADSE, nem tal foi alegado ou trazido em
questão, reconduzindo-se a argumentação aduzida pelo recorrente MUNÍCIPIO DO PORTO nas suas alegações à
que já havia sustentado em sede de ação.
2.3.6 Aqui chegados, é de manter o julgamento feito na sentença recorrida, no sentido da verificação do
apontado vício de violação de lei, por errada qualificação da infração imputada à trabalhadora arguida, na
medida em que a mesma não consubstancia violação do dever de zelo, foi como considerado na decisão
disciplinar punitiva.
Improcedendo, também nesta parte, o recurso do réu MUNICÍPIO DO (...).

3. Do recurso da autora
3.1 Pugna a recorrente A.M., autora na ação, pela revogação da sentença recorrida na parte em que nela foram
julgados como não verificados outros vícios que diz terem sido assacados à decisão disciplinar punitiva, que
assim sumariamente identificou:
- Vício de incompetência;
- Prescrição do procedimento disciplinar;
- Nulidade da acusação por não conter a referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis;
- Violação de lei, por errado enquadramento da infração como violação do dever de isenção.
Não lhe assiste, todavia, razão quanto a qualquer um dos apontados fundamentos.
Vejamos porquê.
3.2 Novamente as questões aqui alocadas pela recorrente não são novas, já tendo sido discutidas, abordadas e
decididas noutros acórdãos em que, tal como no caso dos autos, estavam em causa decisões disciplinares
punitivas prolatadas em processos disciplinares instaurados a outro(a)s trabalhadore(a)s do MUNICÍPIO DO (...)
em identifico circunstancialismo.
Pelo que, também, aqui, por não haver razão justificativa para dissentirmos, seguiremos de perto o que foi
entendido nesses arestos.
3.3 Nos termos do disposto no artigo 18º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84, a “… competência
disciplinar sobre os funcionários e agentes das autarquias locais e das associações e federações de municípios”
pertencia “…aos respetivos órgãos executivos” (nº 1), tendo os “órgãos executivos das autarquias locais e das
associações e federações de municípios” competência para a “…aplicação aos funcionários e agentes dos
respetivos quadros privativos de todas as penas disciplinares previstos no n.º 1 do artigo 11.º” (alínea a)); para a
“…aplicação aos funcionários do quadro geral administrativo que se encontrem ao seu serviço das penas
disciplinares de repreensão e multa” (alínea b)), para a “…aplicação da pena de cessação da comissão de serviço”
(nº 3), tendo os presidentes dos órgãos executivos competência para “…repreender qualquer funcionário ou agente
ao serviço da autarquia” (nº 4).
E nos termos do disposto no artigo 19º do mesmo diploma a competência para aplicar ao pessoal dos serviços
municipalizados daquelas penas disciplinares (as previstas no artigo 11º nº 1), bem como da pena de cessação da
comissão de serviço, pertencia “…aos respetivos conselhos de administração”.
Simultaneamente dispunha o artigo 39º nº 1 do mesmo Estatuto Disciplinar, aprovado pelo DL. nº 24/84, a
respeito da competência para a instauração do processo disciplinar, serem “…competentes para instaurar ou
mandar instaurar processo disciplinar contra os respetivos subordinados todos os superiores hierárquicos, ainda
que neles não tenha sido delegada a competência de punir”.
No que respeita aos municípios, a respetiva Câmara Municipal é o seu órgão executivo colegial (cfr. artigo 252º da
CRP e artigo 56º nº 1 da Lei nº 169/99, de 18 de setembro que estabelece o quadro de competências, assim como o regime
jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias).
Nos termos da Lei nº 169/99, de 18 de setembro (que estabelece o quadro de competências, assim como o
regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias), é da competência da câmara
municipal exercer todas as demais competências legalmente conferidas tendo em vista o prosseguimento normal
das atribuições do Município (cfr. artigo 64º nº 7 alínea d)). Sendo que resulta do artigo 65º do mesmo diploma que
a “…câmara municipal “pode delegar no presidente a sua competência, salvo quanto às matérias previstas nas
alíneas a), h), i), j), o) e p) do n.º 1, a), b), c) e j) do n.º 2, a) do n.º 3 e a), b), d) e f) do n.º 4, no n.º 6 e nas alíneas a)
e c) do n.º 7 do artigo anterior” (nº 1), que as “… competências referidas no número anterior podem ser
subdelegadas em quaisquer dos vereadores, por decisão e escolha do presidente” (nº 2), que das “… decisões
tomadas pelo presidente ou pelos vereadores no exercício de competências da câmara, que nele ou neles estejam
delegadas ou subdelegadas, cabe recurso para o plenário daquele órgão, sem prejuízo da sua impugnação
contenciosa” (nº 6) e que o “… recurso para o plenário a que se refere o número anterior pode ter por fundamento a
ilegalidade, inoportunidade ou inconveniência da decisão e é apreciado pela câmara municipal no prazo máximo de
30 dias após a sua receção” (nº 7).
E que nos termos do artigo 68º nº 2 do mesmo diploma compete ainda ao presidente da câmara municipal “…
decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direção dos recursos humanos afetos aos serviços
municipais” (alínea a)) …”.
E nos termos do artigo 69º ainda do mesmo diploma o presidente da câmara, que é coadjuvado pelos vereadores
no exercício da sua competência e no da própria câmara, pode “…incumbi-los de tarefas específicas” (nº 1),
podendo “…delegar ou subdelegar nos vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada” (nº 2).
Acrescendo ainda, que nos termos do artigo 70º da mesma Lei nº 169/99, de 18 de setembro, o “… presidente da
câmara ou os vereadores podem delegar ou subdelegar a sua competência no dirigente máximo da respetiva
unidade orgânica no que respeita às matérias previstas nas alíneas a), c), g), h), l), r), t), u) e v) do n.º 1 e e), f), h), i),
o) e r) do n.º 2 do artigo 68.º” (nº 1) e que a “… gestão e direção de recursos humanos também podem ser objeto da
delegação e subdelegação referidas no número anterior” (nº 2). E que nos termos do artigo 72º sem “… prejuízo
dos poderes de fiscalização específicos que competem aos membros da câmara municipal nas matérias que lhes
sejam especialmente atribuídas, cabe ao presidente da câmara coordenar os serviços municipais no sentido de
desenvolver a sua eficácia e assegurar o seu pleno funcionamento”.
Deste quadro normativo se vê e resulta com clarividência que as proposições da recorrente não merecem
acolhimento. Tendo a sentença recorrida feito correta aplicação e interpretação do quadro normativo aplicável,
que convocou.
3.4 Atenha-se que a respeito dos invocados vícios de incompetência, e enfrentando a invocação feita pela autora,
a sentença recorrida verteu o seguinte, que se passa a transcrever:
«(…)
Quanto à incompetência da Câmara Municipal do (...) para punir a Autora.
Refere a Autora, em suma, que à data da instauração do processo disciplinar, a mesma exercia funções na Águas do (...), E.M.,
em regime de cedência de interesse público, a quem cabia o exercício do poder disciplinar, e que tendo a Câmara Municipal
prosseguido na deliberação sob impugnação, que a mesma é nula por incompetência absoluta, por ter praticado um acto estranho
às suas.

Como resultou provado, entre 18 de dezembro de 1985 e 24 de outubro de 2006, a Autora foi funcionária dos SMAS, sendo que,
por deliberação da Câmara Municipal datada de 30 de Maio de 2006, a partir de 26 de Outubro de 2006, a Autora foi integrada
no quadro de pessoal do MUNICÍPIO DO (...) [por extinção dos SMAS], embora continuasse em exercício de funções na AdP, sendo
que, em 10 de Dezembro de 2008, foi elaborada proposta pelo Presidente do Conselho de Administração das Águas do (...), E.M.,
visando a instauração de processos disciplinares, entre outras pessoas, à ora Autora, tendo nessa sequência, por despacho
datado de 11 de dezembro de 2008, da autoria do Presidente da Câmara Municipal do (...), sido determinada a instauração de
processo disciplinar contra [entre outros] a aqui Autora, na sequência do que, por despacho de 06 de janeiro de 2009, da autoria
da Diretora de Departamento de Contencioso e Serviços Jurídicos da Câmara Municipal do (...), foi nomeado como instrutor do
processo disciplinar, o Técnico superior jurista, C.P., que em 23 de março de 2009, deduziu Acusação - Cfr. pontos 1, 2, 4, 17, 19
e 20 da matéria de facto assente.

E neste conspeto, julgamos que não assiste razão à Autora.

Com efeito, os então SMAS eram um serviço despersonalizado, detido pelo MUNICÍPIO DO (...), não tendo por isso personalidade
jurídica, antes apenas autonomia administrativa e financeira [Cfr. artigos 164.º a 175.º do Código Administrativo], detendo a
Câmara Municipal do (...), no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços e no da gestão corrente, o poder de
nomear e exonerar o seu conselho de Administração, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, alínea i) da Lei n.º 169/99, de 18 de
Setembro.

Por outro lado, tendo os SMAS sido transformados em Empresa Municipal, a Autora, enquanto integrada no seu quadro privativo,
tendo subjacente o disposto no artigo 37.º, n.º 6 da Lei n.º 58/1998, de 18 de agosto, veio a ser integrada no quadro de pessoal
do MUNICÍPIO DO (...), com efeitos a partir de 26 de Outubro de 2006, na sequência da deliberação da Câmara Municipal datada
de 30 de Maio de 2006, tendo por base os termos do Protocolo celebrado entre o MUNICÍPIO DO (...) e a AdP. Com efeito, dispõem
os artigos 1.º e 2.º do referido Protocolo, que na data de constituição da Águas do (...), E.M., o pessoal do quadro dos SMAS é
integrado no quadro do MUNICÍPIO DO (...), e que todos os funcionários e agentes dos ex-SMAS, assim integrados no quadro de
pessoal do Município, passavam a exercer funções nessa E.M., em regime de requisição, pelo período de um ano, sucessivamente
renovável – Cfr. pontos 2, 3 e 4 da matéria de facto assente.

Ora, seja por reporte à data a que se reporta o conhecimento da prática dos factos passíveis de integração em ação disciplinar,
seja quando foi tomada a deliberação sob impugnação, datada de 04 de maio de 2010, a Autora era funcionária do Réu, e como
tal, o exercício da ação disciplinar a si lhe cabia, porquanto, tendo a Autora sido acusada da violação dos deveres de isenção e de
zelo, conforme disposto nas alíneas b) e e) do n.º 2, n.º 4 e n.º 7 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que
Exercem Funções Públicas [Cfr. Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, doravante apenas novo ED], e porque a violação do dever de
isenção é sancionada com a pena de demissão [Cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea d), e artigo 18.º, n.º 1, alínea m), do ED], face ao que
dispõe o artigo 58.º, n.º 4 da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro [a contrario] o exercício do poder disciplinar cabia à AdP, em
exclusivo, se não estivesse em causa a aplicação de uma pena expulsiva [demissão], o que efetivamente, foi abstratamente
considerado, apesar de a Autor não ter sido cominada, a final, com esta pena.

De modo que, face ao expendido supra, julgamos que o poder disciplinar sobre a Autora, cabia ao Réu.

Quanto à invocada incompetência absoluta do Presidente da Câmara Municipal do (...) para decidir a instauração do processo
disciplinar.

Neste domínio, referiu a Autora que, porque a mesma estava em exercício de funções na AdP, em regime de cedência de interesse
público, que apenas estava sujeita às ordens e instruções dessa Empresa Municipal, e deste modo, que o Presidente da Câmara
Municipal não era o seu superior hierárquico, pois não estava para todos os efeitos sujeito às suas ordens ou instruções, antes ao
Conselho de Administração da Águas do (...), nos termos dos artigos 39.º, n.º 1 e 51.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 24/84, de
16 de Janeiro, sendo a Câmara Municipal do (...), quando muito, competente para deliberar a aplicação da pena disciplinar de
demissão, e que ao ter o Presidente da Câmara Municipal do (...) mandado instaurar-lhe processo disciplinar, que esse ato é nulo,
por estranho às atribuições do Município, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea b) do CPA, e consequentemente, que também é
nulo (ou inexistente) e de nenhum efeito, o processo disciplinar desde o seu início.

Em conformidade com o quanto já expendemos supra, tendo os SMAS sido extintos para dar origem à AdP, o que ocorreu por
efeito da deliberação da Câmara Municipal do (...), datada de 30 de maio de 2006, e tendo a Autora sido incorporada, com efeitos
a partir de 26 de outubro de 2006, no quadro de pessoal do MUNICÍPIO DO (...), e por outro lado, reportando-se as infracções
disciplinares imputadas à Autora aos anos de 2001 a 2005, julgamos ser manifesto que a AdP não podia exercer qualquer
atuação disciplinar sobre a mesma.

De resto, quando os factos imputados foram inicialmente reportados pelos dirigentes dos então SMAS, em finais de 2005, o
Diretor-Delegado participou a ocorrência à Polícia Judiciária, para efeitos de investigação, assim como à Direção geral da ADSE,
tendo nessa sequência, corrida a investigação criminal, sido deduzida Acusação contra a aqui Autora, em 30 de Setembro de
2008.

Foi na base deste conhecimento factual, que em 10 de dezembro de 2008, o Presidente do Conselho de Administração da AdP,
deu a conhecer ao Presidente da Câmara Municipal do (...), de que, importava prosseguir na averiguação disciplinar, e que nesse
sentido, em 28 de outubro de 2008, esse órgão deliberou instaurar processos disciplinares a todos os visados, entre os quais, a
Autora. O Presidente daquele órgão, endereçou ainda ao Presidente da Câmara Municipal, proposta de instauração de processo
disciplinar, entre os demais, à aqui Autora, com fundamento em que, à data dos factos praticados, a Autora ser funcionária do
MUNICÍPIO DO (...) [relembra-se aqui, que tal ocorreu por extinção dos SMAS, pois que a Autora deixou de estar no seu quadro
privativo, para ser integrada no quadro do Município, a partir de 26 de outubro de 2006], e que lhe competia o exercício do poder
disciplinar, o que o mesmo [Presidente da Câmara Municipal] prosseguiu, pois que proferiu despacho para esse efeito, datado de
11 de dezembro de 2008 – Cfr. ponto 17 da matéria de facto assente.

Se não pelo facto de o Presidente da Câmara Municipal, ser o titular do órgão executivo do MUNICÍPIO DO (...), e assim, sempre
um superior hierárquico da Autora, sempre de todo o modo, nos termos do artigo 68.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de
Setembro, competia-lhe decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos que estejam afetos
aos serviços municipais, e nessa medida, nos termos do artigo 39.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de
janeiro [assim como pelo artigo 29.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 58/2008, de 09 de Setembro], e assim, a competência para instaurar
o processo disciplinar à Autora, não pode deixar de lhe ser reconhecida.

Sempre dizemos ainda, que na medida em que a Autora, em sede de invalidade que imputa ao despacho do Presidente da
Câmara Municipal do (...) [pelo qual lhe instaura processo disciplinar], reclama a sua nulidade, ou inexistência, que sempre
julgaríamos pela sua inverificação, porquanto, atento o facto de, no âmbito da defesa por si apresentada em face da acusação
que lhe foi movida [Cfr. pontos 20 e 21 da matéria de facto assente] apenas suscitou a ocorrência da prescrição do procedimento
disciplinar [Cfr. pontos 1 a 31 da defesa], e bem assim, da não subsunção da ilicitude dos seus atos à violação do dever se
isenção [Cfr. pontos 32 a 35 da defesa], razão porque, essa eventual nulidade tem-se por suprida - Cfr. artigo 42.º, n.º 2 do ED a
que se reporta o Decreto-Lei n.º 24/84; Cfr. também, o artigo 37.º, n.º 2 do ED a que se reporta o Decreto-Lei n.º 58/2008 -, por
não ter sido suscitada pela Autora, até à prolação da decisão, que ocorreu pela deliberação sob impugnação, em 04 de maio de
2010.

De modo que, face ao expendido supra, julgamos que o Presidente da Câmara Municipal do (...) é competente para decidir a
instauração do processo disciplinar.

Cumpre agora apreciar a invocada incompetência absoluta e relativa da Diretora do Departamento Municipal Júridico e
Contencioso da Câmara Municipal do (...) para nomear o Instrutor do processo disciplinar.

Neste domínio, em torno da incompetência absolura, sustentou a Autora que, sendo competente para lhe instaurar o processo
disciplinar, o Conselho de Administração da Águas do (...), que aquela Diretora carecia de competência absoluta para nomear o
Instrutor do processo, e deste modo, que o ato impugnado deve ser ser declarado nulo e de nenhum efeito, por ser estranho às
atribuições da pessoa colectiva em que se insere a Autora. Em torno da incompetência relativa, sustentou a Autora que, mesmo
que a Câmara Municipal ou o Presidente da Câmara Municipal do (...), fossem os competentes para mandar instaurar-lhe o
processo disciplinar, que sempre a Diretora do Departamento Municipal Jurídico e Contencioso seria incompetente para nomear o
instrutor, e nestes termos, que é nulo o processado posterior, designadamente o processo disciplinar e a pena que lhe foi
aplicada, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 39.º, e n.ºs 1 e 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro
aplicável à data dos factos [atuais artigos 29.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 42.º, n.ºs 1 e 2, todos do novo ED].

Neste conspeto, também julgamos que não assiste razão à Autora.

Nesse sentido, aqui damos por enunciado o quanto deixamos expendido supra, em torno da fundamentação quanto à
competência da Câmara Municipal do (...), quer do Presidente da Câmara Municipal do (...).

Com efeito, e como já assim julgamos, tendo o Presidente da Câmara Municipal do (...) competência para instaurar processo
disciplinar à Autora, que lhe advém, desde logo, do disposto no artigo 68.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro,
pois que lhe compete decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos que estão afetos aos
serviços municipais, cabe-lhe nesse domínio praticar os atos que repute mais adequados.

Ora, como resultou provado – Cfr. pontos 17 a 19 da matéria de facto assente, na sequência dos despachos do Presidente da
Câmara Municipal do (...), em que concorda com a instauração do processo disciplinar e bem assim, que ordena a remessa da
proposta que lhe foi endereçada pelo Presidente do Conselho de Administração das Águas do (...), ao Departamento Jurídico
[despachos datados de 11 e 12 de dezembro de 2008, respectivamente], com a menção “para os devidos efeitos”, e tendo a
Diretora do Departamento dado cumprimento, quer a esse despacho [de 12 de dezembro], quer ao teor da Ordem de Serviço n.º
13/05, de 28 de março de 2005, emanada pelo mesmo Presidente da Câmara Municipal, pela qual [OS] determinou que os
procedimentos disciplinares devem passar a obedecer às regras de tramitação anexas a essa Ordem de serviço, competindo-lhe
por essa via a nomeação do Instrutor do processo disciplinar, julgamos assim pela não ocorrência das invocadas incompetências
[absoluta e relativa].»

3.5 Por outro lado, carece de sentido a invocação de inconstitucionalidade seja das normas ínsitas no artigo 42º
nº 2 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84 e no artigo 37º nº 2 do Estatuto disciplinar aprovado
pelo DL. nº 58/2008, na exata medida em que não se verificando qualquer dos apontados vícios de
incompetência, não há que fazer apelo àqueles normativos, através dos quais a eventual nulidade do processo
disciplinar, que não se verifica, haveria de ter-se por sanada por não ter sido oportunamente arguida pela
trabalhadora.
3.6 E também não assiste razão à recorrente A.M. no que tange à invocada prescrição do procedimento
disciplinar.
3.7 Este TCA Norte já se pronunciou em processos em tudo similares ao presente, no sentido da não verificação
da invocada prescrição do procedimento disciplinar.
Assim, sucedeu primeiramente nos acórdãos de 19/04/2013, proferidos nos Procs. nº 2339/10.8BEPRT, nº
2269/10.3BEPRT e nº 2271/10.5BEPRT, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou: «I. O
conhecimento pelo dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do art. 04.º do ED/84 tem de se reportar a todos os elementos
caraterizadores da situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o
conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria
infração disciplinar»], de modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a
usar ou não do poder sancionador. II. Tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar
da prescrição reporta-se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias
de que se rodeiam, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida.»
Acórdãos estes que a sentença recorrida citou e acompanhou, para concluir pela não ocorrência da invocada
prescrição.
Sendo que igual entendimento foi seguido nos seguintes subsequentes acórdãos deste TCA Norte:
- Acórdão de 19/11/2015, Proc. nº 02287/10.1BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «I — Ao conhecimento,
pelo dirigente máximo do serviço, referido no nº 2 do artigo 4º do ED/84, não basta o mero conhecimento dos factos na sua
materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar
possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar, tendo de se reportar a todos os elementos caracterizadores da
situação de modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do
poder sancionador. II — Tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição
reporta-se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se
rodeiam, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida. (…)»;
- Acórdão de 01/07/2016, Proc. nº 01996/10.0BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «I. O conhecimento pelo
dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do art. 04.º do ED/84 tem de se reportar a todos os elementos caraterizadores da
situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes
e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar»], de
modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder
sancionador. II. Tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição reporta-
se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam,
suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida. (…)»;
- Acórdão de 16/12/2016, Proc. nº 02207/10.3BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «I. O conhecimento pelo
dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do art. 04.º do ED/84 tem de se reportar a todos os elementos caraterizadores da
situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes
e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar»], de
modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder
sancionador. II. Tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição reporta-
se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam,
suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida. (…)»;
- Acórdão de 16/03/2018, Proc. nº 02251/10.0BEPRT, em que se sumariou entre o demais: «I. O conhecimento pelo
dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do art.º 04.º do ED/84 tem de se reportar a todos os elementos caracterizadores da
situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes
e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar»], de
modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder
sancionador. II. Tal conhecimento do dirigente máximo do serviço produtor de efeitos em termos do operar da prescrição reporta-
se à “falta” e não aos “factos”, o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam,
suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida. (…)»
3.8 E o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou, uniforme e reiteradamente, nesse mesmo sentido,
em sede de recurso de revista.
Assim sucedeu, desde logo, no acórdão do STA de 19/06/2014, Proc. nº 01471/13, in, www.dgsi.pt/jsta, onde
se explanou o seguinte: «(…) Efetivamente, como se diz no acórdão do Pleno (CA) de 22/6/2006, proferido no processo
02054/02: “(…) Entendeu-se ainda no acórdão recorrido que «a jurisprudência tem entendido que este conhecimento pelo
dirigente máximo do serviço tem de se reportar a todos os elementos caracterizadores da situação de modo a poder efetuar uma
ponderação criteriosa para se determinar de forma consciente quanto a usar ou não do poder sancionador». Efetivamente, tem
sido este o entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo, como se pode ver pela jurisprudência citada no acórdão
recorrido, sobre este ponto. (Designadamente, os acórdãos de 14-10-2003, recurso n.º 586/2003, e de 20-3-2003, recurso n.º
2017/02.) (…)”. Também o acórdão do STA (Pleno CA) de 23-1-2007, processo 021/03, se decidiu (sumário):“Como conhecimento
relevante para efeitos de prescrição não é suficiente o mero conhecimento de uma certa materialidade dos factos, sendo
necessário que o dirigente tome conhecimento de tais factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar.” No mesmo
sentido o acórdão de 19-6-2007, proferido no processo 01058/06: “Refira-se ainda que a jurisprudência deste STA tem entendido
que este conhecimento pelo dirigente máximo do serviço tem de se reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, de
modo a poder efectuar uma ponderação criteriosa para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder
sancionador. cf. acs. 14.10.03, rec. 586/03, de 20.03.03, rec. 2017/02, de 16.03.06, rec. 141/06 e de 22.06.06, rec. 2054/02”.
Como se vê o entendimento do acórdão recorrido está em plena sintonia com o entendimento deste STA generalizadamente
acolhido e que não se vê qualquer razão para dele nos afastarmos. Por outro lado, conforme se pode ver do facto X a participação
à PJ é sobre uma situação geral dos serviços relativa a atos médicos praticados com uma clínica Dentária, e falhas detetadas em
recibos relativos a comparticipações da ADSE. Perante esta participação concluiu o TCA (e trata-se de uma conclusão sobre
matéria de facto) não ser possível saber, desde logo, se havia alguma “falta” da ora autora. Não existe, por outro lado, qualquer
disposição legal exigindo, a instauração de inquérito prévio, pelo que é inócuo o facto do mesmo não ter sido ordenado – cfr. art.
4º do ED – pelo que não pode inferir-se de tal omissão qualquer consequência para a prescrição do procedimento disciplinar.
Deste modo, o prazo de três meses apenas começou a contar quando o dirigente máximo do serviço tomou conhecimento de que
foi deduzida acusação contra a autora – pois só nessa altura podia saber a sua efetiva participação no conjunto de factos
denunciados. Como a acusação foi deduzida em 30-9-2008 e o processo disciplinar foi instaurado à autora em 11-12-2009,
portanto antes de decorrido o prazo de três meses.».
O que também foi acolhido no acórdão do STA de 03/12/2015, Proc. nº 01888/13, in, www.dgsi.pt/jsta, em que
se sumariou: «I – Para início do prazo de prescrição de três meses previsto no art. 4º, nº 2 do ED/84, o conhecimento relevante
do dirigente máximo do serviço é o dos factos em termos enquadráveis como ilícito disciplinar, e não meros factos materiais. (…)».
E posteriormente no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 12/07/2018, Proc. nº 046/15, que ao
entendimento neles consagrado expressamente aderiu, precisamente por, como refere, «…ser a mesma a questão em
casos envolvendo alguns factos idênticos (na realidade, os mesmos factos, v.g., a deliberação da CMP, de 04.5.10, mediante a
qual foram aplicadas as penas disciplinares e o despacho do Presidente da CMP de 11.12.08), e uma vez que a acusação
criminal foi deduzida em 30.09.08 e o processo disciplinar foi instaurado ao autor em 11.12.08 – antes, portanto, de decorrido o
prazo de 3 meses – não tem razão o ora recorrente quando defende que já tinha prescrito o prazo para interposição do
procedimento disciplinar», concluindo que «…não se tinha esgotado o prazo para a instauração do processo disciplinar,
perdem sentido as questões relacionadas com o saber quem é o ‘dirigente máximo do serviço’ e com a suspensão do prazo
prescricional, designadamente, por força da instauração de um processo de averiguações, inquérito ou sindicância».
3.9 Estando a sentença recorrida em linha com este entendimento jurisprudencial, com plena validade na
situação presente, atenta, ademais a identidade das circunstanciais e o quadro normativo convocado, falece,
também neste aspeto, o recurso da autora.
3.10 Assim como também não colhe o recurso no que tange à invocada violação de lei, por errado
enquadramento da infração como violação do dever de isenção.
3.11 A autora propugna no recurso que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 3º nº 4 alínea a) do
ED/84, ao enquadrar a situação sub judice na violação do «dever de isenção», por não se verifica o indicado nexo
causal com a condição de funcionário público, mas sim e tão só apenas com a qualidade de beneficiário da
ADSE, quando existem beneficiários que não são necessariamente funcionários públicos, e que a haver um
qualquer delito, o que não se aceita de forma alguma, sempre teria o mesmo de ser enquadrado nos chamados
delitos comuns prestigiantes praticados fora do serviço e não na violação do dever geral de “isenção” que
pressupõe o exercício efetivo da função.
3.12 O artigo 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 24/84 considerava ser “infração disciplinar o facto,
ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou
especiais decorrentes da função que exerce” (nº 1), enunciando ser “dever geral dos funcionários e agentes atuar
no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública, em especial no que à sua
imparcialidade diz respeito” (nº 3), e explicitando considerarem-se ainda deveres gerais, entre os demais
elencados nas diversas alíneas do seu nº 4 o “dever de isenção” (alínea a)), o qual definia assim: “…o dever de
isenção consiste em não retirar vantagens diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, das funções que exerce,
atuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspetiva do
respeito pela igualdade dos cidadãos” (nº 5).
Por seu turno o artigo 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 58/2008 considerava ser “infração
disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres
gerais ou especiais inerentes à função que exerce” (nº 1), enunciando entre os demais deveres gerais dos
trabalhadores, elencados nas diversas alíneas do seu nº 2, o “dever de isenção” (alínea b)), o qual definia assim: “o
dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para
terceiro, das funções que exerce” (nº 4).
3.12 Ora o juízo feito na sentença recorrida, debruçou-se sobre a questão da errada qualificação da infração
disciplinar como violadora do dever de isenção, tal como lhe havia sido colocada pela autora na ação. E disse a
tal respeito o seguinte:
«(…)
Neste domínio, referiu a Autora [Cfr. pontos 168 173 da Petição inicial], que a Acusação e o Relatório final qualificaram a conduta
da Autora como violação dos chamados deveres profissionais propriamente ditos de isenção e zelo, mas que os factos imputados
ao Autora - recebimento indevido de comparticipações dos SMAS/ADSE por assistência na saúde - não foram por si praticados no
local e no horário de trabalho, isto é, no exercício das suas funções, e que por esta razão, nunca poderiam consubstanciar
infracção dos deveres de isenção e zelo que pressupõem o exercício da função.

Quanto á violação de dever de isenção, em face do que fundamentou o Réu, julgamos ser manifesto que tal ocorreu, porquanto, na
sua qualidade de funcionária do Réu, de quem perceciona rendimentos por estar ao seu serviço, no âmbito do qual beneficia das
regalias de um sub-sistema de saúde que aporta vantagens patrimoniais para os seus funcionários, quando carecidos de
assistência na saúde, na medida em que a Autora, quando se dirige a uma entidade que presta cuidados médicos, não o faz com
observância, desde logo, de regras de bom senso, aproveitando-se da sua qualidade de beneficiária do sub-sistema para daí
retirar vantagens patrimoniais que num contexto de absoluta normalidade não seriam devidas, é claro que está a violar o dever
de isenção.

Na verdade, a Autora só pôde retirar vantagens patrimoniais indevidas, por ser beneficiária do sub sistema da ADSE, e só é
beneficiária deste sub sistema, porque é funcionária do Réu. Portanto, só porque está ao serviço do Réu é que lhe foi possível
prosseguir numa atuação ilícita, violando dessa forma o dever de isenção.»

3.13 E tal ajuizamento deve ser mantido. Nem vem propriamente posto em causa no recurso o entendimento que
assim nela foi feito, que se mostra correto, sendo novos os argumentos agora esgrimidos pela autora em sede do
presente recurso, os quais não foram invocados como causa de invalidade da decisão disciplinar punitiva
impugnada.
Pelo que improcede, também nesta parte, o seu recurso.
3.14 E da mesma forma improcede quanto à referida questão da nulidade da acusação por não conter a
referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.
3.15 Com efeito, o que foi invocado pela autora na ação, e assim enfrentado na sentença recorrida, foi o
seguinte:
«(…)Neste domínio, referiu a Autora [Cfr. pontos 95 a 101 da Petição inicial], que o processado do Processo disciplinar foi
prosseguido pelo Réu com referência apenas aos preceitos do novo Estatuto Disciplinar, e que o mesmo [novo ED] só seria
aplicável, caso o Instrutor demonstrasse que este Estatuto era, em concreto, mais favorável à Autora, e que, assim não tendo sido
feito, que é manifesto o erro na acusação e no relatório final, em torno dos preceitos legais e penas indicados como sendo
aplicáveis, até porque não procedeu, para o efeito, à audiência prévia da Autora, enquanto arguida, e que se trata de nulidade
insuprível, nos termos do artigo 42.º, n.º 1 do Decreto Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, e do artigo artigo 37.º, n.º 1 do novo ED.

Ora, cotejada a acusação, é manifesto que da mesma não consta expressamente enunciado, qual o número do diploma legal a
que se reportam as previsões normativas aí enunciadas [a partir do ponto 63.º da acusação].

É manifesto, todavia, que os normativos aí enunciados são relativos a um ED [Estatuto Disciplinar], e que no intróito da acusação,
o Instrutor identificou que, a referência “ED”, se reportava ao Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de
setembro, pelo que, não podia deixar de saber, por um lado, enquanto funcionária, qual o estatuto disciplinar sob o qual é regida
a sua atuação, enquanto funcionária do Réu, e por outro lado, atento o teor da defesa por si apresentada, nela não enunciou a
Autora qualquer dúvida, ou dificuldade em torno da identificação do regime jurídico em apreço, mormente, sobre qual o ED
convocável.

Por outro lado, para lá desta alegação, da consideração do novo ED por parte do Instrutor do Processo, sem a sua audiência, com
fundamento em que o mesmo não justificou que da sua aplicação resultasse uma posição processualmente mais favorável para
si, Autora, enquanto arguida, é certo que tal não vem documentado nos respectivos autos. Todavia, não logrou a Autora alegar,
nem provar, em que termos e por que pressupostos é que a sua posição processual saiu prejudicada, pela convocação do novo
ED.»

3.16 Ora a recorrente autora não assaca, propriamente, qualquer erro de julgamento neste aspeto.
Sendo que, por outro lado, a orientação jurisprudencial que vem sendo seguida, quando a sucessão de regimes
disciplinares impõe a concatenação daquele que será concretamente mais favorável ao trabalhador arguido, na
decorrência do disposto no artigo 4º nº 1 do DL. nº 58/2008, nos termos do qual o novo Estatuto Disciplinar que
fez aprovar era “…imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso
de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao
trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa”, é a de se deverá optar apenas um dos regimes jurídicos,
devendo a apreciação deles ser feita de forma global para efeitos da verificação de qual é o mais favorável ao
arguido. Isso se entendeu, designadamente, no acórdão do STA de 02/12/2010, Proc. nº 01198/09, in,
www.dgsi.pt/jsta, em que se sumariou, entre o demais: «(…) II - A aplicação do novo regime disciplinar, quando em
concreto mais favorável ao arguido, não pode ser concretizada parcelarmente, aplicando-se determinados preceitos e
desaplicando-se outros. (…)». E foi reiterado no já supra citado acórdão do STA de 12/07/2018, Proc. nº 046/15,
igualmente disponível, in, www.dgsi.pt/jsta.
3.17 Nada invocando a autora no seu recurso que atinja o juízo que a tal respeito foi feito na sentença, quanto à
nulidade assacada à acusação disciplinar, fenece também aqui recurso da autora.
3.18 Por último, mostra-se carecida de sentido a invocação que a autora faz no recurso de que o Tribunal a quo
deveria ainda ter impedido a prática de um novo ato punitivo, seja porque a sentença recorrida decidiu também,
face à procedência da pretensão anulatória da decisão disciplinar punitiva, pela condenação do réu MUNICÍPIO
DO (...) a reconstituir a situação que existiria se não fosse a prática do ato anulado, designadamente pagando à
autora a correspondente remuneração base que não lhe pagou durante o período da suspensão, acrescida dos
respetivos juros de mora, como lhe foi peticionado, seja porque o limite temporal estabelecido na norma no artigo
63º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL. nº 58/2008, a que a autora recorrente alude, já se mostrava há
muito ultrapassado, isto, independentemente da verificação ou não dos demais pressupostos a que a norma
alude.

4. Aqui chegados, não merecendo acolhimento, pelos fundamentos supra expostos, os recursos interpostos, seja
pelo réu seja pela autora, é de manter integralmente a sentença recorrida, que assim se confirma.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em
negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas da ação nos termos fixados na sentença, sendo as desta instância recursiva por ambos os recorrentes,
em partes iguais - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º
da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*

Notifique.
D.N.
*
Porto, 28 de fevereiro de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato

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