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Critica a Consciência
Já que a linguagem, a consciência, a razão, e também o “eu” estão ligados aquilo que é
comum, superficial, eles não podem por isso, conhecer além dessas fronteiras.
Nietzsche assim estabelece uma critica ao limite da razão. Muito mais radical do que
Kant, ele define que a razão e a consciência só são resultado temporário da luta de
forças que existe tanto no homem quanto na natureza, sendo somente a vitoriosa aquela
que consegue submergir a consciência. O que submerge, não é, portanto a compreensão
da totalidade da realidade, e sim uma pequena parcela da luta das forças constitutivas do
homem. Quando Descartes fala de um “eu”, está se esquecendo que a subjetividade
humana que emerge na consciência é muito maior, muito mais ampla do que essa
pequena frase gramatical. A linguagem, criada pela consciência, só consegue expressar
aquilo que corresponde à sua origem, ao espírito gregário. Todo o universo dos desejos,
vontades, pensamentos, instintos, pulsões que estão no homem e fazem parte dele, não
consegue e não pode ser expresso por essa linguagem, porque é característico desses
elementos o fato de eles serem singulares, incomuns e portanto, não serem expressos
pela linguagem. Nas palavras de Nietzsche:
Freud quando desenvolve sua teoria do Ego e do Id, afirma que a linguagem ordinária, a
linguagem racional só consegue expressar aquilo que está no Ego, aquilo que passou
pelos processos secundários e pode ser verbalizado. As pulsões inconscientes, não
podem ser assim verbalizadas, não encontram correspondência na linguagem, por seu
caráter extremamente ambíguo e paradoxal. O Ego, pelo seu principio de realidade,
pode não suportar algumas pulsões sexuais derivadas do inconsciente, e com isso, a
reprimi, investindo contra ela, uma anticatexia. Retirando ela de seu “território”, tal
pulsão e sua libido, vão tentar encontrar outras formas de se manifestar, de alcançar
satisfação. Percorrendo caminhos longínquos no inconsciente, e sofrendo
incessantemente a repressão do ego, ela vai de alguma forma, muito tortuosa e
paradoxal, encontrar satisfação, perto, também dos desejos mais infantis, constituídos na
infância do sujeito. Disso se segue a satisfação sintomática, no qual, um desejo
reprimido pelo ego, encontra alguma forma de se satisfazer, sem que com isso o ego
perceba.
3
Ibidem pag. 218
4
Ibidem pag. 216
A consciência para o Freud está situada naquelas repressões aos desejos inconscientes
que conseguiram reprimi-lo de algum modo, pelo ego, que assim formou uma instancia
repressiva, o superego. Essas constantes forças repressivas é que de algum modo
constituíram a consciência e a fortalecem.
Civilização e Gregariedade
“Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro -
isto é o que chamo de interiorização do homem: é assim que no homem cresce o que
depois se denomina sua "alma". Todo o mundo interior, originalmente. delgado, como
que entre duas membranas, foi se expandindo e se estendendo, adquirindo profundidade,
largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora”
Dessa forma, esses impulsos dirigidos para o interior do homem, foi o resultado do fato de
ele viver em sociedade. O maior problema para Nietsche, contudo não é esse, e sim, o fato
do asceta cristão, o sacerdote ter utilizado tal sentimento, que originalmente era mais
primitivo e ainda não tinha relação com uma certa moral religiosa, de modo a constituir um
verdadeiro sentimento de culpa. Num trecho:
Essa reviravolta do asceta permite que esse sentimento contra si mesmo que o homem
realiza, agora seja encarado como uma punição, como uma verdadeira culpa. O homem
entende agora que seu sofrimento é uma espécie de punição. Isso para Nietzsche é uma
indicação da decadência do homem, que reprime seus impulsos mais constitutivos e se
autodestrói com essa inversão dirigida a si mesmo.
Com Freud, ocorre de tal forma semelhante que assusta, a primeira vista. A civilização,
para ele, só é possível por meio das restrições das pulsões tanto sexuais quanto
agressivas. Porém, tais pulsões agressivas são constitutivas do homem, fazem parte de
seu aparelho psíquico, e por mais que a civilização trabalhe no esforço de compensar
essa agressão, seja por meio da amizade7, seja por meio do incentivo do amor ao
próximo, tais instintos não são fáceis de abandonar. Freud mesmo encara esse problema
da agressividade como um dos maiores empecilhos a civilização:
“Em tudo o que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação
para agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e auto-
subsistente, e retorno á minha opinião de que ela é o maior impedimento á civilização” 8
Uns dois meio, não antes citados, para inibir a força destrutiva dessas pulsões é a sua
internalização por parte do ego, que agora não dirige suas pulsões a agentes estranhos e
sim para si mesmo. Desse modo, o ego vai se construindo uma instancia contra si
mesmo: o superego, que como autoridade submete ao ego uma eterna vigilância. O que
se modifica é que, ao invés do sujeito buscar satisfação de um desejo, fora da vigilância
de uma autoridade externa, agora com o superego, não fará diferença se o agente realiza
uma ação condenável ou somente almeja fazê-la. Nada escapa, na instancia mental, ao
superego, e ele recriminará a mínima pretensão de um desejo, mesmo que o sujeito nem
o realize. Nessa força do superego, que gera medo, surge um sentimento de culpa.
Porém, Freud faz uma distinção entre o medo da autoridade externa e o superego, em
relação às restrições pulsionais. Enquanto a mera renuncia aos desejos já basta para
fugir do medo á autoridade externa, isso por si só não basta para fugir do medo do
superego. Este, sabendo de todos os pensamentos do ego, irá agir invariavelmente
contra as forças pulsionais de satisfação, que não se cessam. Disso resulta-se um
sentimento de culpa.
6
Ibidem Parte III aforisma 20
7
Freud, S. O Mal Estar na Civilização, In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1978, pag. 165
8
Ibidem pag. 175. Ressalto que nesse trecho, como na maior parte da obra de Freud, ele usa o termo
“Trieb”, que é traduzido por instinto. Contudo, essa não é uma boa tradução por se referir a algo próximo
ao animal, o que talvez seja realmente aquilo a que Nietzsche alude quando fala em “instintos
agressivos”. A melhor tradução é “pulsão”, ou seja, aquilo que é próprio da constituição humana, é um
desejo de satisfação próprio do humano.
O superego então, agindo constantemente para reprimir as pulsões agressivas, a cada
nova repressão, age novamente com mais força. Freud supõe até, muito semelhante a
Nietzsche, que a consciência é então formada por essa repressão, e reforçada pelas
repressões subseqüentes. Nas palavras dele:
Desse modo, o superego mantém uma vigilância que permite a civilização persistir de
algum modo. O sentimento de culpa assim atua como um agente coercitivo de
manutenção da civilização. Freud alude a isso num trecho:
“Visto que a civilização obedece a um impulso erótico interno que leva os seres
humanos a se unirem num grupo estreitamente ligado, ela só pode alcançar seu objetivo
através de um crescente fortalecimento do sentimento de culpa” 10
Conclusão
Mesmo havendo diferenças importantes entre os dois autores, que aqui não era meu
intuito desenvolver, pode-se ver interessantes analogias entre os dois. A consciência e a
critica á ela, em Nietzsche é bem mais contundente que em Freud, embora se veja a
mudança de compreensão dela em relação aos filósofos modernos, que a consideravam
quase como uma instancia onipotente. Interessante também como a culpa, o sentimento
de culpa, presente nos dois autores referidos, é algo que acompanha tanto o processo
civilizatório quanto a formação da cultura ocidental, vista por Nietzsche. Conclui-se que
tanto um quanto o outro foram grandes críticos das formas de subjetividade oriundas
das filosofias modernas e grandes precursores das importantes teorias que irão
submergir no século XX.
Referencias Bibliográficas
________. Obras Incompletas. In: “Os Pensadores”, São Paulo: Abril Cultural, 1978
Freud, S. O Mal Estar na Civilização, In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural,
1978.
9
Ibidem pag. 181
10
Ibidem pag. 183