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Sobre Comportamento

e Cogniçào
Q(/es//onancJo e ampí/ancJo a /eor/a e as /n/eroenções
cl/n/cas e em oa/ros con/ex/os

()ry c in iz a c /o p o r ^ e y i n a (J A r/s /r/ia Td)/elcnsÁa

ESETec
Editores Associados
Regina Christina Wielenska • Ana Maria Moser • Carmen Garcia de Almeida Moraes • Cristina Tieppo
Scala • Cynthia Borges de Moura • Denis Roberto Zamignani • Edwiges Ferreira de Mattos Silvares •
Eliane Falcone • Emmanuel Zagury Tourinho • Gerson Vukio Tomanari • Jalde A. Regra • Jorge M.
Oliveira-Castro • Juliane Pietro Peres • Lylian C. Pilz Penteado • Maira Cantarelli Baptistussi • Maly
Delitti • Manoel Josó Simâo • Marcelo Frota Benvenuti • Maria Luiza Marinho • Maria Rita Zoóga Soares
do Azevedo • Myrian Vallias de Oliveira Lima • Nazaré Costa • Nione Torres • Patrícia Santos Martins de
Sena • Rachel Nunes da Cunha • Rachel Rodrigues Kerbauy • Roberta Kovac • Roosevelt R. Starling •
Sandra Maria Cury de Souza Leite • Sérgio Dias Cirino • Silvia Cristiane Murari • Simone Neno Cavalcante
• Sônia dos Santos Castanheira • Sonia Regina Fiorim Enumo • Vera Lúcia Menezes da Silva • Vera
Regina Lignelli Otero

Sobre

e
Volume 6
Q uestionando c am pliando d teoria e as intervenções
clínicas e em outros contextos

Ortfiini/ddo por Rcfiiini Christina Wiclcnskd

ESETec
Santo André, 2001
Copyright © desta edição:
KSKTw KdJtorox Avvodadov Santo Andrc, 200 1.
Todos os direitos reservados

WIELENSKA, Regina Chrlstlna, et al.

K47c Sobre Comportamento e Cogniçâo: Psicologia Comportamental e Cognitiva: Questionando e


ampliando a teoria e as Intervenções clinicas e em outros contextos. - Org. Regina Chrlstlna
Wielenska. 1* ed. Santo Andró, SP: ESETec Editores Assciados, 2001. v. 6

290p 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cogniçâo


2. Behaviorismo
.V Psicologia Individual

CDD 155.2 ISBN 85-88303-08-6


CDU 159.9.019.4

Sohrc C om p orta m en to c Cogniçâo

Editom: Tcresu Cristina Cume (irassULeonardi


Revisão de texto: F.rika llorigoshi e lolanda Maria do Nascimento

Todo» o* dlraltoa raaarvadoa Proferi* «reprodução lotfil 00 parcial, por qualquer mah>ou proc%»*o, Mpeclalmente por Mlema* grAlico*.
miorofllmloo», fotognMtcoa. raprogréfoo». fonogrtfloo», vMaografiooe Vedada a mamortíaçâo«/011recoperoçAo total ou parcial em qualquer »i»tema
da prooMMmaoio da dadoa a a indiiaAo da qualquar parfeda obra em qualquer programa |uadt>am«Uoo Etaat proibiçAM apHcam-aatambémâ»
oer*ctert«Ucn* gritem da obra a á aua editoração A vwiaçJo do* direto* autoral» é punfvefcomoenrna oompana da priario«multa, conjuntamente
com buaca• apreenaAoa Indenuaçoe» dtwaa»

ESETec
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Solicitação de exemplares: esct(o)uol.com.hr
Rua C atequese, 845, çj. 12 - Mairro Jardim - Santo André - SP
Cl iP 09090-710-Tel. 4990 56 83 / 4427 78 02
A presen taç ão

A coleção Sobre Comportamento e Cognição, em seu volume 6 , ó reflexo das


contingências que, há cerca de uma década, passaram a influenciar a comunidade cien­
tifica brasileira de analistas do comportamento e cognitivistas.
Em primeiro lugar, foram criadas condições para ampliar o diálogo entre as atividades
de pesquisa e de intervenção em contextos específicos. Todos se beneficiaram com esta
mudança: aumentou a probabilidade de que pesquisadores básicos e aplicados preen­
cham, de modo mais precioso, as necessidades dos setores voltados para a aplicação do
conhecimento. E mais: para os terapeutas, cada questionamento dos pesquisadores so­
bre seus trabalhos passou a funcionar como uma das fontes de influência para o refina­
mento qualitativo e quantitativo da produção científica. Substituindo a antiga, e indesejá­
vel, função supressiva sobre comportamentos como discutir, em eventos e publicações,
diferentes aspectos das intervenções realizadas.
Outro ponto a destacar é a conquista e solidificação de territórios profissionais. A
intervenção nas abordagens comportamental e cognitiva passou a ocupar, com competên­
cia, espaços institucionais diversos (hospitais, escolas, etc.), atendendo populações vari­
adas (alguns exemplos são os atendimentos a portadores de patologias diversas e as
intervenções específicas para faixas etárias), seja prevenindo ou dissolvendo problemas.
Este processo de mudança nos trouxe o reconhecimento, por parte de outros cam­
pos, da qualidade do saber por nós produzido e das formas como ele é aplicado. A Medi­
cina e outros segmentos da saúde, a arquitetura e urbanismo, a administração de empre­
sas e recursos humanos exemplificam parte das áreas beneficiadas pelo nosso esforço,
que absorveram nossos conhecimentos e profissionais, formando equipes inter ou
multidisciplinares.
Equívocos foram desfeitos: desde seus primórdios, a análise do comportamento e
o Behaviorismo partiram de uma concepção de comportamento que incluiu fenômenos
públicos e privados. Emoções, pensamentos e processos biológicos eram componentes
necessários, mas não suficientes, para elaborarmos boas análises funcionais. A aborda­
gem trouxe o ambiente para a linha de frente na Ciência do Comportamento e demonstrou
sua relevância para a análise de situações humanas complexas. Aprendemos também a
explorar melhoras possibilidades de fazer pesquisas clinicas, sem nos intimidarmos pe-
Ias inerentes limitações (metodológicas, conceituais ou de qualquer natureza), cada vez
mais, são apresentadas novas alternativas de investigação e intervenção que superam os
limites do momento científico, sem perdas da qualidade.
O diálogo crescente entre os membros de nossa comunidade com outros cientis­
tas e os muitos segmentos sociais (meios de comunicação, agências provedoras de
recursos financeiros, ONGs, etc.) é um sedutor desafio, cujos benefícios poderão ser
repartidos por todos. No que se refere ao diálogo interno, constato como bem-sucedidas
as tentativas de integrar instituições, promover intercâmbios entre a teoria e a prática e
facilitar a inserção de estudantes e jovens profissionais no denso mundo das abordagens
cognitiva e comportamental. Saber idiomas estrangeiros é uma relevante habilidade aca­
dêmica, mas a existência da coleção, com textos de qualidade publicados em português,
propicia o estudo e o aperfeiçoamento profissional de todos. A coleção Sobre Comporta­
mento e Cognição consagrou-se como veículo de destaque no meio científico e soma
forças com a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, entre outros
renomados veículos de divulgação cientifica.
O volume 6 compreende quatro partes. A Seção 1inclui questões gerais sobre as
bases filosóficas da análise do comportamento, o papel de fenômenos privados e das
contingências reforçamento acidental. A seção II também envolve a discussão de concei­
tos e eventos privados, mas tem como principal interesse viabilizar que alguns termos, de
uso corrente na cultura mentalista, recebam sua contrapartida comportamental ou cognitiva,
seguindo a linguagem e os supostos inerentes á nossa forma de estudar e compreender o
comportamento.
A seção III comprova, mais uma vez, nossa capacidade de aprofundar e expandir
territórios: repensarmos nossa maneira de ensinar (na universidade e em outras institui­
ções) e procurarmos suprir as demandas sociais, no atendimento de idosos e atletas.
A seção IV, com maior número de contribuições, é essencialmente clinica, englo­
bando artigos sobre questões gerais, que afetam todos os terapeutas comportamentais e
cognitivos (bases teóricas, eficácia, modelos explicativos e de intervenção, etc.), segui­
dos por capítulos que refinam a análise de transtornos psiquiátricos e de outras queixas.
São inúmeros os agradecimentos. Mesmo correndo o risco de cometer injustiças,
nomearei algumas pessoas que tiveram especial destaque para a concretização deste
volume: A presidente da ABPMC na gestão 98-99, os autores dos capítulos aqui publica­
dos (representando a coexistência produtiva entre jovens talentos e profissionais de reno­
me), a nossa editora (Teresa Cristina C.Grassi-Leonardi - Teca) e clientes. Feliz e
agradecida, ofereço este volume 6 para o deleite intelectual de todos.

Regina Christina Wielenska


Organizadora
P r e f á c io

Este livro representa mais uma contribuição de profissionais interessados em tor­


nar acessível à comunidade uma variedade de assuntos recentes relacionados à aborda­
gem comportamental, abrangendo os enfoques cognitivo e de análise do comportamento.
Representa também o esforço da atual diretoria (Gestão 1998-1999) da ABPMC em reunir
e organizar os trabalhos apresentados no VII e no VIII encontros da ABPMC, dando con­
tinuidade à publicação dos três primeiros volumes.
Neste volume "Questionando e ampUanôo a teoria e as intervenções clínicas e em
outros contextos", os temas incluem análises conceituais, aplicações específicas e clíni­
cas. Os diferentes enfoques encontram-se aqui reunidos no compromisso de estudar
cientificamente o comportamento.
A publicação dos trabalhos apresentados nos encontros da ABPMC tem contribu­
ído para enriquecer a literatura comportamental, tornando-a mais popular em nosso país,
disponibilizando assim maior quantidade e variedade de material bibliográfico para os clí­
nicos, professores, pesquisadores e estudantes.
Parabéns a todos que colaboraram no trabalho de criar e executar a coleção Sobre
Comportamento e Cogniçào. A comunidade agradece.

Eliane Falcone
Rio de Janeiro, dezembro de 1999.
S u m á r io

Apresentação .......................................................................................................... i
Prefácio .................................................................................................................... iii

Seção I: Reflexões teórico-conceituais

Capítulo 1 - Behaviorismo Radical: uma (mal-amada) matriz conceituai


Roosevelt R.Starling.......................................................................... 3

Capítulo 2 - 0 que ó Behaviorismo Mediacional


Nazaré Costa (UFPa) ........................................................................ 13

Capítulo 3 - O que é contextualísmo?


Simone N. Cavalcante, Emmanuel Z. Tourinho (UFPa)........................ 17

Capítulo 4 - O comportamento encoberto como elo da cadeia de compor­


tamento: um elo perdido, desprezado ou desnecessário?
Roberta Kovac ................................................................................. 26

Capítulo 5 - Eventos privados e terapia analítico-comportamental


Patrícia Santos, Emmanuel Z. Tourinho (UFPa).............................. 35

Capítulo 6 - Reforçamento acidental e comportamento supersticioso


Marcelo Frota Benvenuti (UnB) ...................................................... 45

Seç&o II: É possível à análise do comportamento traduzir termos da Psicologia e


da Cultura?
Capítulo 7 - A u to c o n tro le : a linguagem do c o tid ia n o e da análise do
comportamento
Sônia dos Santos Castanheira (FAFICH/UFMG)................................ 53

Capitulo 8 - Análise funcional da preguiça e procrastinação


Rachel Rodrigues Kerbauy (IPUSP).................................................. 62

v
Capítulo 9 - Ciúme e inveja: a visão comportamental
Sandra Maria Cury de Souza L e ite ..................................................... jq

Capitulo 10 — Motivação: uma tradução comportamental


Rachel Nunes da Cunha (UnB)........................................................... 74

Seção l/t: Aplicações específicas: ensino, deficiência mental, leitura e escrita,


gerontologla e esporte
C apítuloH - Repensando o ensino de análise do comportamento
Sérgio Dias C irin o ............................................................................. #7

Capitulo 12 - Avaliação comportamental da prevenção de deficiência mental


em hospital geral
Sônia Regina Fiorim Enumo (UFES), Rachel R. Kerbauy (IPUSP)... $g

Capítulo 13 - Variáveis de procedimentos que afetam a avaliação do valor


reforçador de estim ulos em pessoas com retardo mental severo
Gerson Yukío Tomanari (IPUSP) .................................................... 703

Capitulo 1 4 - C o n tin g ê n c ia s progra m ad as de re fo rç o e c o m p le x id a d e


discrim inativa de tarefa: aplicações a situações de ensino de
leitura
Jorge M. Oliveira-Castro (UnB)........................................................... ^

Capítulo 15 - Existem maneiras de viver bem a velhice? Mitos e realidades


Ana Maria Moser (UNIVALI-SC/ PUCPR)......................................... 116

Capitulo 16 - Penso ou faço? A prática encoberta no esporte


Cristina T. Scala, Rachel R. Kerbauy (IPUSP).................................. 726

Seção IV: As múltiplas nuances teóricas e aplicadas da prática clínica


Capítulo 17 - O modelo médico e o modelo psicológico
Maria Luiza Marinho (UEL)............................................................... 7 4 3

Capítulo 18 - Psicoterapia funciona?


Vera Regina Lignelli Otero (Clínica Ortec - Rib. Preto - S P )............ 740

Capítulo 1 9 - Bases teóricas para o bom atendimento em clínica com por­


tamental
Maira Cantarelli Baptistussi (PUCSP).................................................. 7 5 0

Capitulo 20 - Estratégias lúdicas para uso em terapia comportamental infantil


Cynthia Borges de Moura, Maria Rita Z. S. de Azevedo (UEL)... 757

Capítulo 21 - Modelos de orientação a país de crianças com queixas díversí*


ficadas
Maria Luiza Marinho (UEL), Edwíges F. de Mattos Sílvares (USP) -jq5
Capítulo 22 - A fantasia Infantil na prática clínica para diagnóstico e mudança
comportamental
Jalde A. G. Regra (UMC - U SP)......................................................... 179

Capítulo 23 - Intervenção grupoal junto a familias do divórcio


Carmen G. de A. Moraes, Silvia C. Murari (UEL) .......................... 187

Capítulo 24 ■ Relato de sonhos: como utilizá-los na prática da Terapia Compor­


tamental
Maly Delitti (PUCSP) ..........................................................................195

Capítulo 25 - Habilidades sociais: para alóm da assertividade


Eliane Falcone (UERJ) ...................................................................... 202

Capítulo 26 - Terapia - cognitiva comportamental e religiosidade


Myriam Vallias de Oliveira Lima............................................................ 213

Capítulo 27 - Ansiedade: o enfoque do Behaviorismo Radical respaldando


procedimentos clínicos
Nione Torres (U E L )............................................................................. 219

Capítulo 28 - Modelo Cognitivo da ansiedade


Juliane Pietro Peres ........................................................................230

Capítulo 29 - Transtornos da ansiedade: estratégias de intervenção


Sandra Maria Cury de Souza Leite .............................................. 235

Capítulo 30 - Terapia Comportamental Cognitiva


Manoel José Pereira S im ã o .............................................................. 239

Capítulo 31 - Uma tentativa de entendimento do comportamento obsessivo-


compulsivo: algumas variáveis negligenciadas
Denis Roberto Zamignani (PUCSP)................................................... 247

Capítulo 32 - Fantasia e imagens da infância como instrumento de diagnóstico


e tratamento de um caso de fobia social
Lylian C.P. Penteado (USF-FCH Itatiba)............................................257

Capítulo 33 - Obesidade: o que nós, psicólogos, podemos fazer?


Vera Lúcia Menezes da Silva (U EL).....................................................265

Capítulo 34 - Análise Funcional da Depressão (ou: a qual fenômeno estamos


mesmo nos referindo?)
Regina Christina Wielenska (IPUSP)................................................ 271
Seção I

Reflexões
teórico-conceítuais
Capítulo 1

Behaviorismo Radical: uma (mal-amada)


matriz conceituai*
(Subsídios para uma reflexão sobre o ensino da análise do comportamento)

Kooscvclt R. Stftrlinfj
If you believe cerlaln words, you belleve thelr hidden
arguments. When you believe somethtng is right or wrong, true or
false, you believe the assumptions in the words whlch
express the arguments. Such assumptions are often full of holes, but
remain most precious to the convinced.
The Open-Ended Proof, from The Panoplla Prophetlca
(Frank Herbert, Children of Dune)

1. Ciência como comportamento verbal do cientista

Aceitando a ciência como sendo o comportamento verbal dos cientistas1, o


behaviorismo radical abre uma valiosa porta para a apreciação de si mesmo, bem como
para a ciência em geral. O que os cientistas fazem é inventar conceitos que possam dar
ordem a uma parcela da sua experiência fenomenal, ou seja, comportam-se verbalmente.
Ao inventarem conceitos2, os cientistas distinguem-se dos filósofos e de outros (por ve­
zes muito) livres-pensadores, porque procuram estabelecer relações funcionais entre fe­

‘ Esto trabalho é uma versão modificada da conferência de mesmo titulo apresentada polo autor ao VIII Encontro da ABPMC,
om São Paulo, SP, de 3 a 5 da setembro do 1999 e-m ail: umuaramaflÇfunrel.br
' Sendo oste um trabalho de caráter reflexivo, expressando a visão pessoal do autor sobre o tema, as principais obras e
trabalhos que apresentam, fundamentam, Influenciam e/ou subsidiam as proposições aqui contidas estão relacionadas no
fim do trabalho, sobre o titulo genérico de Bibliografia Exceto quanto à aplicação do conceito de matriz conceituai ao
Behaviorismo Radical, àqueles autores cabem, fundamentalmente, quaisquer méritos que possam existir na elaboração
deste trabalho. Eventuais impropriedades de Interpretação são de Inteira responsabilidade deste autor.
* Os cientistas Inventam conceitos falando sobre eles para si mesmos (ou seja, pensando neles) ou para os outro9.

Sobre C o m p ortam e nto e C o#m ç.lo 3


nômenos materiais, recusando, como estranhas aos seus domínios, variáveis que não
possuam dimensões no tempo e no espaço, ou seja, recusando variáveis imateriais. Con­
siderados em si mesmos, não existe qualquer superioridade entre um conceito ou sistema
de conceitos científicos e outros que também fazem a mesma coisa, isto ó, tornam inte­
ligíveis, dão uma certa ordem a parcelas da experiência humana, como, por exemplo, a
visão de mundo religiosa ou filosófica.
Existem diferenças: pelo fato de os fenômenos considerados pelo cientista serem
materiais, eles podem ser testados por uma maneira específica de verificação também
inventada pelos cientistas chamada "método científico", permitindo assim que falhas ou
íacunas possam ser detectadas nos sistemas de conceitos que eles inventam, tornando-
os passíveis de serem rapidamente reformados. A segunda diferença é de caráter essen­
cialmente pragmático: como os sistemas de conceitos inventados pelos cientistas tôm
facilitado à espécie humana a obtenção de reforços, tôm sido selecionados pelas suas
conseqüências, de maneira homóloga àquela com a qual selecionamos a padaria onde
compramos o nosso pão cotidiano.
Uma das implicações do fato de a ciência ser um determinado repertório verbal, um
saber do tipo declarativo, é que se todas as pessoas, por uma razão qualquer, pararem de
falar* usando os conceitos inventados pelos cientistas, a ciência desaparecerá na mesma
ocasião. De uma certa maneira, isso já aconteceu na história da espécie humana pelo
menos uma vez, quando as declarações gregas (pré)científicas sobre o mundo foram
substituídas pelas declarações religiosas durante a idade média européia, levando a uma
virtual paralisação desse conjunto descritivo, com as conseqüências que todos já estuda­
mos.
Uma segunda implicação é ainda mais singela: a eventual sobrevivência de um
determinado conjunto declarativo está, dentre outras variáveis, na dependência do número
de falantes que utilizam aquele conjunto. Num sentido muito verdadeiro quanto às conse­
qüências, podemos dizer que a terra é redonda porque todos nós falamos que ela é redon­
da. Quando todos nós falávamos que a terra era plana, ela era plana e, é claro, ninguém
em seu juízo perfeito pensaria sequer em circunavegar uma superfície plana!
Como o leitor certamente já deduziu, estamos aqui dizendo que o behaviorismo
radicai é um conjunto declarativo como qualquer outro que com ele compete e que a sua
sobrevivência está relacionada ao número de falantes na comunidade verbal que usam
esse conjunto4 para explicar a classe de fenômenos para o qual ele foi inventado: o com­
portamento humano. Isso nos leva ao segundo tópico dessa nossa reflexão: quantos
somos?

2. Quantos somos?

Considerando o nosso país, a resposta parece-me ser simples e, ao mesmo tem­


po, grave: tudo indica que nào sabemos. Tanto quanto estou informado, ninguém sabe
qual a nossa taxa de sucesso, ou seja, de cada 1 00 alunos ingressos nos cursos de

1 Considere-se que, do ponto de vista da função quo estamos considerando, falar 6 o metmo que pensar, escrever ou ler.
* Não nos esquoçamos de um trulsmo: para ser selecionado pelas conseqüências o comportamento precisa,
obviamente, (a/er parte do poolde seleçJo, Isto é, ele precisa ocorrer.

4 Hoo*cvell R. Starlinfl
psicologia e de especialização em psiquiatria (sem considerar aqui outras possibilidades,
como, por exemplo, na pedagogia, na sociologia, na antropologia) quantos adotaram o
behaviorismo radical como referencial teórico/prático? Ainda que possa causar espécie,
vejam essa analogia: muitas pessoas estiveram na loja, viram o nosso produto e não se
interessaram em comprá-lo5! Um lojista prudente estaria perguntando a si mesmo se o
produto ó de fato ruim ou se está sendo mal vendido....
É preciso também, creio, examinar detidamente os números da nossa associação
ao longo destes oito anos de existência. O advento da ABPMC foi talvez o fator isolado
mais significativo para o avanço do behaviorismo radical em nosso país, mas a taxa de
crescimento dos associados deveria ser vista com muita atenção. Certamente ó reforçador
estarmos reunidos à nossa comunidade verbal, mas ó preciso ficarmos atentos à possibi­
lidade de estarmos falando somente para nós mesmos, pois, nessa hipótese, não estarla-
mos resolvendo o problema da ampliação da nossa comunidade verbal. Esse problema
manifesta-se nos EUA, conforme nos relata Richard Malott, em comunicação citada no
final deste trabalho. Lá, a Association for Behavior Analysis, com 25 anos de existência,
tem se mantido estável quanto ao número de atendentes aos seus encontros anuais, o
que nos alerta para a possibilidade de o mesmo poder ocorrer aqui. Ainda que simplificando
o problema, ó preciso considerar que estabilidade pode indicar uma estabilidade de ‘‘fer­
mentação", precedendo um novo ciclo de crescimento ou uma estabilidade de involução,
precedendo um ciclo de declínio e possível desagregação. Parece-me que aqui o fator
decisivo são os jovens e mais adiante tratarei desse fator.
Ainda sobre esse tópico, parece-me também oportuno, ao considerar números,
perguntarmos quem ó um analista do comportamento ou, ao que valha, o que ele faz que
o distingue dos seus competidores? Hoje, um analista do comportamento é quem assim
se autoproclamar. O problema é sério porque é principalmente através dos analistas do
comportamento, dos terapeutas e dos psicólogos organizacionais e escolares que a comu­
nidade maior pode tomar contato com esse referencial e estar exposta às eventuais
contingências que ele estabelece. A parcela dos nossos alunos que virá a dedicar-se à
pesquisa é mínimo, que mais não seja pelas poucas vagas oferecidas nessa área. A
grande maioria pretende (e precisará) viver da sua profissão competindo no mercado de
serviços e isso quer dizer: clínica particular, instituições privadas ou públicas de saúde,
escola ou indústria6. Embora nos agrade a idéia de que ninguém possa falar em nome d'O
Behaviorismo, o fato é que, numa dada comunidade, ele será selecionado ou não, depen­
dendo das contingências estabelecidas pelos behavioristas que íá atuarem. Nessa visão
que discuto, o behaviorismo éo que cada um de nós falamos, mais o que falamos para
nós mesmos do que o que falamos para os outros. Dal a importância da coesão dessa
fala. Coesão não quer dizer uniformidade mas, ao moldarmos uma prática segundo deter­
minados conceitos declarativos, seria desejável que esses conceitos pudessem manter-

Mals adiante, consideraremos algumas variáveis que poderiam explicar esse falo Ma* a ênfase n io estará nas variáveis
que estAci fora do nosso controle, integral ou parcialmente, mas sim naquelas que estâo sob o nosso controle, A di/er, no
manejo que fazemos (ou nflo) das contingências
Aqui vale notar que têm sido multo tímidas nossas incursões fora da pesquisa e da clinica Multo poucos dentre nós têm
estado interessados nas áreas organizacional e escolar, como pode demonstrar um exame das temáticas tratadas nos,
agora já quatro, volumes editados pela ABMC Nâo obstante, sabemos que nessas duas áreas, em especial, poderíamos
demonstrar excelentes resultados. O mesmo quas0 vale para as instituições hospitalares e de saúde, onde, pela
extraordinária redução das vartáveis atuando sobre 0 doente acamado, temos excelentes condições para 0 manejo das
contingências Ainda podemos contar nos dedos os profissionais fortemente dedicados a essa área e, ainda que produzam
com alta qualidade, defendo aqui que números sflo essenciais.

Sobre C om portam ento e C ojjniçdo 5


se com um mínimo de distorções e flutuações acidentais, para que as contingências
estabelecidas a partir deles mantivessem também uma coesão de conseqüências. Para
esse fim, a integração o mais plena possível na comunidade verbal behaviorista radical é
essencial e, ainda mais, que essa comunidade disponha as contingências de modo a
maximizar a probabilidade do comportamento desejado.

3. Velhas dificuldades: as idéias do mercado e o mercado das idéias

É importante ter presente que, ao expormos os nossos alunos aos conceitos do


behaviorismo radical, estamos propondo também uma mudança de paradigma, o que é
algo extremamente difícil de se fazer, como bem souberam Copérnico e Galileu, quando
propuseram o heliocentrismo. Estamos convidando as pessoas a abrir mão de uma visão
de mundo milenar, compartilhada pela comunidade maior e também compartilhada pela
vasta maioria dos nossos colegas nos centros de formação (universidades, cursos, etc.),
qual seja, o mentalismo. Atrevo-me mesmo a dizer que estamos propondo um quarto
golpe no orgulho da humanidade. Se o Dr. Freud deu o terceiro7 ao destronar a racionalidade
e a lógica como os diretores do comportamento, colocando-o sob a égide de um incons­
ciente, nós estamos dizendo: nem isso-, não é nada seu, senão o ambiente, o que nos
determinai
Ora, ao falarmos assim, é claro que sabemos que as coisas não são exatamente
como parecem, que ao recusarmos a subjetividade não estamos recusando o sujeito, etc.
Mas as contingências do falante freqüentemente não são as contingências do ouvinte.
Nós sabemos. Nós estamos, por mil e uma razões, convencidos disso. Nós somos refor­
çados por declarar essa nova ordem. Nós, não os nossos alunos. Como sabemos, faz
uma diferença enorme se um “pensamento" é ou não vocalizado e importa muito como,
quando e onde foi vocalizado. Descuidos ou planejamento deficiente em terreno tão explo­
sivo podem acabar em fogueira ou em deboche, que é exatamente como têm acabado.
Ainda somos ratólogos, controladores, ateus, desumanos, condicionadores, escravagistas,
insensíveis, impositivos, cartesianos, intransigentes e por aí vai.
Talvez porque tenhamos a nossa origem histórica tão atrelada à academia, não é
comum e até poderia ser considerada de mau gosto aplicarmos uma abordagem
mercadológica a províncias tão elevadas como a do Saber. Ledo engano! Um aluno “con­
vertido" á "borboletoterapia"" é um potencial consumidor de livros sobre "borboletoterapia",
de cursos sobre “borboletoterapia”, de sessões de "borboletoterapia", indicará novas pes­
soas para a "borboletoterapia", será, enfim, mais um elo numa formidável cadeia de
marketing de rede. Alguns sistemas declarativos que se estabeleceram no mercado "psi"
através desta estratégia (planejada ou não) de marketing de rede detêm um patrimônio de
milhões e milhões de dólares, se somarmos todo o m/x de produtos oferecidos em torno
desse "saber". Pessoas vivem disso. Muitas pessoas. Parece-me ser de uma ingenuidade
única alguém imaginar que essas pessoas abrirão mão de reforços bem mais poderosos

7 Os dois anteriores sâo o heliocentrismo e a teoria da evolução de Darwin, ambos negando nossa suposta e tão confortável
prlma/la na ordem universal.
* Até onde estou Informado, a "cura" através desse inseto ainda nâo existe, embora já existam "terapias* através de outros
representantes do reino animal, vegetal e mineral além das musicais, energéticas, dançantes, espirituais e poni-moriem.
Mas, já que está sendo sugerida aqui e considerando as práticas ‘ democráticas” da ‘‘ciência'' que parecem estar em moda
no nosso pais, tudo é possível...

6 R o o sc v d t R. Starlinti
em nome da honestidade intelectual: - “De fato, verificamos que os pressupostos de
vocês conduzem a uma inegável superioridade na solução dos problemas humanos e,
dessa forma, decidimos fechar os nossos consultórios, encerrar os nossos cursos, reco­
lher os nossos livros...”.
Queiramos ou não, o behaviorismo radical, com o seu enorme potencial de ajuda no
encaminhamento dos problemas humanos, ó um modelo em competição e informação -
e desinformação - são instrumentos desse processo. Como sempre tem sido, dadas as
contingências sob as quais evoluímos e sob as quais ainda nos mantemos, precisaremos
lutar pelos nossos reforços com o suor do nosso rosto (ou a dor dos nossos dedos num
teclado de computador como é, agora, o caso deste behaviorista).
Já nos ensinava João Guimarães Rosa, arguto redator das regras que a exposição
às contingências mostraram ser úteis para o nosso povo: “Caititu (porco-do-mato) fora do
bando é comida de onça!". De volta aos números. Grandes números permitem grandes
coisas: um editor estará mais disposto a publicar os nossos livros, porque muito provavel­
mente ele os venderá. Poderemos editar mais periódicos, poderemos despertar a atenção
da grande mldia, na qual estamos virtualmente ausentes, poderemos ter mais alunos em
nossos cursos, atender a mais clientes, ir (por conseqüência) a mais congressos, conse­
guir mais verbas para as nossas pesquisas, enfim, o paraíso na terra. Mas acima de tudo
isso (se ó que existe alguma coisa acima de tudo isso!) nossa prática terá, finalmente,
uma oportunidade para participar do pool de práticas concorrentes e, assim, terá a sua
chance de ser selecionada pelas conseqüências. Então saberemos!
Mas, ao examinar algumas das contingências que nós mesmos proporcionamos
para atingir esse desiderato, talvez devamos, à boca pequena, fazer para nós mesmos
uma pergunta:

4. Cá entre nós... acreditamos mesmo nessa história de contingências?

Quando consideramos a captação e formação de jovens profissionais, além das


variáveis históricas, culturais, políticas e econômicas, sobre as quais pouco podemos
fazer de imediato, parece-me de extrema relevância atentarmos às variáveis nas quais
podemos atuar: as contingências que proporcionamos ao apresentar o behaviorismo para
os nossos jovens, potencialmente interessados.
A virtual totalidade dos nossos alunos (incluindo nós mesmos9) tem a sua primeira
exposição ao behaviorismo através dos ratos. Ratos, para alunos provenientes em sua
maioria de uma cultura urbana que, com reservas, sanciona somente cães e gatos. Ra­
tos, que são “nojentos, que fedem, que mordem, que pulam das gaiolas em cima da
gente10! Francamente, não me parece provável que venhamos a conquistar "corações e
mentes" com ratos.
Se essa introdução for mesmo aversiva para a maioria dos nossos alunos, estamos

» Seria interessante sabermos quais as variáveis da nossa história de vida que permitiram a nóa, behavioristas, sermos
reforçados por contingências que Indicam ser aversiva» para a maioria dos nossos colegas Fica aqui a sugestão para.
laivo/, u dissertação de mestrado de um dos nossos jovens.
10 Declarações de aluno» apresentadas a esse autor Com certeza, os colegas tôm inúmeros outros exemplos.

Sobre C om p o rtam e nto e C o g n ifd o 7


então fazendo um mau treinamento ao bebedouro e manejando inadequadamente os
respondentes emocionais (e logo nós, dentre todas as outras proposições...). É possível
que, para uma cultura pragmática e empiricamente orientada como a anglo-saxã, possa
ser cativante apresentar inicialmente fatos experimentais. Mas, numa cultura afro-latina
como a nossa, romântica, discursiva e emocional, coloco em firme dúvida - e os resulta­
dos conhecidos por todos nós parecem amparar-me - que essa possa ser a melhor
estratégia. Nossa cultura ainda reforça preferencialmente um saber do tipo declarativo,
muitas vezes uma "cultura de salão", em detrimento de um saber operacional. Entre a
esterilidade dos dados e das entediantes manipulações experimentais de um lado e, do
outro, declarações pomposas e vazias, mas alinhadas com as contingências reforçadoras
da cultura, podemos apostar que essas últimas serão as preferidas.
Observemos também que o behaviorismo radical não se resume a um conjunto
tecnológico, um conjuntos de dados, uma metodologia investigativa, etc. O behaviorismo
radical compõe uma matriz conceituai e, como tal, sua compreensão e aceitação ficam
prejudicadas se não for apresentado na sua totalidade e, além disso, apresentado numa
ordem que melhor possa evidenciar a sua articulação.

5. Behaviorismo radical: uma matriz conceituai

Ao longo desses 70 anos, desenvolvemos uma matriz conceitua! madura, na qual


temos bem delineadas:
• uma filosofia da ciência, o behaviorismo radicat,
• um corpo teórico indutivo, a análise do comportamento,
• uma estratégia de investigação, a análise experimental do comportamento;
• um poderoso conjunto tecnológico para o manejo do comportamento, a terapia
comportamental.

A meu ver, cada uma dessas unidades só atinge a sua plena inteligibilidade quando
compreendida em suas articulações com as demais componentes da matriz. Aliás, pen­
so mesmo que a maior parte dos equívocos e preconceitos que tem cercado essa matriz
tem a sua origem num conhecimento fragmentado e/ou desarticulado das suas proposi­
ções.
Ao ensinar essa matriz, estamos propondo uma nova visão de mundo. Mas estamos
sobretudo implantando um novo conjunto de habilidades, uma nova maneira de comportar-
se frente ao comportamento. Por isso, parece-me ser a ordem de apresentação acima
sugerida a ordem lógica para sua exposição. Essa ordem lógica opõe-se aqui a uma
ordem histórica. De fato, o desenvolvimento histórico do behaviorismo radical deu-se pri­
meiramente através da análise experimental do comportamento. Depois avançou, de ma­
neira ainda embrionária, para a formalização do sistema conceituai denominado análise
do comportamento enquanto, ao mesmo tempo, iniciava-se a consolidação da sua filoso­
fia da ciência. Finalmente, firmou-se o conjunto tecnológico da terapia comportamental,

$ Kcotcvell R. Sl.tr/rntf
para nós fundada na análise funcional, mas cuja denominação até hoje compartilhamos
com os behaviorista metodológicos.
Muito possivelmente, essa ó a razão pela qual até hoje iniciamos o ensino do beha­
viorismo pela análise experimental do comportamento. Mas as contingências presentes lá
e então que direcionaram essa ordem de desenvolvimento, dificilmente serão as mesmas
presentes aqui e agora e, mais importante ainda, podem não ser as que melhor atendem
aos nossos objetivos. Afinal, do ponto de vista ético e humano, o behaviorismo radical tem
por propósito a manipulação deliberada e criteriosa das contingências que determinam o
nosso comportamento, de maneira a reduzir ao mínimo a coação e maximizar o reforçamento
positivo como estratégia para a obtenção de reforços, para a pessoa e para o seu grupo.
Numa frase: para todos, menos sofrimento e mais alegria.
Se desejamos introduzir uma visão de mundo, parece-me apropriado cotejá-la direta­
mente com as visões de mundo concorrentes, lançando uma cuidadosa ponte entre o
velho e o novo, fundamentando as bases filosóficas para essa transposição. Para isso,
poderíamos iniciarpe\a oferta de um curso (uma “matéria" ou disciplina) que apresentasse
o behaviorismo radical enquanto filosofia da ciência: um projeto aberto que, ao invés de
fornecer respostas prontas às indagações, propõe-se a fornecer um sólido método para a
obtenção das respostas. Aqui trataríamos criticamente de questões tais como nossas
origens filosóficas, as relações entre subjetivismo, realismo e pragmatismo, nossas rela­
ções com a teoria darwiniana e a biologia evolutiva, nossa fundamentação epistemológica,
nossa crítica ao mentalismo, etc. e, sobretudo, apresentaríamos nossa réplica às
desinformações e preconceitos com as quais os nossos alunos já chegam a nós. Temos
excelentes argumentos e demonstrações para tal fim.
Em seguida, podemos formalizar o repertório verbal específico para a descrição
dessa visão-de-mundo, com os seus conceitos explicativos, que é a análise do comporta­
mento, com ênfase na sua aplicação à análise do comportamento humano, porque cami­
nharemos com mais facilidade do conhecido para o novo.
Seguindo a maneira selecionada pela cultura para ensinar novas habilidades, pri­
meiramente damos algumas regras, depois expomos o nosso aprendiz às contingências,
para que elas modelem as respostas finas necessárias para o domínio completo da nova
habilidade. Exponhamos, então, os nossos aprendizes às contingências: vamos aos ra­
tos. Mas agora, o que eles vêem é inteligível. Eles não estarão mais vendo ratos apertando
alavancas e recebendo comida ou choques. Estarão "vendo” os efeitos do reforçamento,
da punição, do controle de estímulo, etc. Estarão sendo modelados pelos efeitos únicos e
insubstituíveis da exposição às contingências.
Assim preparados, podemos agora implantar um novo conjunto de habilidades
técnicas: o treinamento para a intervenção no comportamento humano, quer seja na clini­
ca, quer seja na escola ou na indústria. Mas agora, eles não estarão mais vendo “manipu­
lações” ou fazendo aplicações mecânicas de esquemas de reforço ou punição, ou treinando
os seu clientes para serem assertivos. Estarão analisando operantes, discriminando con­
troles de estímulo, recompondo classes de equivalência, ampliando repertórios, ajudando
pessoas a obter muitos dos reforços de que necessitam sem coagir a si mesmas ou aos
outros. E isso é muito reforçador!

Sobre C om portam ento c C o u n iv J o


Para conseguir isso, penso que pode ajudar se tivermos.,

6. Um nome para uma matriz, uma matriz para um nome

Dificulta a visão da articulação dessa matriz a profusão de nomes dados às discipli­


nas nas diversas escolas e mesmo na mesma escola. Para dar um exemplo, que penso
não ser único, já vi serem ministrados, num mesmo semestre letivo, uma disciplina cha­
mada Teorias e Técnicas Psicoterápicas C, cujo conteúdo seria o da Terapia Comportamen­
tal. Outra, chamada Medicina do Comportamento, também apresentando intervenções
técnicas no comportamento (implosão, dessensibilização sistemática, etc.). Uma tercei­
ra, apresentando o desenvolvimento isolado do tema Habilidades Sociais e, finalmente,
uma quarta, desenvolvendo a análise experimental do comportamento, denominada Expe­
rimental I, com alunos novatos. Todo esse conjunto era entendido pelos alunos como
sendo a “comportamental", embora numa delas a apresentação contivesse um forte viés
cognitivista. Apesar da qualidade inconteste daqueles professores, da sua reconhecida
competência teórica e didática, convenhamos: ficava difícil para o aluno formar uma com­
preensão integrada e articulada do que pudesse ser a "comportamental" ou o behaviorismo
radical que, a bem da verdade, nem mesmo era formalmente proposto como um dos
referenciais a ser dominado pelos alunos.
Talvez possa até ser uma vantagem substituirmos nas escolas a palavra
behaviorismo, um anglicismo, pela palavra comportamental, uma vez que já é mesmo a
mais usada. Assim, para preservar uma unidade lógica e conceituai, o ensino dos concei­
tos e das habilidades poderiam estar organizadas como:

• Comportamental I - O behaviorismo radical como filosofia da ciência


• Comportamental II - Análise do comportamento
• Comportamental III - Análise Experimental do Comportamento
• Comportamental IV-Terapia Comportamental (ou, se for o caso, Análise do Com­
portamento nas Organizações ou, ainda, Pedagogia Comportamental)

Essa distribuição poderia ser feita com uma carga de 60 horas para cada disciplina,
num total de 240 horas, o que é uma carga mínima, mas talvez adequada para uma visão
básica do referencial, dentro da perspectiva de formar generalistas nos cursos de gradua­
ção. Certamente poderiam ser desdobradas, se dispuséssemos de maior tempo, bem
como desenvolvimentos parciais poderiam ser incluídos dentro das grandes denomina­
ções (por exemplo, uma Comportamental I A, para um estudo antropológico, uma
Comportamental IIA para um estudo etológico, uma Comportamental III A, para modelos
humanos, uma Comportamental IV A, para Medicina do Comportamento, e assim por
diante). Para fazer essa exposição num esquema mais poderoso, poderíamos expor os
alunos no quarto, sexto, oitavo e décimo períodos respectivamente. Dessa forma, a partir
do segundo ano, os alunos já estariam sendo familiarizados com essa matriz e podería­
mos dar conta, repito, das inevitáveis desinformações, choques conceituais e simples
preconceitos aos quais eles estarão sendo submetidos a cada ano.

10 Rooscvcll R. Starling
Estou ciente de que essa proposta é atualmente inexeqüível para boa parte dos
colegas, muitas vezes sozinhos e num ambiente francamente hostil, dependendo muito
mais das suas habilidades pessoais para manter um mínimo de atuação nessa área (veja-
se, mais uma vez, a importância dos números). Mas outras escolas poderão talvez im­
plantar algo semelhante e certamente todos podemos lutar para que, ao longo do tempo,
cheguemos lá.

7. Dispondo outras contingências

Somos, cada um de nós, a justificativa para a existência dos nossos antecessores,


pessoas que dedicaram as suas vidas a elucidar o comportamento humano em bases
cientificas. O que recebemos deles ó agora nossa missão avançar e multiplicar. Se parar­
mos, eles terão vivido e produzido em vão. Por isso, considero que devemos fazer o máxi­
mo esforço para facilitar aos jovens a aproximação reforçadora ao Behaviorismo Radical.
Atentos, cada um de nós saberá o que fazer, tenho a certeza. Por todas essas razões
penso que, na organização dos nossos eventos nacionais e regionais, devemos continuar
intensificando e facilitando ao máximo a participação dos estudantes, quer pelo preço,
quer pela busca de alternativas econômicas de transporte e hospedagem, quer pela opor­
tunidade de participação ativa.
De qualquer forma, o mais importante é que consigamos reverter a denominação,
talvez um pouco exagerada, contida nas chaves do título desse trabalho e, de uma próxi­
ma vez, possamos escrever: Behaviorismo Radical: uma bem sucedida matriz con­
ceituai. Esse, o propósito que deu origem ao presente trabalho que, espero, possa contribuir
de alguma forma para uma reflexão maior, de todos nós.

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1 Sí Roosevcl» R. Storlin#
Capítulo 2

O que é Behaviorismo M ediacíonal 1


Nti/ürf Costa11
vn\t

O Behaviorismo desde o seu início, primeira década deste século, se colocou


contrário às psicologias mentalistas então existentes (Matos, 1997). Contudo, entre o
final da década de 20 e o começo da década de 30, o Behaviorismo ou Neobehaviorismo
Mediacional como é mais freqüentemente conhecido, resgatou os fenômenos mentais
anteriormente excluídos ao voltar a explicar o comportamento a partir de variáveis do
próprio organismo (Moore, 1995a; 1996).
Pressupõem-se que o surgimento do Neobehaviorismo Mediacional esteja relacio­
nado com as críticas dirigidas às explicações do Behaviorismo Clássico de Watson que
foram acusadas de simplistas, inadequadas e limitadas. Em outras palavras, já que nem
todo comportamento poderia ser explicado por conexões S-R como defendia Watson, o
Neobehaviorismo Mediacional pode ser visto como uma tentativa de explicar de forma
mais completa e/ou satisfatória o comportamento dos organismos (Moore, 1995b; 1996).
Edward Tolman e Clarck Hull representam o sistema behaviorista mediacional que
será caracterizado a seguir, considerando-se o paradigma explicativo, as concepções de
ambiente e comportamento e o modelo causai.
O paradigma S-O-R consiste no aspecto característico dos sistemas mediacionais.
Neste paradigma, S diz respeito aos eventos ambientais externos, O ás variáveis
organlsmicas e Raos comportamentos ou mais propriamente às respostas dos organismos.

’ O texto constitui parte da Dissertação de Mestrado aprosentada ao Curto de Psicologia; Tooria e Pesquisa do Comportamento
- UFPa, orientada pelo Prof. Dr Emmanuel Zagury Tourinho.
1 Licenciada em Psicologia, Psicóloga e Mestre em Psicologia.

Sobre Com p o rtam e nto e C o ^ n ivd o 13


Nos sistemas mediacionais de Tolman e Hull pode-se supor que o ambiente se
restringe apenas às situações externas que ativam variáveis internas em uma cadeia de
eventos, uma vez que não são os eventos ambientais os responsáveis pela ação do orga­
nismo, mas sim os eventos mediacionais. Como afirma Zuriff (1985), “a resposta aberta
observada não ó portanto uma reação a um estímulo ambiental observado, mas é uma
reação a uma cadeia de eventos mediacionais iniciados pelo estímulo externo...” (p. 104).
O segundo elo do paradigma, o O, refere-se a variáveis localizadas no interior dos
organismos, que originalmente foram denominadas por Tolman (1938) de variáveis inter-
venientes.
Em 1948, MacCorqodale e Meehl (1948) propuseram uma distinção entre variáveis
intervenientes e construtos hipotéticos. Sem entrar nos pormenores desta discussão, a
diferença entre uma variável interveniente e um construto hipotético reside no fato de que
enquanto a primeira ó um conceito extraído da observação de comportamentos, o segun­
do pressupõe a existência de processos ou entidades cujo significado excede "o conjunto
de fenômenos publicamente observáveis dos quais eles foram derivados” (Moore, 1995a,
p.36). Tanto Tolman quanto Hull utilizavam variáveis intervenientes e mais amplamente
construtos hipotéticos em seus sistemas explicativos (cf. Kitchener, 1977; MacCorqodale
e Meehl, 1948; Zuriff, 1985).
Tolman postulava a existência de dois tipos de variáveis mediacionais: as variáveis
intra-organísmicas e as cognitivas. Entende-se por variável intraorganlsmica a própria fisiolo-
gia do organismo, como estado de privação e condições endócrinas do organismo e por
variável cognitiva, eventos e/ou processos que não se reduzem à fisiologia, como por exemplo,
expectativas, crenças e mapa cognitivo (Zuriff, 1985). Apesar desta distinção, o sistema de
Tolman parece enfatizar as variáveis cognitivas na explicação do comportamento, já que
identifica-se “um uso relativamente alto de conceitos cognitivos na descrição e explicação,
mesmo em comportamentos elementares de organismos inferiores" (Zuriff, 1985, p.254).
No sistema hulliano, as variáveis mediacionais são apenas de natureza intra-
organlmicas, essencialmente estruturas e processos neurais (Chiesa, 1994). O caráter
neurofisiológico das variáveis mediacionais usadas por Hull em seu sistema explicativo é
ressaltado por Chiesa (1994) com uma citação do próprio Hull: "É claro que o determinante
imediato de ação em organismos não é a energia estimuladora, mas o impulso neural que
finalmente alcança os músculos" (Hull, 1943, Em Chiesa, 1994, p. 197).
Dentre os exemplos de construtos mediacionais postulados por Hull encontram-se
o drive, a inibição condicionada, a reação de fadiga, a interação neural aferente e o fator de
oscilação (Chiesa, 1994), sendo que os cinco construtos considerados principais no
Neobehaviorismo hulliano são: força do hábito, reação potencial, inibição, oscilação do
potencial de reação e princípio ou limiar de reação (Turner, 1965). Isto evidencia que Hull
não recorreu a conceitos cognitivos como intenção, representação, expectativa e crença,
como fazia Tolman (Chiesa, 1994).
O que se observa então é que apesar de Tolman e Hull serem medicionistas, eles
trabalhavam com noções diferentes acerca da natureza da mediação. Para Tolman, a
mediação era de natureza essencialmente cognitiva; para Hull, neurofisiológica.
O último elo do paradigma mediacional consiste na resposta, R, que remete à
noção de unidade ou parte de uma relação de contingência. Porém, como atualmente o
termo resposta é pouco utilizado, optou-se por substituí-lo por comportamento.

14 N ii/jré C osld
O comportamento na concepção de Tolman era um fenômeno molar, na medida em
que não se reduzia a simples movimentos musculares e atividades fisiológicas (Smith,
1989). Para ele, o comportamento era um fenômeno emergente no sentido de que possuía
as propriedades da intenção e da cogniçào, sendo que tais propriedades não poderiam ser
explicadas pela fisiologia (Kitchener, 1977). Já para Hull, molar significava apenas
macroscópico e não envolvia as propriedades de propósito e cognição postuladas por
Tolman (Kitchener, 1977).
Além de compartilharem a noção de que o comportamento era um fenômeno molar,
Tolman e Hull também consideravam o comportamento como um evento passível de ob­
servação direta e determinado por variáveis mediacionais. Considerando esta última afir­
mação de que o comportamento é sempre determinado por um evento que o antecede
temporalmente, pode-se caracterizar os modelos explicativos de Tolman e Hull como
mecanicistas.
Caracterizados os Neobehaviorismos Mediacionais de Tolman e Hull, cabe uma
pergunta: qual a relevância de conhecer estes sistemas explicativos? Talvez muitos já
saibam a resposta, mas para quem ainda não conseguiu formulá-la, vamos a ela.
Conhecer os Neobehaviorismos Mediacionais possibilita que sejam identificadas
similaridades entre tais sistemas e algumas teorias cognitivistas. Na verdade, pode-se
afirmar que as raízes de certos modelos cognitivistas, como por exemplo, o de Albert Ellis
e Aaron Beck, encontram-se no Neobehaviorismo Mediacional, em especial no sistema
de Tolman, em função da ênfase atribuída às variáveis cognitivas na explicação do com­
portamento dos organismos. Quem diria, o pressuposto mediacional e cognitivista
caraterístico das explicações cognitivistas teve como precursor o próprio "Behaviorismo"
(cf. Chiesa, 1994; Moore, 1995b)!
Em síntese, neste texto os Neobehaviorismos Mediacionais de Tolman e Hull foram
caracterizados como sistemas mediacionais e internalistas por recorrerem a variáveis que
se encontram dentro dos organismos para explicar o comportamento destes. Apesar disso,
Tolman pode ser visto como um representante do Cognitivismo e Hull não. Nestes sistemas,
como as variáveis ambientais são vistas apenas como iniciadoras da cadeia S-O-R, elas
não são suficientes para explicar o comportamento. Dito de outra maneira, as formulações
dos sistemas de Tolman e Hull sugerem que uma explicação do comportamento partindo-
se apenas das variáveis ambientais ó incompleta, daí a necessidade de explicação através
de variáveis internas.
Então, de forma mais específica, o que é o Neobehaviorismo Mediacional? É um
modelo behaviorista surgido na década de 2 0 que tem como fundamento básico a suposi­
ção de que entre o estímulo e a resposta existe um conjunto de eventos ocorrendo no
organismo, que são os verdadeiros determinantes do fenômeno comportamental.

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16 N u a i ré Costa
Capítulo 3

O que é contextualismo*?
Simone Neno Cavalcante
tmrnanuelZagury Tourinho
Umwrudâdt' federa! do Pará

O contextualismo ó parte de um conjunto de reflexões filosóficas desenvolvidas por


Stephen Pepper (1942/1970) no livro World Hypotheses: A study in evidence. O pluralismo
de idéias e metodologia confere ao contextualismo uma versatilidade que tem favorecido a
apropriação de sua doutrina pelas ciôncias sociais em geral. Na Psicologia, esse sistema
tem sido referido (e.g. Hayes, Hayes, Reese e Sarbin, 1993; Jaeger e Rosnow, 1988)
como um conjunto de princípios que tem orientado alternativas empenhadas em apresen­
tar um contraponto à critica de adesão a posições mecanicistas e reducionistas na com­
preensão do comportamento humano. Na análise do comportamento, particularmente, a
epistemologia contextualista vem sendo recuperada por alguns psicólogos como relevan­
te na discussão do behaviorismo skinneriano, refletindo no interior do debate sobre a
terapia analítico-comportamental.

1. World Hypotheses: atitudes e instrum entos para avaliação


e julgamento

Formismo, Organicismo, Mecanicismoe Contextualismo são as quatro categorias


ou sistemas filosóficos apresentados por Pepper (1942/1970) como “visões de mundo"

’ Este estudo é parte da dissertação de Mestrado da primeira autora, sob orientação do segundo autor. Uma versflo anterior
foi apresentada no VIII Encontro da Assoclaçflo Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental.

Sobre C om p o rtam e nto c C o # n iç Jo 17


extraídas de um conjunto mais amplo de teorias básicas e derivadas de metáforas-raízes1
produzidas no domínio do senso comum. Um detalhe enfatizado por Pepper ó o caráter
autônomo desses sistemas. Na busca de uma explicação completa dos fenômenos, cada
uma das categorias deveria gerar o seu próprio campo de atuação, não sendo admitido a
“competição" direta entre as visões de mundo.
Para delinear tais sistemas, Pepper (1942/1970) desenvolveu uma análise particu­
lar sobre o conhecimento. O investimento empreendido nessa direção deixa à mostra
incursões na religião, filosofia e ciôncia que teriam levado Pepper a se posicionar como
um crítico veemente tanto do dogmatismo quanto de sua inversão peculiar, o "ceticismo
absoluto". A base segura para o alcance do conhecimento estaria, segundo Pepper, no
refinamento do senso comum, denominado de dubidanta. O passo seguinte seria a corro-
boração, classificada como multiplicativa e estrutural. A cada tipo de corroboração
corresponderia um tipo específico de refinamento, data e danda, respectivamente. A cor­
roboração multiplicativa seria o resultado "de diferentes observações do 'mesmo fato’ na
ciôncia empírica ou de diferentes revisões do(s) mesmo(s) procedimentos de testes pre­
sentes na lógica ou matemática" (Pepper, 1942/1970, p.320-321); a corroboração estrutu­
ral consistiria “na convergência de itens de evidência qualitativamente diferentes em su­
porte a um item particular" (Pepper, 1942/1970, p.321). Adicionalmente, a corroboração
estrutural exigiria uma teoria ou hipótese capaz de prover a ligação de cada item. Pepper
(1942/1970) esclarece que:
"Na corroboração estrutural a descrição e a determinação exata de qualquer item
de evidência é qualificada pelos outros itens de evidência... Quando a estrutura ó concebida
como inteiramente abstraída da evidência, nós a chamamos de teoria ou hipótese; e
quando os diversos itens organizados pela estrutura são considerados à parte da estrutu­
ra, eles são denominados evidências da hipótese (p.324)."
Os critérios gerais para julgar a adequação de hipóteses estruturais seriam "preci­
são” e "alcance”. Quanto aos critérios específicos, o processo de gestão ocorreria nas
próprias hipóteses de mundo. Em outras palavras, seriam "as teorias específicas de ver­
dade, percepção, razão, método científico e correlatos associados a uma hipótese de
mundo em particular... (Eles) são tão confiáveis quanto a hipótese de mundo que as
sustenta - tão confiáveis quanto a quantidade de corroboração que adquiriram” (Pepper,
1942/1970, p.326).
Uma provável dificuldade decorrente dessa estratégia seria ocasionada pela diversi­
dade de teorias de verdade associadas aos conjuntos de hipóteses sobre o mundo. Esse
impasse poderia ser solucionado a partir de dois caminhos. De um lado, o exame cuida­
doso das teorias, com base no grau de corroboração estrutural de cada uma (excluindo as
“particularmente inadequadas" das "relativamente menos inadequadas"). De outro, a apli­
cação da teoria da metáfora-raiz, caminho adotado para "reduzir o número de hipóteses de
mundo que possam vir a agir como padrões concretos e positivos de cognição" (Pepper,
1942/1970, p.328). Formismo, Organicismo, Mecanicismo e Contextualismo, seriam mo­

1 A cada vlsflo de mundo corresponderia uma mcláfora-ralz. re»pectlvãmente, similaridade, máquina, organismo e ato no seu
contexto.

18 Sim o n e N c n o C dv d lcd n lc í F m m a n u c l Zd flury Tourinho


delos de avaliação e julgamento que, submetidos passo a passo ao escrutínio proposto,
teriam revelado o mais alto grau de corroboração estrutural.
Nas palavras de Pepper (1942/197), o conjunto das propostas contidas em seu livro
ó, "no mínimo... a solução que parece a melhor para o homem que vive na primeira metade
do século XX e que tem passado pela maioria das experiências cognitivas às quais temos
sidos submetidos: credo religioso, dogma filosófico, ciência, arte e reavaliação social"
(p.ix). Pepper nâo assume explicitamente uma opçâo por uma das quatro categorias
filosóficas apresentadas em World Hyphoteses. Todas seriam relativamente adequadas
no confronto com outras visões de mundo. De acordo com Morris (1997), no entanto, a
opção pelo contextualismo ó admitida por Pepper na obra Conceptand Quality, publicada
em 1966.

2. Contextualismo: a metáfora da ação no contexto

O evento histórico, "vivo em seu presente,” é tomado por Pepper (1942/1970) como
o termo mais apropriado para definir o ponto de origem ou a metáfora-raiz do contextualismo.
Pepper explica que "podemos chamá-lo de um ato, se assim desejarmos, e se tivermos
cuidado com o uso do termo. Mas não é um ato solitário...é um ato em e com o seu
ambiente, um ato no seu contexto" (p.232, itálico acrescentado).
O verbo, no sentido semântico, (por exemplo, "criar um poema", "desvendar um
mistério") seria a forma mais segura de exemplificar a metáfora-raiz do contextualismo.
Os “atos" ou "eventos" - verbalmente descritos - são interpretados como "intrinsicamente
complexos, compostos de atividades interconectadas, com padrões de mudança contínu­
os... eles são literalmente os incidentes da vida” (Pepper, 1942/1970, p.233). De um ponto
de vista contextualista, os incidentes seriam a composição básica do mundo, o que tem
favorecido que o evento histórico seja confundido com o fato do senso comum. A distinção
entre evento histórico e fato do cotidiano seria obtida com base na qualidade e textura,
categorias sujeitas à possibilidade de mudançae novidade, assumidos como pressupos­
tos fundamentais do contextualismo.
Jaeger e Rosnow (1988) enfatizam a natureza histórica do comportamento e apon­
tam possíveis desdobramentos da aplicação de mudança e novidade à metáfora-raiz “evento
histórico", revelando o que pode ser tomado como argumentos contextualistas para a
problemática do conhecimento:
Na sua ênfase radical na mudança, uma perspectiva contextualista não nega que
uma ilha de regularidade existe, mas reconhece que isso pode acontecerem um mar de
fenômenos complexos. O nosso conhecimento é relativo porque é um conhecimento de
ação em um contexto sócio-histórico e cultural específico; ele é incompleto porque esses
contextos não são formas de realidade estáveis e permanentes, mas, ao contrário, cons­
tituem uma realidade que é desenvolvimentista e transformadora. O conhecimento em
uma perspectiva contextualista é uma questão ativa, prática e construtiva (p.72-73).
Genericamente, "a qualidade de um dado evento é a sua totalidade intuída ou o seu
caráter total; a textura são os detalhes e relações que formam este caráter ou qualidade"
(Pepper, 1942/1970, p.238). Qualidade e textura estariam, portanto, intimamente relacio­

Sobrc C o m p o rl.im c u lo c Co«m v«lo 19


nadas2. Sendo categoriais, "não podem ser explicadas... apenas apontadas" (Pepper,
p.237).
No sistema contextualista, leis e princípios são interpretados como produtos da
interação entre os cientistas e seu objeto de estudo. Neste sentido, não devem ser toma­
dos como verdades plenas e universais, mas “construções que são meios úteis em direção
ao fim de um trabalho de sucesso com o assunto em questão" (Morris, 1993b, p.262).
Mais precisamente,"análises sâo verdadeiras apenas em termos de se alcançar objetivos
particulares. Nenhuma postulação é feita para avaliação dos próprios objetivos. A verdade
pode, assim, existir considerando objetivos relativamente triviais" (Hayes, Hayes e Reese,
1988, p. 101).
Na Psicologia, o interesse pelo sistema filosófico de Pepper foi retomado recente­
mente (Jaeger e Rosnow, 1988) e tem sido apontado (e.g. Hayes e cols., 1993) como uma
alternativa progressiva e promissora na redefinição de antigas controvérsias3. A apropria­
ção da epistemologia contextualista vem sendo assumida de maneira peculiar por uma
ampla variedade de psicólogos, adeptos de diferentes posições teóricas. Há sinais de sua
influência na psicologia cognitiva, em que é referida como capaz de favorecera redefinição
dos objetivos desse conjunto de proposições (como contraponto â tradicional teoria de
aprendizagem e abordagens fundamentadas no modelo de processamento de informação)
e, ainda, “(na psicologia) do desenvolvimento humano, da personalidade, das comunica­
ções, na psicologia ambiental e na psicologia social" (Jaeger e Rosnow, 1988, p.65). Na
psicologia do desenvolvimento, particularmente, alinhou-se como uma terceira alternativa,
dividindo espaço com a psicologia da infância baseada na teoria da aprendizagem e a
psicologia da infância fundamentada no desenvolvimento cognitivo (Morris, 1988).

3. Pragmatismo, Contextualismo e Behaviorismo Radical

O contextualismo tem sido identificado como descendente do pragmatismo (e.g.


Jaeger e Rosnow, 1988; Jenkins, 1974), ou, mais exatamente, como a corrente moderna
dessa filosofia (Morris, 1993c, 1988). No capítulo VII de World Hyp/iofeses (p.141), esta

1 Pnpp«r «labora uma deflmçflo daquelas categorias a partir de uma subdivisão derivada de cada uma Hayes, Hayes e
Reese (1988) explicam que:
Qualidade, por exemplo, 6 composta de dispertâo e fusAo. Dispersão se refere ao presente estendido de um ato em
contexto. O passado e o futuro de um ato existem em um ato continuo Os atos se dispersam, como se costuma dlíer,
para frente e para trás. Fusflo se refere à integração dos detalhes da textura de um dado evento A textura é definida em
termos de partes, contexto e referência As partes sêo as interconexões entre os detalhes de um ato que diretamente
contribuem para a sua qualidade O contexto é composto das interconexões entre as partes, contribuindo indiretamente
para a qualidade de um cerlo ato. Os dois nâo podem ser completamente dlstinguidos porque um contribui para a
naturezado outro A referência ê simplesmente as partes consideradas mais intimamente. A referência se refere As
relações temporais ou Interconexões entre os detalhes de um ato, especialmente seus pontos de iniciação, curso e
satisfação (P 101).
As referências seriam, ainda, de trÔB tipos: a) linear; b) convergente; c) bloqueada e d) Instrumental. De acordo com
Pepper, os contextualista» que se autodenominam “Instrumentalistas' estartam particularmente interessados nas referências
Instrumentais, às quais as demais categorias estariam subordinadas.
9 O relato de Jenkins (1974) è IlustratJvo da repercuaaio da doutrina contextualista na Psicologia. Neste trabalho, o autor
faz uma revisAo critica da posição assumida nos anos 50 e 60, no estudo do papel da linguagem no comportamento Ao
analisar o fenômeno da "memória*, Jenkins sugere a adoçio do contextualismo e explica que: "Isso significa nâo apenas
que a análise da memória deve lidar com variáveis contextuais, mas, também... que o que a memória è depende do
contexto, (p.786). Na avaliação de Hayes e cols. (1988), a análise de Jenkins nâo foi bem-sucedida "porque os conceitos
categoriais foram simplesmente tomados de Pepper sem o desenvolvimento de um sistema psicológico adequado"
(p.106-107)

20 S im o n c N c n o C a va lca n tc t Fm m .in ucl Z a # u ry Tourinlio


equivalência é mencionada por Pepper4 e ilustrada com referências ao trabalho de Peirce,
James, Bergson, Dewey e Mead.
O pragmatismo se elabora como uma reflexão critica da noção de conhecimento
como representação. Na tradição representacionista, a idéia da possibilidade de um co­
nhecimento do mundo capaz de representar a realidade em si está relacionada a pelo
menos três "princípios” ou "crenças": "a distinção entre aparência e essência,
correspondendo à apreensão da última o caráter de veracidade, necessidade e universali­
dade das leis cientificas; segundo, a idéia de correspondência entre linguagem e realida­
de; e terceiro, uma concepção de mente humana como responsável pela apreensão da
realidade" (Tourinho, 1996, p.43). A filosofia pragmatista opõe a esses princípios uma
visão instrumental do conhecimento e das leis científicas. Uma de suas peculiaridades ó
a sua variação histórica (Leigland, 1998, 1999). Enquanto os primeiros pragmatistas
enfatizaram o caráter funcional das descrições da realidade tomadas como verdadeiras,
no pragmatismo mais contemporâneo, a crítica à tradição representacionista tem como
eixo central a "afirmação de um relativismo lingüístico e cultural como inerente a qualquer
sistema de crenças e de critérios para validação das reivindicações do conhecimento" 8
(Tourinho, 1996, p.44).
Considerando-se pragmatismo e representacionismo como referências para um
debate sobre a problemática do conhecimento, pode-se dizer que o behaviorismo radical
de Skinner claramente aproxima-se do instrumentalismo do primeiro e rejeita sistematica­
mente os princípios citados como típicos do segundo. Leigland (1998) comenta que, do
ponto de vista do behaviorismo radical, uma conseqüência do movimento anti-
representacionista foi a migração de problemas tradicionalmente pertencentes á Filosofia
para o campo da Psicologia, a exemplo de questões relacionadas ao dualismo mente-
corpo: “eles se tornam, em outras palavras, problemas de comportamento verbal" (p.435).
Embora o pragmatismo possa ser tomado de maneira genérica e freqüente como
um contraponto a visões representacionistas, Skinner nunca refletiu sobre a problemática
do conhecimento a partir do confronto entre as duas posições (Tourinho, 1996). Por outro
lado, a aproximação do behaviorismo radical com o pragmatismo está refletida nas cone­
xões do trabalho de Skinner com o pensamento de Peirce, James, Dewey e Mead (e.g.
Moxley 1992), especialmente com as formulações de Mach (e.g. Marr, 1985; Chiesa,
1994; Micheleto, 1997a, 1997b; Smith, 1995) e o "segundo" Wittgenstein (e.g. Day, 1969).
A maneira como Skinner encaminhou a discussão de conceitos como conhecimento,
linguagem, verdade e objetividade deixa á mostra o que pode ser tomado como uma
posição behaviorista radical no confronto pragmatismo/representacionismo (Tourinho, 1996).
Na discussão sobre os objetivos da ciência, Skinner tem sido criticado pela ênfase
atribuída à previsão e controle (e.g. Hayes, Adamse Dixon, 1997). Leigland (1998) argu­
* Morris (1997) especula sobre o motivo que teria levado Pepper a adotar o termo contoxtuallsmo e nfto pragmatismo. Diz
olfl' "Minha suposição é que embora o pragmatismo especifique uma teoria da verdade - açAo com sucesso isso nAo
sugere uma metáfora originada no senso comum, com base na qual a visflo de mundo possa ser Idontlficada. O
contextuallsmo sugere tal metáfora" (p.533) Morris esclarece que o termo contextualismo aparece pola primeira vez na
obra de Pepper em 1932, numa referência ao pragmatismo de Dewey.
* A relação entre pragmatismo e relativismo pode dar origem a Interpretações divorsas Rorty (1993) aponta que
" Relativismo' 6 o eplteto tradicional aplicado ao pragmatismo polos realistas. Três visões diferentes são comumente
referidas por este nome. A primeira é a visão d» que toda crença ê tão boa quanto qualquer outra. A segunda è a visão
de que verdadeiro' 6 um termo ambíguo que tem tantos significados quantos sâo os procedimentos de justificação. A
terceira 6 a visão de que nada há para dizer sobre verdade ou Irracionalidade além das descriçOes de procedimentos
familiares de justificação que uma dada sociedade - nossa - usa em uma ou outra área de investigação. O pragmatismo
mantém a etnocÃntrlca terceira visão Mas ele não adota a auto-refutadora, nem a descmntrada segunda visão "(p. 111-112)

Sobre C o m p o rta m e nto e C o g n ifA o 21


menta, porém, que esta ênfase é justificável, uma vez que não bastaria afirmar, de maneira
genérica, que o objetivo principal da ciência é ampliar o conhecimento e a compreensão
do mundo. Haveria necessidade de se especificar cada termo-chave ("conhecimento",
"compreensão” e "mundo") da afirmativa, o que, provavelmente, seria reinvindicado pelos
cientistas, a partir da especificação de "eventos relevantes em suas próprias áreas, como
completamente 'confrontáveis'" (p.424). Trata-se, portanto, de uma "diferenciação neces­
sária” e inevitável, da qual Skinner não teria sido poupado. Desse modo, complementa
Leigland (1998):
De uma perspectiva behaviorista radical, a ciência não é vista como uma janela
especial para a realidade, um meio especial de acessar a verdade, e nem um método
especial envolvendo uma epistemologia especial. Ela é, ao contrário, um outro tipo de
atividade humana. Se os produtos da ciência, incluindo conhecimento e compreensão
científicas, não devem ser diferenciados conforme critérios tais como previsão e controle,
e se nós devemos excluir critérios amplamente mentalistas e tradicionais, tais como
objetividade, verdade, realismo e outros... então, qual é a diferenciação a ser feita?...
enfatizar previsão e controle é simplesmente dizer, de uma perspectiva antimentalista e
antifundacionalista, que a atividade científica é diferenciada na base de conhecimento
prático ou efetivo (p.425).
Concluindo, se o behaviorismo radicai skinneriano pode ser considerado adepto de
leituras tipicamente pragmatistas para os conceitos de conhecimento, verdade e objetividade,
tanto quanto o contextualismo esteja próximo desta tradição, haverá alguma compatibili­
dade entre ambos. Isto é, de algum modo, nos limites de algumas interpretações para a
problemática do conhecimento, pode-se considerar o behaviorismo radical como próximo
de uma epistemologia contextualista. Hayes e cols. (1988) sustentam esta aproximação
baseados em quatro aspectos das proposições de Skinner: a) o conceito de operante
(que implica uma relação, inclusive quando se trata de operantes verbais científicos); b) a
adoção de um critério instrumental de verdade; c) o reconhecimento do papel do cientista
(cujo comportamento é função de contingências sociais) na análise científica; e d) a pos­
sibilidade de novidade (reconhecimento da variabilidade).

4. Contextualismo e Análise do Comportamento


Em uma avaliação do impacto da doutrina contextualista na análise do comporta­
mento, Morris (1997) descreve Pepper como "um homem modesto, não um grande filóso­
fo, que estava simplesmente tentando encontrar sentido na confusão de idéias filosóficas
e científicas e conceitos encontrados em sua época" (p.531). Na avaliação de Hayes e
cols. (1988), World Hyphoteses é uma obra "ao mesmo tempo simples e difícil, porém
surpreendentemente contemporânea" (p.97). Além de não ser dirigida à psicologia, a obra
de Pepper exige uma leitura atenta e, com freqüência, coloca o leitor em contato com
termos novos, muitos dos quais sem significado para além dos limites das quatro visões
de mundo.
Entre os teóricos da análise do comportamento, o interesse pelo contextualismo
não é consensual6. Em uma direção, a proposta de adesão é claramente rejeitada (e.g.
Shull e Lawrence, 1993; Marr, 1993; Staddon, 1993). Em outra, os princípios contextualistas
são tomados como a alternativa, com a tarefa de prover a análise do comportamento de

" Para um estudo da influência do pensamento contextualista na análise do comportamento, ver Morris (1993c),

Sirnone N e n o C a va lca n tc l h n m a n u c l Zatfury lo u rin h o


um sistema filosófico unificado e consistente (e.g. Morris, 1988,1992,1993a, 1997; Hayes
e cols., 1988; Hayes e Hayes, 1992). Uma posição que pode ser interpretada como inter­
mediária reconhece o contextualismo como um "caminho útil para sumarizar algumas
características importantes da ciência analítico-comportamental" (Leigland, 1999).
Na análise aplicada do Comportamento, Biglan (1995) tem se empenhado em dis­
cutir a necessidade da criação de uma “ciência das práticas culturais" como alternativa às
limitações de intervenções que concentram a atenção em indivíduos, famílias e pequenos
grupos. O argumento apresentado sustenta que uma compreensão científica das influên­
cias contextuais sobre o comportamento seria condição indispensável ao estabelecimen­
to daquela ciência. A proposta defendida por Biglan combina o contextualismo com o
materialismo cultural de Marvin Harris, e é assumida como consistente com a perspectiva
analítico-comportamental de análise do comportamento individual (cf. Biglan, 1995. Ver,
ainda, Biglan, 1993; Biglan, Metzler e Ary, 1994; Wulfert e Biglan, 1994).

5. Behaviorismo Contextualista e Terapia Comportamental


Na terapia comportamental, a adesão ao contextualismo tem sido apontada como
um "movimento crescente" (e.g. Jacobson, 1997, p.441) claramente visualizado nas pro­
postas de intervenção Terapia de Aceitação e Comprometimento (Acceptance and
Commitment Therapy-ACT- Hayes, 1987; Hayes e Wilson, 1994; Hayes, Batten, Gifford,
Wilson, Afairi e Mc Curry, 1999), Terapia Integrativa de Casais (Integrative Couple Therapy
-Jacobson, 1992; Koerner, Jacobson e Christensen, 1994) e “refletida na Psicoterapia
Analítica Funcional [Functional Analytic Psychotherapy]" (Jacobson, 1997, p. 441. Ver
Kohlenberg e Tsai, 1987; 1991). Em algumas situações, a ênfase contextualista vem
acompanhada de críticas explícitas a proposições behavioristas radicais, originalmente
concebidas por Skinner. Esta posição está presente, por exemplo, no trabalho de Hayes
e colaboradores (e.g. Hayes e Hayes, 1992; Hayes e cols., 1988). Estes autores identifi­
cam no behaviorismo radical e na análise do comportamento uma série de supostos envol­
vidos no fazer e na própria concepção de comportamento que seriam compatíveis com as
proposições contextualistas. Porém, na defesa dessa compatibilidade, ora reconhecem
os pontos de afinidade entre aqueles princípios, ora assumem posição divergente, criti­
cando a epistemologia behaviorista radical para, finalmente, propor a erradicação do termo
cunhado por Skinner em favor da expressão behaviorismo contextualista. Assim, a adoção
dos princípios contextualistas surge como alternativa para promover a superação de su­
postas lacunas e inconsistências presentes no behaviorismo radical e na prática de al­
guns analistas do comportamento contemporâneos. Extensivamente, os preceitos
contextualistas também têm sido pensados como subsídios para um uso eficaz da análi­
se funcional no contexto clínico7.

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So b rr C o m p o rta m e nto c C o jjn ivJo 25


Capítulo 4

O comportamento encoberto como elo da


cadeia de comportamento: um elo perdido,
desprezado ou desnecessário?*
Robertâ Kovac**

1. Os eventos encobertos na Ciência do Comportamento

Criticas recorrentes ao Behaviorismo baseiam-se no aparente descuido da aborda­


gem em tratar eventos tais como a cogniçào, os sentimentos e as emoções. Estas criti­
cas são cabíveis ao referirem-se ao behaviorismo metodológico, que atribula importância
apenas a fenômenos que pudessem ser observados e mensurados por dois observadores
diferentes e, por isso, atribulam uma grande Ônfase aos procedimentos observacionais e
ao desenvolvimento metodológico. Excluía de sua análise os eventos internos, pela im­
possibilidade de serem observados por mais de um observador e, portanto, estes eventos
não eram passíveis de estudo científico. Com essa filosofia, o behaviorismo metodológico
acabou reafirmando o dualismo e o mentalismo das psicologias tradicionais (Matos, 1997),
que separa o universo físico, externo, do universo umenta1", interno. A postura difundida
pelos behavioristas metodológicos colocava os eventos encobertos como um elo despre­
zado.
Skinner, ao desenvolver a abordagem behaviorista radical e, especialmente após
publicar o texto “The Operational Analysis of Psychological Terms” (1945), coloca a impor­

* Texlo aprttsentado na mesa redonda “Eventos Pnvadoa na Análise do Comportamento: acertos e equívocos", realizada no
VIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental. Sâo Paulo, Setembro/ 1999,
** Bolsista CNPq, mestraiuia no Programa; Psicologia Experimental; Análise do Comportamento - PUC-SP, membro do
grupo Perspectiva - Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento.

26 Robcrta Kovac
tância do estudo dos eventos encobertos a partir da análise do comportamento verbal. No
entanto, ao valorizar a preocupação com a previsão e o controle prático do comportamento
abriu-se a possibilidade de interpretações que afirmam que o Behaviorismo Radical está
preocupado apenas com comportamentos abertos. Esta ó, no entanto, uma interpretação
equivocada da obra de Skinner, que discutiu o papel dos eventos privados em uma ciência
do comportamento em seus principais trabalhos, como podemos confirmar:
"... cada falante possui um pequeno porém Importante mundo privado de estímulos." (Skinner,
1945- p . 272)
"Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo ‘a mbiente’ presu­
mivelmente significa qualquer evento no universo capaz de afetar o organismo. Mas parte do uni­
verso está encerrado dentro da própria pele de cada um" (Skinner, 1953/1989 - p. 263-264)
Uma parle pequena mas importante do universo está encerrada dentro da pele de cbób
indivíduo e, na medida do que sabemos, ô acessível unicamente a ele." (Skinner, 1957/1978 - p.
163)
“Uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós. (...) Nós a
sentimos e, num certo sentido, a observamos e seria loucura negligenciar tal fonte de Informações
só por ser a própria pessoa a única capaz de estabelecer contato com seu mundo interior. "
(Skinner, 1974/1982- p . 23)
“Comportamentalistas metodológicos, assim como positivistas lógicos, argumentam que a
ciência deve se restringir a eventos passíveis de ser observados por duas ou mais pessoas; a
veracidade de um fato depende da concordância. O que se pode ver através da introspecçdo não
se qualifica como tal. Existe um mundo interno de sentimentos e estados da mente, mas ele está
fora do alcance de uma segunda pessoa e, portanto, da ciência. Certamente, esta nâo ô uma
posição satisfatória Como as pessoas se sentem ô freqüentemente tão importante quanto o que
elas fazem. (Skinner, 1989/1991 - p. 13)

2. O que são eventos encobertos para o behaviorismo radical

Para responder a esta pergunta, abordarei 3 características definidoras dos eventos


encobertos:

2.1. A n o ção de cau s a lid a d e do B e h a v io ris m o R adical

A distinção mais importante que separa a visão behaviorista radical das propostas
mentalistas dualistas ó a relação de causalidade.
As abordagens mentalistas entendem os eventos "mentais” como causas do com­
portamento. Sentimentos, idéias, cognições, emoções são, para estas abordagens, even­
tos responsáveis por ações, que justificam atitudes e posturas e podem, por isso, trazer
problemas nas formas de distúrbios, transtornos ou sintomas.
Para o behaviorismo radical, sentimentos, emoções e respostas encobertas fazem
parte de uma contingência, sem ter um papel diferente, de destaque ou de causa. Skinner
(1989/1991) sugere que a proximidade temporal e espacial dos sentimentos e estados
mentais com as ações públicas fez com que, historicamente, estes eventos encobertos
fossem entendidos como causa.
Ao desenvolver a análise dos eventos privados, o behaviorismo radical opõe-se ao
dualismo explicativo das psicologias tradicionais. A definição de comportamento para o

Sobre Com p o rtam e nto e C o g n iç â o 27


behaviorismo radical abrange eventos públicos e encobertos, sendo os últimos aqueíes
que ocorrem no mundo dentro da pele da pessoa que se comporta, tendo, porém, a
mesma natureza que comportamentos abertos e sendo regidos pelas mesmas leis. O
behaviorismo radical não divide o homem em duas partes distintas, como o mentalismo
dualista, não se recusa a estudar eventos encobertos só por não serem acessíveis
diretamente a dois ou mais observadores, como faz o behaviorismo metodológico e não
atribui status de causa aos eventos que ocorrem encobertamente.

2.2. A qu estão da a c e s s ib ilid a d e

A posição do Behaviorismo Radical considera que tanto os eventos públicos quanto


os eventos privados são fenômenos comportamentais explicados e entendidos por sua
relação com o ambiente. Entender os eventos encobertos, para o Behaviorismo Radical,
significa especificar as condições que antecederam esses eventos e as conseqüências
que eles produzem. Para Skinner, eventos encobertos ou privados constituem uma parte
do universo do indivíduo que só pode ser observada por ele próprio. Assim, a única diferen­
ça entre eventos encobertos e abertos ó que os primeiros são percebidos unicamente pelo
próprio indivíduo e, portanto, estão limitados a uma descrição dependente do relato deste
único observador. Ou seja, a diferença repousa na questão da acessibilidade.
Temos então o problema derivado da acessibilidade: como se dá a construção de
termos que descrevem eventos aos quais a comunidade não tem acesso? Este problema
da acessibilidade traz duas implicações:
a) não ó possível identificar o evento que controla a resposta (já que este ó encoberto):
b) como então a comunidade pode produzir a contingência de reforçamento necessária
para a resposta de autodescrição nesta condição?

2.3. A fu n ç ã o da c o m u n id a d e verbal

Quando falamos de comportamentos encobertos, devemos procurar compreender


o que exatamente está sendo discutido: Skinner (1989/1991) distingue dois níveis de
eventos encobertos: 1 ) aqueles que são estados corporais, a que chamamos emoções,
sentimentos, sensações - dor, fome, frio - e a estimulação própria e interoceptivas e 2 )
aqueles que são resultantes de condicionamento operante e que ocorrem como respos­
tas, tal qual respostas abertas, só que em uma escala menor, encoberta: pensamento,
resolução de problemas, tomada de decisão, sonhos, imaginação.
Skinner (1974/1982) fala do processo de reforçamento diferencial, através do qual o
comportamento fica sob controle discriminativo de fatores ambientais, por meio do contro­
le da conseqüência - fornecida pelo ambiente externo. "Antes que ele (o reforçamento
diferencial) ocorra, contingentemente a uma resposta a determinado elemento ou aspecto
do universo com o qual o indivíduo interage, este elemento ou aspecto ‘não faz diferença’
para o indivíduo”. (Tourinho, 1997 p. 224) O autor acrescenta que isso vale não apenas
para o ‘mundo externo' mas é também necessário para que eventos encobertos passem a
controlar o comportamento de autodiscriminação e autoconhecimento, ou seja, o
comportamento de reconhecer os eventos privados.

28 Robcrtd Kovdc
Assim, é a comunidade verbal que tem a tarefa de fornecer as contingências neces­
sárias para a instalação dos comportamentos de auto-observação e autodescrição dos
eventos privados, conforme mostra Skinner (1974/1982):
"Sô quando o mundo privado de uma pessoa se toma importante para as demais ó que ele se
torna importante para ela própria." (p. 31).
"O conhecimento de si próprio tem origem social e é inicialmente útil para a comunidade que
propõe perguntas. Mais tarde, toma-se importante para a própria pessoa" (...) (p. 146).
Diante desta tarefa, a comunidade verbal esbarra no limite da acessibilidade: só o
próprio sujeito observa estes eventos.
Para superar tal limite e ensinar os indivíduos a discriminar e relatar estimulações
internas (os estados corporais, as emoções e sensações e as respostas encobertas), a
comunidade verbal recorre a quatro estratégias:
1 .Baseia o reforçamento diferencial em indicadores públicos que tenham uma asso­
ciação (inferida pela comunidade) com os eventos privados. Por exemplo, vê uma
pessoa cair e pergunta se ela se machucou, se está com dor. Ensina assim a res­
posta verbal descritiva deste evento - no caso, dor - e então reforça a resposta ver­
bal do indivíduo.
2 .Observa uma resposta colateral - como no exemplo anterior, uma contração do
rosto ou a colocação da mão no local que “dói" - e, da mesma forma, ensina a res­
posta verbal descritiva deste evento e então reforça essa resposta.
3.Utiliza-se da extensão metafórica - apropria-se de dimensões de estímulos abertos
que presumivelmente tenham características semelhantes às dos estímulos enco­
bertos. Estas características comuns ocasionarão um relato verbal similar ao que é
utilizado para os estímulos abertos. Por exemplo, dor “aguda", tensão etc.
4.Respostas encobertas são geralmente adquiridas como respostas públicas, abertas.
Estas respostas então tornam-se encobertas por várias razões:
• por conveniência: respostas encobertas podem ser mais rápidas; as respostas
efetuadas encobertamente prevêem as possíveis conseqüências e, se estas
não forem as desejadas, podem ser descartadas de ocorrerem abertamente;
• comportar-se encobertamente evita conseqüências aversivas que teriam a mesma
resposta aberta (por exemplo, ler em voz alta em uma biblioteca)
• quando a estimulação que estabelece a ocasião para a resposta ocorrer é fraca
ou deficiente, a resposta também ocorre de maneira fraca (Moore, J., 1995,
Moore, J., 1980 Skinner, B. F. 1945,1953,1957).
Como vemos, o papel da comunidade verbal é fundamental para estabelecer a pos­
sibilidade de o indivíduo comportar-se discriminativamente frente a eventos aos quais só
ele tem acesso.

3. Comportamentos encobertos - um elo desnecessário

Segundo Anderson et al. (1997), até recentemente, poucas considerações foram


feitas, além do que Skinner apresentou, a respeito dos eventos encobertos. O próprio

Sobre C o m p ortam e nto c C o u n iç a o 29


Skinner fez algumas referências a estes eventos que podem ter influenciado a interpreta­
ção de ser desnecessário o estudo dos eventos encobertos:

" Mas o evento privado é quando muito nâo mais que um elo em uma cadeia causai, e no geral
nem Isso é. Podemos pensar antes de agir no sentido de que podemos agir encobertamente antes
de agir abertamente, mas a ação nâo é uma 'expressão'da resposta encoberta ou sua conseqüência.
As duas sâo atribuíveis às mesmas variáveis. ” (Skinner, 1953/1989 p. 267)
(as questões referentes a eventos encobertos) "... podem nâo interessar a todos os leitores. A
matéria é antiga tendo ocupado a atenção de filósofos e leigos por mais de dois mil anos. Nunca
foi resolvida satisfatoriamente, e talvez a inclinação atual que tem o leigo bem informado de evitá-
la represente uma simples extinção. Felizmente, raramente o assunto ô de importância vital no
controle do comportamento humano." (Skinner, 1953/1989 p. 248).
Por causa talvez destas afirmações de Skinner e, certamente, devido á dificuldade
de desenvolver delineamentos experimentais que dêem conta de estudar os eventos enco­
bertos, analistas do comportamento vêm esquivando-se de um aprofundamento teórico e
prático necessário para o desenvolvimento da abordagem.
Nossas dificuldades para o aprofundamento deste assunto resvalam no modelo de
ciência que adotamos. As características da ciência do comportamento, baseada nos
moldes da ciência natural, impõem critérios de rigor no estudo de seus objetos que dificul­
tam o aprofundamento do tema comportamentos encobertos.
O comportamento, para esta ciência, é definido como um evento complexo, indivi­
dual e continuo, que inclui as relações do organismo com o ambiente, causando altera­
ções tanto no ambiente quanto no organismo, num constante processo. O desenvolvimento
metodológico para aprofundar o conhecimento sobre este objeto de estudo deve dar conta
das implicações decorrentes desta definição.
Assim, a ciência do comportamento desenvolveu uma metodologia ttpica, que in­
clui as características de uma pesquisa experimental, na qual variáveis são controladas -
para dar conta de um objeto de estudo que supõe interação (organismo - ambiente) - ,
medidas constantes (que meça um fenômeno detectável e em processo), e análise do
comportamento de sujeitos únicos. (Johnston e Pennypacker, 1993)
A questão da acessibilidade dos eventos encobertos traz grandes dificuldades quando
se refere ao seu estudo. Observar e medir tais eventos com precisão, continuidade e de
maneira direta - critérios básicos para avaliar as atividades de observação, registro e
medida na pesquisa (Johnston e Pennypacker, 1993) - têm se mostrado uma tarefa ár­
dua. A medida, por exemplo, no caso dos eventos encobertos, é sempre indireta, o que
significa que o fenômeno medido apenas indica o fenômeno estudado. O relato verbal
passa a ser a medida indireta única a ser usada e a primeira tarefa complexa do pesquisa­
dor interessado em estudar eventos encobertos ó mostrar que o relato verbal relaciona-se
fidedignamente com o objeto estudado.
O relato verbal, como medida indireta, pode ser necessário como fonte de dados
quando o pesquisador não tem acesso a um conjunto de eventos e precisa de informa­
ções acerca deles. Entretanto, o pesquisador deve estar cônscio de que o relato verbal
sempre estará sujeito a possíveis limitações, tais como: atenção (controle e estímulos),
memória (história de reforçamento), acessibilidade e treino discriminativo tanto do próprio
sujeito quanto da comunidade (De Rose, 1997).

30 Kobcrtd Kovuc
No caso dos eventos encobertos, estas características limitadoras são certamente
variáveis importantes que controlam a produção da literatura, experimental ou teórica, do
behaviorismo radical.
A relevância dos estudos sobre eventos encobertos reapareceu à medida que a
Terapia Comportamental se desenvolveu e indicou em sua prática a necessidade de uma
conceituação analítica comportamental destes eventos.
Segundo Banaco (1993), o terapeuta traz para a sessão sua história de reforçamento,
seus sentimentos e pensamentos e seu sistema de regras. Todas estas respostas, que
ocorrem aberta ou encobertamente, podem concorrer com ou auxiliar na ação expressa
de atender. Isto determina a importância, na prática da terapia, de levarmos em considera­
ção os relatos verbais do terapeuta sobre eventos encobertos e de estarmos atentos a
estes eventos - estímulos ou respostas encobertas - que podem influir na qualidade do
atendimento.

4. O comportamento encoberto como elo da cadeia de comportamento

Diante destas colocações, a questão dos eventos encobertos e de seu papel na


cadeia comportamental figura-se como algo importante a ser discutido e estudado pelo
menos por duas razões: a primeira, apontada por Skinner, seria a disseminação da postu­
ra monista e ambientalista do behaviorismo radical em oposição ao mentalismo dominan­
te em nossa cultura. A segunda razão, ainda em debate na literatura referente, coloca a
importância do processo de autoconhecimento para uma melhora qualitativa de desempe­
nho - o que traria grandes benefícios para o processo terapêutico, principalmente no que
diz respeito ao desempenho do terapeuta.
Alguns autores vêm aprofundando o estudo dos eventos encobertos, apresentando
o entendimento do behaviorismo radical sobre estes eventos.
Tourinho (1997) apresenta dois esquemas da interpretação behaviorista para as
relações entre eventos encobertos e comportamento:

História Prévia
S° ------------------ R ------------------ SK

para eventos encobertos iguais a sentimentos e emoções, onde S' é uma estimulação que
ocorre encobertamente, concomitante a uma resposta aberta e
Sn ---------------- R ----------------- ----------------- S r

para os eventos encobertos como pensamentos, onde R, pode ser uma resposta encoberta.
Estes esquemas baseiam-se nas colocações de Skinner sobre os eventos enco­
bertos. Skinner deixa claro que, para o behaviorismo radical, eventos internos não têm

S o b rr Com p o rtam e nto c Coflmç<lo 31


status causai para os comportamentos. Seria entáo possível fazer quaíquer afirmação
sobre o papel dos eventos encobertos como variável de controle de comportamento?
Sabemos que os encobertos como emoções podem ter um papel de estímulo
discriminativo para respostas abertas, verbais ou não. Sabemos também que respostas
encobertas (como pensar) antecedem respostas abertas, como mostra o segundo esque­
ma de Tourinho e também são estímulos discriminativos para respostas verbais abertas.
Seriam estas as únicas possibilidades de os eventos encobertos participarem de uma
cadeia comportamental?
Anderson et al. (1997) apresentam exemplos nos quais ocorrem estimulação ambien­
tal, eventos privados e respostas abertas. Ilustram situações nas quais respostas privadas
com propriedades de estímulos adquirem função de estímulos de controle sobre respos­
tas abertas:

S ------------- r/s-------------- r/s------------- R C

Onde S são estímulos públicos, r/s são respostas encobertas com propriedades de
estímulos, ou seja, respostas encobertas que, ao serem emitidas, funcionam como estí­
mulos a outras respostas, encobertas ou não, R são respostas abertas e C são os estí­
mulos reforçadores (conseqüências). Os autores ressaltam que “a contingência resultan­
te - um antecedente ambiental ocasiona um evento privado que, por sua vez, ocasiona
um comportamento aberto - não aconteceria nunca se, no passado, seqüências simila­
res não tivessem sido seqüenciadas por conseqüências reforçadoras" (p. 165)
Kovac (1995) e Banaco, Zamignani e Kovac (1997), propuseram, a partir do relato
verbaí do sujeito, um esquema de análise de eventos paraíelos, para o entendimento do
papel dos eventos encobertos:

RD ■ • Rp
SD- SR

R» ■

Onde Sn representa o estímulo discriminativo aberto, no caso, uma situação de


terapia de grupo, com um cliente específico falando continuamente por um período de
tempo grande, S' corresponde a uma estimulação encoberta do terapeuta, no caso, ansi­
edade, RDuma resposta discriminativa de S', Rp um pensamento referente à ansiedade,
RAuma resposta aberta do terapeuta, do tipo "Hu-hum” e RBuma resposta encoberta, no
caso, de busca de alternativas para mudar a situação.
Este esquema propunha uma reorganização das relações estabelecidas entre as
respostas diferente das apresentadas anteriormente (ver esquemas de Tourinho, 1997 e
Anderson et al. 1997, já apresentados). Através dele foram descritas cadeias paralelas,
conforme a noção de coíateralidade descrita por Skinner (1982,1991):

32 Robert.i Kov»ic
"ê fácil confundir o que sentimos com causa, porque nós o sentimos enquanto estãmos nos
comportando (ou mesmo antes de nos comportarmos), mas os eventos que sâo responsáveis pelo
que fazemos (e portanto pelo que sentimos) permanecem num passado realmente distante" (p. 15).

Os autores propunham, no entanto, que a colateralidade só poderia ser evocada


entre S', RAe RB. As respostas R°e Rpsão seqüenciais e só ocorreriam porque ocorreu S'.
(Banaco et al., 1997) A interação existente entre estas respostas só terminaria de acordo
com as possíveis diferentes conseqüências (relatadas na situação). Assim, é ainda a
conseqüência que selecionaria todas as respostas envolvidas no episódio, e não S1 (a
estimulação encoberta).
Com a continuação das discussões e com o aprofundamento das questões referen­
tes ao tema dos eventos encobertos por estes autores, propomos uma reavaliação do
nosso esquema, com algumas alterações na notação e na interpretação:

SD- RA • SR

RH ■

A resposta Rn foi retirada do esquema após a constatação de que havíamos co­


metido um equívoco: a discriminação é um processo e portanto não existem "respostas
de discriminação". Quando ocorre uma resposta encoberta de autodescrição, do tipo "estou
ansioso", o processo de discriminação já ocorreu. Assim, a cadeia seqüencial encoberta
fica representada apenas por S' e Rp, ou seja, uma estimuíação interna de ansiedade e
uma resposta encoberta de pensar sobre possibilidades de respostas na situação, levan­
do em conta o estado de ansiedade. Nosso objetivo é continuar discutindo e pesquisando
o assunto, a fim de entender as possíveis interações entre estimulações e respostas -
abertas e encobertas - que podem ocorrer em cadeias complexas de comportamento.
Relembramos que a nossa e as outras propostas apresentadas não retiram da
contingência o papel de determinação das respostas. No entanto, novos aspectos aparecem
e necessitam ser melhor entendidos. Estudos que resgatem e aprofundem o papel dos
eventos encobertos como elo nas cadeias comportamentais são necessários para colo­
car em debate a questão de colateralidade entre as respostas abertas e encobertas em
uma cadeia complexa.

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(org) Sobre Comportamento e Cogniçâo. Santo André, SP, Arbytes, p. 217-229.

34 Hobcrtd Kovdc
Capítulo 5

Eventos privados e terapia


analítico-comportamental *
Patrícia Santos "
EmmanuclZagury Tourinho

O conceito de eventos privados tem sido empregado por analistas do comporta­


mento na abordagem de um conjunto amplo de experiências humanas, usualmente referi­
das como sentimentos, emoções, pensamentos, fantasias, sensações, crenças, memó­
ria, sonhos etc. (Dougher, 1993). O tema tem recebido atenção crescente de terapeutas
comportamentais, em virtude da freqüência com que ocorrem, em situação clinica,
verbalizações sobre aqueles tipos de experiência. O presente artigo revisa brevemente a
interpretação behaviorista radical para os eventos privados, bem como alguns trabalhos
relevantes para uma investigação clinica de fenômenos que envolvem eventos privados.

1. A análise behaviorista radical para os eventos privados

Skinner (1945,1953/1994,1974/1991a, 1989/1991b)1 propôs o conceito de eventos


privados para referir-se a estímulos e respostas que ocorrem sob a pele do indivíduo e
estão acessíveis de modo direto apenas a ele próprio. Eventos privados não seriam quali­
tativamente diferentes dos eventos públicos, visto que são naturais, possuem dimensões

‘ Este trabalho resume parte da DiBsertaçAo de Mestrado da primeira autora, elaborada sob orientação do segundo autor,
no Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Fedoraldo Pará.Uma versão
anterior foi apresentada no VIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental.
" Psicóloga Clinica, Mestre em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPa)
“ Departamento de Psicologia Experimental/UFPa, CNPq
1 A primeira data refere-se ao ano da publicaçio original; u segunda, ao ano da edição consultada.

Sobre C om p o rtam e nto c C otfnlçJo 35


físicas e estão sujeitos às mesmas leis. Enquanto estímulos, os eventos privados refe­
rem-se às condições corporais que vêm a controlar respostas do organismo; enquanto
respostas, são considerados instâncias em menor magnitude de comportamentos origi­
nalmente aprendidos de forma pública.
Na análise dos sentimentos, Skinner (1953/1994,1974/1991 a) ora refere-se a es­
ses eventos como condições corporais ora como comportamentos sob controle discrimi-
natívo de estímulos privados, por exemplo quando afirma que "sentimento é um tipo de
ação sensorial, assim como ver e ouvir” (Skinner 1974/1991a, p.14). As condições cor­
porais, a princípio, possuem um caráter indiferenciado para o organismo, passando a
participar de processos comportamentais privados somente quando o indivíduo adquire
respostas discriminativas a esses eventos (Tourinho, 1997a). Desse modo, parece mais
apropriado analisar sentimentos como respostas a condições corporais, que envolvem
componentes respondentes e/ou operantes. Um exemplo é o sentimento de ansiedade,
que inclui um conjunto de respostas (taquicardia, sudorese, tremores, etc.), comporta­
mentos operantes de fuga-esquiva e/ou comportamentos respondentes condicionados.
Este sentimento, por sua vez, pode ter sido causado por contingências inconsistentes,
envolvendo estímulos aversivos, conseqüências punitivas iminentes ou retirada de
reforçamento positivo iminente (Anderson, Hawkins & Scotti, 1997).
Skinner (1945,1953/1994) considera tanto as condições corporais quanto os com­
portamentos privados como produtos da história ambiental (filogenética e ontogenótica)
do indivíduo, enfatizando que esses eventos não são agentes determinantes ou causas
iniciadoras do comportamento publicamente observado. Desse modo, eventos privados
não explicam comportamentos e, portanto, não são variáveis independentes; trata-se de
variáveis dependentes, isto é, fenômenos comportamentais que precisam também ser
explicados (Dougher, 1993;Moore, 1995; Anderson &cols., 1997).
Funcionalmente, as respostas privadas operam da mesma maneira que respostas
públicas e como parte da contingências podem afetar comportamentos subseqüentes,
públicos ou privados, como é o caso do pensamento na cadeia comportamental de reso­
lução de problemas. Desse modo, Skinner (1945) já considerava a possibilidade de algum
tipo de participação dos eventos privados na determinação do comportamento subseqüente;
no entanto, dado o caráter comportamental (relacionai) do evento privado, a explicação do
comportamento público não pode estar limitada a uma referência a ocorrências do próprio
organismo.

2. Algumas contribuições à análise behaviorista radical para os


eventos privados

Com base nos princípios do behaviorismo radical, alguns estudos (e.g. Anderson &
cols.,1997; Dougher, 1993; Hayes; 1994; Moore, 1995; Tourinho, 1997a, 1997b, 1997c,
1997d) têm discutido os eventos privados como parte de contingências de reforçamento e
as relações entre comportamentos abertos e encobertos. Esses estudos salientam o
papel dos eventos privados no controle de comportamentos, sem transitar para concep­
ções internalistas acerca da causação do comportamento. Anderson & cols. (1997) apon­
tam que:

36 Patrícia Santos Martin* i fm/nanud Za#ury Tourinho


embora a imporlincia de nâo atribuir status causai para eventos privados seja Inerente aos
objetivos pragmáticos da análise comportamental, parece que algumas vezes eventos privados
exercem importante controle de estimulo discriminativo sobre outras respostas, abertas ou privadas.
Por controle de estímulos, nós queremos dizer a probabilidade de algum comportamento ser
governado pela ocorrência ou presença de estímulos antecedentes em questão (p. 163).
Segundo Anderson & cols. (1997), uma das formas de os eventos privados adquiri­
rem controle discriminativo sobre o comportamento subseqüente ó através da associação
temporal desse estimulo com uma contingência de dois termos (R-C). O estímulo antece­
dente pode vir a funcionar como ocasião ou dica para a emissão ou supressão de uma
resposta, a partir de sua associação, respectivamente, com contingências de reforçamento
positivas (adquirindo função evocativa), ou punitivas ou de ausência de reforçamento (pas­
sando a controlar respostas de fuga-esquiva).
Por exemplo, para um indivíduo que tem dificuldades de falar em público, diante da
situação de ter que proferir uma palestra, a discriminação das condições corporais que
acompanham o que ele aprendeu a denominar de "ansiedade" poderão funcionar como
estímulo discriminativo para os seguintes comportamentos subseqüentes: a) para o com­
portamento verbal descritivo: "estou ansioso": b) para um comportamento de fuga-esquiva
(adiar a palestra ou não comparecer a esta): c) para o comportamento de tomar um remédio
ou fazer exercícios de relaxamento. Nesse sentido, os sentimentos e pensamentos são
considerados "respostas privadas com propriedade de estímulos", ou seja, respostas que
podem adquirir controle de estímulo sobre o comportamento subseqüente (Anderson &
cols., 1997).
Eventos públicos e privados podem participar dos mesmos tipos de relações de
controle, funcionando como estímulos discriminativos ou estímulos reforçadores para (ou­
tros) comportamentos (Anderson & cols., 1997; Day, 1976; Hayes, 1994; Moore, 1995).
Levando-se em conta que a explicação para um fenômeno comportamental público requer
a referência à relação entre estímulo discriminativo, resposta e conseqüência (contingên­
cia de três termos), a mesma especificação é necessária quando se trata de abordar
relações comportamentais das quais participam eventos privados: “uma explicação com­
pleta deve identificar ambos os antecedentes ambientais das respostas privadas e, ideal­
mente, como as conseqüências conferiram a essas respostas privadas a sua influência
sobre o comportamento aberto" (Anderson & cols., 1997, pp.164-165).
Skinner (1990) propôs que se lide com fenômenos comportamentais privados en­
quanto produto dos mesmos processos de seleção pelas conseqüências que explicam
instâncias comportamentais públicas. Por essa ótica, a privacidade tem origem no primei­
ro nível de variação e seleção, o nível filogenético, uma vez que aí selecionam-se tanto
características anátomo-fisiológicas do organismo quanto algumas respostas reflexas frente
a tipos específicos de estimulação. Enquanto fenômeno propriamente psicológico, a priva­
cidade envolve aprendizagem comportamental, que se dá no nível ontogenético, especial­
mente por meio do condicionamento operante. Mas é o terceiro nível, o das práticas cul­
turais, que impõe à privacidade a configuração particular que a toma uma questão a merecer
atenção crescente; são contingências sociais/verbais que promovem a discriminação de
eventos privados e os tornam eventos funcionalmente relevantes para o indivíduo.

Sobre C o m p o rta m e nto e C o g n iç A o 37


3. Eventos privados e comportamento verbal: algumas im pli­
cações para a prática clínica

A privacidade de cada indivíduo é construída socialmente, através da interação com


as contingências verbais. Assim, “numa perspectiva comportamental, ó apenas a partir de
contingências sociais que os indivíduos vêm a reagir de um modo particular a suas condi­
ções corporais; as contingências e os modos de reação, por outro lado, são verbais"
(Tourinho, 1997a, p. 179). Segundo Delitti & Meyer (1995) "discriminar aquilo que sentimos
e falar sobre isso são comportamentos aprendidos, são produtos da comunidade verbal
que nos ensina a descrever o que fazemos, o que pensamos e o que sentimos” (p.207).
Portanto, a privacidade caracteriza-se como processo comportamental dotado de dimen­
sões públicas, sociais e verbais. E por meio da análise funcional do comportamento verbal
descritivo de eventos privados pode-se vislumbrar possibilidades de interpretação da priva­
cidade.
De Rose (1997) cita alguns eventos cuja investigação requer a utilização de relatos
verbais: a) situações e comportamentos públicos-comportamentos ocorridos no passa­
do, de difícil acesso à observação (sexual, uso de drogas) ou que envolvem alto custo
material ou humano para serem observados, condições de estímulo e conseqüências de
um comportamento; b) eventos privados - pensamentos, sentimentos, atribuição de cau­
sa a comportamentos e a eventos privados. De Rose (1994) acrescenta:
“Em vista da importância do relato verbal para a pesquisa nas ciências comportamentais e
sociais, pode-se lastimar o fato de que tâo poucos estudos deste tipo tenham sido realizados. Um
campo correlato de Investigações, praticamente inexplorado, é o do relato verbal de eventos
privados." (p.503)
O relato verbal tem sido utilizado com uma certa cautela em pesquisas na análise
do comportamento, em função da possibilidade de não-correspondência com eventos de
interesse, bem como de distorções, deliberadas ou não, por parte do sujeito que descreve
os eventos. Observa-se, porém, que, à medida que os analistas do comportamento am­
pliam o seu campo de atuação para as áreas de aplicação (por exemplo, clinica) e passam
a lidar com comportamentos humanos complexos (por exemplo, eventos privados), a uti­
lização de relatos verbais torna-se necessária e relevante (De Rose, 1997; Matos, 1997),
O relatar pode ser interpretado como uma forma de comportamento verbal sob
controle de eventos (abertos ou encobertos) que funcionam como estímulos discriminativos,
numa relação verbal designada como "tato". O tato é considerado por Skinner (1957) como
um dos mais importantes operantes verbais, em função do controle singular exercido pelo
estímulo antecedente ou propriedades de estímulos. Em se tratando de eventos privados,
o tato desempenha função especial, na medida em que: "tem particular importância para
o ouvinte [terapeuta] quando o falante [cliente] está em contato com um estado de coisas
que não é conhecido pelo ouvinte [terapeuta]" (De Rose, 1997, p. 152).
O cliente esteve ou está em contato com determinados eventos aos quais o terapeuta
não tem acesso. O terapeuta passa a ter acesso a esses eventos de modo indireto, por
meio do relato verbal (descrição) do cliente sobre o seu comportamento de tatear (discri­
minar) seus encobertos. Assim, observa-se, na prática clínica, que a proposta skinneriana
de abordar a privacidade por meio do comportamento verbal é especialmente relevante, na

38 1’rttrícid S«intos Murtin* l £mni.inufl /dtfury lourinbo


medida em que o comportamento verbal é uma das formas de comportamento mais
freqüentes naquele ambiente e principal fonte de informações para o terapeuta, principal­
mente em terapia de adultos (De Rose, 1997; Hubner, 1997a, 1997b).
Segundo Guilhardi (1997), quando o cliente ou o terapeuta desempenha o papel de
falante, suas narrativas podem ter diferentes funções para o ouvinte: estimulo discriminativo
(SD), reforçador (Sr), estímulo pró-aversivo (S pre-av), aversivo (S av) e função eliciadora.
Por outro lado, quando o cliente ou o terapeuta desempenha o papel de ouvinte, pode
responder à narrativa do falante em função de: a) observações e discriminações de seus
eventos privados; b) das contingências atuais que estão em operação no seu cotidiano e
na sessão terapêutica; c) seu referencial teórico-conceitual e sua prática clínica (especi­
ficamente no caso do terapeuta). Torna-se, então, importante analisar as relações de
controle existentes entre o comportamento verbal do terapeuta e o comportamento verbal
e não-verbal do cliente, uma vez que um dos objetivos da terapia ó possibilitar que o
comportamento verbal do terapeuta tenha efeito e exerça controle sobre a ampla gama de
comportamentos verbais e não-verbais do cliente, no contexto terapêutico e em sua vida
cotidiana, funcionando como estímulo discriminativo ou reforçador para comportamentos
de auto-observação, de formulação de regras, relatos autodescritivos de eventos privados,
aquisição, manutenção e extinção de repertórios comportamentais (Hubner, 1997a; Meyer,
1997b; Guedes, 1997).
Muitas vezes, o objetivo do processo terapêutico é formulado sucintamente como
de promoção do autoconhecimento. Skinner (1989/1991 b) afirmava que "a psicoterapia é,
freqüentemente, um espaço para aumentar a auto-observação, para ‘trazer à consciência'
uma parcela maior daquilo que é feito e das razões pelas quais as coisas são feitas" (p.46-
47). Guilhardi (1997) aponta que, na terapia, o objetivo final é "levar o cliente à auto-
observação e ao autoconhecimento (ser capaz de descrever as contingências às quais
responde e influir nelas)" (p.324). Também segundo De Rose (1997) "a psicoterapia pode
ser entendida, ao menos em parte, como uma metodologia para refinar o autoconhecimento,
especialmente no que diz respeito ao controle discriminativo exercido pelo mundo privado
do indivíduo" (p. 156). A análise dos eventos privados apresenta-se, assim, como essenci­
al na intervenção clínica comportamental - ao contrário do que muito freqüentemente
afirmam seus críticos.

4. Eventos privados e terapia analítico-comportamental

Skinner (1989/1991 b), embora não tenha sido um psicólogo clínico, realizou análi­
ses teóricas relevantes sobre psicoterapia, sugerindo a aplicação dos princípios da análi­
se do comportamento à prática clínica comportamental e ressaltando a importância da
integração entre pesquisa básica e aplicada. No entanto, Skinner “não se propôs e não fez
incursões sistemáticas pelo universo clínico, não fornecendo, portanto, um modelo teóri-
co-experimental diretamente voltado à prática clínica" (Guilhardi, 1995, p.257). O esforço
de terapeutas comportamentais para derivar um modelo consistente e coerente de inter­
venção tem revelado dificuldades metodológicas e teóricas, considerando as limitações e
pressões advindas da comunidade científica profissional, assim como dificuldades práti­
cas, decorrentes da complexidade das problemáticas apresentadas pelos clientes (Guilhardi,
1995).

Sobre Com p o rtam e nto e C otfniçJo 39


Alguns aspectos importantes da terapia analítico-comportamental contemporânea
são a ênfase na interação verbal que ocorre no ambiente terapêutico e o interesse pelos
eventos privados. Mas a ênfase no comportamento verbal que ocorre durante a sessão
não implica a adoção de um modelo de terapia exclusivamente verbal ou o abandono de
uma de suas características básicas, a análise e manipulação das contingências ambientais
das quais o comportamento ó função. Nem sempre o conhecimento e o autoconhecimento
implicam mudanças comportamentais ou auto-controle. Saber que o cigarro ou a obesidade
são prejudiciais à saúde não faz com que o cliente pare de fumar ou emagreça, assim
como somente a discriminação da ansiedade diante de relacionamentos interpessoais
não irá solucionar os déficits no repertório de habilidades sociais do cliente. Assim, a
ênfase na interação verbal que promove autoconhecimento requer uma análise mais siste­
mática sobre suas implicações.
Sobre o interesse pelos eventos privados, Sant’Anna (1994) destaca que no con­
texto terapêutico:
"ocorrem descrições do ambiente, do comportamento próprio e alheio, relatos de eventos passados,
presentes, futuros, comunicação de sentimentos, intenções, p/anos, ou seja, esse contexto
caracteriza-se, socialmente, como um dos mais apropriados e acolhedores para se falar de
questões pessoais relativas a sensações, sentimentos, crenças, pensamentos, enfim, a eventos
privados “ (p. 490).
As pessoas freqüentemente procuram terapia quando estão enfrentando dificulda­
des em resolver problemas ou em função daquilo que estão sentindo, em outras palavras,
quando estão "em sofrimento". Ao falar desse "sofrimento", o cliente acaba discorrendo
sobre seus eventos privados, considerando-os como problemas ou enfatizando-os como
causa ou sintoma de suas problemáticas. Na cultura ocidental, explicações intemalistas
para o comportamento são legitimadas pela comunidade, que privilegia verbalizações desse
gênero.
Os terapeutas também possuem seus próprios eventos privados, que necessitam
ser analisados em suas relações com outros comportamentos abertos seus, com o com­
portamento do cliente e com o processo terapêutico. O terapeuta precisa estar atento e
discriminar que tipos de reações (abertas e encobertas) a interação com o cliente promo­
ve para si e para o cliente. Os eventos privados do terapeuta podem funcionar como
estímulos discriminativos para ele próprio avaliar seu comportamento (aberto ou encober­
to), sua atuação clínica e o andamento do processo terapêutico. Desse modo, saber
como lidar com esses eventos no contexto terapêutico é relevante tanto para o tratamento
eficaz da problemática do cliente quanto para o bom desempenho do terapeuta (Delitti &
Meyer, 1995; Guedes, 1997; Banaco, 1993,1997).
Atualmente, o estudo do comportamento verbal de terapeuta e cliente quando es­
tes fazem referências a eventos privados e a análise da interação verbal de ambos no
decorrer da sessão estão se configurando como foco de interesse de uma área promisso­
ra de pesquisa em clínica comportamental (Banaco, R. A., Zamignani, D. R. & Kovac, R.,
1997; Kerbauy, 1997,1999).
A investigação empírica dos eventos privados por meio do comportamento verbal
aponta para a importância da utilização de relatos verbais sobre esses eventos em pesqui­
sas no contexto clínico. Conforme aponta Place (1993): "embora não exista atualmente
nenhuma maneira de observar e registrar eventos privados eles mesmos, nós podemos e

40 Patrfcid Santos Martins &hnim.inucl ZdRury Tourinho


devemos observar e registrar objetivamente o comportamento verbal dos sujeitos huma­
nos quando eles relatam a ocorrência de tais eventos" (p.31). Uma possibilidade de análi­
se das verbalizações sobre eventos privados é sugerida por Delitti & Meyer (1995). Segun­
do as autoras, as verbalizações de terapeutas sobre eventos privados podem caracterizar-
se basicamente como: 1 ) instrumento de coleta de dados; 2 ) instrumento e estratégia de
intervenção terapêutica; e 3) adquirir várias funções e diferentes formas ao longo do pro­
cesso terapêutico.
Em um estudo empírico (Martins, 1999), foram analisadas sessões de três casos
clínicos em diferentes fases do processo terapêutico (avaliação, intervenção e encerra­
mento), categorizando as verbalizações dos terapeutas sobre eventos privados quanto ao
seu conteúdo. Tendo como base as categorias de verbalizações dos terapeutas sobre
eventos privados identificadas e os estudos de Delitti & Meyer (1995), no qual são citadas
formas de uso dos eventos privados no contexto clínico, e de Margotto (1998), no qual são
identificadas categorias de interação verbal terapeuta-cliente durante um processo
terapêutico, pode-se formular análises mais gerais e efetivas no que diz respeito à atuação
do terapeuta comportamental com relação aos EP na situação clínica.
Basicamente, identificaram-se quatro funções de atuação do terapeuta com rela­
ção a eventos privados: 1 ) investigação sobre eventos privados; 2 ) intervenção com rela­
ção aos eventos privados; 3) análise das relações entre eventos privados e contingências
ambientais e eventos comportamentais públicos; e 4) feedbacks descritivos e referências
sobre eventos privados do terapeuta, do cliente ou de terceiros.
A função de investigação sobre eventos privados (1) caracteriza-se por indagações
sobre sentimentos, pensamentos, sonhos, lembranças dos clientes, que funcionam para
a obtenção de informações adicionais sobre a história de vida do cliente, sua história
prévia de reforçamento e sobre a problemática apresentada por este, auxiliando na
realização de análises funcionais dos comportamentos abertos e encobertos do cliente e
na investigação das variáveis ambientais das quais esses eventos são função. A relevân­
cia dessa função de atuação é possibilitar que o terapeuta funcione como comunidade
verbal, auxiliando o cliente a refinar o seu autoconhecimento e a compreender os seus
comportamentos, abertos ou encobertos, como um todo em suas relações com o mundo
(Delitti & Meyer, 1995; De Rose, 1997; Guilhardi 1997; Skinner, 1989/1991 b).
A função de intervenção (2) constitui-se de verbalizações do terapeuta que ocorrem
na forma de recomendações, instruções, conselhos para que o cliente ou terceiros pos­
sam: a) observar, discriminar e descrever seus eventos privados; b) analisar funcionalmen­
te e alterar as contingências das quais seus eventos privados são função; c) adquirir,
manter ou modificar seus eventos privados; d) desenvolver o autoconhecimento. Essa fun­
ção de atuação tem sua importância no que diz respeito às relações de controle que
ocorrem ao nlvel da interação verbal terapeuta-cliente, na medida em que um dos objetivos
da terapia é possibilitar que o comportamento verbal do terapeuta exerça controle e mode­
le o repertório comportamental verbal e não-verbal do cliente e este, por sua vez, sinalize
as estratégias terapêuticas a serem utilizadas (Hubner, 1997a; Meyer, 1997b; Guedes,
1997).
A função de análise das relações entre eventos privados e contingências ambientais
e eventos comportamentais públicos (3) caracteriza-se por verbalizações do terapeuta
que realizam análises funcionais sobre eventos privados ou estabelecem relações entre

Sobre C o m p o rta m e nto e C otfiiiçílo 41


eventos ambientais e eventos privados. A relevância dessa função está em auxiliar o
próprio cliente a fazer análises funcionais dos seus eventos privados ou a modificar as
relações causais errôneas ou imprecisas que estabelece entre os eventos, por exemplo,
a atribuição de status de causalidade a eventos privados, que não é coerente com a
proposta behaviorista radical.
A função de feedbacks descritivos e referências a eventos privados do terapeuta, do
cliente ou de terceiros (4) caracteriza-se por verbalizações do terapeuta que fornecem
informações ao cliente sobre as suas inferências ou constatações com relação aos even­
tos privados do cliente, de terceiros ou aos seus próprios eventos privados, ou fazem
considerações com relação a referências anteriores dos clientes sobre seus eventos pri­
vados. Essa função ó relevante por possibilitar a análise das contingências vigentes na
relação terapêutica e avaliar o andamento do processo terapêutico, na medida em que são
feitas referências e descrições dos eventos privados do terapeuta e do cliente mobilizados
na relação e com relação ao atendimento.
De modo geral, a atuação do terapeuta de formação analltico-comportamental em
relação aos eventos privados deve ser similar às funções que desempenha em relação aos
outros aspectos do processo terapêutico. Isto é, o papel do terapeuta é: 1) de um pesqui­
sador procurando levantar e confirmar hipóteses e obter “informações relevantes" que pos­
sam auxiliar na análise funcional do comportamento-problema apresentado pelo cliente;
2 ) de facilitador da aquisição, modificação, manutenção e extinção de repertórios

comportamentais abertos ou encobertos; 3) de modelador do repertório verbal do cliente


de descrever e analisar seus comportamentos públicos e privados (Delitti & Meyer, 1995).

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44 Pdtriciii S<inloi Martins &Fmmdnuel Zagury Tourinho


Capítulo 6

Reforçamento acidental e
comportamento supersticioso 1
Marcelo Frota Henvcnuti *
L/nivcrsiihidc Jc Ih.istlni

Todos nós conhecemos uma série de exemplos do que chamamos de supersti­


ções: para conseguir sorte, algumas pessoas batem na madeira três vezes ou andam
sempre com santinho, trevo de quatro folhas, ferradura ou pata de coelho. Para espantar o
azar, joga-se o sal que caiu sobre a mesa por cima do ombro e se evita deixar o chinelo
virado no chão.
A análise do comportamento tem enfatizado o papel das conseqüências para expli­
car porque as pessoas agem de uma forma ou de outra. A noção de comportamento
operante nos faz olhar para o papel seletivo de eventos que ocorrem depois do comporta­
mento para que possamos compreender tanto como aprendemos algo novo quanto para
que possamos compreender porque continuamos ou não fazendo aquilo que aprendemos.
Conseqüências do que fazemos são responsáveis tanto pela aquisição quanto pela manu­
tenção do comportamento.
Que tipo de conseqüências, então, são responsáveis pela aquisição e manutenção
do que chamamos de superstições? Uma possível resposta a esta questão pode surgir se

' Trabalho apresentado no VIII Encontro da Associação Brasileira do Pmcoterapia e Medicina Comportamental, em setembro
de 1999.
* Aluno do Mestrado da Universidade de Brasília. Bolsista CNPq. O autor agradece a colaboração da ProP Maria Amália
Andery o do Prof Lincoln da Silva Gimenes para a preparação do material apresentado no encontro da ABPMC, e da ProP
Maria Amélia Matos, pelos comentários na primeira versão deste texto,
e-mail para correspondência. mbenvenuti@)yahoo com

Sobre Com p o rtam e nto c Co#m v«lo 45


examinarmos com cuidado um dos processos mais importantes para a compreensão do
comportamento: o processo de reforçamento.
Quando falamos de reforçamento estamos falando de um processo no qual certas
respostas são seguidas de certas conseqüências que fortalecem o comportamento, no
sentido de torná-lo mais provável de ocorrer no futuro. Este processo, em geral, envolve
duas relações entre respostas e modificações ambientais: 1) uma relação de contingên­
cia, no sentido de que as modificações ambientais dependem das respostas e não teriam
ocorrido na ausência das respostas e 2) uma relação de contiguidade, de proximidade
temporal entre estas respostas e as modificações ambientais. Dizemos que o comporta­
mento produz certas conseqüências que, ao serem razoavelmente próximas temporal-
mente ao comportamento, são responsáveis pela sua aquisição e manutenção.
Quando analisamos relações entre respostas e mudanças ambientais, podemos
identificar algumas relações baseadas unicamente em contigüidade. Não é difícil pensar­
mos em exemplos do nosso próprio comportamento no dia-a-dia. Por exemplo, podemos
estar lendo um texto e sermos surpreendidos por um barulho alto que vem da televisão.
Não há nenhuma relação de dependência entre ler e o barulho da televisão. Entretanto,
algumas relações de contigüidade como esta podem afetar o comportamento de alguém
como se houvesse uma relação de dependência entre respostas e certos eventos ambientais
que ocorrem contíguos a estas respostas.
Um estudo de Skinner, com o sugestivo título de "Superstição"no pombo, marca o
estudo experimental da possibilidade da aquisição e / ou manutenção do comportamento
por relações de contigüidade entre respostas e modificações ambientais (Skinner, 1948).
As discussões que surgiram a partir deste trabalho mostram como um conjunto de dados
experimentais, produzido em condições controladas de laboratório e em geral com sujei­
tos infra-humanos, pode contribuir para a discussão de questões teóricas importantes
para a psicologia e para a compreensão de aspectos concretos do comportamento huma­
no. É no estudo de Skinner de 1948 que surgiu a idéia de reforçamento acidental e com­
portamento supersticioso.
Se o aparecimento de algum evento do ambiente ocorre depois de alguma resposta
e produz um aumento na freqüência de emissões de respostas semelhantes, podemos
definir tal evento como um reforçador, mesmo que a resposta não tenha produzido o even­
to. Reforçamento acidental do comportamento ocorre quando a mera proximidade tempo­
ral entre respostas e certas mudanças ambientais é suficiente para o fortalecimento do
comportamento. Nestes casos, agiríamos como se estivéssemos produzindo as mudan­
ças no ambiente, que, na verdade, não dependem do nosso comportamento. Se relações
de contigüidade entre respostas e eventos ambientais ocorrem com alguma sistematicidade,
podemos adquirir comportamentos novos, bem como podemos também continuar a nos
comportar de certa forma em função de relações puramente acidentais com o ambiente.
Por exemplo, beijar os dados antes de jogá-los pode, ocasionalmente, ser contíguo
a um número vantajoso em um jogo. Uma relação de contigüidade semelhante pode ser
observada quando alguém que ande sempre com um santinho, ocasionalmente, recebe
uma notícia boa ou passa vários dias sem incidentes. Estas relações de contigüidade
podem, aparentemente, ser suficientes para tornar mais prováveis no futuro o beijar os
dados antes de jogá-los ou o andar com o santinho.

46 Marcelo Frota Benvcnuli


O tema reforçamento acidental do comportamento levantou e tem levantado duas
questões centrais na análise do comportamento: o papel da contigüidade para a aquisição
e manutenção do comportamento operante, e a possibilidade de se explicar a origem e
manutenção de algumas superstições a partir de relações de reforçamento acidental.
Possivelmente, é por conta da segunda questão que, na análise do comportamento, o ter­
mo comportamento supersticioso venha sendo utilizado para se referira comportamentos
adquiridos e/ou mantidos por relações acidentais com reforçamento. Olhar com mais
cuidado para a segunda questão eqüivale a perguntar se, de fato, podemos entender
superstições a partir do que, no vocabulários da análise do comportamento, temos cha­
mado de comportamento supersticioso’ .
Para examinar alguns dos desdobramentos destas questões, podemos começar
olhando para algumas das condições nas quais se pode observar reforçamento acidental
do comportamento.
Reforçamento acidental do comportamento pode ser observado quando certas mo­
dificações ambientais são independentes das respostas mas possíveis de ocorrerem con­
tíguas a elas. Em situações experimentais, esta possibilidade tem sido avaliada a partir
do procedimento conhecido como reforçamento independente das respostas (response-
independent reinforcement). Neste procedimento, certos eventos ambientais são apre­
sentados várias vezes a um participante ou sujeito experimental, independente do que
estes estejam fazendo. Dadas certas condições que assegurem a efetividade destes eventos
como reforçadores, é muito provável que a mera justaposição temporal entre uma resposta
e a apresentação dos eventos seja suficiente para que a resposta seja reforçada, mesmo
que o aparecimento dos eventos não tenha dependido da resposta. Neste caso, o compor­
tamento selecionado acidentalmente ó sempre idiossincrático e não pode ser previsto de
antemão, porque depende do que o participante ou o sujeito está, casualmente, fazendo
no momento em que ocorreram as primeiras apresentações dos eventos.
Uma vez que o aparecimento do reforçador não depende de qualquer resposta,
novas relações de contigüidade entre respostas e reforço tornam-se possíveis sempre que
há variabilidade no comportamento. Uma nova resposta pode ser acidentalmente reforça­
da enquanto outras deixam de ocorrer. No estudo de 1948, Skinner já mencionava que o
reforço poderia selecionar acidentalmente qualquer resposta que o precedesse, e, ao
longo do tempo, mudanças na topografia destas respostas seriam esperadas. É especial­
mente por conta desse motivo que nas situações experimentais de reforçamento indepen­
dente das respostas, embora se possa observar a aquisição do comportamento, em geral,
as respostas inicialmente selecionadas por reforçamento acidental logo deixam de ocor­
rer, mesmo que as mesmas condições experimentais sejam mantidas.
Estas colocações, de certa maneira, podem refrear nosso entusiasmo de tentar­
mos explicar a origem e a manutenção de algumas superstições a partir de reforçamento
acidental. Se observamos no laboratório que o comportamento que depende de reforçamento
acidental tende a não se manter ao longo do tempo, ou que mudanças na topografia das
respostas são esperadas, a possibilidade de entendermos superstições a partir destas
relações se enfraquece. Afinal, o que descrevemos como superstição no comportamento
1A este respeito ver Ono (1994), que distingue o termo superstição do termo comportamento supersticioso. O primeiro seria
ulill/ado para se referir a certa» “regras falsas" (false rules, cf Ono, 1994, p 186) mantidas por uma comunidade verbal O
segundo seria utili/ado para se referir a comportamento nflo verbal estabelecido por relações acidentais com o ambiento,
acompanhado ou nâo de comportamento verbal.

Sobre Com p o rtam e nto e C o ^ m ç .lo 47


humano dificilmente envolve comportamentos idiossincráticos e em geral envolve a manu­
tenção dos comportamentos por longos períodos de tempo. Bater na madeira trôs vezes,
andar com o santinho ou pata de coelho, ou ainda evitar deixar o chinelo virado no chão
sâo exemplos de atividades compartilhadas por muitas pessoas e que podem se manter
por muito tempo.
Reforçamento acidental do comportamento pode ser observado em outras situa­
ções que não aquelas nas quais modificações ambientais ocorrem a despeito do compor­
tamento. Um exame destas outras condições pode ajudar na discussão da relação entre
reforçamento acidental e o que chamamos de superstições no comportamento humano.
Uma segunda condição ó quando a apresentação de algum evento ambiental de­
pende do comportamento. Neste caso, junto com a resposta da qual a modificação ambiental
depende (a resposta que satisfaz a contingência e produz o reforço) pode estar sendo
reforçada uma outra resposta que ocorre temporalmente próxima à primeira (em geral
pouco antes, como numa cadeia de respostas), mas que não tem qualquer relação com a
produção do reforço. É interessante notar, comparando com o que foi dito acima, que
neste caso o mesmo princípio está presente - fortalecimento do comportamento por
contigüidade com certas modificações ambientais. Desta vez, entretanto, o reforço de­
pende do comportamento. Esta relação de fortalecimento acidental do comportamento
também tem sido descrita como superstição concorrente (concurrent superstition; cf. Catania
& Cutts, 1963, p. 203) ou superstição topográfica (topographical superstition\ cf. Ono,
1994, p. 184). Podemos nos perguntar se muito do que descrevemos como superstição
nào envolve uma relação deste tipo. No exemplo de beijar os dados antes de jogá-los.
Temos aqui duas respostas de topografias distintas: beijar os dados e jogá-los. Pontos
nos dados dependem de como os dados são jogados, e não do beijo antes da jogada,
mas um bom resultado em seguida a beijar e jogar os dados pode reforçar ambas as
respostas.
Uma terceira possibilidade na qual se pode observar o efeito de reforçamento aci­
dental é quando a aquisição do comportamento se dá por uma relação de contingência, de
dependência resposta/reforço, e, em seguida, o evento reforçador ó apresentado indepen­
dente do comportamento. Nestes casos, reforçamento acidentai pode ser responsável
pela manutenção do comportamento por um longo tempo, embora não seja necessário
mais responder para que se produzam as modificações ambientais responsáveis pela
aquisição do comportamento (Herrnstein, 1966; Neuringer, 1970).
Esta terceira possibilidade é interessante porque permite uma clara distinção entre
aquisição e manutenção do comportamento por reforçamento acidental, sendo que ape­
nas a manutenção do comportamento se dá por reforçamento acidental. Nas situações
experimentais o mesmo evento reforçador, comida por exemplo, tem sido utilizado tanto
para avaliar a aquisição quanto para avaliar a manutenção do comportamento. Entretanto,
podemos imaginar quanto do comportamento humano não envolve a aquisição do compor­
tamento por determinadas relações de contingência (aliás, em geral, contingência e
contigüidade) e, depois, a manutenção do comportamento por reforçamento acidental
ocasional com outro evento reforçador. Beijar os dados antes de jogá-los, por exemplo,
pode ser aprendido via comportamento de seguir regras, e, portanto, via reforçamento que
em grande parte é social e dependente do comportamento. A aquisição, nesse caso,
depende de uma relação de dependência resposta/reforço, mas a manutenção deste
comportamento pode se dar, depois, por reforçamento acidental ocasional quando, em
seguida ao beijar os dados e jogá-los, um bom resultado é obtido.

48 M a rc e lo frota Rcnvcnuli
O que foi discutido até o momento permite mais algumas considerações a respeito
da relação entre reforçamento acidental e superstição.
Como já foi colocado a este respeito, examinar a questão da manutenção do com­
portamento por reforçamento acidental ó importante para esta discussão. Os trabalhos
experimentais preocupados com esta questão têm apresentado resultados divergentes.
Tem sido possível observar consistentemente a aquisição do comportamento por
reforçamento acidental mas, em geral, reforçamento acidental não ó suficiente para a
manutenção do comportamento por um longo tempo.
O "em geral”, colocado acima, ó uma ressalva importante, porque manutenção do
comportamento por reforçamento acidental tem sido observada em algumas condições
experimentais, e esta observação pode depender de uma série de problemas de procedi­
mento de investigação, inclusive aqueles que dizem respeito à mensuração do comporta­
mento. Pela própria natureza acidental das relações de reforçamento baseadas apenas
em contigüidade resposta/eventos ambientais, não se pode prever de antemão qual resposta
será acidentalmente reforçada, o que coloca uma dificuldade especial para a mensuração
do comportamento. Os trabalhos experimentais que têm relatado mais consistentemente
a aquisição ou manutenção do comportamento por reforçamento acidental são justamente
aqueles que têm se preocupado em desenvolver medidas precisas que dão conta da
“imprevisibilidade" da relação a ser observada (ver, por exemplo dados de Weisberg &
Kennedy, 1969; Wagner & Morris, 1987; Pear, 1985; Ono, 1987; Benvenuti, 1998).
Além desta questão de mensuração, parece também que qualquer variável que
garanta a força da resposta durante a aquisição do comportamento aumenta a possibilida­
de de que o comportamento se mantenha por mais tempo por reforçamento acidental
ocasional. Skinner (1948) já mencionava que intervalos pequenos entre apresentações de
eventos reforçadores que independem do comportamento seriam mais eficazes para a
aquisição do comportamento por reforçamento acidental. Intervalos curtos garantem uma
maior freqüência do aparecimento destes eventos e portanto mais prováveis são as rela­
ções de contigüidade entre respostas e estes eventos durante a aquisição do comporta­
mento. Uma vez que o comportamento tenha sido estabelecido a partir destas condições,
reforçamento apenas ocasional pode manter o comportamento. Desta maneira, além dos
problemas de mensuração, o "X" da questão para o estudo da manutenção do comporta­
mento por reforçamento acidental parece estar no papel de algumas variáveis presentes
no momento da aquisição do comportamento, seja a aquisição baseada em reforçamento
dependente ou independente das respostas.
Agora, a questão principal! A partir de tudo que foi colocado até o momento, pode­
mos explicar superstições por reforçamento acidental? Realmente muitos comportamen­
tos no nosso dia-a-dia sugerem o fortalecimento por relações de reforçamento acidental.
Entretanto, as dificuldades para se observar a manutenção do comportamento por
reforçamento acidental, em situações experimentais, sugerem que uma relação envolven­
do somente contigüidade entre respostas e eventos ambientais dificilmente poderia ser
uma explicação suficiente para dar conta da origem e manutenção do que chamamos de
superstições. Uma explicação consistente deve, necessariamente, envolver o efeito de uma
série de outras variáveis em conjunto com reforçamento acidental do comportamento.
Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner aponta:
“Apenas uma pequena parte do comportamento fortalecido por contingências acidentais evolui
para as práticas rituallsticas as quais denominamos 'superstições', mas o mesmo principio está
presente" (Skinner, 1953, p. 86)

Sobre C om p o rta m e nto e C o g n iç J o 49


“Rituais supersticiosos na sociedade humana em gerai envolvem fórmulas verbais e sâo
transmitidos como parle da cultura. Nesta medida, diferem quanto ao simples efeito de um reforço
operante acidental. Mas devem ter tido sua origem no mesmo processo e sâo provavelmente
mantidos por contingências ocasionais que obedecem ao mesmo padrão" (Skinner, 1953, p. 87),
Com a virada do milônio, temos dado uma atenção especial às mais variadas práticas
religiosas e místicas, que têm surgido em conjunto com a promessa de uma nova visão de
homem aparentemente muito mais sofisticada do que aquela que pode ser oferecida por
uma filosofia derivada de uma ciência do comportamento.
Se a análise acima está correta, dificilmente poderíamos entender estas práticas
religiosas e místicas unicamente pelo efeito de reforçamento acidental do comportamento.
Entretanto, possivelmente, o esclarecimento das condições sob as quais se pode observar
reforçamento acidental, bem como dos efeitos a longo prazo do comportamento
estabelecido por contigüidade com reforçamento, pode ajudar a esclarecer algumas das
implicações deste tema para o entendimento do comportamento humano.

Bibliografia
Benvenuti, M. F. (1998, May). Adventitious relations among activities and environmental events in children:
Effects of prior response-contingent reinforcement and two response-independent schedules.
Poster presonted at 24*’ Annual Convention - Assodation for Behavior Analysis: Orlando, Fl.
Catania, A. C. & Cutts, D. (1963). Experimental control of superstitious responding in humans.
Journal of The Experimental Analysis of Behavior, 6, 203-208.
Herrnstein, R. J. (1966). Superstition: A corrolary of the principies of operant conditioning. In: W.
K. Honig (edt.j Operant Behavior: Areas of Reserch and Application (pp. 33-51). New
York, NY: Appleton-Century-Crofts.
Neuringer, A. J. (1970). Superstitious key pecking after three peck-produced reinforcements.
Journal of The Experimental Analysis of Behavior, 13, 127-134.
Ono, K. (1987). Superstitious behavior in humans. Journal of The Experimental Analysis of
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_____ (1994). Verbal control of superstitious behavior: Superstitions as false rules. In: S. Hayes;
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Pear, J. J. (1985). Spatiotemporal patterns of behavior produced by variable-interval schedules
of reinforcement. Journal of The Experimental Analysis of Behavior, 44, 217-231.
Skinner, B. F. (1948). “Superstition" in tho piggeon. Journal of the Experimental Psychology, 38,168-172.
_____ (1953). Science and Human Behavior. New York, NY: MacMilIan.

Wagner, G. A. & Morris, E. K. (1987). "Superstitious" behavior in children. The Psychological


Records, 37, 471-488.
Weisberg, P. & Kennody, D. B. (1969). Maintenance of children’ behavior by acddental schedules
of reinforcement. Journal of Experimental Child Psychology, 8, 222-233.

50 M.ircclo frolti Hcnvenuti


Seção II

É possível à análise do
comportamento traduzir
termos da psicologia e
da cultura?
Capítulo 7

Autocontrole: a linguagem do cotidiano e a


da análise do comportamento '
Sônia dos Santos Castanhcira *
tA f i a t/Uf M l}

1. O termo autocontrole

O termo autocontrole é bastante conhecido e utilizado na linguagem cotidiana e na


Psicologia. Uma de suas concepções mais conhecidas envolve a crença de que o indiví­
duo tem de dispor de uma resposta que possa influenciar a aversividade de um evento,
permitindo-lhe terminá-lo, torná-lo menos provável, menos intenso, ou mudar sua duração
ou tempo de surgimento. A controlabilidade de uma situação pode traduzir-se, pois, como
um sinal dos resultados obtidos em face das circunstâncias. Ou seja, a pessoa que
possui um repertório de respostas de controle disponível sabe que a situação não se
tornará tão aversiva a ponto de não poder manejá-la. Thompson (1981) chama este tipo de
controle de “controle do próprio comportamento".
No senso comum, o autocontrole tem sido freqüentemente definido como: a capa­
cidade para manter o equilíbrio emocional interior; controlar sentimentos e sensações;
manter-se frio e calmo em situações adversas; dominar os impulsos; reger a própria vida;
ser seguro de si e de suas escolhas; ser paciente, racional, prático, moderado, compreen­
sivo; ser ótico e respeitar os outros; ter lucidez, autoconfiança; agir como quiser; ter disci­
plina, esconder as fraquezas; ser corajoso, independente e saber evitar o stress, entre
centenas de outras definições. Na verdade, nessas conceituações, vê-se o autocontrole

1 Texto proferido em mesa redonda durante o VIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, promovido
pela ABPMC, em SAo Paulo, SP, do 2 a 5 de setembro de 1999.
% Professora Assistonte do Dopto. de Psicologia da FAFICH/UFMG - Mestre em Psicologia E-mail: ssc@bhmail.com.br

Sobre C o m p o rta m e nto e C oRniÇ ilo 53


mais como um objetivo a ser alcançado do que propriamente uma descrição do controle
da própria conduta (Castanheira,1999).
Uma revisão da literatura evidencia, também, uma diversidade de concepções de
autocontrole, decorrentes da maneira diferenciada de os autores conceberem a natureza
dos comportamentos, das condições e dos processos psicológicos envolvidos nas situa­
ções em que os indivíduos se empenham em modificar seu próprio comportamento. Cer­
tas expressões, tais como: força de vontade, automonitoria, treino de auto-instrução, au­
todeterminação da conduta, mudança autodirigida e autodisciplinada, auto-regulação,
automanipulação do comportamento são usadas alternadamente para referir-se a esse
processo. (Castanheira, 1993)
Existem ainda outras concepções e visões mais amplas, de vários teóricos, utili­
zando-se diferentes rótulos para o autocontrole: assertividade, decisão, ser capaz de re­
gular e influenciar o comportamento ou o ambiente, controle secundário, estratégia de
esquiva, comportamento de escolha, resistência à tentação, heroísmo etc.
Autocontrole é, como se vê, um conceito muito abrangente, que pode ser influenci­
ado por múltiplas perspectivas e designado por diversas denominações. Mas, analisando-
as, verifica-se que o componente básico do autocontrole é a capacidade do indivíduo de
mudar o próprio comportamento, produzindo uma resposta nova, incompatível com o com­
portamento anterior indesejável. Isso, provavelmente, advém do fato de que a meta final do
indivíduo é a sua autodeterminação de colocar em operação a responsabilidade pessoal
pela conduta que ele quer modificada (Castanheira, 1993).

2. O autocontrole na Psicologia Cognitivo-Comportamental

Os psicólogos cognitivistas e os analistas do comportamento traduzem este termo


de forma diferente. Para os cognitivistas, as estratégias de autocontrole põem ênfase na
pessoa, dentro da interação organismo-ambiente. Os métodos mais comuns abordam
temas como: o estabelecimento de objetivos, o controle da motivação, o ensaio cognitivo
e a recompensa e a punição internas. Essa abordagem de investigação destaca o papel
do pensamento, da motivação e das emoções nos eventos comportamentais. Os
cognitivistas focalizam o self(self-control) e, ao fazê-lo, processos comportamentais bem
documentados se transformam, de eventos ambientais observáveis, em eventos cognitivos
inferidos. Do mesmo modo, princípios comportamentais tornam-se, de causas de eventos
observáveis, em especulações sobre processos cognitivos hipotéticos. Esse ponto de
vista mentalista do autocontrole parece sugerir o controle por um "eu" em algum lugar
interno, ou um “eu" interno controlando o comportamento externo.
Por exemplo, Rehm, L. P., (In: Caballo, 1996), afirma que, para se autocontrolar, a pessoa
aplica técnicas através de diversos contextos e esses métodos são, em sua maior parte,
cognitivos. Segundo ele, o indivíduo "adquire" o algoritmo ou o programa para mudar cogni-
tivamente e aplica-o para mudar seu comportamento manifesto. Esta estratégia de autocontrole
ajuda a pessoa a vencer o domínio do ambiente externo - a comida que controla a pessoa
obesa, o álcool que controla o alcoólatra, os objetos fóbicos que controlam a pessoa com
transtornos de ansiedade - e substituí-lo por um planejamento e um controle internos.

54 Sônia do* Santos Castanheira


Diversos autores dessa linha de estudo têm contribuído com diferentes modelos
teóricos para traduzir e explicar o autocontrole. George Kelley (1955, In: Caballo, 1996) foi
um dos primeiros teóricos que formulou a analogia da pessoa como cientista individual
que tenta compreender, predizer e controlar a si mesma em seu ambiente, desenvolvendo
sistemas de construtos inter-relacionados e empregando-os para entender os aconteci­
mentos e realizar previsões sobre o futuro. Kelley teve uma grande influência ao fazer com
que teóricos posteriores se centrassem nas formas com as quais os indivíduos constroem
seu mundo e controlam seu comportamento.
Julian Rotter (1954, In: Caballo, 1996) desenvolveu um modelo de como a pessoa
regula seu comportamento em função dos valores e expectativas que atribui aos possíveis
resultados de uma determinada ação. Para esse autor, a singularidade do indivíduo se
reflete na idéia de que não é o valor objetivo, externo, de uma recompensa o que determina
o comportamento, mas as expectativas do indivíduo sobre a possibilidade de um resulta­
do.
Rotter introduziu também o conceito d e " locusóe controle" interno versus externo.
Através da experiência, o indivíduo desenvolve expectativas generalizadas de seu grau de
controle sobre diferentes áreas de atividade. A pessoa, com um "lugar de controle" interno
acredita que os resultados estão, geralmente, sob seu controle e responsabilidade pesso­
ais. A pessoa com um "lugar de controle" externo crê que os acontecimentos se encon­
tram, na maioria das vezes, controlados por fatores fora dela e de seu controle.
Em 1997, Bandura acrescentou a idéia de uma avaliação subjetiva sobre a probabi­
lidade de que o indivíduo possa realizar a resposta. Quer dizer, decidir sobre uma resposta
depende não só do resultado esperado da resposta, mas da probabilidade de que a pes­
soa possa realizar adequadamente a resposta. O primeiro constitui a "Expectativa dos
resultados”, o segundo a "Auto-eficácia". As intervenções do autocontrole podem funcio­
nar aumentando a auto-eficácia para situações e acontecimentos determinados (Rehm,
In: Caballo, 1996). A teoria do "Desamparo aprendido", de Seligman (1997), e a "Interio-
rização de informações e verbalizações (auto-instruções)", de Meichenbaum (1975), são
importantes para o ajustamento psicológico e o sentimento subjetivo da pessoa de estar
"em controle", com influências marcantes na aprendizagem. Estes construtos são utilizados
por eles como uma ferramenta de trabalho que permite a interpretação de observações
feitas pelo indivíduo em resposta a questões sobre causalidade.
No contexto da terapia, alguns teóricos influentes como D'Zurilla e Goldfried (1971),
Lazarus (1979,1981), Mahoney (1980); Eric Klinger (1981) e Carver e Schreirer (1982) de­
senvolveram sistemas conceituais sobre interesses, planos cognitivos, atenção e a auto-
regulação do comportamento (In: Caballo, 1996).
Skinner comenta essa posição dos cognitivistas em Questões Recentes na Análi­
se Comportamental(1991). De acordo com essa perspectiva, "a mente é a executora das
coisas, dos processos cognitivos. É ela que percebe o mundo, organiza os dados senso-
riais em todos significantes e processa a informação. É o dublê da pessoa, sua réplica,..."
"A mente é mencionada como um lugar, um órgão e uma disposição para agir, mas não
pode ser definida. Essa posição acentua a velha confusão dos que estudam o comporta­
mento e supõem que aquilo que pensamos ou sentimos quando nos comportamos é a
causa de nosso comportamento e não que os processos cognitivos são processos compor­
tamentais, são coisas que as pessoas fazem." Pensar é comportar-se e Skinner diz que

Sobre C o m p o rta m e nto e C o u n iv Jo 55


é um equívoco localizar o comportamento na mente (p. 39-40). Em um artigo no qual
explica porque não é um psicólogo cognitivista, Skinner afirma: “escolhemos o caminho
errado sempre que supomos que nosso objetivo ó mudar as mentes e corações de ho­
mens e mulheres, em vez de mudar o mundo no qual vivem" (1977, p. 10).
Os psicólogos de enfoque cognitivo-comportamental, que também enfatizam o pa­
pel das cognições conscientes do indivíduo na interação comportamento-ambiente, suge­
rem uma outra estratégia de intervenção: mudar o foco da mudança de comportamento -
no lugar de mudança direta do ambiente para alterar o comportamento, deve-se considerar
a mudança do comportamento (com mudança na cogniçâo), com o objetivo de modificar
os padrões mais amplos das interações comportamento-ambiente. Esta estratégia é de­
signada como modificação indireta do comportamento, ou self-management.
Para Skinner (1991), o " erro dessa posição está na direção para a qual os cognitivistas
estão olhando. Nenhuma explicação sobre o que acontece dentro do corpo humano expli­
cará as origens do comportamento humano porque o que acontece lá não é um inicio, não
é causa". E vai além, dizendo que, para explicar porque as pessoas se comportam do
modo como o fazem, "deve-se procurar a seleção natural, a evolução das espécies e as
contingências de reforçamento". Na sua visão, "para confirmar suas teorias, os psicólogos
cognitivistas voltaram-se para a ciência do cérebro e a ciência da computação. Eles crê­
em que a ciência do cérebro nos dirá o que os processos cognitivos realmente são e a
ciência da computação demonstrará como a mente funciona construindo máquinas que
fazem o que as pessoas fazem" (p. 40).
Skinner acredita que "a análise do comportamento não precisa esperar até que a
ciência do cérebro tenha feito a sua parte. Os fatos comportamentais não mudarão e
serão suficientes tanto para a ciência como para a tecnologia. A ciência do cérebro pode
descobrir outros tipos de variáveis que afetam o comportamento, mas terá de recorrer ao
analista comportamental para uma explicação mais clara de seus efeitos" (p.40-41).
Mas, à medida que o ambiente vem sendo mais bem compreendido, a força explicativa
da vida mental parece estar lenta e constantemente declinando.

2.1. A nálise do C o m p o rta m e n to

A Análise do Comportamento tem sua origem em Skinner e é relativamente nova -


50 anos. Talvez, por isso, os estudiosos estão ainda discutindo como defini-la. Paul Chance
(1998) propõe uma definição pequena e simples: a Análise do Comportamento é a ciência
da mudança do comportamento. O mérito desta definição é enfatizar que o único foco
desta análise é como e porque o comportamento muda.
Existe, todavia, uma definição mais convencional, dos analistas do comportamento,
adotada desde Skinner, que propõe: a Análise do Comportamento é uma prática cientifica de
investigar as relações organismo-ambiente, identificando as inter-relações desses compo­
nentes. Mais da metade dos escritos de Skinner referem-se a análises funcionais descritivas
(e não-experimentais), nas quais este autor identifica VD’s e Vl’s e suas interações no
comportamento humano. Disto se conclui que, aqueles que definem a Análise do Com­
portamento como apenas o estudo do comportamento, estão contribuindo para torná-la
enganosa, pois não é o comportamento o que os behavioristas analisam, mas a relaçãoentre
comportamento e eventos ambientais.

56 Sdm.i dos Santos C a sla n h d ra


Relaçào funcionalè entendida como a tendência de um evento variar de uma forma
regular com um ou mais eventos.
Comportamento è qualquer coisa que uma pessoa faz. Se isto pode ser observado
só por ela é comportamento encoberto; se por outra pessoa, é aberto; quando é pronta­
mente influenciado por eventos que o precedem é respondente e quando é prontamente
influenciado por eventos que o sucedem é operante.
O evento ambiental é qualquer evento no ambiente de uma pessoa que possa ser
observado por ela. Pode acontecer antes - antecedente - ou depois de um comportamen­
to-conseqüência.
A Análise do Comportamento tem sido dividida em duas áreas: a Análise Experi­
mental do Comportamento, que lida com a pesquisa básica das relações entre comporta-
mento-ambiente e a Análise do Comportamento Aplicada, com características já
identificadas e definidas por alguns behavioristas. Esta última usa as relações funcionais
entre comportamento e eventos ambientais para mudar o comportamento. Ela tem sido
exercida, por muitos anos, em vários ambientes, resultando em demonstrações gerais de
mecanismos que podem produzir muitas das formas adotadas pelo comportamento do
indivíduo (Baer, Wolf & Risley, 1968,1987). A demonstração desses mecanismos possibilita
sua aplicação a comportamentos considerados problemáticos ou socialmente importantes
como, por exemplo, o autocontrole.
Para os analistas do comportamento de abordagem behaviorista radical, poucos
termos tradicionais podem sobreviver na linguagem técnica da ciência, a menos que se­
jam cuidadosamente definidos e despidos de suas velhas conotações. A ciência exige
uma linguagem e a Psicologia não é diferente (Skinner, 1991). E com o termo autocontrole
acontece o mesmo. Esses analistas se perguntam: o que é o comportamento que as
pessoas chamam de Autocontrole? Como e porque as pessoas querem mudar o próprio
comportamento?

2.2. C om o a a n álise do c o m p o rta m e n to tra d u z o a u to c o n tro le

A Análise experimental do comportamento, juntamente com um vocabulário


autodescritivo especial, dela derivado, tornou possível à pessoa aplicar a si mesma muito
daquilo que foi aprendido acerca do comportamento alheio (e de outras espécies) ajudando
na compreensão de si mesma num sentido científico ou tecnológico. (Skinner, 1982, p. 148).
O estudo sistemático do Autocontrole, ou da modificação da própria conduta, co­
meçou com Skinner, em 1953, e tem uma trajetória atualizada. Em Ciência e Comporta­
mento Humano, quando trata desse assunto pela primeira vez, o autor especula sobre as
maneiras utilizadas por uma pessoa para se tornar capaz de influenciar seu próprio com­
portamento. Àquela época, a noção de controle já estava implícita em uma análise funcional.
Quando uma resposta tem conseqüências tanto positivas quanto negativas, esta­
belece-se o conflito no índivíduo. Eíe pode, então, tornar o comportamento que íeva á
punição menos provável alterando as variáveis das quais é função. Esta é uma forma de
autocontrole e qualquer comportamento que consiga fazer isto será automaticamente
reforçado. Skinner dizia que “quando descobrimos uma variável independente que possa
ser controlada, encontramos um meio de controlar o comportamento que for função dela"
(p. 133).

Sobre C o m p o rta m e nto e C oflniç.lo 57


Nesta época, para explicar o autocontrole, Skinner sugeria uma análise em dois
níveis: um, baseado em respostas controladoras e outro em respostas controladas, escla­
recendo que aquelas são emitidas para produzir estas. Deixa claro, entretanto, que as
variáveis responsáveis pelas respostas controladoras devem ser identificadas no ambien­
te. A questão consiste em tentar compreender como o ambiente afeta estas respostas
controladas e modifica o comportamento das pessoas, em contraste com a posição dos
teóricos mentalistas que destacam o papel das emoções, motivações e pensamentos
nos eventos comportamentais. O autocontrole se apoia, em última instância, nas variáveis
ambientais que geram o comportamento controlador e, portanto, originadas fora do orga­
nismo. "Se se deseja um determinado comportamento de si próprio, deve-se estabelecer
as condições que se sabe que podem controlá-lo" (p.135).
Em Contingências de Reforçamento (1* ed. 1969/1980), Skinner enfatiza a história
passada do indivíduo e chama a atenção para o comportamento precorrente e suas
vantagens no ensino do controle do comportamento dos indivíduos. Segundo ele, os estí­
mulos que um homem constrói ao resolver problemas podem ser úteis a outras pessoas
precisamente porque as variáveis manipuladas no autocontrole sào as que controlam o
comportamento dos homens em geral. O que uma pessoa diz ao descrever seu próprio
comportamento bem sucedido pode se estender e ser transformado numa instrução útil -
uma regra - que gera comportamentos similares nos outros, não sujeitos às contingências
que elas especificam. As mesmas variáveis estarão sendo manipuladas e com alguns dos
mesmos efeitos sobre o comportamento (p.275).
Em termos técnicos, o precorrente é o comportamento que constrói estímulos
discriminativos que alteram a probabilidade de ações subseqüentes e melhoram a proba­
bilidade de sucesso. Por exemplo, o indivíduo que se propõe a controlar o comer compul­
sivo pode trancar a geladeira (comportamento precorrente), cheia de tortas, sorvetes e
outros alimentos que engordam. A geladeira, agora fechada, se torna um SD e um S que
alteram a probabilidade de ações subseqüentes: SD para atingir reforço (perder peso) e S
para evitar punição (engordar). Da mesma forma, o indivíduo que faz compras compulsiva-
mente e sai para passear propositadamente sem dinheiro, cartão ou cheque (SD = bolsa
vazia) antecipa o reforço do comportamento subseqüente.
O comportamento precorrente pode ser público, privado, vocal, não-vocal e funciona
como auto-instrução. Às vezes coincide com o que as pessoas chamam de pensar ou
raciocinar. O precorrente acontece antes da solução de um problema (privado e vocal) e
segue padrões que tenham funcionado anteriormente. Como autocontrole é privado e não-
vocal.
Assim como fazem com outros termos (criatividade, solução de problemas), os
analistas do comportamento olham para as histórias de contingências de reforçamento,
ao invés de postular representações mentais para entender o autocontrole. Para induzir as
pessoas a se autocontrolarem é necessário alterar estas contingências de reforçamento,
não as atitudes. Atitudes são inferências do comportamento das quais se diz que o com­
portamento é um indicador e não são diretamente acessíveis. É mais efetivo mudar a
maneira de se comportar e, assim, incidentalmente, a de sentir do que modificar a manei­
ra de sentir e assim a maneira de se comportar (Skinner, 1991).
Trinta anos depois de Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1991) afirma que o
autocontrole suscita também a questão do autoconhecimento - quem são o eu controlador e

58 Sôn ia d o * Sa nto* Castanheira


o eu controlado - e usa a palavra pessoa do mesmo modo como usou o eu controlador e o eu
controlado em 1953, ambos definidos como repertórios de comportamento. Com o avanço da
teoria comportamentalista, ele faz uma distinção mais clara entre pessoa e eu.
A pessoa, na qualidade de repertório de comportamento, pode ser observada pelo
outros; o eu, como uma predisposição que acompanha estados internos, é observado
somente através dos sentimentos ou da introspecção. O eu é o que a pessoa sente a
respeito de si própria. Temos diversos eus. O eu observado, o eu de que gostamos, o eu
confiante, o eu responsável e o eu racional. O eu racional formula descrições de contin­
gências para seu próprio uso. Sabe o que está fazendo, faz autocontrole.
A maioria das situações em que a pessoa diz ter um problema de autocontrole
envolve alguma diferença entre as conseqüências imediatas e tardias de uma resposta.
Em 1968, Walter Mischel continua a enfatizar os significados subjetivos e ideográficos
que a pessoa dá aos estímulos e acrescenta que ela é capaz de transformar e manipular
estes significados. Mischel centrou grande parte de seu trabalho na capacidade do indivíduo
de retardar a gratificação para seus comportamentos (In: Caballo,1996).
Frederick Kanfer (1970,1977) define o autocontrole em termos daquelas estratégias
que uma pessoa emprega para modificar a probabilidade de uma resposta, em oposição a
influências externas existentes. A pessoa tem autocontrole quando não cede às pressões
das contingências externas do momento, mas sim a favor de algum objetivo a longo prazo.
O indivíduo que quer alterar seu comportamento se entrega a um processo natural de três
etapas: auto-registro, auto-avaliaçáo e auto-reforçamento (Castanheira,1993).
Dessa visão, surgiu uma concepção de autocontrole que vem sendo bastante
pesquisada e adotada pelos analistas do comportamento. Eles afirmam que a principal
característica do autocontrole é sempre a do “agora contrapondo-se ao depois", isto é, a
possibilidade de o comportamento ser controlado por conseqüências tardias, auto-impos-
tas (Kerbauy, 1991). Desta maneira, o autocontrole é uma forma de Comportamento de
Escolha.
Esse comportamento consiste em se fazer uma opção entre duas alternativas: a
impulsividade, que consiste em se comportar de acordo com o reforço a curto prazo e o
autocontrole, que consiste em comportar-se de acordo com o reforço a longo prazo. Os
termos impulsividade e autocontrole são bem populares entre a maioria dos pesquisado­
res, têm definições operacionais, sugerem idéias para experimentos, resumem rapida­
mente situações de escolha complexas, são relevantes para muitas áreas de pesquisa e
encorajam a investigação de diferenças de espécies e individuais.
O estudo do autocontrole e da impulsividade, como definidos aqui, deu origem a
diferentes quadros conceituais: a Teoria da Aprendizagem Social, de Mischel (é um modelo
qualitativo que investiga o papel da cogniçâo e da motivação no atraso auto-imposto); a Lei
de Matching, de Herrnstein (é um modelo quantitativo, descritivo e molecular, que discute
como a atração de diferentes esquemas concorrentes de reforçamento afeta a escolha);e
a lei de Maximização Molar, ou teoria do Forrageamento, que constitui uma abordagem
alternativa e prediz que a alternativa maior e mais demorada é sempre escolhida.
Apesar de bem populares entre a maioria dos pesquisadores, existem, entretanto,
alguns analistas do comportamento que apontam algumas desvantagens do uso destes
dois termos. Para estes, 1 - pesquisa sobre autocontrole é diferente de pesquisa de atraso

Sobre Com p o rtam e nto e Cotfniv<lo 59


de gratificação; 2 - esses dois termos significam mais que simplesmente escolher entre
um reforçador menor e mais rápido e um maior e mais demorado; 3 - ambos os termos
podem aumentar o antropomorfismo quando usado com animais. E, bem recentemente,
William Baum (1999) afirma que parece existir uma armadilha, implícita e presente na
contingência positiva quando um indivíduo decide pelo autocontrole para mudar certos
comportamentos denominados "maus hábitos" (ex.: comer e beber em excesso, fumar,
etc.). Ele dá a ela o nome de armadilha de contingência e aponta o problema que acontece
no autocontrole versus impulsividade, relacionado ao emprego do reforço positivo...
A armadilha de contingência está presente quando agir impulsivamente leva a um
reforçador pequeno, porém relativamente imediato, mas a efeitos nocivos e/ou punição, a
longo prazo (mais significativos do que os reforçadores a curto prazo). A alternativa à
impulsividade, o autocontrole, também leva a conseqüências a curto e a longo prazos. As
conseqüências a curto prazo são punitivas, mas relativamente pequenas. A longo prazo,
entretanto, o autocontrole leva ao reforço poderoso (p.183).
A armadilha de contingência produz a procrastinação, o adiamento. O adiamento é
reforçado imediatamente pela esquiva de um pequeno desconforto, mas ó punido, ao final,
pelo grande desconforto. O adiamento é impulsividade. Autocontrole é ser punido imedia­
tamente pelo pequeno desconforto, mas ser reforçado ao final pela esquiva de um grande
desconforto. A punição longínqua funciona como uma ameaça e o autocontrole é visto
como esquiva desta ameaça.
Quando o indivíduo se comporta impulsivamente, fica preso na armadilha do reforço
pequeno e imediato, e quando se autocontrola, da punição pequena e imediata. O atraso
enfraquece o efeito de qualquer conseqüência.
Finalmente, Baum afirma que as armadilhas de contingências se conformam á uma
lei geral, segundo a qual as pessoas se sentem presas e infelizes quando seu comporta­
mento é controlado pela ameaça de punição. Basta ver quem venceu uma dependência,
um mau hábito (e agora se sente livre e feliz), para entender como é positivo escapar desta
armadilha.

3. Considerações finais

O texto que acaba de ser exposto mostra o esforço dos analistas do comportamen­
to na busca de uma compreensão do conceito de autocontrole e aponta a trajetória bem
sucedida desses estudiosos na apuração da descrição do termo. Convém lembrar que
este percurso sugere que o autocontrole não tem um único indicador. Por outro lado, na
análise do comportamento, ele certamente não é interno.
Apontar uma tradução para o termo constitui tarefa muito difícil. No entanto, ousaria
sugerir a utilização da expressão comportamento precorrente- comportamento que cons­
trói estímulos discriminativos que alteram a probabilidade de ações subseqüentes e me­
lhoram a probabilidade de sucesso - como uma alternativa para o que, normalmente, tem
sido designado como autocontrole. Esta denominação traria, em seu bojo, a vantagem de
eliminar o termo auto, tão impregnado de conotações associadas a controle interno.

60 Sôn ia dos Santos C a sta n hflra


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Sobre C om p o rta m e nto c C oflniç.lo 61


Capítulo 8

Análise funcional da preguiça


e procrastinação
Rache! Rodrigues Kerbauy'
i/nivenididc dc Stlo l\iulo

Fazer nada. Descansar no 7Üdia. Sábia recomendação do Criador. O descanso,


considerado como obrigação, é controlado por práticas religiosas e culturais e não impede
que outra pessoa faça sua tarefa por você. Pode mesmo ser insinuada a necessidade de
fazê-la e para um bom entendedor...
Com as condições atuais de vida, não é mais necessário evitar o trabalho, ou ser
desobrigado de fazê-lo. Aqueles que são chamados de preguiçosos ou procrastinadores
dependem de como a comunidade verbal mantém a correspondência entre o comporta­
mento verbal e o ambiente. As pessoas são denominadas preguiçosas porque as conse­
qüências de não fazer diferem daquelas de trabalhar.
Tateamos algumas propriedades do comportamento de pessoas conhecidas e cha­
mamos de preguiçoso ou ativo dependendo de quem vê e o quê? Essas afirmações variam
de um falante para outro em função das propriedades tateadas e das variáveis que atuam
no falante. Se, ao escrever um artigo solicitado, este não é entregue no prazo, baseado no
quê posso afirmar estar diante de um procrastinador ou preguiçoso?
O tato depende da flexibilidade das comunidades verbais. Há precisão se as propri­
edades do estimulo são definidas claramente e as conseqüências são consistentes. Quando
a precisão é necessária, tendemos a ser mais consistentes, por exemplo descrevendo
procedimentos em relato de estudos.
Skinner, ao falar sobre lazer no Notebook, organizado por Epstein em 1980, anali­
sa o sabath como prática cultural dizendo: "uma pessoa que trabalha bastante dará as
’ Bolsista CNPq

62 R achel Rodrijjuc* K e rb a u y
boas vindas ao tabu contra trabalhar todos os dias. Qualquer razão religiosa será pronta­
mente aceita. (Os acontecimentos do Gênesis precedem a prática do sabath ou foi o dia
do Senhor moldado depois do homem?). No entanto, é necessária a coação pontual.
Deus diz: Taça absolutamente nada!”. Afetado pela escravatura, o grupo pode sofrer para
manter essa prática, e os membros podem ser especialmente agradecidos àqueles que
sofrem por eles e podem acreditar na validade do tabu e observá-lo mais rigorosamente
para mantê-lo contra as transgressões. Você não pode pedir que eu trabalhe por você, nós
nunca trabalhamos nem mesmo para nós". Skinner continua a analisar:
"Tão logo outros dias de lazer apareceram entre os ricos ou a semana de cinco dias para
fodos, o sabafh perde sua força Um tabu nâo ó mafs necessário para evitar ser forçado a
trabalhar. No entanto, ficar a toa nâo é mais fortemente reforçado Há algo para fazer por divertimento
e os dias livres ensinam o que fazer. Com o colapso do sabath lucrou-se com viagens, fogos,
assistir esportes, e intercâmbios proveitosos'', (p. 107.)

Portanto, o lazer, hoje um hábito arraigado em todas as classes sociais, decorreu


de uma evolução. Sair do trabalho escravo mudou as contingências e os reforços por
trabalhar e, em certo sentido, "autorizou" o divertimento, o fazer por prazer.
O componente cultural existente na preguiça, e sua distinção do lazer, conduziu a
análise de três personagens que chamarei de brasileiros. Seus autores procuraram des­
crever o contexto que favorece ou não o comportamento de não fazer nada. Selecionei o
Jeca Tatu, Macunaíma e Pedro Preguiça.
Jeca Tatu, descalço, como pessoas de vários países do mundo. Desconhecia a
relação entre usar sapatos e saúde. Além de cortes, infecções e verminoses que são
prováveis, mas não certeza, poderia não contrair doenças por andar descalço.
O importante, para nosso assunto, não é analisar a propaganda do Biotônico Fontoura
que resolveu a “preguiça" com algumas colheradas ou as propriedades curativas da erva-
de-santa-maria. Mas sim verificar que o nosso Jeca Tatu resolveu a preguiça com o
restabelecimento da fisiologia normal e também estabeleceu a relação “sapatos -> saúde"
por impedir a entrada de vermes no organismo. No caso do Jeca Tatu, a “preguiça ->
distúrbio orgânico" foi corrigida e possibilitou executar o que sabia e desenvolver novos
repertórios. O Jeca Tatu fraco e chamado de “grandíssimo preguiçoso", que não cultivava
a terra e trazia pouca lenha "porque não paga a pena" e que bebia para esquecer "as
desgraças da vida", era chamado de preguiçoso e bêbado.
Aderiu ao tratamento: tomar óleo de rícino, chá de erva-de-santa-maria e comprar e
usar par de botinas. "Três meses depois ninguém conhecia o Jeca. Sarou completamen­
te. Ficou bonito, corado, forte como um touro. A preguiça desapareceu. Quando ele agar­
rava o machado, as árvores tremiam de pavor” diz Monteiro Lobato. Os passantes, ao vê-
lo na labuta, diziam: “Descanse um pouco, homem" e ele respondia: "Quero ganhar o
tempo perdido”. Ficou muito rico, como era natural, mas não parou por ai. Resolveu ensinar
o caminho da saúde e da riqueza aos caipiras das redondezas, que viviam, ainda, num
miserável estado de doença e penúria. Andou de casa em casa pregando as virtudes da
erva-de-santa-maria e dos sapatos. Portanto, no caso do Jeca, é clara a relação entre
distúrbio orgânico e preguiça. Curou o distúrbio, terminou a preguiça. A denominação do
problema estava errada. O Jeca Tatu tinha repertório de trabalhar, de como fazê-lo. Estava
doente, não era preguiçoso. A comunidade verbal assim o descrevia.

Sobre C o m p o rliim c n lo c C oflniçAo 63


O Pedro Preguiça é personagem do livro do professor Keller. Em Pedro Preguiça
vai a escola, (1987), Keller utilizou, com seu humor, a família do bicho preguiça, existen­
te no Brasil. Pedro estava assustado por ter que se encontrar com outros alunos. Estivera
com sarampo, nas duas primeiras semanas de aula, e tinha medo de que a professora
ficasse brava, por começar a freqüentar as aulas com atrasos. Seus olhos estavam cheios
de lágrimas. No entanto, seus colegas o tranqüilizaram, pois a professora não ficava brava
por atraso ou falta. “Ela vai sorrir e apertar a sua pata".
Pedro Preguiça descobriu que estava em uma escola de ensino individualizado.
Cada aluno estava em unidades diferentes e o importante não era aprender depressa ou
devagar, mas aprender bem cada unidade.
Nessa escola, Pedro estava "feliz da vida", usando visualizador, "e tinha errado uma
vez só!!". O refeitório era um lugar barulhento, onde todos falavam ao mesmo tempo, havia
muitas risadas e aguardavam os eventos. Com sol e dia quentes iam brincar lá fora. Pedro
concluiu que a escola era o melhor lugar do mundo. Portanto, Pedro Preguiça, da família
do bicho preguiça, ao encontrar um ambiente favorável desenvolveu-se, divertiu-se ao aprender
e não houve preguiça. Aprendeu e gostou de ir á escola. Esta era um ambiente reforçador,
propiciava condições de aprendizagem.
Macunaína, de Mário de Andrade, além de personagem que "cai no vestibular" ó
considerado o “herói da nossa gente". Passou seis anos não falando e se o incitavam a
falar, dizia: "Ai! Que preguiça!” e não dizia mais nada. "Ficava no canto espiando o trabalho
dos outros. Ficava deitado, mas se punha os olhos em dinheiro, Macunaína "dandava pra
ganhar vintém".
Aprendia a se curar das surras, a sair carregado por alguém, caçar, virar príncipe...
apaixonar-se. Portanto, tinha malícia, observava e executava, quando o reforçador era
escolhido, segundo seus critérios.
Nos trés casos, nos três personagens nacionais que escolhi, encontramos a preguiça
resolvida. Existia diligência quando a recompensa valia a pena, era realmente reforçadora
e o ambiente propício para emissão de comportamentos e excluídas as variáveis
fisiopatológicas.
Tanto Jeca Tatu, como Macunaíma, observavam, tinham o repertório aprendido com
modelos ou modelado pelo contexto, mas não executavam os comportamentos. O ambiente
ensinara a eles a ficar parado, ou comportar-se o mínimo necessário e, nem sempre, na
direção reforçada pela cultura. Tinham o repertório. Resolvido o problema fisiológico, Jeca
Tatu compete consigo e com o italiano seu vizinho, torna-se homem de sucesso e ainda
preocupado em ensinar a comunidade. Afinal, é livro de Monteiro Lobato! Macunaíma
sabia proteger-se, selecionar seus reforçadores, driblar seus adversários e sobrevivia usando
de malícia em um meio muitas vezes hostil. É brasileiro!!
Onde está a preguiça? O que é ser preguiçoso?
A literatura, especialmente de psicologia social (Argyle, 1994), explora bastante o
lazer, mas esquece a preguiça. O lazer seria o que a pessoa faz em períodos fora do
trabalho. Alguns psicólogos fazem diferença entre: trabalho, atividade para atingir uma
meta e lazer para próprio prazer, ou atividades realizadas por serem reforçadoras, porque
as pessoas gostam de fazer, para divertir-se e por sua própria escolha. Os estudos exami­

64 Kdchci R od rigu es Kc rb .iu y


naram a satisfação por fazer com medidas como: escalas, o tempo gasto e o tipo de
atividade.
O lazer é considerado não separado do trabalho em sociedades primitivas, e visto
também como uma reação ao trabalho e, mais definido após a revolução industrial, quan­
do pessoas trabalhavam em fábricas e em condições desagradáveis. Há também pessoas
que podem ter atividades de lazer semelhantes a seu trabalho, como: professores, pes­
quisadores, escritores, artistas e que levam seu trabalho para casa e divertem-se em...
Congressos, onde há liberdade de escolha de atividades, encontram-se amigos, discu­
tem-se idéias e procedimentos experimentais.
Caldas Aulete (1958) explica preguiça como “propensão para não trabalhar, demora
ou lentidão em praticar qualquer cousa, gosto de estar na cama, de levantar tarde." (p.
405.)
A preguiça tem um caráter de julgamento moral, deixar de fazer uma atividade
necessária. Talvez por isso a literatura seja mais rica na análise do lazer e o próprio
Skinner refere-se a ele, mas não à preguiça, no Notebook.
No entanto, continuamos com o problema: a preguiça o que é, existe? Como fazer
uma análise funcional da preguiça e procrastinação?
Embora na prática possamos conceituar a preguiça como inversão proporcional ao
custo de resposta e valor do reforçador, colocaria o problema de forma incompleta, a meu
ver. As práticas culturais sobrevivem quando auxiliam a sobrevivência do grupo. No caso
da preguiça, podemos dizer que aumenta os benefícios e diminui os custos para os indi­
víduos. No entanto, são contingências simples, se analisarmos somente o produzir mais
reforçadores e menos conseqüências aversivas para os praticantes da preguiça. Mas
será? Precisamos, para uma análise behaviorista radical, considerar o comportamento
governado por regras e sua relação com conseqüências atrasadas, as contingências en­
volvidas e a importância de conhecer as contingências.
Quais são as contingências que envolvem os reforçadores naturais de não fazer,
não trabalhar, levantar tarde e quais são as penalidades naturais por fazê-lo? A cultura é
consistente, propicia atrasos para reforços ou pune esse comportar-se? Provavelmente, o
atraso pode ser de minutos ou meses e, neste caso, será eficaz?
Eu proponho que a preguiça, além dos reforçadores ou punidores, seja analisada
como governada por um conjunto de regras, ou seja, discriminação verbal de uma contin­
gência comportamental. A mãe diz: "nesta casa ninguém dorme até tarde porque os
quartos (com o barulho do aspirador) serão limpos logo cedo". Se a pessoa não levantar,
a mãe chama a cada cinco minutos até o filho levantar. Outra alternativa é para uma
audiência receptiva, será contado como piada, provocando risos, o levantar tarde e o
perder a hora. Nenhuma ajuda será prestada para compensar o atraso, e as conseqüências
poderão advir em diversos locais. Outra alternativa bem-humorada é cantar chamando o
filho: "Acorda Maria que é dia, são 8 horas, o sol já raiou" ou outra canção moderna. As
contingências estão presentes e... ensinando e as regras sendo ensinadas. Repetindo,
Michael (1984) diria que, nos últimos dez anos, torna-se cada vez mais claro que muito do
comportamento humano é governado por regras, em vez de modelado por contingências
(p. 118). Afirma também que, se as conseqüências são atrasadas por segundos, após o
comportamento, é provável que nossa habilidade seja afetada.

Sobro C o m p ortam ento c C o gn iv A o 65


Mallott (1988) auxilia a salientar as regras no controle de comportamentos. No
entanto, esclarece que, embora muitos suponham que, para seguir as regras e estas
atuarem, é necessário que descrevam as contingências e que a pessoa as conheça, ele
não concorda. Mallott diz que ó necessário, também, um repertório de pré-requisitos e um
conjunto de valores difíceis de estabelecer.
Os pré-requisitos e valores incluem: controle efetivo por regras familiares afirmadas
por outros; controle por regras novas afirmadas por outros, alta probabilidade de que o
desempenho da pessoa evocará uma auto-avaliação pronta e precisa; uma alta probabili­
dade de que a auto-avaliação evocará reforçamento ou punição automáticos ou auto-libe-
rados e a pronta auto-afirmação de regras adequadas.
Portanto, no caso da preguiça, se há grande intervalo de tempo entre o fazer e as
conseqüências, estas não atuam. Para existir uma condição aversiva condicionada, há
necessidade de estimulação aversiva pareada com a preguiça. Será que não há redução
da estimulação aversiva contingente à preguiça? Levantar tarde, ou não fazer, tem conse­
qüência imediata? Será que nào há reforçamento automático, pela redução da estimulação
aversiva, que a regras produziriam? "Não fiz, pronto! Faço o que gosto”. "Não entrego o
artigo porque não me cobraram e eu estou sobrecarregada no momento"... “Só trabalho
sob pressão..." Será que naquele intervalo de tempo as contingências atrasadas estavam
bem claras? (o livro publicado sem o seu artigo...)
Provavelmente na preguiça, às vezes, a pessoa identifica vagamente as conseqüên­
cias, mas opta por "não fazer nada", ou explica seu comportamento de uma forma congruente
com seus valores do momento e suas auto-regras. O que parece diferenciar a preguiça da
procrastinação é que o deixar de fazer, não fazer o que deveria, é... tranqüilo!!! É um
padrão estabelecido e sustentado por um conjunto pessoal de regras aceitas e insensibi­
lidade ás contingências e, muitas vezes, esquiva de controles, ou contracontrole como a
lentidão, o fazer cera ou mesmo não fazer. No caso do Jeca Tatu, não vale plantar porque
as formigas comem, "não paga a pena”.
Procrastinação, para Caldas Aulete (1958), é adiar, demorar, prostrair, delongar,
espaçar (procrastinare). Procrastinador é moroso, preguiçoso (p. 4086).
Como diz o poeta Fernando Pessoa, em seu poema Adiamento: "Depois de ama­
nhã sim, só depois de amanhã".
As concepções falsas que fundamentam a procrastinação são descritas por Ferrari,
Johnson e Mccowin (1995), de acordo com sua experiência clinica, em cinco disfunções
cognitivas. Acrescento exemplos dos autores e de minha própria experiência profissional:
1) Superestimar o tempo para desempenhar a tarefa: "vou precisar de seis horas para
fazer... não vai dar";
2) Subestimar o tempo necessário para completar a tarefa: "em uma hora termino, faço
depressa";
3) Superestimar o futuro estado motivacional. Isto é exemplificado por afirmações tais
como: "Eu estarei mais descansada e capaz fazendo isto depois";
4) Ênfase na necessidade de conseqüência emocional para fazer a tarefa com sucesso.
A afirmação típica pode ser "As pessoas deveriam só estudar quando se sentirem
dispostas a isto", "Não estou inspirada para levar a carta ao correio";

66 Rtichcl R od rigu es K c r lu u y
5) A crença de que "trabalhar quando não está a fim ó improdutivo". Essa crença é ex­
pressa em frases como: "Não faz bem trabalhar quando você está desmotivado. Não
rende". Os autores acreditam que mesmo estudantes com bom desempenho podem
ter concepções falsas sobre a necessidade de estudar.
Aislie (1984) estabeleceu uma razão para mudar os parâmetros da procrastinação
acadêmica: aumento no valor da recompensa (percebida) da atividade a longo prazo (pas­
sar no exame) ou decréscimo no atraso. Para aumentar o valor reforçador de passar no
exame, pode se estabelecer o objetivo de estudar para o exame e até fazer um contrato
com alguém para manter esse estudar. O atraso do exame dependerá de mudanças no
ambiente acadêmico, como diminuir os intervalos entre exames e, nesse caso, é função
da instituição, ou depende de encontrar-se maneiras de obter essa mudança.
Ao observarmos o adiar das tarefas, podemos achar que a pessoa não se comporta
ou não tem conseqüências aversivas. Uma análise detalhada mostra que, geralmente, a
pessoa faz outras atividades, mesmo podendo gostar daquela a ser feita, tendo satisfação
em fazê-la após começar e ter o repertório: sabe fazer bem. O problema, inúmeras vezes,
é que o tempo utilizado na tarefa é pouco em relação ao que precisa ser feito. O resultado
é pequeno e só tem significado quando acumulado. Dizer uma regra sobre "vou trabalhar
um pouco agora, para finalizar dias após", não é suficiente e, provavelmente, não especi­
fica claramente a condição aversiva e nem mesmo a reduz. Mesmo fazendo parte do
trabalho adiado, não reduz a ansiedade ou o medo, pois estes não são suficientes, são
uma condição aversiva média, e seu término não reforça a fuga e a resposta necessária:
começar a escrever, colocar ordem na casa, arrumar o armário.
De fato, dados de pesquisa de Kerbauy et al. (1993), Kerbauy (1997) e Kerbauy e
Enumo (1994) mostram que as pessoas podem não sentir nada no momento de adiar a
tarefa mas, posteriormente, sentem-se angustiadas, mesmo sem relacionar diretamente
com o adiamento da tarefa; há acúmulo de tarefas e falta de tempo para completar a tarefa
adiada e as novas que surgem. O interessante em nossos dados é que a sensação de
alívio é acompanhada do desconforto pela qualidade de trabalho, que nem sempre é me­
lhor, quando completado.
Um outro fato que facilita a procrasti nação é a baixa probabilidade dos resultados.
É o caso do uso do cinto de segurança ou de parar de fumar. Embora sanções legais
possam existir, há probabilidade de falhar como estímulo aversivo por ser muito pequeno
ou pelo atraso.
Novamente, na procrastinação, estamos diante de um caso no qual não há prazo
final definido e os resultados são incertos.
Segundo Mallott, Whaley e Malott (1997), há regras fáceis de serem seguidas por­
que descrevem os resultados que têm magnitude considerável, são prováveis e seu atraso
é crucial. As regras difíceis de seguir descrevem resultados que são muito pequenos,
embora tenham importância quando acumulados, ou então são improváveis, e o atraso
não é crucial. Nesse sentido, essas explicações sobre regras procuram demonstrar que
nem sempre há liberação de condição reforçadora ou aversiva para controle de comporta­
mento. Se a contingência natural não prevê liberação, precisamos de regras pessoais ou
sociais que propiciem uma operação de motivação que estabelece uma condição aversiva.
Seu término reforça obedecer ou punir a não-obediência à regra.

Sobre C o m p ortam e nto e C o gn iç à o 67


Concluindo, para estabelecer se estamos adiante de preguiça ou procrastinação, é
imprescindível analisarmos o padrào de comportamento, as situações em que aconte­
cem, as regras que atuam direta ou indiretamente e a sobreposição emocional. Um “pre­
guiçoso", embora saiba emitir o comportamento, não o faz. Um "procrastinador" pode
fazer com menor ou maior qualidade, após um período de tempo, mas discrimina sutilezas
das emoções existentes.
Na situação clínica, com cliente em terapia, observa-se a procrastinação e rara­
mente a preguiça, como definida neste trabalho. As condições de vida do final do século
são propícias á execução de atividades de lazer e dificilmente apresentam conseqüências
aversivas para o não fazer nada. Observa-se, no entanto, que a denominação preguiça é a
utilizada pelo cliente que se denomina preguiçoso por ver televisão, tocar ou escutar mú­
sica, andar e fazer exercícios em detrimento de atividades como estudar e trabalhar para
manter-se. As condições existentes podem ser: a família sustenta economicamente, e,
embora cobre verbalmente o trabalho ou o estudar, não libera conseqüências eficazmente
e até reforça os comportamentos executados. Parece que existem regras ou sonhos que
afastam do trabalho e uma mentalidade malsã de que trabalhar não é digno e que todos
teriam "o direito" de viver de rendas e do ócio, de pensar ou escolher atividades agradáveis,
delegando aos outros a obrigação de trabalhar ou cuidar dele e um hábito de culpar os
outros ou o sistema.
É importante diferenciar procrastinação e preguiça de transtornos como depressão
ou eventos traumáticos recentes, como doenças graves, ou mesmo depressões ligeiras
relacionadas aos episódios da vida. Fernando Pessoa quando descreve “Tenho vontade de
chorar, muito de repente, de dentro...” parece estar descrevendo um sintoma de depres­
são, como também em outras frases do poema. Nesses casos, o não fazer ou a dificulda­
de em fazer existe para muitas atividades cotidianas.
Falamos em procrastinação quando há um padrão de comportamento que prejudica
o desempenho, pois as atividades são iniciadas e não terminadas, ou iniciadas com atra­
so. Também, outras atividades são exercidas, irrelevantes para a tarefa necessária, e a
pessoa observa-se como não realizando um objetivo definido e se culpa.
O terapeuta, em situação clínica, através da análise funcional, é que faz a distin­
ção, com o cliente, entre preguiça e procrastinação, fornecendo pistas sobre seu repertó­
rio e treinando, ou auxiliando a criar, situações de discriminação das contingências e
emissão de novos comportamentos e, especialmente, de construção de repertório verbal
sobre a responsabilidade por si próprio, por suprir as próprias necessidades e a descoberta
da atratividade ou necessidade das tarefas.

B ibliografia
Aislie (1982) Psychology of learning. Washington: APA, 99-121.
Argyle, M. (1994) Psychology o f happiness. London: Routledge.
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Sobre Com p o rtam e nto e C o fln ttfo 69


Capítulo 9

Ciúme e inveja: a visão comportamental


Sandra Maria CuryücSousa Leite

“Ahl Cuidado com o ciúme;


o monstro de olhos verdes que
debocha da carne que o alimenta ...
Mas como pesa cada hora àquele que
ama, duvida, suspeita e mais amai"

(William Shakespeare)

Embora as culturas difiram quanto às formas e a freqüência do ciúme, não há relato


de sociedades onde ele não exista.
Ciúme é uma emoção experienciada quando uma pessoa ó ameaçada pela perda
de um relacionamento com alguém (parceiro) para um rival (outra pessoa, em se tratando
do ciúme amoroso ou romântico). Uma perda que não envolva um novo relacionamento
semelhante entre o parceiro e um rival não produz ciúme.
A perda da atenção do parceiro parece ser o fator decisivo no ciúme. Embora ciúme
não necessariamente signifique ciúme amoroso, ou romântico, é dele que vamos falar
aqui, por se tratar do mais freqüente (Parrot, 1991).
"Ciúme romântico ó um complexo de pensamentos emoções e ações que se se­
guem à perda, ou ameaça de perda, de um relacionamento romântico. A ameaça é gerada
pela percepção de uma atração romântica real ou potencial entre o parceiro de alguém e
um rival (talvez imaginário)." (White e Mullen, 1989)
Há uma grande diferença entre o ciúme decorrente de fatos; o ciúme que procura
fatos; e o ciúme oriundo de delírios (fatos portanto inexistentes). No “ciúme normal", os
fatos levam ao sentimento; no ciúme mórbido, o sentimento determina a busca de fatos.
Teríamos, portanto, a possibilidade de três tipos de pacientes:

70 Sandra M a ria C u ry do Sou/a Lcitc


1)Aqueles com ciúme normal, com os quais deveríamos utilizar procedimentos que
ajudem alguém a superar uma frustração.
Devemos estar alertas para o fato de que, com freqüência, um dos membros do
casal provoca ativamente o ciúme no outro, uma vez que há conseqüências
positivamente reforçadoras envolvidas.
2)Aqueles (não psicóticos) com ciúme mórbido, com os quais deveríamos utilizar
procedimentos que se destinem a controlar comportamentos em excesso.
3) Aqueles com delírios de ciúme, casos em que a intervenção psiquiátrica ó condição
indispensável (Síndrome de Otelo).
Delírio de ciúme ó um problema comum na demência. Este ciúme é o fator central
na chamada Síndome de Otelo (denominação injusta em minha opinião, por se
tratar, o de Otelo, de um ciúme decorrente de fatos - comentaremos depois). Os
fatores psicobiológicos no ciúme delirante e as funções cognitivas dos pacientes
dementes, diferem dos de pessoas normais.
Em muitos casos, o ciúme mórbido tem sido abordado, com sucesso, como uma
variante de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Segundo Rimm e Masters (1979), o ciúme
é uma emoção que apresenta dificuldades peculiares para diagnóstico.
Essa palavra possui uma grande variedade de significados em nossa cultura, mas
referimo-nos, especificamente, a sentimentos de ansiedade e ressentimento diante da
possibilidade de perdermos alguém que amamos para um rival.
O ciúme exagerado, principalmente quando infundado, destrói muitas relações. As
estratégias terapêuticas para lidar com esse problema incluem a combinação da
dessensibilização sistemática, treinamento assertivo, técnicas de reestruturação cognitiva,
etc. Freqüentemente a melhora na auto-estima diminui o ciúme.
Embora o ciúme moderado seja normal e inevitável, alguns indivíduos se recusam a
admiti-lo, talvez por colocá-lo na mesma categoria do egoísmo. Algumas pessoas estão
imbuídas de uma ótica de amor de tal forma altruísta, que realisticamente não pode existir
entre duas pessoas engajadas num relacionamento amoroso. Esta possibilidade deve
estar presente nas considerações do terapeuta.
Estudos demonstram que o ciúme é responsável por cerca de 20% dos homicídios
cometidos, sendo o parceiro, e não o rival, quase sempre a vítima.
O ciúme gera uma reação de raiva, mais freqüentemente direcionada ao parceiro
que trai do que ao rival (Mathes, 1993).
Pesquisando uma grande amostra na Inglaterra, Mullen (1994) encontrou que:
• Praticamente todas as pessoas referem ciúme.
• Pessoas que bebem muito são mais “pródigas" com relação a ciúme.
• Confirma-se a hipótese popular de que aqueles que estão satisfeitos com sua ligação
amorosa são menos ciumentos.
• A violência no ciúme é predominantemente voltada ao parceiro e não ao rival.
• Os homens são responsáveis pela maioria de mortes e ferimentos gravesresultantes
de ciúme. Isto parece refletir mais as qualidades agressivas do homem do que diferen­
ças na qualidade do ciúme.

So b rr Com p o rtam e nto c C o gn iç d o 71


Ciúme e inveja apresentam uma grande variação nas condições que os antecedem
e na maneira como as pessoas vivenciam essas emoções. Quando as pessoas descre­
vem experiências verdadeiras de ciúme ou inveja, normalmente fazem a narrativa de um
"episódio emocional".
Um episódio emocional inclui:
a) as circunstâncias que levaram à emoção ou seqüência de emoções;
b) as emoções propriamente ditas;
c) qualquer tentativa de auto-regulação ou enfrentamento;
d) ações e eventos subseqüentes;
e) resolução.
Em suma, um episódio emocional ó a história de um acontecimento emocional e parece
ser a unidade natural para a análise e oompreensào das emoções humanas (Parrot, 1991).
Ao analisar inveja e ciúme, notamos que a emoção experienciada pelo indivíduo é
determinada pela avaliação que ele faz da realidade e pelo foco de sua atenção. Ao enfocar
a experiência emocional, Parrot (1991) distingue os casos nos quais as pessoas sabem
que estão com inveja e enciumadas, daqueles nos quais sâo motivadas pela inveja e pelo
ciúme, embora não saibam.
Ex.: Uma executiva está com raiva de uma colega que considera incompetente e
cuja promoção considera ter sido obtida através de "favores". Suponha que seus compa­
nheiros vejam muito a respeito da competência e nada sobre favores prestados quando se
referem a essa mesma pessoa. Eles interpretarão seu comportamento como sendo moti­
vado por inveja. Tanto no ciúme quanto na inveja parece bastante correto dizer que alguém
está com ciúme ou inveja mas não sabe disso.
Parrot (1991) realizou dois experimentos com o objetivo de diferenciar ciúme e
inveja. Como conclusão, obteve uma grande diferença qualitativa entre as duas emoções:
• Inveja: caracterizou-se por sentimentos de inferioridade, ressentimento e desapro­
vação do sentimento.
• Ciúme: caracterizou-se por medo de perda, desconfiança, ansiedade e raiva.
Como demonstra a literatura, o ciúme ó um assunto pouco pesquisado, mas a
inveja é ainda menos.
Segundo importantes sociólogos, o conceito de inveja tem sido bastante reprimido
nas Ciências Sociais desde o inicio do século, possivelmente porque ê desagradável
admitir sua existência.
No âmago da inveja está a comparação social, uma influência importante na forma­
ção do autoconceito.
Uma discrepância entre o indivíduo e outras pessoas distantes não sugere a eíe
que seja inferior. Já uma discrepância entre aspectos relevantes com pessoas compará­
veis dá evidência de que a inferioridade, e não outros fatores, é a fonte de discrepância.
Muito da nossa auto-estima provém da comparação com outros.
Sabe-se pouco sobre a suscetibilidade à inveja. Uma vez que haja condições para
o aparecimento da inveja, esta emoção pode tomar diferentes formas. A variedade pode
ser melhor apresentada se começarmos por uma diferenciação maior entre o sentido de

72 Sdmlrd M .irw C u r y «Ir Sou/a l.citc


inveja que é moralmente aceito e aquele que é moralmente repreensível ( invoja maliciosa
e nâo maliciosa). Inveja maliciosa: “eu gostaria que você não tivesse o que tem"; Inveja não
maliciosa: "eu gostaria de ter o que você tem".
Há muita similaridade entre a inveja maliciosa e a raiva. Na verdade, a diferenciação
entre as duas se faz primariamente pelo quanto a hostilidade ó justificável. Isto ilustra a
necessidade que padrões cognitivos e sociais sejam incluídos na análise.
Numa pesquisa americana de âmbito nacional, o ciúme foi citado como o foco
principal de 1/3 dos casais que fazem terapia conjugal.
Considerando-se que ciúme ó um dos assuntos mais comumente encontrados no
ambiente de terapia de casais, mais espantoso se torna o fato de quase inexistirem pesquisas
nessa área.
Há pelo menos quatro fatores que explicam essa ausência de pesquisas:
1 .Ciúme, ao contrário de outros assuntos, parece ser claramente um fenômeno

complexo que envolve personalidade, relacionamento, cultura e biologia.


Tudo isto impede formulações simples.
2. Só recentemente diminuiu sensivelmente a censura a pesquisas não-clínicas sobre
temas relativos a relacionamentos romântico e sexual.
3.0 ciúme é tão comum e “explicações” para ele são tão bem aceitas que seria
como pesquisar o óbvio.
4.0 ciúme coloca sérios questionamentos sobre a normalidade e a anormalidade
do ponto de vista psicológico. Isto exaspera a leigos, clínicos e pesquisadores.
Para encerrar, devo uma explicação quanto à discordância da denominação "Síndrome
de Otelo".
As emoções de Otelo foram desencadeadas por indução de alguém movido por
inveja (lago). Na obra de Shakespeare, lago (o invejoso) providenciou para que uma série
de condições antecedentes objetivas levassem Otelo ao ciúme. Ora, vendo as coisas sob
esse prisma, conclui-se que Otelo reagiu a fatos, não havendo, portanto, qualquer delírio.
Hoje me arrependo por não ter aproveitado esta oportunidade para fazer uma tentati­
va de análise funcional do texto de OTELO. Shakespeare brilha ao lidar com ciúme e
inveja. Sugiro que vocês tentem fazer isto.

Bibliografia
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Sobre C o m p ortam e nto e C o ^ niV ilo 73


Capítulo 10

Motivação: uma tradução comportamental


Kachd Nunes iht Cunha'
( /mvaxuhidc </<• Hi.islli.i

Em primeiro lugar, quero agradecer à Presidente da ABPMC, Dra. Rachel Rodrigues


Kerbauy, pelo honroso convite para participar do VIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e
Medicina Comportamental. Foi-me solicitado que falasse sobre motivação, no tema
proposto para esta mesa redonda: É possivel a análise do com portamento traduzir
termos da Psicologia? Esta questão nos leva, em primeiro lugar, a explicitar que "a
análise do comportamento desenvolveu-se como uma linguagem da psicologia, aperfeiçoou
métodos de estudo para questões tradicionais da psicologia, abriu novos campos de
pesquisa e gerou tecnologias em uso por toda parte" (Todorov, 1982, 14). Isso tem se
confirmado ao longo de um período de mais de 50 anos do lançamento do empreendimento
de B. F. Skinner de promover uma ciência do comportamento: nesse sentido, o analista
do comportamento, respaldado por um conjunto de pressupostos básicos e de uma
metodologia experimental, tem desenvolvido um corpo teórico e sistemático de
conhecimento psicológico.
Esse conhecimento é diferenciado de outras abordagens psicológicas, principal­
mente no que concerne à linguagem utilizada para descrever as relações comportamentais
estudadas. Vários termos psicológicos são oriundos da linguagem coloquial, por exem­
plo, memória, consciência, inteligência, personalidade, desenvolvimento, aprendizagem,
emoção, motivação e muitos outros termos. A questão aqui colocada é se há possibilida­
des de termos como estes serem traduzidos para uma linguagem na perspectiva analíty-
co-comportamental. Antes de responder à questão, considerando o termo motivação, fai-
se necessário dizer que o traduzir, aqui colocado, significa a ênfase acerca dos enuncia­
dos que utilizamos para descrever uma relação comportamental, pois os termos psicoló­
gicos, tradicionalmente empregados pela psicologia, têm sido usados também por analis­
tas do comportamento que, ao usarem-no, identificam as condições de estímulos que os
1 Instituto de Psicologia - Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Asa Norte 70910-900 - Brasília
- DF (0xx61) 307-2625 (ramal 513). Internet: rdacunha@unb.br

74 Rachel N u n e s da C u n h a
produziram. Por exemplo, falamos em aprendizagem quando observamos uma criança
falar "mamãe" na presença de sua mãe. Em várias situações anteriores, observamos essa
criança falar "mam" e ser beijada e acariciada por sua mãe, que diz em seguida "parabéns!
você sabe falar “mamãe"; situações como esta nos permite descrever o comportamento
da criança e as condições de estímulos nas quais este comportamento ocorreu. Segundo
Skinner (1945), reforçamentos consistentes de respostas verbais na presença de estímu­
los pressupõem a ação desses estímulos sobre o comportamento do falante e da comu­
nidade reforçadora.
Parece ser problemática a situação de respostas verbais aos estímulos privados,
mas essas respostas são adquiridas e mantidas por reforçamentos apropriados baseados
em eventos públicos. Dessa forma, a comunidade verbal ensina uma criança a falar “meu
joelho dói”, por exemplo, logo após uma queda que produz escoriações no joelho. Assim,
a linguagem dos eventos privados está ancorada nas práticas públicas da comunidade
verbal, e o tratamento do comportamento verbal em termos de relações funcionais entre
respostas verbais e estímulos proporciona ao analista do comportamento uma alternativa
para enunciar relações comportamentais que pode ser o que estamos chamando aqui de
"tradução" desses termos psicológicos para a linguagem analítico-comportamental.
Neste momento, passo a tratar do termo motivação para falamos dessa possibilida­
de de tradução.

1. Motivação

O conceito de motivação tem sido considerado como um fator determinante da


ação humana, historicamente esse conceito passou por várias concepções; por exemplo,
instinto, impulso e a retomada do conceito de instinto em uma perspectiva etológica.
Essas abordagens tratam a variável motivacional como processos internos determinantes
do comportamento. Tratados sobre motivação como, por exemplo, Mook (1987), ilustram
a diversidade do conceito de motivação na psicologia, o que nos leva a concluir que a
questão fundamental está no tratamento das variáveis controladoras do comportamento,
definidas por essas abordagens como processos internos inferidos. A tradução de termos,
tais como motivação, pela análise do comportamento passa por essa questão do tratamento
de variáveis controladoras do comportamento.
Na análise do comportamento, o papel de tais processos internos inferidos tem
sido minimizado em favor de causas ambientais do comportamento (da Cunha 1995).
Enfatizando o papel das variáveis ambientais como controladoras do comportamento, Skinner
(1938,1953) define motivação em termos de operações de privação, saciação e estimulação
aversiva. Dessa forma, poderíamos dizer que o termo motivação foi traduzido para a lin­
guagem analítico-comportamental que enfatiza as condições nas quais o comportamento
ocorre.
Também na perspectiva da análise do comportamento, Keller e Schoenfeld (1950)
enfatizaram a necessidade de se conceituar motivação como variáveis ambientais
controladoras do comportamento de forma a evitar o conceito de impulso dos behavíoristas
metodológicos, como, por exemplo, Clark Hull. Keller e Schoenfeld chamavam a atenção
para outros eventos ambientais além dos eventos que funcionam como reforçadores, intro­

Sobrc Com p o rtam e nto e C o ^ n iç A o 75


duzindo o termo “operação estabelecedora" para identificar esses eventos e demonstrar a
sua função motívacional. Com o termo operação estabelecedora, esse autores definiram
motivação na linguagem analítico-comportamental, demonstrando que podemos tratara
variável motivacional como uma variável independente que pode ser manipulada experi­
mentalmente. Essa tradução implica em poder executar certas operações sobre o orga­
nismo (e,g., privá-lo de alimento). Segundo Keller e Schoenfeld, estas operações têm
efeitos sobre o comportamento, que indicam uma mudança momentânea da efetividade
de um evento como reforçador e da mudança da freqüência de qualquer comportamento
que tem sido seguido por esse evento reforçador.
Na mesma linha de análise, a possibilidade de traduzir o termo motivação para a
linguagem da análise do comportamento foi considerada por Millenson (1967) que identifi­
cou o conceito de impulso (drive) como um meio de enfatizar"... a habilidade de certas
operações de estabelecer reforçadores...”. Millenson classifica dois tipos de operações
de impulso (drive operations):
1 . uma que tem a função de reduzir ou eliminar o valor reforçador (saciação) e outra

2.que trabalha para aumentar o valor dos reforçadores (privação)" (Millenson, 1967,
p. 366, citado em da Cunha, 1985, p.12).
Preocupado, também, com a linguagem, ou seja, com a forma de enunciar rela­
ções funcionais que envolvem interações do indivíduo com o ambiente, Michael (1982,
1993) retomou o conceito de operação estabelecedora, a partir de Keller e Schoenfeld
(1950) para definir motivação em uma linguagem analítico-comportamental. Michael in­
cluiu “um tipo de variável motivacional aprendida que não foi explicitamente tratada por
Skinner, 1938, 1953; Keller e Schoenfeld, 1950 e Millenson, 1967“. (da Cunha, 1995).
Essa foi uma das grandes contribuições de Michael para a análise do comportamento,
estabelecendo um novo instrumento conceituai e metodológico, caracterizado como ope­
rações estabelecedoras condicionais, especialmente as do tipo transitivas que tem sido
utilizadas para, efetivamente, tratarmos o conceito de motivação nessa linguagem.
Para tanto, Michael (1993) defirie uma operação estabelecedora (EO) como uma
variável ambiental e em função de seus dois efeitos denominados de: a) Efeito Estabelecedor
do Reforço e b) Efeito Evocativo. O efeito estabelecedor é caracterizado por, momentane­
amente, alterar a efetividade reforçadora de algum objeto evento ou estimulo; e o efeito
evocativo é caracterizado por, momentaneamente, alterar a freqüência de um tipo de com­
portamento que tem sido reforçado por aquele objeto, evento ou estímulo.
Michael (1993) também propõe que as operações estabelecedoras sejam classifi­
cadas em duas categorias: a) operações estabelecedoras incondicionais (UEOs) que são
de origem filogenética e variam de espécie para espécie, e b) operações estabelecedoras
condicionais (CEOs) que têm origem ontogenética e, portanto, relacionadas com a histó­
ria de cada organismo. Esses dois tipos de operações estabelecedoras são diferenciados
a partir do efeito estabelecedor do reforço, pois este pode ser inato ou aprendido, caracte­
rizando uma operação estabelecedora incodicional ou condicional, respectivamente. Quanto
ao efeito evocativo, este é geralmente aprendido em ambos os tipos de EOs (UEOs e
CEOs). Por exemplo, privação de água é um exemplo de UEO: água torna-se mais efetiva
como forma de reforçamento para muitos mamíferos como resultado da privação de água
sem nenhuma história de aprendizagem, mas o repertório comportamental para adquirir
água é aprendido por esses organismos.

76 R.ichcl N u n e * d.i C u n h a
No que concerne às operações estabelecedoras condicionais, elas tôm recebido
uma atenção maior dos pesquisadores na tarefa da demonstração empírica desse concei­
to motivacional e ainda foram classificadas por Michael (1993) em três tipos:
1)operaçào estabelecedora condicional substituta - refere-se a uma relação simples,
envolvendo uma correlação temporal de um evento, previamente neutro, que sis­
tematicamente antecede uma UEO ou uma CEO, resultando que deste
emparelhamento, aqueíe evento adquire a característica motivacional da UEO ou
da CEO com a qual fora emparelhado:
2 )operação estabelecedora condicional reflexiva - refere-se a uma relação mais com­

plexa em “que um evento ou estímulo sistematicamente precede alguma forma de


estimulação aversiva e, se ó removido antes da ocorrência da estimulação aversiva,
a estimulação aversiva deixa de ocorrer. São exemplos de CEO reflexiva os procedi­
mentos de esquiva sinalizada. Neste caso, o evento ou estímulo sinalizador funciona
como uma variável motivacional do tipo CEO reflexiva, e não como um estímulo
discriminativo, como enfatiza a literatura sobre esquiva sinalizada (Michael, 1993).
Esse tipo de CEO foi assim denominada por Michael porque o estímulo sinalizador
adquire a capacidade de estabelecer sua própria remoção como forma efetiva de
reforçamento condicionado e evoca qualquer comportamento que tenha produzido a
supressão deste estimulo reforçador condicionado" (da Cunha, p. 13).
3)operação estabelecedora condicional transitiva - das três relações esta é a mais
complexa e refere-se à efetividade de muitas formas de reforçamento condicionado
que pode depender de uma condição de estímulo na qual esses reforçadores
condicionados foram estabelecidos. Esse tipo de operação estabelecedora tem
sido utilizado para demonstração empírica desse conceito de motivação com
alguns trabalhos publicados (MCPherson e Osborne, 1986,1988) e com alguns
trabalhos não publicados (Lubeck, R. C. e McPherson, A., igSô1' ; McPherson,
Trappe Osborne, 19843; Alling, 1990 e da Cunha, 1993).
A concepção analítico-comportamental do conceito de motivação, como operações
estabelecedoras, não só contribui com a possibilidade de tratarmos de termos tradicio­
nais da psicologia, como também estabelece uma nova linha de pesquisa, que tem como
desafio desenvolver um procedimento que permita demonstrar empiricamente como se
estabelece o controle motivacional sobre o comportamento.
Concluindo, acredito que, enquanto analistas do comportamento, fazemos muito
mais do que meramente traduzir termos psicológicos, podemos falar de comportamento
humano a partir de um sistema de relações funcionais que são descritas em linguagem
clara e objetiva, evitando confusões conceituais e, ainda permite-nos predizer e controlar
o comportamento com perspectivas de desenvolver tecnologias comportamentais
Um dos aspectos fundamentais da proposta de Michael é a possibilidade de que a
análise do comportamento tem de investigar o controle de variáveis motivacionais, como
variáveis independentes, proporcionando, de certa forma, o resgate do tópico de motiva­
ção para uma abordagem analítica comportamental. Verifica-se que mesmo com a ressal­

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Sobro C om p o rtam e nto o Coflntçclo 77


va de Keller e Schoenfeld (1950) para a importância do conceito de motivação, este ficou,
por muitos anos, colocado em segundo plano, talvez em favor, por exemplo, das investiga­
ções sobre esquemas de reforçamento. A proposta conceituai e metodológica de opera­
ções estabelecedoras, retomada por Michael, não apenas estabelece uma nova linha de
pesquisa na análise experimental como também prioriza a variável motivacional como
evento ambiental tratado como uma variável independente, ou seja, enfatiza o estudo do
controle dessa variável sobre o comportamento.

B ibliografia

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78 Rachel N u n e s da C u n lta
Seção III

Aplicações específicas:
ensino, deficiência
mental, leitura e escrita,
gerontologia e esporte
Capítulo 11

Repensando o ensino de análise


do comportamento 1
Sérgio Dias Ciríno

“Teaching is simply the


arrangement of contingencies.v

A história da análise do comportamento no Brasil é uma história recente3. 0 primeiro


curso na área foi dado pelo Professor Fred Keller, na Universidade de São Paulo, em 1961,
formando os primeiros analistas do comportamento brasileiros. Segundo Matos (1996), foi na
dócada de 70 que a área se expandiu e se consolidou no Brasil, o que podia ser facilmente
verificado, principalmente, com o sucesso das reuniões da Sociedade de Psicologia de Ribeirão
Preto e com a criação dos cursos de psicologia da UnB e da UFPA.
Desde o inicio da análise do comportamento no Brasil, os analistas do comporta­
mento brasileiros se ocuparam de importantes questões da área tanto do ponto de vista
teórico quanto do ponto de vista da pesquisa básica. Paralelamente ao avanço da análise
do comportamento, alguns estudiosos brasileiros também começaram a se mostrar sen­
síveis ao seu ensino, ou seja, se por um lado estava clara a importância do investimento
na produção do conhecimento teórico e prático, estava também clara a importância do
ensino dessa nova disciplina.
Um dos aspectos mais estudados por estes pesquisadores, preocupados com as
questões relativas ao ensino, foi o do ponto de vista dos alunos, ou seja, a "opinião" ou a
"percepção" dos alunos de psicologia sobre a análise do comportamento. Vários trabalhos

1 0 autor agradece ás colegas Maria Regina Barbosa Assunção e Ana Maria Lé Senechal pela leitura atenta e comentários
valiosos em versões preliminares do texto
* Ensinar é simplesmente aranjar contingência* de reforçamento.
3 O termo 'análite do comportamento' foi deliberadamente usado no presente texto como sinônimo dos termos behaviorismo
radical’ e 'análise experimental do comportamento'. O leitor interessado om uma discussão mais aprofundada das
diferenças entre esses termos pode se beneficiar da leitura dos textos da Professora Maria Amélia Matos (cf. Matos, 1992
e 1995).

Sobre C om p o rta m e nto c C otfniçJo 81


nas décadas de 70 e 80 mostram um certo disparate entre a produção de conhecimento e
a percepção dos estudantes com relação à área.
Por um lado, os pesquisadores brasileiros começavam a ter reconhecimento inter­
nacional com participações em congressos, em corpos editoriais, publicações em revis­
tas cientificas importantes, etc. Por outro lado, os analistas do comportamento sofriam
pressões e eram, não raramente, mal interpretados. Freqüentemente, a análise do com­
portamento era avaliada negativamente, tanto por psicólogos quanto por alunos dos cur­
sos de psicologia (cf. Barros, 1989; Miraldo, 1985; Otta, 1983; Luna, 1979). Em 1985,
num trabalho que ó referência na área do ensino da análise do comportamento, Miraldo
afirma que ó comum ouvir dos alunos de Psicologia criticas do tipo: "é preferível fazer
créditos a menos num determinado semestre, do que fazer algum curso behaviorista, nas
ocasiões em que podem escolher os cursos que fazem (...) também ó comum que os
alunos atribuam alguns acontecimentos desagradáveis ou desumanizantes (como por
exemplo, a situação de censura e tortura em países com regime forte) a maquinações de
behavioristas, que, aliás a seu ver, somente defendem propostas políticas de direita, com
intenções ditatoriais" (págs. 1 e 2 ).
É interessante observar que a maioria dos problemas detectados pelos pesquisa­
dores brasileiros com relação ao ensino da análise do comportamento também eram
problemas detectados por pesquisadores de diversos outros países. Por exemplo, Lattal,
em 1978, preocupado tanto com a possível má utilização do laboratório animal em cursos
introdutórios de psicologia quanto com a percepção dos estudantes com relação à disci­
plina, propõe um programa preparatório para os professores que iriam ensinar análise do
comportamento. Assim, os professores poderiam estar melhor preparados para discutir
questões quase que inevitáveis em cursos introdutórios em psicologia como: diferenças e
semelhanças entre comportamentos humanos e não humanos, abrangência dos estudos
feitos com sujeitos não humanos na compreensão dos assuntos humanos, generalidade
das verificações feitas no laboratório, etc.
De um modo geral, o que se observa tanto na literatura especializada (nacional e
internacional) nas décadas de 70 e 80 é que o ensino da análise do comportamento não
era uma tarefa muito simples e, portanto, merecia uma atenção mais cuidadosa dos
pesquisadores. Esta mesa redonda neste congresso e o público aqui presente refletem
claramente a mesma preocupação com o ensino. Ou seja, hoje, no final dos anos 90,
estamos reunidos para discutirmos questões de certa forma já antigas mas que, pelo fato
de continuarem sendo levantadas, indicam sua contemporaneidade e, portanto, insistem
por respostas.
No começo da década de 90, DeBell & Harless (1992) analisaram de forma cuida­
dosa a compreensão de alguns conceitos behavioristas entre estudantes americanos de
graduação e pós-graduação em psicologia e afirmam que:
"Sujoitos em todos os níveis de educação tóm graves mitos a respeito da obra de Skinner.“
(pôg. 68r

Os resultados apresentados por eles replicam os apresentados por Miraldo (1985)


e indubitavelmente recolocam a questão do ensino da análise do comportamento na or­
dem do dia.

* Subjects fít ali leveis of education hold severaI myths concerning Sktntwr'a work

82 Sérgio Pms Clrlno


O trabalho de DeBell & Harless integra um conjunto de estudos cujo exame indica
um número cada vez mais expressivo de analistas do comportamento que têm se debru­
çado sobre a questão do ensino da análise do comportamento (Malott, Vunovich, Boettcher
& Groeger, 1995). Um bom exemplo dessa nova tendência é a criação de um grupo espe­
cifico, o TBA Group pela ABA (Association for Behavior Analysis - internationat) para
discussão do ensino de análise do comportamento. Também ó interessante destacar a
publicação, em 1995, de uma edição especial com 21 artigos sobre o ensino da análise do
comportamento na revista científica The Behavior Analyst. Essas ações são, inequivoca­
mente, indicativas de uma crescente preocupação internacional com a questão.
Diferentes aspectos do ensino de análise do comportamento têm sido abordados.
Shook, Hartsfield & Hemingway (1995) avaliaram o que vários analistas do comportamen­
to americanos consideram conteúdos essenciais em cursos de formação em análise do
comportamento. Os resultados obtidos produziram uma lista de doze diferentes áreas
com os principais conteúdos apontados pelos sujeitos como indispensáveis para a prática
cotidiana do analista do comportamento. Os resultados também mostram que nenhum
dos cursos pelos quais passaram os sujeitos da pesquisa contemplou todas as áreas
críticas à prática da análise do comportamento ou à sua aplicação em escolas, clínicas,
empresas, etc. O trabalho de Shook e colaboradores aponta para uma questão importan­
te: a escolha dos conteúdos a serem ministrados nos cursos destinados ao ensino da
análise do comportamento.
Além da preocupação com a escolha de conteúdos adequados, a forma e os recur­
sos didáticos usados nas práticas de ensino têm sido considerados objetos relevantes de
investigação quando o tema é o ensino da análise do comportamento. Nesta direção, uma
série de artigos apresentam sugestões inovadoras de ensino. Para o ensino de conceitos
comportamentais Pavlik & Flora (1990) propõem uma matriz com os conceitos de
reforçamento e punição. Também na direção dos recursos visuais, Kiewra & DuBois
(1992) constroem um sistema de representação espacial para facilitar a introdução dos
conceitos de reforçamento positivo, reforçamento negativo, punição positiva e
punição negativa. É interessante observar que nesses dois trabalhos o recurso visual é
usado para facilitar a compreensão de conceitos geralmente difíceis de serem ensinados.
Conceitos antagônicos como os de reforçamento e punição são apresentados de uma
forma visualmente integrada, facilitando a identificação de semelhanças e diferenças entre
os conceitos.
Todos os trabalhos citados até aqui são unânimes ao apontar dificuldades no ensi­
no da análise do comportamento e para essas dificuldades são sugeridas alternativas
engenhosas. Por um lado, a sugestão dessas alternativas revela uma avaliação implícita
de que o ensino tradicional é frágil no sentido de garantir consistência na aprendizagem de
alguns conceitos behavioristas. Por outro lado, esta avaliação parece resultar de uma
preocupação difusa daquilo que realmente ocorre nas práticas de ensino. Ou seja, será
que os problemas de ensino da análise do comportamento são decorrentes unicamente
das práticas de ensino utilizadas? Se esse não for o caso, que outros fatores poderiam
estar afetando o ensino? Ao nos depararmos com a dificuldade do ensino de conceitos
básicos (como reforçamento negativo e punição), podemos imaginar os reflexos dessa
dificuldade no ensino de conceitos mais avançados (como equivalência de estimulos,
variabilidade comportamental, comportamento verbal, metacontingência, etc.) que
dependem de uma correta compreensão prévia dos básicos.

Sobre C o m p o rta m e nto e C o ^ m ç d o 83


É oportuna a reflexão de Ellis & Glenn (1995) sobre o behaviorismo. De acordo com
a perspectiva dessas autoras, a própria sobrevivência da análise do comportamento de­
penderia da adequação das práticas de ensino utilizadas:

“A existência futura da análise do comportamento está na transmissão das suas práticas


cientificas e tecnológicas a um crescente número de analistas do comportamento, muitos dos
quais, por sua vez, utilizarão uma significativa porção de suas carreiras profissionais ensinando
tais práticas às próximas gerações de analistas do comportamento." (Pág. 285)*

Ellis & Glenn (1995) dão, assim, um passo alóm ao utilizar os conceitos da própria
análise do comportamento como ferramentas para o exame e a avaliação do seu ensino,
fundamentando sua concepção na análise Skinneriana da manutenção de práticas cultu­
rais por meio de seleção por conseqüências (cf. Skinner, 1981).

1. Questões sobre o laboratório animal operante como recurso


didático

Dentre as práticas de ensino da análise do comportamento, um dos recursos mais


amplamente utilizado é o laboratório de comportamento animal operante. São freqüentes
as asserções favoráveis ao uso do laboratório para o ensino de habilidades especificas
tais como: controle de variáveis; aprendizagem de habilidades clínicas, como a observação
e o relato de comportamentos; liberação de feedback etc. Apesar de toda uma vasta
literatura a respeito das indiscutíveis vantagens do uso do laboratório como recurso didático
(Lattal, McFarland & Joyce, 1990; Banaco, 1986; Gomide & Dobrianskyj, 1988; Machado,
1972 etc.), o laboratório parece ser também fonte de aversão.
O caráter aversivo das práticas de laboratório tem sido investigado por vários auto­
res e as mais diferentes sugestões têm sido apresentadas. Barber (1994), por exemplo,
propõe um programa específico de modelação para reduzir a aversão ao laboratório ani­
mal. Catania, Matthews & Shimoff (1990) sugerem em Behavior on a disk, um programa
de computador - nos moldes de um jogo de video game-co m um "rato virtual" sensível ás
contingências de um teclado e um mouse. Uma proposta apresentada por Karp (1995) de
uma "olimpíada de ratos" é mais radical e transforma o laboratório operante numa espécie
de circo:

"A Olimpíada de ratos ó um evento de gala que segue os últimos exames do curso, para uma
platéia convidada (...) os ratos que param por mais de um minuto e meio sSo desclassificados do
evento. (...) Os treinadores dos ratos medalhistas de ouro de cada evento recebem prêmios com
os quais continuarão suas ilustres carreiras de treinadores.' (Pág. 149/150)°
Será que a transformação do laboratório operante animal num "circo" resolveria a
questão da aversão ao laboratório? Será que a filosofia do behaviorismo radical estaria

" "The future existence of behavior analysis resls on ttte transmission of Its sclentific and technological practices to a yrowlng
number of behavior analysts. some of whom will, In turn. spend a significant portlon of thelr professional carrers teaching
those practlces to the next generatlon of behavior analysts.* (P. 285)
* “The Rat Olympics are held as a gala event followmg the last exam in the course, and guests are mvlted.(...) Rats who balk
for more than a minute and half are disqualified from that event (...) The tralners of Gold Medal rats foreach event receive
frogcllcker key chains with whlch to continue their lllustrlous training carrers". (P. 149-150)

«4 Sérflío l>i<is C irin o


preservada num ambiente assim? Será que o uso de um video game para ensinar análise
do comportamento é realmente uma saída razoável? Já que se está usando um ambiente
virtual no video game, qual ó a necessidade de ser um rato o sujeito? Não poderia ser um
outro animal - quem sabe um ser humano?
A manutenção ou não de qualquer prática de ensino deve ser avaliada funcional­
mente. Com isto, se o laboratório animal é realmente uma fonte de estimulação aversiva e
se as alternativas mais viáveis são transformá-lo num ambiente circense" forfun” (Karp,
1995, pág.147), ou num jogo de videogame (Catania et al., 1990), talvez seja o momento
de repensarmos tal prática...
Antes da adoção de atitudes drásticas como a proposta de Karp (1995), faz-se
necessária uma ampla e sistemática avaliação das práticas correntes de ensino da análi­
se do comportamento. Em última análise, tal avaliação pode servir como fonte de práticas
alternativas coerentes tanto com a ciôncia quanto com a própria filosofia comportamental.
Parece claro, na literatura especializada, a necessidade de se redimensionar o
laboratório animal operante tanto na sua função como recurso didático quanto na de
pesquisa em cursos de graduação. Na maioria das vezes, o laboratório é usado como
lugar para replicação de experimentos que "dão certo” (Barros, 1989). Nestas condições,
em geral, o aluno é colocado numa atitude passiva de observação e registro de fenômenos
comportamentais que acontecem à sua frente, dentro da Caixa de Skinner.
O laboratório animal operante é quase uma "marca registrada" da análise do com­
portamento. Contudo, será que ele é realmente necessário? Talvez a questão devesse ser
colocada de uma outra forma: será que o laboratório animal operante é sempre necessá­
rio?
Não resta a menor dúvida quanto a sua relevância nos cursos de pós-graduação e
nos centros de pesquisa. Nessas circunstâncias, o laboratório animal operante é um
excelente instrumento de investigação. Ou seja, quando o objetivo é o da produção de
novos conhecimentos, o laboratório é um recurso legítimo e desejável.
O que dizer do laboratório animal operante nos cursos de graduação? No Brasil, os
cursos de graduação em Psicologia geralmente oferecem aulas de laboratório animal
operante como parte de uma disciplina muitas vezes chamada de psicologia geral e expe­
rimental. Essa disciplina ó, quase sempre, uma disciplina do início do curso (entre o 1a e
o 3° períodos) e ó nessa disciplina que eventualmente o recurso do laboratório ó usado.
Mais ainda, no Brasil, ao final de um curso de psicologia, um aluno terá sido exposto a
4.300 horas de aulas nas mais diferentes disciplinas. Desse total de horas, o aluno é
exposto, em módia, a 1 0 0 horas de disciplinas com conteúdos comportamentais, ou seja,
a pouco mais de 2% da carga horária total do curso... A questão aqui ó a seguinte: dadas
as contingências de uma carga horária tão reduzida, que conteúdos da análise do com­
portamento são os mais importantes a serem ensinados? Colocando a questão de uma
outra forma: com uma carga horária tão reduzida, um professor de análise do comporta­
mento será capaz de usar o laboratório para a produção de conhecimentos, justificando,
assim, o recurso do laboratório? A questão poderia ser colocada ainda de uma outra
forma: será que os conceitos aprendidos no laboratório animal operante não poderiam ser
aprendidos de outra forma, por exemplo, a partir da análise de situações humanas?
Suponhamos que um professor de análise do comportamento tenha como objetivo
discutir a questão do controle de estímulos com seus alunos. Para tanto, ele planeja uma

Sobre C o m portam ento e C o gn iv ilo 85


série de sessões no laboratório animal operante. Basicamente, os alunos irão treinar os
seus sujeitos experimentais a responderem num esquema de reforçamento FRextinção.
Assim, depois de concluídos os exercícios no laboratório, ó possível que o professor
discuta como o operante discriminado (no caso, a resposta de pressão à barra) pode ficar
facilmente sob controle do ambiente. Continuando nesse exemplo, um professor mais
cuidadoso pode fazer o seguinte arranjo: divide-se a turma em dois grupos; um grupo
treina o esquema de reforçamento em FR com luz e a extinção sem luz e o outro grupo
treina o esquema de FR sem luz e a extinção com luz. Em média, são necessárias três
sessões experimentais de 1 hora para que se obtenha um responder razoável que justifi­
que a utilização desse recurso. Contudo, será que o mesmo fenômeno não poderia ser
investigado, em sala de aula (eventualmente até de forma mais rápida), com os próprios
alunos como sujeitos? O que dizer da enorme quantidade de situações cotidianas que
vivemos e que poderiam ser analisadas à luz do conceito de operante discriminado? Será
que a compreensão do conceito de operante discriminado numa situação humana ficaria
comprometida se não fosse precedida de uma demonstração do mesmo fenômeno com
um rato ou um pombo no laboratório?
Alguns pesquisadores tôm argumentado ultimamente a favor do uso do laboratório
animal operante não como um lugar para replicação de experimentos "que dão certo", mas
como lugar de pesquisa. Contudo, será possível uma pesquisa de qualidade num labora­
tório animal operante em cursos introdutórios de psicologia? Partindo-se do pressuposto
de que uma pesquisa não se resume a uma rápida coleta de dados, mas é composta de
várias etapas, a saber: 1 ) identificação de um problema; 2 ) verificação da relevância desse
problema; 3) levantamento bibliográfico acerca do problema; 4) planejamento experimen­
tal; 5) coleta de dados propriamente dita; 6 ) tratamento e análise dos dados; 7) discussão
dos resultados e 8 ) divulgação pública dos resultados. Talvez a situação de pesquisa seja
realmente a ideal utilização do laboratório animal operante em cursos de graduação.
Contudo, infelizmente, com cargas horárias tão reduzidas, na grande maioria das escolas
de psicologia, isso não é possível.
Por um lado, a questão do laboratório animal pode ser colocada como uma questão
sobre a prática de ensino e, neste caso, ó importante a discussão das melhores formas
de utilizá-lo como recurso didático. Assim, são legítimas - apesar de um tanto quanto
assustadoras - as propostas de "olimpíadas de ratos" (cf. Karp, 1995) e do "rato virtual"
num video game (d. Catania e col. 1990).
Por outro lado, a questão pode ser abordada sob a perspectiva da legitimação da
prática da análise do comportamento como uma prática cientifica. A mais típica caracte­
rização de ciência é justamente um cientista de avental, perto de instrumentos exóticos,
num laboratório com ratos brancos... Assim, ó razoável pensar que a análise do compor­
tamento tenha se valido do laboratório não apenas como recurso de pesquisa mas tam­
bém como uma ferramenta para legitimar a sua prática dentro do rol das ciências. Será
que o status de ciência está inexoravelmente atrelado a uma prática de laboratório animal
operante? Com certeza não. Se observamos atentamente a produção literária de Skinner,
veremos que, entre os 19 livros publicados por ele ao longo de sua vida, apenas um (Schedules
of reinforcement, 1957) trata especificamente da pesquisa no laboratório. A maioria
esmagadora dos livros publicados por ele trata dos mais diversos assuntos humanos,
com exemplos humanos e pouca menção às pesquisas no laboratório animal.
A questão da legitimação ou não do caráter científico da análise do comportamento
ó, sem dúvida, um tema à parte e este não é o fórum adequado para essa discussão. O

86 SÉrflio P m * Cirmo
meu objetivo com esta apresentação ó o de colocar a questão do ensino da análise do
comportamento num contexto mais amplo. Ou seja, o que ensinar quando nos propomos
a ensinar análise do comportamento?
Talvez essa seja a principal questão a ser respondida inicialmente. Há que se defi­
nir o que será ensinado antes que se proceda uma análise mais cuidadosa das possíveis
estratégias de ensino. Se considerarmos, como já foi dito anteriormente, que a maioria
dos alunos brasileiros dos cursos de psicologia estarão expostos a contingências de
ensino de conteúdos da análise do comportamento em apenas 2 % da carga horária total
do curso de psicologia, é possível que se decida ensinar questões relativas á consciência
e eventos internos. Um outro professor pode escolher ensinar questões relativas a uma
análise do comportamento verbal. Um outro ainda pode decidir ensinar questões relativas
á cultura, etc. Todos esses temas são perfeitamente pertinentes a um programa de análi­
se do comportamento e prescindem do laboratório animal operante.
Apesar de ser recente a história da análise do comportamento no Brasil, vemos
hoje centros de excelência nas investigações básica e aplicada - como na UFPa, UnB,
UFSCar, PUCSP, USP. O que se viu na década de 70 foi a consolidação da pesquisa em
análise do comportamento no Brasil (Matos, 1996) e hoje vemos a sua expansão. Contudo,
é importante que estejamos alertas para os riscos de uma expansão sem critérios e,
eventualmente, com a replicação de práticas de ensino que não se justificam, ou melhor,
que eventualmente poderiam ser substituídas por outras práticas mais efetivas.
Oxalá oportunidades de debates, como esta oferecida pela Associação Brasileira
de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) sejam mais freqüentes, para que
possamos avançar na discussão do futuro da análise do comportamento e das questões
relativas ao seu ensino.

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Sobre C om p o rta m e nto e Co#niÇi1o 87


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Kiewra, K. A. & Dubois, N. F. (1992) Using a spatial system for teaching operant concepts.
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88 *Ȓrfllo f>i,is Cirlno


Capítulo 12

Avaliação comportamental da prevenção de


deficiência mental em hospital geral 1
Sônia Regina Fiorim Fnumo
L/ntvcmididc fnlcr.il fsphrío Santo
Rache! Rodrigues Kerbauy
L/nivcrsuiit/c dc SJo Paulo

Este trabalho é fruto de um desafio teórico-metodológico: como prevenir a defi­


ciência mental em gestantes e recém-nascidos, no sistema de saúde pública?
Adotando o modelo operante para análise do comportamento (Skinner, 1953,1974),
procuramos elaborar uma metodologia para avaliar a ocorrência de ações preventivas da
Deficiência Mental (DM) em serviços de atendimento público à saúde de gestantes e
recém-nascidos (Enumo, 1993; Enumoe Kerbauy, 1994, 1995). Mais especificamente,
um dos objetivos do presente trabalho foi elaborar uma metodologia que permitisse identi­
ficar as ações preventivas e seus efeitos em vários níveis de atuação. É evidente que o
mesmo instrumento de identificação poderá prestar-se à avaliação e ao acompanhamento
de medidas preventivas implantadas, quando transformado em instrumento de coleta de
dados.
Estávamos frente a alguns desafios de análise: quem seria o sujeito da ação; qual
0 critério para avaliação de conseqüências funcionalmente relacionadas a essa ação; a
terminologia corrente na área, diferente daquela utilizada pela análise comportamental;
irlamos ter relatos verbais como dado de pesquisa; a unidade de análise teria que ser
ampliada para o comportamento de grupos populacionais ao invés de unidades de respos­
ta individuais; fatores de risco comportamentais teriam que ser identificados. Por fim, era
este um típico problema com caráter interdisciplinar: a Deficiência Mental (DM) como um
1 Trabalho contendo parte dos dados da tese de doutorado da primeira autora, orientada pela segunda; apresentado na
mesa-redonda sobre “Comportamento e Saúde", no IV Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental,
Campinas/SP, 22/09/95.

Sobre C om p o rta m e nto c C o # n iç J o 89


fenômeno multideterminado, mal delimitado e sem um modelo teórico único ou consensual
que o explique (Bijou, 1963, citado por Robinson e Robinson, 1975), justamente por não
ser uma entidade nosológica; e sua prevenção dependente de ações integradas, multi e
interdisciplinares.
Era este também um caso de Saúde Pública, dada a prevalência na população
brasileira - 5 a 10% da população, segundo estimativas da OMS (1981) e de autores da
área (Krynski, 1983; CORDE, 1986), e sua incidência principalmente nas camadas mais
pobres. A DM se apresenta, assim, como um problema de âmbito nacional, com reper­
cussões na vida econômica, social, cultural, familiar e pessoal de um grande contingente
de pessoas.
Como tentamos resolver essas dificuldades metodológicas, será explicado ao longo
desta exposição.
Antes, porém, ó importante definir previamente alguns conceitos básicos para me­
lhor localizar o conteúdo que será apresentado. Esses esclarecimentos iniciais se fazem
necessários frente às dificuldades que psicólogos e profissionais da saúde encontram em
identificar esse tipo de trabalho como vinculado e derivado da Psicologia. Parte dessas
dificuldades se encontram, segundo análise feita por Stone (1987, citado por Winet, King
e Altman, 1989), no fato de os psicólogos, em geral, não se interessarem pela influência
ou efetividade das políticas públicas. Em outros termos, as pesquisas em Psicologia da
Saúde têm focalizado os processos de cuidados profissionais com a saúde, bem como as
pessoas, cuja saúde é utilizada como dado. São pesquisas que utilizam amostras peque­
nas e não adotam abordagens de saúde pública ou comunitária.
Isto posto, vamos definir o campo em que estamos: é o da Saúde Pública, que
inclui muitas disciplinas: medicina, psicologia, enfermagem, educação especial, nesse
caso em particular, entre outras. Reside aqui a primeira característica (e dificuldade) des­
se campo: a interdisciplinaridade. Psicólogos são treinados para compreender e mudar
comportamentos, podendo estender sua atuação em pequena escala para intervenções
na sociedade em geral, ao trabalhar com profissionais do campo da saúde pública. Estes,
por sua vez, são especialistas em epidemiologia, análise de sistemas e mudanças soci­
ais em larga escala, e teriam muito a ganhar com a incorporação dos princípios da psico­
logia em seus trabalhos, segundo Winet, King e Altman (1989).
Como já citamos, dentro da Psicologia, há um nome para essa tipo de intervenção
interdisciplinar-é a Psicologia da Saúde, definida por Matarazzo (1980, citado por Winet,
King e Altman, 1989, p. 18), há 15 anos, como:
“...o conjunto de contribuições educacionais, cientificas e profissionais especifica da área da
Psicologia para a promoção e manutenção da saude, a prevenção e tratamento de doenças, a
Identificação de etiologias e diagnósticos correlatos com a saúde, doença e dlsfunções
relacionadas, e análise e promoção do sistema de cuidados com a saúde e formação de políticas
de saúde."

E, para compor essa proposta de integração, podemos considerar que estamos


também falando de Medicina Comportamental, assim definida por Schwartz & Weiss (1978,
citados por Winet, King e Altman, 1989, p. 18):
“...o campo interdisciplinar relativo ao desenvolvimento e integração dos conhecimentos e tôcnicas
das ciências comportamental e biomédica, relevantes ô saúde e à doença, e relativo á aplicação
desse conhecimento e dessas técnicas à prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. ”

90 S0ni«i Krgmrf Horim fnumo l R jrbrl Rodripucs Korlwuy


Assim identificado o campo em que se localiza esse trabalho, temos que explicitar
uma outra característica definidora deste. Trata-se da questão da prevenção.
As intervenções preventivas podem assumir duas perspectivas: clínica, relativa ao
bem-estar do paciente, ou seguir a perspectiva da saúde pública, cujo foco está no bem-
estar da comunidade (Hovell, KaplaneHovelI, 1991).
Independente do sujeito-alvo da ação preventiva, comumente são utilizados proce­
dimentos de aconselhamento, também chamados de "serviços cognitivos", em
contraposição ao tratamento módico ou farmacológico. Esses procedimentos seguem
basicamente duas abordagens teóricas: o modelo de crenças sobre saúde, que enfatiza
mudanças no conhecimento e atitudes como pré-requisitos para a mudança compor­
tamental; gerando procedimentos educacionais, com o fornecimento de informações, e
procedimentos de aconselhamento, que visam a persuadir as pessoas a reavaliarem os
custos e benefício (Hovell, Kaplan e Hovell, 1991). Ou se relacionam à teoria do comporta­
mento operante, que não assume mediadores cognitivos para o comportamento, mas
focaliza variáveis discretas do ambiente, através da análise de contingências e esquemas
de reforçamento e controle de estímulo (Skinner, 1953,1974).
Segundo avaliação de Millenson e Leslie (1979, citados por Hovell, Kaplan e Hovell,
1991), essa teoria pode ser incorporada à medicina preventiva, permitindo a criação de um
modelo de serviço preventivo mais sofisticado. A título de ilustração da aplicação dessa
teoria em nível macro, Hovell, Kaplan e Hovell (1991) fazem uma análise comportamental
dos serviços preventivos na área da saúde pública dos EUA, levantando hipóteses sobre
os motivos pelos quais a medicina preventiva não é praticada em maior escala. São iden­
tificados fatores, entre outros, como a falta de treino nas escolas de medicina em habilida­
des de aconselhamento, ou de treino discriminativo para diferenciar entre aconselhamentos
efetivos e não efetivos, ou mesmo falta de treino em técnicas de modificação de compor­
tamento; os motivos de ordem econômica são também analisados, inclusive em termos
de usuários de sistemas de convênios módicos e de seguros-saúde; o custo de resposta
para o clinico; as reações do usuário frente às indicações de mudanças de estilo de vida;
e o tipo de feedback existente nas intervenções em saúde pública. São propostas solu­
ções como, por exemplo, o pagamento por serviços preventivos; o estabelecimento de
políticas governamentais (ou procedimentos de controle de contingências) e conseqüênci­
as legais relacionadas à punição dos clínicos que deixem de realizar serviços preventivos
a alguma subpopulação, como o caso de gestantes de alto risco. Estas são normalmente
encontradas nas camadas mais pobres da população e dependentes do sistema de saú­
de do governo; e a pobreza é considerada de alto risco para praticamente todas as doen­
ças e para a mortalidade da população.
Vejamos, então, as soluções adotadas para resolver os desafios apontados inicial­
mente.
A avaliação comportamental pôde ser aqui considerada, pois uma de suas funções,
segundo Kanfer e Phillips (1975, p. 59), é a "... determinação dos recursos sociais e
pessoais, e das habilidades disponíveis para serem usados no programa terapêutico,
bem como das limitações e obstáculos na pessoa e no ambiente..."; não se limitando a
propósitos terapêuticos, mas tendo também aplicações na seleção e treinamento de pes­
soal, estimativa administrativa ou estatística, decisões legais e em pesquisas (Keefe,
Kopel e Gordon, 1980). Nesses casos, são necessárias mudanças na unidade de análise
e na escolha da variável independente (Mischel, 1968, citado por Nucc», 1979).

Sobro Com p o rtam e nto c C o n m vilo 91


Dada a natureza interdisciplinar do trabalho, tínhamos que levar em consideração a
terminologia em uso na medicina, em especial na área de prevenção. Decidimos manter
essa terminologia para uma melhor comunicação com outros profissionais da área, adotando
a proposta tradicional e didática de Leavell e Clark (1976), a qual, de acordo com Chaves
(1978, p. 69) "(...) tem grande valor didático. Facilita, ao trabalhador de saúde, a análise
de seus instrumentos e de sua atuação diante de um problema de saúde qualquer.
Esta proposta divide as ações preventivas em seis fases, organizadas em três níveis: 1Q)
Promoção de Saúde, 2a) Proteção Especifica contra a doença, que, juntas, correspondem
à “Prevenção Primária"; 3a) Diagnóstico Precoce, 4a) Tratamento Imediato, 5a) Limitação
do Dano, que correspondem à "Prevenção Secundária"; e 6 a) Reabilitação, correspondendo
à "Prevenção Terciária".
Segundo Krynski (1983), a Prevenção Primária da DM visa a promover a saúde
mental e diminuir os riscos de desordens mentais na população infantil, por interferência
de fatores patogênicos, biopsicossociais, antes do aparecimento de patologias identificáveis.
As ações de prevenção primária resultam, de acordo com a proposta epidemiológica
de Scott e Carran (1987), em poucos indivíduos que nasceriam mentalmente retardados
ou que se tornariam retardados mais tarde.
O ponto central para se definir e classificar as diversas ações em saúde, segundo
essa proposta em prevenção, está na clara especificação do objeto de estudo: a doença/
problema escolhida para estudo. O aparecimento ou não do problema é o marco delimitador
entre a Prevenção Primária e a Secundária; ou seja, a Prevenção Primária visa a evitar o
surgimento do problema e a Secundária existe a partir do momento em que o problema já
aconteceu e foi precocemente identificado e prontamente atendido. As medidas a serem
adotadas para a Prevenção Secundária da DM envolvem:
a) no período pré~natal - tratamento daquelas doenças que, quando prontamente tratadas,
não causam deficiências ao embrião/feto, como, por exemplo, a sífilis e a toxoplasmose;
b) no período perinatal - o pronto atendimento a problemas detectados no parto, como
anoxia neonatal, baixo peso ao nascimento, dificuldades respiratórias, por exemplo;
c) no período neonatal - a identificação dos fatores de risco neonatal, a triagem em
massa em berçários para erros inatos do metabolismo, a avaliação neurológica do
recém-nascido, entre outras;
d) no período pós-natal - programas de detecção precoce e triagem populacional, a fim
de identificar crianças em risco para a DM, o pronto atendimento a doenças do bebê e
da criança, visando a obter a cura ou a menor seqüela possível.
A "Prevenção Terciária", por sua vez, refere-se aos procedimentos de reabilitação a
serem implantados quando as incapacidades decorrentes da doença estiverem instala­
das. Promove o ajustamento de condições irremediáveis, amenizando algumas complica­
ções ou a perda da função (Leavell e Clark, 1976; Scott e Carran, 1987).
Ainda com esse objetivo de padronizar a linguagem, os termos “resposta" ou “com­
portamento”, ou mesmo "medidas preventivas" foram substituídos por "ação preventiva"
(AP), por ser de uso corrente na área e ter também uma conotação mais operacional. O
mesmo foi decidido em relação ao termo "conseqüência" (o terceiro termo da "análise

92 S ô n u RctfliKi h o r im f n u m o 1 R a d ie i R od rigu es K c rlw u y


funcional-antecedente-resposta-conseqüência"), que foi substituído por "efeito" da ação
preventiva, pelas mesmas razões anteriores.
Assim, ao nos propormos a realizar uma avaliação comportamental nessa área,
consideramos relevante organizar as ações preventivas da DM, passíveis de realização
nos períodos pré-natal, perinatal (durante o parto) e neonatal, de acordo com esse siste­
ma classificatõrio. Os dados estão disponíveis na forma de oito quadros de ações de
prevenção e de seis roteiros de entrevistas, para levantamentos em secretarias munici­
pais e estaduais de saúde, centros de saúde e maternidades (Enumo, 1993; Enumo e
Kerbauy, 1995).
Esses quadros e roteiros de entrevista contém questões sobre a intervenção pre­
ventiva mais precoce e diretamente dirigida às gestantes e recém-nascidos pode ser rea­
lizada pelas maternidades, através dos atendimentos pré-natal, obstétrico e neonatal,
como indicam os estudos sobre efeitos das ações preventivas nesse período de 1 0 meses
(gestação e primeiro mês de vida) (Enumo, 1993; Enumo e Kerbauy, 1994,1995).
Essas questões dos roteiros estão baseadas em pesquisas, como, por exemplo,
sobre a relação existente entre prematuridade, taxa de mortalidade perinatal e o número
de consultas, como o citado por Laffont (1972), demonstrando que essa taxa de mortalida­
de diminuía de 63,3% para 5,7%, e a porcentagem de bebês prematuros (37 semanas ou
menos) também era reduzida de 15% para 3% entre as mulheres que fizeram nove ou
mais consultas no pré-natal em relação àquelas que não fizeram nenhuma consulta. A
relação entre o peso materno e o peso do recém-nascido também foi demonstrada por
pesquisadores brasileiros, indicando que a gestante deveria atingir, ao final da gravidez,
mais de 60 Kg, independentemente de sua altura, para que o bebê nascesse com mais de
3 Kg (Faúndes, 1988).
Ainda, segundo Krynski (1983) e Frota-Pessoa (1989), o controle de natalidade,
através do aconselhamento familiar para grupos de alto risco para a DM (grupos com
privação cultural, mães com mais de 35 anos e pais com mais de 40 anos, gestantes
adolescentes), ajudaria a evitar cerca de um terço das anomalias genéticas, inclusive a
Slndrome de Down.
Também em termos de prevenção de distúrbios genéticos, a triagem de erros meta-
bólicos ajudaria a diminuir a taxa de 3 nascimentos/mês com fenilcetonúria e de 10 nas­
cimentos/mês de hipotiroidismo congênito somente na cidade de São Paulo, segundo
dados da APAE (São Paulo/Arquivos da Coordenadoria de Saúde Mental, 1986/87).
Em relação à questão nutricional, Krynski (1969,1983) e a CORDE (1986) afirmam
que o controle e a suplementação nutricional da gestante poderia evitar a amência nutricional
causada por lesões anóxicas do SNC.
Esses são alguns exemplos de ações que foram demonstradas como podendo ser
realizadas no período pré-natal, havendo também outras que, se implantadas durante o
parto, poderiam, não só evitar 25% das mortes perinatais, mas impedir os efeitos deleté­
rios da hipóxia fetal (Krynski, 1969, 1983). O controle e cuidado no emprego de drogas
analgésicas e anestésicas, do fórceps, bem como na realização de cesarianas, e a dura­
ção do parto, sâo alguns exemplo de ações preventivas da hipóxia fetal e da paralisia
cerebral, tendo efeitos também no grau de irritabilidade e responsividade do recém-nasci-
do, com conseqüências sobre seu ganho de peso e na interação mãe-bebê (Krynski,

Sobre C o m p o rld m rn lo o CoNniç«lo 93


1969,1983; Telford e Sawrey, 1978; Alencar, 1982; São Paulo/Coordenadoria de Saúde
Mental do Estado de São Paulo, 1983).
Ao nlvel neonatal, autores como Krynski (1969, 1983) e a CORDE (1986) citam
estudo que demonstram uma diminuição na mortalidade infantil com a utilização de UTI
para recém-nascidos e a presença do neonatologista na sala de parto, apesar dos dados
não serem conclusivos sobre a qualidade de vida dos sobreviventes, pois, segundo Gherpelli
(1990), observou-se um aumento de 4% para 12% de RN que sobrevivem com seqüelas
neurológicas (paralisia cerebral, deficiência mental, surdez, distúrbios visuais, epilepsia).
Neste último aspecto, os trabalhos como os de Gherpelli (1990) e Meyerhoh (1990) mos­
tram a importância de serem instituídos, nos berçários, programas de estimulação preco­
ce neonatal para RN prematuros de muito baixo peso, que incluam orientações para a
família e seguimento após a alta hospitalar. Esse tipo de terapia intensiva tem demonstra­
do, como explicado acima, uma diminuição na taxa de mortalidade em 30% dos casos e,
ainda, um aumento de 10% para 50% de recém-nascidos que sobrevivem sem seqüelas
neurológicas, apesar de vários ainda apresentarem seqüelas.
Nesse caso, a unidade de análise passa a ser ação pesquisada, emitida por uma
pessoa ou grupo de pessoas (que deve ter um responsável que responda pelo grupo),
procurando-se identificar os eventos antecedentes dessa ação e suas conseqüências, de
forma a estabelecer relações entre os eventos relatados pelas pessoas-chaves nos servi­
ços. A busca de informações sobre como uma dada ação preventiva foi realizada no
passado, as dificuldades encontradas e seus efeitos servem como um banco de dados
históricos que pode subsidiar a proposição e implantação de medidas preventivas atuais.
Á semelhança da avaliação comportamental individual, feita em clínica, é preciso
avaliar a situação total e não apenas os comportamentos específicos representados na
queixa inicial (Kanfer e Philips, 1975). Procura-se, então, uma visão mais completa do
problema, sem desconsiderar a história passada de aprendizagem das pessoas envolvi­
das com a execução de uma dada ação preventiva.
Em outros termos, procuramos fornecer um método sistemático para coletar infor­
mações que permitam avaliar as dificuldades na execução de ações preventivas da DM,
facilitando a tomada de decisões sobre onde intervir, em que nível de prevenção (primário,
secundário ou terciário), e com quem (pessoas-chaves) realizar o processo de mudança
comportamental.
Para casos em que se queira ter uma visão mais macro (situação de uma cidade
em termos de prevenção da DM, por exemplo), ao analisarmos a efetividade de uma
intervenção, temos agora que considerar a população como uma unidade de análise (Hovell,
Kaplan e Hovell, 1991). São os indicadores de mortalidade, de morbidade, de qualidade de
vida de uma dada população, por exemplo, que devem ser tomados como base para
avaliação da eficácia e eficiência de um programa preventivo. Devem, portanto, ser identi­
ficados na fase inicial de coleta de dados ou na linha-de-base.
Reside aqui uma dificuldade a ser considerada na avaliação comportamental, que
não se restringe ao levantamento inicial, mas é um processo continuo: a atribuição de
responsabilidades por ações preventivas em nível populacional. Nesse aspecto, tanto os
quadros como os roteiros de entrevista indicam a qual tipo de profissional ou setor de
serviços potencialmente pode-se atribuir a responsabilidade pela proposição/coordenação
da ação preventiva.

94 Sôn ia Retfirw h o r im F n urno & Rachel Rcxlriflucs K e rb a u y


Para a identificação das conseqüências da emissão de comportamentos ou ações
preventivas, podem ser considerados efeitos amplos como a ausência de doenças duran­
te um período definido de tempo ou mudanças nos indicadores de morbidade e de qualida­
de de vida, ou mais específicos da área, como mudanças na quantidade de crianças
identificadas como deficientes mentais, selecionadas por instituições educacionais espe­
ciais, durante um dado período de tempo, ou números de encaminhamentos da neonatologia
para a neuropediatria em um hospital, por exemplo.
Procurando contribuir nessa área preventiva, realizamos um levantamento numa
cidade de grande porte do Estado de São Paulo - Campinas, que tem cerca de um milhão
de habitantes, sobre as ações de prevenção (AP) contra a Deficiência Mental (DM) pro­
postas para gestantes e recém-nascidos. Esse levantamento foi feito em várias instâncias
do sistema público de saúde: Secretaria Municipal de Saúde, um centro de saúde e um
hospital universitário (Enumo, 1993).
A título de demonstração da aplicabilidade desta proposta metodológica, apresen­
taremos agora os dados obtidos junto à Maternidade (Centro de Assistência Integral à
Saúde da Mulher/CAISM) do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP).
Segundo o levantamento realizado na literatura da área (Enumo, 1993; Enumo e
Kerbauy, 1994,1995), as matemidades poderiam atuar preventivamente contra a DM atra­
vés da realização de 212 ações de prevenção (AP). A classificação dessas AP, segundo
a proposta de Leavell e Clark (1976): ‘‘Promoção Primária - Promoção de Saúde e Proteção
Específica contra a DM; e Secundária - Diagnóstico Precoce e Tratamento Imediato",
permite descrever e analisar como os setores pré-natal (120 AP), perinatal (15 AP), neonatal
(49 AP) e berçário (28 AP) atuam para evitar futuros distúrbios no desenvolvimento infantil
e a mortalidade peri e neonatal.
Os dados relativos a cada setor serão especificados e analisados a seguir, sendo
complementados com sugestões de intervenção multi e interdisciplinares. Evidentemen­
te, essas sugestões só poderão ser hierarquizadas após uma análise de cada AP em
termos de custo-benefício, eficiência e eficácia, baseando-se na realidade local, além de
implicar em decisões de cunho político e ético.
Os resultados gerais obtidos no presente trabalho mostram que o setor de atendi­
mento perinatal tinha a maior freqüência de AP em curso, realizando 14 das 15 AP pro­
postas para o momento do parto, enquanto o berçário executava 15 das 28 AP previstas
para o local. Esses dados, juntamente com os demais obtidos no levantamento, estão
sob a forma de gráficos percentuais, para oferecer uma melhor comparação dos resulta­
dos encontrados, apesar do N ser menor que 100 em alguns casos.

1. Análise da Proteção Específica contra a DM realizada no perío­


do pré-natal

O atendimento pré-natal da maternidade cobria 94 AP das 120 (78,5%) ações de


Proteção Específica contra a DM, passíveis de realização no período pré-natal. A atenção
à saúde da gestante era abrangente, envolvendo desde o levantamento de riscos obstétri-
cos até o tratamento em nível pré-natal para os casos de hipóxia fetal, incompatibilidade
de Rh e inibição das contrações uterinas.

Sobre Com p o rtam e nto c C o^n iç ilo 95


As 25 AP (21 %) não executadas, contudo, são de grande valor preventivo contra
nascimentos de bebês com baixo peso ou com futuros atrasos no seu desenvolvimento,
Não havia, por exemplo, controle efetivo das condições nutricionais das gestantes, espe­
cialmente nos casos de desnutrição materna. E o levantamento de riscos para doenças
genéticas não podia ser realizado por falta de respaldo laboratorial para a genética. Não
havia também sorologia específica e de rotina para pesquisa de doenças que levam a
lesões no SNC, como a rubéola, a toxoplasmose, o citomegalovírus (CMV) e a sífilis. Um
dos problemas módicos mais freqüentes nas gestantes atendidas, levando com freqüência
à interrupção da gravidez, era a rubéola.

2. Análise da Proteção Específica contra a DM realizada no


período perinatal

A Proteção Específica contra a DM realizada, na situação de parto, em 14 das 15


AP pesquisadas, não pode ser avaliada com base somente em dados estatísticos, pois
se poderia incorrer em erro, uma vez que outros indicadores vitais, como a mortalidade
materna e neonatal devem ser também considerados.
Diante de um pessoal clínico completo e bem aparelhado tecnologicamente, desta-
ca-se a ocorrência de um óbito materno em função de infecção hospitalar obstétrica (0,35%
dos 271 partos ocorridos na época de coleta dos dados - maio/92); ou mesmo a incidência
de mortalidade neonatal ser maior que em outras maternidades, como mostrou o trabalho
de Brenelli (1989). Neste, a maternidade apresentou a taxa de 19,5/1.000 NV (nascidos
vivos) (1987) e de mortalidade neonatal precoce (< 7 dias) de 16,3/1.000 NV. São índices
mais elevados que outros encontrados dentro e fora do país: 10/1.000 NV em outro hospi­
tal da cidade no mesmo período, 11,8/1.000 NV no RS; 3/1.000 NV na Finlândia, 6,5/1.000
NV nos EUA, por exemplo.
Os entrevistados explicaram essas questões pelo fato desta maternidade servir de
referência para os hospitais da região, aumentando a freqüência de casos mais graves e dos
seus índices de mortalidade, por conseqüência. Também, atendendo a casos emergenciais,
a relação médico-paciente, em parte dos casos, se restringe à situação de parto unicamente.
Os dados mostram também que a equipe módica, apesar de completa, era com­
posta de alunos sob supervisão de professores, supervisão esta nem sempre direta duran­
te todo atendimento. Essa condição de ser um serviço de treinamento pode aumentar a
probabilidade de ocorrerem erros ou haver uma conduta médica menos precisa; e o núme­
ro de pessoas presentes no parto é maior, elevando as chances de ocorrer infecção hos­
pitalar.

3. Análise da Prevenção Primária e Secundária da DM realizada


no período neonatal

A maternidade executava 38 das 49 ações de prevenção contra a DM, propostas


pela literatura da área para o período neonatal. Apenas 08 AP não estavam sendo execu­
tadas e não se conseguiu informações sobre 03 AP.

96 Sô n ia R egin a F lorim F n u m o í Rachel R od riguet K e rb a u y


Na área de Prevenção Primária da DM - Proteção Especifica contra a DM, eram
executadas todas as 06 AP relativas à estruturação dos serviços de neonatologia, como a
existência de UTI neonatal e aparelhos para ressuscitação, neonatologista presente na
sala de parto, atendimento especializado para problemas neurológicos.
As ações de Prevenção Secundária da DM eram também realizadas em sua gran­
de maioria - 38 das 43 AP previstas. O Diagnóstico Precoce da DM era realizado através
de 23 das 29 AP previstas, não existindo 03 AP e as outras 03 AP não foram informadas.
Todo recém-nascido era submetido a exame neurológico e ao "teste do pezinho", para
identificação de fenilcetonúria e hipotiroidismo congênito, por exemplo.
As ações preventivas da DM ao nível de Tratamento Imediato eram as menos exe­
cutadas: 09 AP de um total de 14 estavam em curso e 05 não existiam. Os casos de
doenças hemolíticas, hidrocefalia e hipóxia neonatal eram prontamente atendidos. O índi­
ce de aleitamento materno para os recém-nascidos internados era da ordem de 80%.
Contudo, as famílias desses RN não tinham acesso a um atendimento especial, que
possibilitasse um maior controle nutricional e sócioeconômico. E não havia programas
especiais para atendimento dos casos de erros metabólicos.
No entanto, os indicadores de natalidade e mortalidade neonatal apresentavam
uma ascensão contínua nos últimos 5 anos (1987-1992). A taxa de mortalidade neonatal
precoce, por exemplo, mostra que cerca de 11 bebês, em cada 1 . 0 0 0 nascidos vivos,
morreram entre 0 e 7 dias de vida no período anual anterior à pesquisa. E 76 (2,33%) das
3.263 crianças nascidas neste período morreram antes de completar um mês de vida. Ou
seja, a qualidade do atendimento peri e neonatal estava afetada, apesar de a maior parte
das ações preventivas estarem sendo executadas. Analisando a qualidade de vida dos
que nasceram em 1992, observa-se um alto Indice de nascimentos com peso abaixo de
2500g 16% (432 casos) e 3,1% (102 casos) com muito baixo peso (< 1500 g). Este dado
pode ser relacionado com o atendimento emergencial característico desse serviço.

4. Análise da Prevenção Secundária da DM, em nível de estimulação


precoce neonatal, realizada no berçário

Existem 28 ações de Prevenção Secundária contra a Deficiência Mental, segundo


levantamento da literatura da área, que podem ser realizadas no período neonatal, através
de estimulação precoce do recém-nascido, em especial para aqueles que necessitam de
um tempo maior de internação logo após nascimento. A maternidade realizava 15 AP, a
nível de Tratamento Imediato, deixando de executar 13 AP.
O fato de encontrarmos 15 dessas 28 ações de prevenção (AP) Secundária contra
a DM sendo realizadas pela maternidade, em nlvel de Estimulação Precoce Neonatal,
não significa a existência de um programa especialmente planejado para a redução dos
efeitos do estresse perinataí e a estimulação do recém-nascido internado logo após o
nascimento. Eram AP ligadas mais diretamente ao atendimento médico-hospitalar, como
a terapia intensiva em neonatos com muito baixo peso (MBP).
Havia outras AP relativas a um programa de estimulação geral do bebê, como: a
observação de sua organização e auto-regulação, a avaliação de sua prontidão para ser

Sobre C o m p ortam e nto c C o ^ m ^ lo 97


alimentado, a orientação da mãe para a alimentação e o manuseio do RN, e o encaminha­
mento do caso para especialistas quando necessário. Contudo, eram, ações isoladas.
As 13 AP não realizadas se referiam a ações especificas, programadas, para a
estimulação sensorial e social do RN. Incluíam-se aqui ações de pianejamento ambiental
(localização dos berços, humanização do ambiente, manuseio controlado das incubado­
ras, diferenciação dia-noite, por exemplo), programação de rotina (banho, pesagem, ali­
mentação) que permitisse descanso ao bebé. E, mais especificamente, envolviam ações
relativas à estimulação visual, auditiva, tátil, cinestésica, social e multimodal, que poderi­
am ser executadas, não só através de programas especiais, contando com profissionais
como fisioterapeutas, mas também durante a rotina de atendimento, pelas próprias
atendentes ou enfermeiras.
Um setor especial para a estimulação precoce de RN prematuros, com MBP e/ou
complicações decorrentes das condições de nascimento, atendendo inclusive aos famili­
ares e profissionais envolvidos nesse processo, não existia no local pesquisado.
A análise geral dos dados indica que, na ausência de um programa preventivo
específico para a área, ocorria uma inversão nos resultados esperados, segundo as teori­
as de prevenção. Por exemplo, o setor de atendimento neonatal atuava mais em nível de
Proteção Específica contra a DM, executando todas as 6 AP propostas, e menos em
termos de Tratamento Imediato - 9 das 14 AP analisadas, quando era esperado que
ocorresse uma maior intervenção em termos de Tratamento Imediato. E o berçário realiza­
va pouco mais da metade das AP relativas ao Tratamento Imediato, que era de sua res­
ponsabilidade, principalmente.
Ao analisarmos os dados obtidos junto ao atendimento pré-natal, relacionando-os
às ações de Proteção Específicas contra a DM indicadas na literatura, notamos que,
numa intervenção conjunta com a Secretaria Municipal de Saúde, poderia se executar a
triagem, em mulheres em idade fértil, para identificação daquelas suscetíveis à vacinação
contra rubéola.
Ao nível municipal, há também as campanhas informativas e educativas para a
população sobre as vantagens e necessidades da consulta pré-natal e os riscos de uma
gravidez sem assistência médica. Caberia ainda informar a população onde encontrar
assistência médica pré-natal, além de uma análise sobre os fatores que dificultam a par­
ticipação no pré-natal, visando a uma maior cobertura de gestantes e a uma maior freqüência
de atendimento para cada gestante em particular.
Em relação ao atendimento direto ás gestantes que procuram os serviços da ma­
ternidade, constatamos um atendimento pré-natal mais especializado, com equipe
multidisciplinar, para casos especiais, enquanto a literatura preconiza esta medida pre­
ventiva como prática rotineira para qualquer gestante. Essa intervenção multidisciplinar
implicaria, por exemplo, a execução de oito ações para o levantamento de riscos de
doenças genéticas, que necessitaria de base laboratorial para sua implantação.
Também relativo ao acompanhamento pré-natal, a literatura indica a pesquisa do
uso de drogas (legais e ilícitas) pela gestante, cuja relevância poderia decorrer de estudos
sobre os casos de problemas no nascimento, decorrentes do uso de drogas, justificando,
assim, sua pesquisa no atendimento pré-natal local. Considerando-se o caráter educativo
dos programas de atendimento pré-natal, poderia ser incluída a educação alimentar, com

98 Sôn ia Retfin.i I lorim K n u m o l R a d ie i Kodritfurs K crb.iuy


cozinhas educativas, para o ensino do preparo de alimentos adequados à fase gestacional
e, evidentemente, às condições de vida da gestante e relativo às características naturais
da região. Como fazer a gestante seguir as orientações médicas, principalmente em rela­
ção aos cuidados com a saúde e a alimentação, é um desafio para os profissionais
envolvidos nessa questão educacional.
Analisando textos dos próprios professores daquela faculdade (Faúndes, Herrmann
e Cecatti, 1985), constatamos que as estatísticas vitais poderiam ser aperfeiçoadas atra­
vés de medidas como: colocar instruções para preenchimento nos atestados de óbito, de
forma a melhorar a identificação das mortes maternas: registrar e analisar os casos de
acidentes anestésicos durante o parto, aos quais incluímos o registro da duração dos partos,
para verificar a existência ou não de correlação com os casos de seqüelas peri e neonatos.
O registro e acompanhamento desses casos facilitariam também a identificação precoce
das crianças com distúrbios de desenvolvimento infantil e seu pronto atendimento.
De outra parte, contando com dados mais confiáveis sobre os óbitos maternos,
seria mais fácil reativar o funcionamento do Comitê de Morte Materna na cidade, criado
por professores da própria faculdade, também contribuindo para o fornecimento de infor­
mações básicas à tomada de decisões no campo da saúde pública. Dentre essas, desta­
camos a divulgação e aplicação de um planejamento familiar, para redução das gestações
indesejadas e do índice de abortos ilegais, também indicado por professores dessa facul­
dade (Faúndes, Cecatti, Silva e Pinotti, 1987; Cecatti e Faúndes, 1989; Faúndes, Cecatti,
Bacha e Pinotti, 1989).
Esses mesmos autores apontam também a necessidade de uma análise mais
detalhada sobre qualidade da atenção profissional ao parto, visando a evitar as complicações
infecciosas e hemorrágicas, responsáveis por 50 a 80% dos óbitos maternos (juntamente
com a hipertensão - eclâmpsia), normalmente associadas com a instituição hospitalar.
Consideramos um outro aspecto que poderia ser incluído nessa análise: a organi­
zação do sistema de residência médica, de modo a permitir que a parturiente seja atendi­
da pelo residente que a acompanhou no último trimestre de gravidez. Essa medida traria
conseqüências em termos emocionais para a gestante, principalmente em relação à redu­
ção da ansiedade. Por conseguinte, poderia levar ao alojamento conjunto, já adotado pela
maternidade, permitindo que a interação mãe-bebê se estabelecesse logo após o parto,
com benefícios em nível orgânico, como facilitar o ganho de peso, e, principalmente em
nível afetivo-emocional, contribuindo para a ligação afetiva mãe-criança.
Os dados obtidos na neonatologia permitem concluir que a prevenção da DM logo
após o nascimento estaria sendo eficaz, principalmente em termos de Prevenção Primá­
ria, que tinha 100% das AP em curso.
Entretanto, ao relacionar os dados obtidos nas entrevistas às propostas de ações
preventivas levantadas na literatura, podemos questionar a qualidade da gestação levada a
termo pelas gestantes atendidas. As explicações oferecidas pelos entrevistados de que o
hospital centraliza os casos graves da região pode perfeitamente explicar esses fatos.
Mesmo assim, há outras ações de Proteção Específica contra a DM, que poderiam
ser implantadas, após a devida análise, pelo setor de atendimento neonatal. Por exemplo,
poderiam ser feitas pesquisas sobre prováveis correlações existentes entre a qualidade do
atendimento pré e perinatal e os problemas neonatais identificados. Seria possível, assim,

So b rr Com p o rtam e nto c C o g n i( ü o 99


incluir, nos relatórios estatísticos de natalidade e mortalidade neonatal, os dados de
morbidade decorrentes de problemas pré e perinatais. E otimizando a capacidade de
atendimento da patologia módica, haveria melhores estudos sobre as causas da mortali­
dade neonatal. Em conjunto com as demais maternidades do município, poderia ser proposta
uma atuação complementar para a ampliação do número de leitos de UTI neonatal, de
forma da atender à alta demanda da área.
Em relação ao Diagnóstico Precoce da DM, a literatura indica a triagem de pelo
menos 1 0 entidades clínicas relativas a erros inatos do metabolismo, para a qual haveria
necessidade de incrementar a infra-estrutura laboratorial necessária.
Após uma análise de sua adequação, todas as ações relativas ao planejamento
ambiental e organização do atendimento no berçário, citadas nos resultados, poderiam
ser transformadas em ações preventivas, em termos de Tratamento Imediato da DM no
berçário, como propõe Meyerhoh (1990). Outras medidas que poderiam alterar o atendi­
mento ao neonato seriam a ampliação do atendimento fisioterápico a todos RN internados
e não apenas para os casos graves, e a inclusão de estimulação oral, com o uso de
recursos, como a minichupeta ortodôntica e a sonda, no programa de alimentação do RN.
Ainda em relação ao serviço, a criação de um serviço de atendimento psicológico aos
profissionais que Jidam com o neonato ajudaria a diminuir o estresse e a ansiedade
resultantes do trabalho constante com pacientes de risco.
Enfim, mais diretamente associado à prevenção de futuros distúrbios no desenvol­
vimento infantil, a literatura indica que seria relevante o registro dos casos de seqüelas
peri e neonatais, bem como o seguimento dos casos que ficaram internados, avaliando-se
os efeitos do programa de estimulação precoce realizado.
Finalizando, fica aqui uma ilustração das possibilidades que esta proposta
metodológica de levantamento e análise de ações preventivas em saúde pública possibili­
ta, sendo também uma proposta sobre como operacionalizar a integração interdisciplinar
na área da Psicologia da Saúde, que pode ser aplicada a outros tipos de deficiências ou
doenças.

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1 02 Sôniii Regina Horim Fnum o & R. ic Ih -1 Rodrigues Kcrlw uy


Capítulo 13

Variáveis de procedimentos que afetam a


avaliação do valor reforçador de estímulos
em pessoas com retardo mental severo
Qerson Yukio lonumari
( /ntvrrstdulc t/c V o /\w /o

Uma estratégia para se avaliar o valor reforçador de estímulos consiste em sub­


meter sujeitos a uma situação de escolha. Em uma situação típica de escolha, apresenta-
se ao sujeito a oportunidade de emitir pelo menos duas diferentes respostas concorrentes
(respostas de escolha) às quais são associadas, por contingência, diferentes conseqüên­
cias A avaliação do valor reforçador relativo das conseqüências apresentadas ó feita atra­
vés de comparações na freqüência dessas respostas de escolha quando as conseqüênci­
as são disponibilizadas concorrentemente. Ou seja, a conseqüência associada à respos­
ta mais freqüente seria avaliada como a de maior valor reforçador. Comparativamente, a
conseqüência associada à resposta menos freqüente seria avaliada como de menor valor
reforçador.
A medida relativa do valor reforçador de estímulos em situação de escolha seria
uma avaliação de preferência. Em contextos aplicados que envolvem mudança de com­
portamento, técnicas de avaliação de preferência têm sido empregadas como uma forma
de se identificar (1) estímulos reforçadores e, dentre uma série de estímulos, (2) o valor
reforçador relativo entre eles (hierarquia).
Em contextos de pesquisa e aplicação com sujeitos humanos, existem relatos de
diferentes métodos de avaliação de preferência. Um método básico consiste em se tomar

Sobre Comportamento c Coflniçilo 103


uma série de estímulos dos quais se deseja avaliar o valor reforçador e apresentá-los aos
pares ao sujeito. Diante de uma seqüência de tentativas de escolha, o sujeito deve emitir,
em cada uma delas, uma resposta a um dos dois estímulos. Através de diferentes combi­
nações de estímulos aos pares, pode-se traçar a hierarquia entre eles em função da
seleção de cada um deles em relação à rejeição ao estímulo alternativo.
Técnicas de avaliação de preferência propiciam, portanto, a identificação e, possi­
velmente, a hierarquia de estímulos reforçadores, possibilitando seu uso nas mais diver­
sas situações que envolvam mudança de comportamento. De posse dessa medida, os
estímulos podem ser empregados como conseqüência de comportamentos que se dese­
jam modificar, quando nos referimos a um contexto aplicado, ou reforçar, quando estamos
falando em contexto de pesquisa.
Na seqüência, algumas variáveis que afetam a avaliação do valor reforçador de
estímulos, identificadas por Lohrmann-0'Rourke e Browder (1998), serão enumeradas e
sumarizadas. Através desta revisão de trabalhos empíricos que descrevem métodos de
avaliação de preferência em sujeitos humanos, será possível verificar a multiplicidade de
variáveis relacionadas com a determinação do valor reforçador de estímulos. Os métodos
analisados submeteram sujeitos com retardo mental severo e se caracterizam como não
verbais.
As variáveis serão apresentadas em quatro categorias estabelecidas a partir de sua
relação com: (a) estímulos antecedentes; (b) estímulos de escolha; (c) a definição da
resposta de escolha, (d) a forma na qual apresenta-se a situação de escolha aos sujeitos.
No momento, irei apenas identificar essas variáveis com a perspectiva de abrir caminhos
na compreensão do comportamento de escolha. O papel exercido por essas variáveis,
portanto, será apenas minimamente comentado.

1. Os estímulos antecedentes à escolha

1.1. Avaliação direta ou informações obtidas de terceiros. Não existe, necessariamen­


te, correspondência sistemática entre a medida direta de preferência e o relato de pessoas
ligadas aos sujeitos com retardo mental.
1.2. Quem faz a avaliação. Observam-se diferenças na avaliação de preferência em
função de quem executa a tarefa, pais ou professores, por exemplo.
1.3. Contexto: Sessões específicas de avaliação versus dentro da rotina do sujeito.
Apesar de existirem dados que sugerem haver diferenças em função de se realizar a
avaliação na forma de uma tarefa específica, ou por realizá-la na forma de tentativas distri­
buídas ao longo da rotina diária dos indivíduos, ainda não se sabe apontar as qualidades
dessas diferenças.
1.4. Local onde é feita a avaliação. Pesquisas têm mostrado diferenças no valor reforçador
dos estímulos em função do local onde é feita a avaliação. Chama a atenção que, nem
sempre, os resultados de uma avaliação se transferem para a situação aplicada na qual
os estímulos “preferidos" são empregados.
1.5. Avaliações em diferentes momentos. Quando se repete a avaliação de preferência
em diferentes momentos, novos resultados podem ser obtidos. Obviamente, não é a

104 C /c rw n V u k io lorna n.tri


passagem do tempo em si que altera a medida, mas esta é uma importante variável por
mostrar a prontidão dos sujeitos em mudar suas escolhas em função de estímulos nem
sempre identificados.

2. Os estímulos a serem escolhidos

2.1. Características dos estímulos. Tradicionalmente, comida, fichas, estimulação


sensorial, oportunidade de lazer ou de realização de determinadas tarefas são usados
como possibilidades de escolha.
2.2. Grau de concretude (versus abstração) do estímulo. Um determinante na avaliação
de preferência é a utilização dos próprios estímulos (um confete, por exemplo) versus uma
representação pictórica deles (o desenho de um confete).

3. A definição da resposta de escolha medida/observada

3.1. Definição da resposta. Diferentes definições de resposta de escolha podem ser


usadas na avaliação de preferência, por exemplo, tocar o objeto, segurá-lo, levantá-lo,
trazê-lo para si etc. Pode-se, ainda, definir a resposta de escolha pela sua duração (por
exemplo, tocar um objeto por pelo menos 5 s). Ou, ainda, por uma seqüência de respos­
tas, tais como trazer o objeto para si e emitir uma resposta consumatória (beber ou
comer). Enfim, diferentes respostas podem ser definidas, cada uma podendo ter diferen­
tes implicações para a medida de preferência.
3.2. Resposta de seleção vs. esquiva e possibilidade de refazer a escolha. Uma escolha
pode ser definida pela seleção de um estímulo ou pela rejeição explícita do estímulo
indesejado Além disso, alguns procedimentos consideram que a primeira resposta de
escolha encerra a tentativa. Outros permitem que uma escolha seja refeita.

4. A forma de apresentação da situação de escolha

4.1. Tempo limitado ou irrestrito de acesso ao estímulo escolhido. Um estímulo escolhido


pode permanecer acessível ao sujeito por tempo limitado ou não. No caso de disponibilidade
irrestrita, ó importante observar os efeitos da posse do primeiro estímulo reforçador sobre
as tentativas seguintes.
4.2. Apresentação seqüencial ou simultânea dos estímulos. Na apresentação seqüencial,
é apresentado um estímulo por vez, e a resposta consiste em aproximar ou afastar o
objeto. Na simultânea, pelo menos dois estímulos são apresentados ao mesmo tempo.
4.3. Escolha simultânea: com ou sem exposição a todas as possíveis combinações de
pares. Dentre uma série de estímulos, o sujeito pode ser exposto a todas as combinações
de pares possíveis. Nesse caso, um estímulo não escolhido será comparado com um
outro esiímulo. Alternativamente, o procedimento pode descartar um estímulo após sua
primeira rejeição. Os resultados têm mostrado que ambos os métodos permitem avaliar
preferência satisfatoriamente. O procedimento "sem-reposição", no entanto, diminui o tempo
necessário para a tarefa.

Sobre Comportamento e Co^nivio 105


Esses fatores acima, de alguma forma, afetam a avaliação de preferência. A impor­
tância em identificá-los reside no fato de que, com isso, uma utilização mais efetiva do
valor reforçador de estímulos pode ser atingida, principalmente em situações de aplicação
ou pesquisa na qual se pretende utilizá-los para controle de comportamento. De posse
dessa lista limitada de fatores, uma análise funcional dessas variáveis deve constituir a
continuidade do trabalho.

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preferences of individuais with severe disabilities. American Journal on Mental
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10ó Cycnson Yukio íonidrun


Capítulo 14

Contingências programadas de reforço e


complexidade discriminativa de tarefa:
aplicações a situações de ensino de leitura 1
lorgc M. OUvcira-Custro *
L/nivcrsidnír th Rms Hm

1. C om plexidade de tarefa

Uma teoria que possibilitasse a análise e descrição do nível de complexidade de


diferentes tarefas contribuiria para avanços teóricos, metodológicos e tecnológicos em
psicologia. Do ponto vista teórico-metodológico, a ausência de análises sistemáticas de
complexidade de tarefas tem dificultado o controle desta variável em diferentes investiga­
ções e a comparação do desempenho observado em diferentes pesquisas ou diferentes
populações (cf. Hackman, 1969). Além disto, o desenvolvimento deste tipo de teoria apri­
moraria tecnologias de ensino e treinamento, permitindo um planejamento menos intuitivo
da seqüência de etapas de ensino, e planos de cargos e salários, possibilitando uma
avaliação mais racional das relações entre salários e níveis de complexidade das tarefas
desempenhadas (cf. Hackman, 1969; Wood, 1986).
Uma análise da literatura relacionada aos efeitos de complexidade de tarefa indica,
no entanto, que não há qualquer descrição, teoria ou análise de complexidade de tarefas
que apresente ampla aceitação (para uma revisão, ver Coelho, 1995). Em diferentes pes­
quisas, esta variável tem sido manipulada de forma intuitiva, alterando aspectos das tare­
fas que parecem estar relacionados á complexidade, tais como mudanças no número ou
tamanho de itens a serem memorizadas (e.g., Deese, 1958; Ebbinghaus, 1885/1964;

1 Trabalho apoiado pelo CNPq e PRONEX.


' Endoroço para correspondência: Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, ICC Sul, Campus Universitário Darcy
Ribeiro, Asa Norte, Brasília, DF, 70910-900, telefone: 3072625 ramal 508, endereço eletrônico: jocastro@unb.br.

Sobre C o m p o rta m e nto e C o ^ niç.lo 107


Schwelckert & Boruff, 1986), ou na quantidade de dígitos dos números a serem adiciona­
dos (e.g., Oliveira-Castro, 1989), ou na quantidade de tarefas a serem desempenhadas
simultaneamente (e.g., Gopher& Kimchi, 1989; Harms, 1991; Kahneman, 1973; Wickens
& Kramer, 1985), ou no número de alternativas para serem escolhidas (e.g., Brehmer,
1992; Coren & Ward, 1989; Kerstholt, 1992; Payne, 1982; Simon, 1972,1974; Sündstrom,
1987). Não há consenso sequer sobre que tipo de coisas devem ser consideradas na
descrição de complexidade de tarefas, pois diferentes autores tôm incluído em suas pro­
postas um ou mais dos seguintes itens: (a) características da tarefa, tais como número de
itens a serem memorizados ou tipos de instrução, (b) o comportamento necessário para
um determinado nível de desempenho, (c) o comportamento de fato emitido pelo indivíduo,
ou (d) as habilidades necessárias para um bom desempenho (cf. Hackman, 1969; Wood,
1986). Estas propostas divergentes sugerem que uma confusão conceituai entre comple­
xidade e dificuldade está dificultando um acordo sobre o que deve ser levado em conta na
análise de complexidade de tarefas, razão pela qual apresenta-se a seguir uma análise
dos usos destes conceitos.
Apesar do nível de desempenho de quaíquer indivíduo em qualquer tarefa ser, sem
dúvida, o produto de uma interação entre características da tarefa e o repertório inicial
(i.e., habilidades e treino prévio) do indivíduo, uma análise da lógica do conceito de com­
plexidade de tarefa sugere que o conceito está relacionado a características da tarefa e
não às habilidades do indivíduo, como pode ser visto pelo seguinte argumento. Na medida
em que um indivíduo pratica uma determinada tarefa, embora seu desempenho possa
melhorar na tarefa e ele possa ser descrito como tendo adquirido ou aprimorado uma
habilidade, faria pouco sentido afirmar que a complexidade da tarefa decresce na medida
em que o treino aumenta. Pilotar um caça-bombardeiro moderno, ou escrever um artigo,
não se tornam menos complexos porque algumas pessoas podem desempenhar tais
tarefas bem e com facilidade. Apesar dos conceitos de dificuldade e complexidade pode­
rem, em alguns contextos, ser usados como sinônimos, eles mostram uma assimetria de
uso interessante. Enquanto difícil implica necessariamente níveis de desempenho mais
baixos (quando comparado com fácil, entre tarefas ou indivíduos), o mesmo não acontece
com complexo, uma tarefa complexa pode ser muito fácil para um determinado indivíduo
ou após algum treino, como exemplificado anteriormente. De acordo com esta análise,
portanto, o repertório das pessoas deveria sempre ser considerado quando referência
fosse feita a dificuldade de uma tarefa, mas não necessariamente a complexidade de
tarefa, esta última estando relacionada a características da tarefa independentemente do
repertório do indivíduo. Baseado em argumentos diferentes dos apresentados acima,
Hackman (1969) e Wood (1986) chegaram a uma conclusão semelhante ao defenderem
que descrições da complexidade de tarefas devem levarem conta características da tare­
fa e comportamento requerido, desconsiderando as habilidades do indivíduo ou o compor­
tamento de fato emitido na situação. Se este argumento for aceito, no entanto, ainda
restaria a questão sobre quais características das tarefas devem ser incluídas na descri­
ção de complexidade de tarefa.

2. Complexidade discriminativa

Considerando que qualquer tarefa especifica que respostas serão corretas (ou re­
forçadas ou bem sucedidas) em que situações (estímulos discriminativos), Oliveira-Cas-

108 lorfle M . Oliveir<»-C\istro


tro, Coelho, e Oliveira-Castro (1999) propuseram uma forma de analisar complexidade de
tarefa, a qual interpreta qualquer tarefa como um conjunto de contingências programadas
de reforço, sendo que o nlvel de complexidade seria obtido com base na quantificação
destas contingências. Oliveira-Castro et al. (1999) adotaram este tipo de análise de com­
plexidade em pesquisas experimentais utilizando procedimentos para aprendizagem de
pares associados com resposta precorrente auxiliar.
Em uma variação deste procedimento, ao se apresentar uma forma arbitrária como
primeiro membro do par associado, os participantes podiam consultar o segundo membro
do par, no caso, um conjunto de caracteres arbitrários, antes de digitá-lo. A tarefa dos
participantes era memorizar o segundo membro de cada par, isto é, eles deveriam ser
capazes de digitar o segundo membro de cada par, isto ô, o conjunto de caracteres, sem
consultar uma tela auxiliar, na presença do primeiro membro de cada par. A duração da
resposta precorrente auxiliar, ou seja, o tempo que os participantes gastaram consultando
a tela de auxilio, foi medida para cada par em cada tentativa.
No caso da tarefa de pares associados adotada, as contingências especificavam
que uma determinada resposta (digitar um caractere) seria correta somente se ela ocor­
resse na presença da forma correta e na posição correta. Forma e posição, portanto, eram
duas dimensões funcionais na tarefa, pois a conseqüência apresentada após cada res­
posta ("Certo!” ou "Errado!") poderia mudar dependendo delas. Com o intuito de quantificar
as contingências programadas na tarefa, foram calculadas as probabilidades programa­
das de reforço para respostas dada cada forma (PPRForma) e cada posição (PPRPos).
Além disto, tais probabilidades poderiam ser mantidas constantes apesar de mudanças
no número de respostas a serem aprendidas no total da tarefa, o que gerou o cálculo da
freqüência média programada de reforço na tarefa toda (FMPRef), a qual seria uma medida
da complexidade para aprender as respostas requeridas na tarefa. Estas três medidas
representariam uma quantificação das contingências programadas, já que as contingên­
cias estabelecem quais respostas (FMPRef) são corretas na presença de quais formas
(PPRForma) em quais posições (PPRPos). As medidas podem ser calculadas da seguin­
te maneira: (a) Freqüência média programada de reforço (FMPRef), obtida com base na
divisão do número de respostas corretas possíveis em qualquer bloco de tentativas pelo
número de respostas diferentes; (b) Probabilidade média programada de reforço para qual­
quer resposta dada uma forma (PPRForma), obtida pela divisão da freqüência média de
reforço dada uma forma pelo número de respostas corretas possíveis dada uma forma; e
(c) Probabilidade média programada de reforço para qualquer resposta, dada uma
posição (PPRPos), obtida pela divisão da freqüência média de reforço dada uma
posição pelo número de respostas corretas possíveis dada uma posição (cf. Oliveira-
Castro et al., 1999). A tabela a seguir ilustra como as medidas podem ser calculadas.
No caso apresentado, os caracteres arbitrários foram substituídos por letras (A, B, C,
D, e E) para facilitar a leitura. O exemplo apresenta quatro pares de forma (F1, F2, F3
e F4) e conjuntos de cinco letras (portanto cinco posições, a saber, P1, P2, P3, P4 e
P5). O cálculo de PPRForma para F1 pode ser obtido pela divisão da freqüência
média de reforço para respostas dada F1 pelo número de respostas corretas possíveis
dada F1. A freqüência média de reforços dada F1 pode ser obtida pela divisão do
número total de reforços programados dada F1, igual a 5, pelo número de respostas
diferentes dada F1, igual a 5, produzindo um resultado igual a 5/5 = 1,00. Este valor, 1,00,
deve então ser dividido pelo número de respostas corretas possíveis dada F1, igual a 5,
produzindo um valor para PPRForma igual a 1/5 = 0,20. Os cálculos para as outras formas
e para as posições pode ser feito de maneira análoga, sendo que a média dos valores de

Sobre C o m p o rl.im c n lo e C o g n iv ilo 109


PPRForma ([F1+F2+F3+F4J/4) e PPRPos ([P1+P2+P3+P4J/4) tem sido adotada como
descrição geral para a tarefa. O valor de FMPRef pode ser obtido pela divisão do número
de respostas corretas possíveis na tarefa como um todo, igual a 20 no exemplo, pelo
número de respostas diferentes na tarefa, igual a 5 no exemplo, gerando o resultado final
de 4,00.

P1 P2 P3 P4 P5 PPRForma

F1 A B C D E 5/5/5 = 0,20
F2 A A A A A 5/1/5 = 1,00
F3 A C D E B 5/5/5 = 0,20
F4 A D B C B 5/4/5 = 0,25

Módias
PPRPos 4/1/4 = 1,00 4/4/4 = 0,25 4/4/4 = 0,25 4/4/4 = 0,25 4/3/4 = 0,33 0,41 0,42

FMPRef 20/5 = 4,00

A expressão complexidade discriminativatem sido utilizada para distinguir mudan­


ças nestas variáveis, as quais estão relacionadas ás ocasiões adequadas para emitir
certos movimentos (de certa forma, triviais para participantes adultos), de mudanças, por
exemplo, no tipo e complexidade dos movimentos exigidos na tarefa (por exemplo, com­
plexidade topográfica; ver Oliveira-Castro et al., 1999). Variações sistemáticas nos valores
de PPRForma, PPRPos e FMPRef, baseadas em alterações separadas dos numeradores
e denominadores destas medidas, foram realizadas em diferentes experimentos, produ­
zindo os efeitos preditos, isto ó, aumentos nos valores destas variáveis estiveram associa­
dos a diminuições nos valores de tempo de auxílio necessários para aprender a tarefa
(Oliveira-Castro, Carvalho, etal., 1998b; Oliveira-Castro, Castilho et al., 1997; Oliveira-Castro,
Coelho et al., 1996a; Oliveira-Castro, Coelho et al., 1996b). Além disto, aumentos na freqüência
programada de reforço para seqüências de respostas, mantendo PPRForma, PPRPos e
FMPRef constantes (usando números para representar as formas e letras para representar
os caracteres - os pares eram 1-ABCDE, 2-BCDEA, 3-CDEAB, 4-DEABC comparados
com 1-ABCDE, 2-BDAEC, 3-CEDBA, 4-ECBAD), produziram diminuições nos valores de
tempo de auxílio (Oliveira-Castro, Carvalho et al., 1998a).

3. Ensino de leitura

Um dos maiores desafios para abordagens comportamentais da educação tem


sido explicar, de forma compatível com uma teoria operante, comportamentos e repertóri­
os novos, isto é, que surgem sem treino explícito, os quais não podem ser expficados
com base na aprendizagem conseqüencial mecânica (Alessi, 1987). Para superar este
desafio, várias tentativas derivadas das idéias de Skinner (e.g., 1953, 1957) têm sido
apresentadas (e.g., Alessi, 1987; Home & Lowe, 1996,1997; Lowenkron, 1998; Sidman,
1994), dentre as quais, a de Sidman, envolvendo os procedimentos de discriminação
condicional e o conceito de equivalência entre classes de estímulos, talvez seja a mais
difundida. Os procedimentos derivados do paradigma de equivalência, quando aplicados
ao ensino de leitura, têm demonstrado a emergência de relações de equivalência entre

110 lor#c M . O livc ira -C d stro


figuras, palavras e respectivos sons, sem ensiná-las diretamente (e.g., Sidman & Tailby,
1982). De acordo com Hübner-D'Oliveira e Matos (1993), tais procedimentos podem ser
úteis para o aprimoramento dos métodos existentes de ensino, “pois a partir de um núme­
ro pequeno de relações ensinadas, um número maior era obtido sem a necessidade de
treinos diretos para tal" (p. 99).
Alguns autores têm considerado que, além desta possibilidade de estabelecer,
sem ensino direto, relações entre palavras e figuras, os procedimentos de equivalência
podem propiciar também o aparecimento da leitura sob controle textual de unidades míni­
mas, tais como sílabas e letras (e.g., de Rose, Souza, Rossito & de Rose, 1992; Hübner-
D’Oliveira & Matos, 1993), o que, por sua vez, poderia gerar repertórios recombinativos
bastante elaborados sem treino direto (cf., Alessi, 1987). Considerando que a expressão
unidades mínimas pode gerar algumas dificuldades teóricas, pois dependendo do contex­
to as unidades mínimas programadas podem ser de diferentes níveis (e.g., sílabas, letras,
fonemas) e podem não coincidir com as unidades funcionais, utilizar-se-á no seu lugar a
expressão unidades menores, a qual parece ser mais neutra e dependente do nível de
treino utilizado.
Hübner-D’Oliveira e Matos (1993) relataram quatro experimentos nos quais, adotando
um procedimento de discriminação condicional, crianças foram treinadas a ler algumas
palavras e testadas na leitura de outras palavras formadas a partir de recombinação de
letras e sílabas das palavras treinadas (teste de generalização ou de leitura generalizada).
Com base nos resultados obtidos, as autoras concluem que o controle discriminativo por
unidades mínimas na aquisição da leitura se apresenta melhor quando o repertório de
palavras é aumentado, sem ser necessário, contudo, aumentar o número de sílabas des­
se repertório, bastando que essas tenham suas posições nas palavras sistematicamente
variadas (ora como primeira sílaba, ora como segunda sílaba). Além disto, o desempenho
nos testes de leitura generalizada foi melhor para palavras com sílabas repetidas (e.g.,
BOBO) e quando, nas palavras de treino, houve recombinação de letras, além de sílabas.
Rocha (1996), adotando um procedimento de discriminação condicional que empa­
relhava figuras, fonemas da língua portuguesa e caracteres arbitrários, variou sistematica­
mente em quatro condições experimentais a composição das palavras de treino (e.g.,
posição da sílaba na palavra, número de sílabas diferentes). A autora concluiu que, apesar
de os resultados não apresentarem evidências inequívocas com respeito ao efeito da
composição das palavras na aquisição de leitura por unidades menores, aumentos na
quantidade de treino de leitura e na similaridade entre as palavras de treino e teste pare­
cem produzir melhores desempenhos em leitura generalizada.
Com respeito às variáveis que influenciam a aquisição de leitura por unidades me­
nores, todos os autores citados parecem concordar com respeito a, pelo menos, três
aspectos: (a) Aumentos na quantidade de treino de cada relação letra-fonema facilitam o
controle por unidades menores; (b) A composição das palavras de treino, e suas relações
com as palavras de teste, parecem influenciar o controle por unidades menores, sendo
que quanto mais parecidas forem as situações de treino e teste melhor será o desempe­
nho neste último; e (c) O tipo de correspondência existente entre letras e respectivos fone­
mas pode influenciar grandemente o controle por unidades menores, sendo que a corres­
pondência ponto a ponto facilitaria o desempenho.
Tendo em vista a semelhança entre o ensino de leitura (nomeação de palavras), no
qual fonemas correspondentes a grafemas devem ser aprendidos, e o procedimento de

Sobre C om p o rtam e nto e C o fítiiç io 111


pares associados utilizados em experimentos anteriores, no qual caracteres arbitrários
correspondentes a formas devem ser aprendidos, poder-se-ia perguntar se as análises de
complexidade discriminativa de tarefas desenvolvidas até o momento não seriam aplicá­
veis à situação de ensino de leitura. Na situação de ensino de leitura, as contingências
programadas de reforço seriam quantificadas de forma semelhante, levando em conta a
freqüência média programada de reforço para cada fonema (se este for o nlvel de análise
adotado), e a probabilidade programada de reforço para cada fonema na presença de cada
dimensão discriminativa na tarefa. Se o objetivo da análise fosse, por exemplo, comparar
a complexidade discriminativa de situações de treino, as contingências estabelecem que
cada fonema seria correto se ocorresse na presença de uma determinada palavra e em
uma posição determinada (o caso no qual cada fonema ocorre na presença da letra cor­
respondente, o que alguns autores têm denominado de leitura controlada por unidades
mínimas, será discutido mais adiante). No procedimento utilizado por Rocha (1996), por
exemplo, foram treinadas palavras com duas sílabas, cada qual contendo duas letras
(caracteres arbitrários) na presença de cada uma das quais um, e somente um, fonema
poderia ser reforçado. Neste caso, pode-se calcular a Freqüência Média Programada de
Reforço (FMPReÒ para os fonemas, e as Probabilidades Programadas de Reforço para os
fonemas dada uma Palavra (PPRPal) e dada uma Posição (PPRPos). A análise desses
cálculos para as quatro fases diferentes de treino utilizadas por Rocha (1996) indicou que
as complexidades discriminativas do treino das Fases 1 e 3 foram idênticas (FMR = 1,78;
PRPal = 0,25; PRPos = 0,65) e menores que aquelas das Fases 2 (FMR = 1,78; PRPal =
0.25; PRPos = 0,35) e 4 (FMR = 2,00; PRPal = 0,25; PRPos = 0,25). Os resultados dos
testes de nomeação das palavras nas Fases de Treino 1 a 4 (8 8 % , 87%, 75% e 75% de
acertos, respectivamente) parecem refletir as diferenças de complexidade. A análise da
complexidade discriminativa das tarefas de treino fornece uma forma de quantificar a quan­
tidade e diversidade de treino mencionadas por vários autores (item “a” acima), e pode vir
a ser útil na identificação dos efeitos desta variável sobre o ensino de leitura generalizada,
isto é, leitura com base nas unidades menores. A suposição de Hübner~D'Oliveira e Matos
(1993), ao comparar os resultados obtidos no segundo e no terceiro estudos relatados, de
que"... o aumento de repertório de palavras com variação sistemática de suas sííabas é a
variável crítica para a leitura de novas palavras..." (p. 103), sugere que treinos com valores
mais altos de FMR (mudou de 2,0 para 3,2 do segundo para o terceiro estudo) e PRPal
(mudou de 0,25 para 0,29 do segundo para o terceiro estudo), mesmo que tenham valores
mais baixos de PRPos (mudou de 0,83 para 0,42 do segundo para o terceiro estudo),
favoreceriam a aquisição de leitura generalizada.
Este tipo de quantificação das contingências programadas de reforço pode auxiliar
também na comparação das características da situação de treino com aquelas da situa­
ção de teste, variável freqüentemente citada como relevante para a aquisição de leitura
generalizada (item "b” acima). Uma das formas de se quantificar o grau de semelhança
entre as situações de treino e teste pode se basear na comparação entre o nível de
desempenho na situação de teste na presença de determinadas dimensões discriminativas
da tarefa com a probabilidade de reforço programada para aquele tipo de resposta na
situação de treino. No caso do experimento conduzido por Rocha (1996), por exemplo, no
qual a cada letra (caractere arbitrário) correspondia um fonema diferente, as letras podiam
variar com relação à posição que ocupavam na palavra (1 ou 3 para fonemas consonantais,
1. e., B, F, K, L, N, e 2 ou 4 para fonemas vocálicos, i. e., A, E, I, O) e com relação à letra
adjacente na mesma sílaba (todas as sílabas eram compostas por uma consoante e uma
vogal). A semelhança funcional entre as situações de teste e treino poderia ser quantificada

112 lor^e M . O livc lrd -C a stro


comparando-se a porcentagem de acertos na leitura de cada fonema em determinada
posição e com determinada letra adjacente na situação de teste com a probabilidade
programada de reforço para aquele fonema naquela posição (PRPos) e com aquela letra
adjacente (PRLetra) na situação de treino. Por exemplo, a porcentagem de acerto de
leitura da letra “A" quando esta apareceu na Posição 2 com a letra "B" na mesma sílaba,
isto é, todos os casos de palavras iniciadas com "BA" (no caso especifico apenas BANO),
na situação de teste, para todos os sujeitos, foi igual a 60%. A probabilidade média
programada de reforço, calculada para todas as fases de treino, para "A" na Posição 2 foi
igual a 0,38 ( 6 vezes em 16 palavras possíveis) e para "A" junto com a letra "B" na mesma
sílaba foi igual a 0,50 (4 vezes em 8 vezes em que B aparece). Com base nos resultados
de Rocha (1996), uma análise de regressão múltipla da porcentagem de acertos nos
testes de leitura como função de PRPos e PRLetra, calculados para cada uma das nove
"letras" utilizadas e para todos os sujeitos, indicou que aumentos na porcentagem de
acertos estiveram significativamente relacionados a aumentos nos valores de PRPos (p <
0,00) e PRLetra (p = 0,02), as duas variáveis explicando juntas 31 % da variância da por­
centagem de acertos. Esses resultados sugerem, portanto, que a quantificação das con­
tingências programadas de reforço pode fornecer uma maneira de comparar o grau de
semelhança entre as condições de treino e as condições de teste, e que, quanto mais
semelhantes forem essas condições, melhor será o desempenho. O desempenho em
situações de teste de leitura generalizada seria, portanto, uma função inversa do nível de
complexidade do teste, i.e., semelhança funcional entre treino e teste, e uma função
direta da variedade do treino, i.e., freqüência de reforço programada para cada fonema na
presença de diferentes dimensões discriminativas, tais como posição na palavra ou na
sílaba, e letra adjacente na sílaba.
Um terceiro ponto sobre o qual os autores parecem concordar (item "c" acima), ao
discutir as variáveis que influenciam o estabelecimento de repertórios recombinativos, diz
respeito ao tipo de correspondência entre letras e respectivos fonemas. Todos concordam
que o grau de correspondência varia entre diferentes línguas e entre letras e fonemas em
uma mesma língua, como por exemplo é o caso das chamadas dificuldades da língua
(e.g., mais de um grafema para um mesmo fonema e vice-versa), e que a correspondência
ponto a ponto produziria o melhor desempenho (e.g., Alessi, 1987). Em algumas das
pesquisas citadas, o material foi escolhido de forma a manter uma correspondência um a
um entre grafemas e fonemas (e.g., Rocha, 1996), enquanto em outras o material conti­
nha assimetrias existentes na língua portuguesa (e.g., Hübner-D’Oliveira & Matos, 1993).
A análise das contingências programadas talvez possa servir também para quantificar o
grau de correspondência entre letras e fonemas, com base, por exemplo, na probabilidade
programada de reforço para um determinado fonema na presença de uma determinada
letra, no caso de leitura (no caso de escrita por ditado, o grau de correspondência poderia
ser calculado com base na probabilidade de reforço para determinada letra na presença de
um determinado fonema). Este tipo de quantificação poderia ser calculado com base na
freqüência de ocorrência de palavras de uma língua e/ou comunidades ou contextos espe­
cíficos (e.g., crianças ou adultos, linguagens técnicas ou não), e poderia vir a substituir as
classificações categóricas das relações grafema-fonema, tais como aquela apresentada
por Lemle (1991), na qual essas relações são classificadas como regulares (correspon­
dência biunívoca), com base em regras (dependente de regras de posição) e irregulares
(não há regras). Com este tipo de quantificação, talvez seja possível, por exemplo, avaliar
a quantidade de treino necessário para ensinar diferentes dificuldades da língua, as quais
poderiam ser classificadas em termos de complexidade, bem como classificar os erros de

Sobre Comportamento e Cogni(<lo 113


leitura de acordo com sua abrangência (e.g., erros em combinações silábicas muito
freqüentes poderiam ser mais danosos que aqueles em combinações pouco freqüentes).

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114 lor#r M . O live ird -C 'd*lro


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Sobre Comportamento e Co#mç.lo 115


Capítulo 15

Existem maneiras de viver bem a velhice?


M itos e realidades
Ana Maria Moscr
{tN IV A I !-S C r /V íV A ’

O presente texto tem como objetivo apresentar os fundamentos teóricos necessários para a
realização do trabalho com Idosos denominado de "Atividade participante", bem como o modelo
proposto para o desenvolvimento dessas atividades. Esse tipo de trabalho atualmente está sendo
desenvolvido dentro da disciplina Psicologia do Desenvolvimento III e IV, no curso de Psicologia
(PUC-PR) e visa a otimização da Qualidade de Vida dos Idosos. Resumidamente s8o apresentados
os principais resultados obtidos nesse tipo de trabalho com idosos. Esse trabalho foi exposto em
mesa redonda, com o tema "Uma experiência com idosos em Curitiba", durante o VIII Encontro da
ABPMC.

A pergunta: “Quem quer ficar velho?" muitos responderão com um sonoro "eu não",
e quando se pergunta a essas mesmas pessoas: “Quem que morrer jovem?", eles certa­
mente responderão, novamente, "eu não". Conseqüentemente cria-se, então, um impasse,
pois se não querem morrer jovens, então é porque querem viver por muito tempo, mas,
como viver por muito tempo sem sofrer as conseqüências do próprio desenvolvimento, ou
até mesmo negando a possibilidade de ficar velho?
Skinner e Vaughan (1985) salientam que uma boa época para se pensar sobre a
velhice, e se preparar para essa fase, é durante a juventude, pois poder-se-ia melhorar as
chances de vivê-la bem. Tal como aquelas pessoas que se preparam para viajar a outro
pais, pois quanto mais conhecerem sobre esse pais mais melhoram as suas chances de
aproveitar melhor a sua estadia.

116 Ana Maria Moscr


O que efetivamente o jovem está fazendo atualmente para nâo acelerar o processo
do desgaste físico? O que efetivamente o jovem está fazendo para viver bem o dia de hoje?
O que se nota ó que há uma tentativa de empurrar a vida “com a barriga", como se real­
mente acreditassem que a vida começa aos quarenta anos! Mas..., envelhecimento e
desenvolvimento caminham juntos (Neri, 1993).
Nos dias atuais, fala-se muito de qualidade de vida, mas, por outro lado, parece muito
difícil viver com qualidade de vida, pois a corrida pela sobrevivência não deixa muito tempo
para pensar num futuro que, a priori, está muito, mas muito distante!!! Mas, e o idoso, que
já está nessa fase? O que se pode fazer para minimizar os efeitos do tempo, da pressão
da sociedade para marginalizá-lo?
Quais os estereótipos que a sociedade tem de velhice? Que preconceitos contro­
lam a vida do jovens em relação aos idosos e quais os mitos que controlam a vida dos
próprios idosos em relação a essa fase?
Houve períodos na história em que os idosos eram vistos como fontes de sabedoria
pela grande vivência - vasta experiência vivida - e eles eram procurados para orientar tanto
indivíduos isolados como toda uma sociedade, pois a sobrevivência dela dependia desses
conselhos. Atualmente, pela rapidez da evolução da ciência e da tecnologia, toda essa
sabedoria e informação tornam-se inúteis, pois o homem moderno recorre a outras fontes
de informação para resolver seus problemas. Segundo Boxberger e Cotter (1968), essas
mudanças do modo de ver os idosos têm afetado bastante a vida destes, os quais se
sentem prescindíveis, inúteis e rejeitados. Isto ocorre principalmente quando recordam
que, na sua época, tratavam-se os anciãos com muito mais consideração e respeito que
na época atual e que ao ancião era permitido ocupar um lugar de destaque na sociedade
e até mesmo no seio da família.
Salgado (1990) ainda aponta para um problema que diz respeito ao indivíduo que
percebe a existência de um meio sociaf hostil ao idoso, surgindo nesse indivíduo compor­
tamentos de auto-rejeição ao próprio envelhecimento. Dessa forma, além dos próprios
problemas acarretados pelas perdas fisiológicas e físicas, aparecem muito mais proble­
mas de ordem psicológica e social.
A atuação junto a essas questões de ordem psicológica e social dentro da nova
visão do envelhecimento como parte do processo de desenvolvimento pode trazer contri­
buições significativas à melhoria da qualidade de vida na terceira idade. Embora já exista
uma preocupação em tentar mudar o conceito de velho e velhice (Jordão Netto e Silva,
1994), na qual uma nova concepção está tomando forma. Essa concepção, na qual a
velhice deixa de ser sinônimo de fim de vida, acaba como estereótipo de velho como um
ser triste, inútil e incapacitado para desempenhar papéis sociais. Ainda existe um longo
caminho a ser percorrido para melhorar a qualidade de vida dos idosos.
Qualidade de vida na velhice pode ser entendida entre outros, como sendo o bem
estar psicológico, percebido e subjetivo, e envelhecimento satisfatório ou bem-sucedido
(Neri, 1993). Neri, em 1995, salienta que “uma velhice bem-sucedida preserva o potencial
individual para o desenvolvimento, respeitados os limites da plasticidade de cada um"
(p.34). Com isso, deve-se enfatizar que um idoso com uma boa qualidade de vida consegue
equilibrar suas potencialidades e suas limitações, o que lhe permite lidar com as perdas
inerentes ao próprio processo de envelhecimento, mesmo atingindo diferentes graus de
eficácia (Neri, 1993; 1995).

Sobrt C omporldmcnlo e Cogniçào 117


De acorôo com Garcia e Ibanez (1992), qualidade de vida envolve a avaliação que o
sujeito faz em um momento dado de sua vida completa, considerada como um todo,
referindo-se não somente ao momento atual mas também a um passado mais ou menos
próximo e a um futuro mais ou menos distante.
Aceita-se, então, que qualidade de vida é uma dimensão subjetiva, uma vez que
cada pessoa ó quem pode determinar qual é seu nível de qualidade de vida, sendo essa
mesma pessoa quem estabelece o peso de cada um dos fatores ou dimensões que a
compõe, e inclusive poderá chegar-se a compreender que cada sujeito estabeleça um
campo próprio de qualidade de vida com um número diferente de fatores em relação a
outras pessoas (Moser e Amorim, 1999).
No trabalho com idosos, visando a otimização da qualidade de vida, é importante
citar dois autores que contextualizam o conceito de qualidade de vida, tornando-o bastan­
te operacional. O primeiro é o modelo integrativo de qualidade de vida e desenvolvimento
pessoal na velhice proposto por Ryff (1989, in Neri, 1993). Ryff salienta a importância de
se investigar; 1) a auto-aceitação; 2) relações positivas com os outros; 3) autonomia; 4).
intencionalidade e direcionalidade na busca de metas na vida; 5) senso de domínio; e 6 )
competência sobre os eventos do ambiente e da própria vida. A partir das respostas a
essas questões, pode-se verificar em qual área o idoso está satisfeito e de que forma ele
consegue suprir esses aspectos, em qual área ele está deficitário e em que grau isto o
incomoda. Pode-se, então, planejar o trabalho com os idosos a partir de seu próprio
repertório.
O segundo modelo é o proposto por Fernandez-Ballesteros (1993), no qual relaciona
i dez áreas fundamentais para uma adequada avaliação de qualidade de vida de pessoas
idosas: 1) Saúde subjetiva: grau que a pessoa idosa atribui a seu estado atual de saúde,
comparação do estado de saúde com outras pessoas de sua idade e avaliação do declínio
sofrido comparativamente com a saúde em anos anteriores; 2) Autonomia: grau no qual
a pessoa encontra dificuldades em realizar uma sórie de atividades da vida cotidiana (por
exemplo: cuidar de seu aspecto físico, vestir-se e despir-se, etc); 3) Atividade: grau no
qual o sujeito realiza uma série de atividades (atividades físicas regular ou esporádica, ler,
participar de excursões, dançar etc.); 4) Satisfação social: avaíiaçáo da satisfação no
relacionamento que tem o sujeito com diferentes grupos etários; 5) Apoio social: frequência
de contato e relacionamento com outras pessoas (visita de familiares, contato com vizinhos
e amigos); 6 ) Satisfação com a vida: a avaliação da satisfação com a vida efetua-se
mediante uma pergunta direta sob esse aspecto; 7) Nlvel de renda: considera-se as
fontes de rendas da pessoa tais como aposentadoria, pensões, aluguéis etc.; 8 ) Serviços
sociais: a avaliação da qualidade dos serviços sociais que são oferecidos pela prefeitura,
pelo estado ou em nível federal; 9) Recursos culturais: avalia-se considerando o nlvel
educacional alcançado; e 10) Qualidade da casa: procede-se argüindo sobre a opinião
ido sujeito em relação a sua casa, vizinhos, bairro e etc.
Entretanto, bem estar e satisfação não podem ser compreendidos apenas em nível
individual. Concorda-se com Neri (1995), ao argumentar que um envelhecimento bem su­
cedido não é mero atributo do indivíduo e que, portanto, depende das chances do indivíduo
quanto a usufruir de condições adequadas de educação, urbanização, habitação, saúde e
trabalho durante todo seu curso de vida. Em síntese, os mecanismos sociais que
freqüentemente apresentam uma desvalorização do velho e da velhice precisariam de uma
correção, uma vez que os sentimentos e experiências referentes à identificação da velhice

118 A n a M a r ia M o s c r
seriam mais adequados ao compreendê-la como ganhos e perdas, como um equilíbrio
entre ambas e que depende da aprendizagem de repertórios eficazes para responder
adequadamente aos eventos dessa fase de vida.
Quando se fala em arte de envelhecer, está-se falando na arte de viver, pois sabe-se
que começa-se a envelhecer ao nascer. O envelhecimento é um processo inexorável,
inerente ao próprio desenvolvimento e, em qualquer etapa do desenvolvimento, tem-se
perdas e ganhos, satisfação e insatisfação, as quais também são marcadas por períodos
de transição e de adaptação, conforme salienta a teoria da Hfe-span ou a teoria do curso
de vida sobre o desenvolvimento humano de Baltes (1987, in Neri, 1995).
Neste momento, para contextualizar o trabalho com idosos, ó importante salientar
que a teoria da life span tem sido difundida no Brasil através dos trabalhos da Dr“ Anita
Liberalesso Neri, e seus pressupostos são:

- O desenvolvimento ontogenótico estende-se por toda a vida, envolvendo tanto proces­


sos de mudança de origem genética quanto outros que se iniciam em diversos mo­
mentos do curso de vida.
- Nenhum período do curso de vida tem supremacia na regulação da natureza do desen­
volvimento.
- O desenvolvimento é um processo multidirecional, existe considerável sobreposição
entre os vários aspectos do desenvolvimento que se dão em ritmos diferentes no mes­
mo período do curso de vida.
- As mudanças podem assumir múltiplas direções no mesmo momento de desenvolvi­
mento.
- O desenvolvimento envolve equilíbrio constante entre ganhos e perdas e significa mu­
dança adaptativa constante.
- A proporcionalidade entre os ganhos e as perdas no desenvolvimento sofre alterações
ao longo do curso de vida: na infância preponderam ganhos e na velhice preponderam
perdas.
- Existe considerável variabilidade intraindividual, tanto em potencialidade e limites quanto
para diferentes formas de comportamento e desenvolvimento.
- O desenvolvimento e a sua plasticidade estão contextualizados histórico e culturamente.
A natureza das condições e o ritmo das transformações afetam o desenvolvimento
individual e de grupos etários.
- O desenvolvimento sofre influência de três sistemas: de gradações por idade, do contexto
histórico e de eventos não normativos (tendem ser experenciados como crises)
- O desenvolvimento humano é um evento multideterminado e multifacetado, portanto é
importante o conhecimento de várias disciplinas e a integração de suas contribuições
(Neri, 1995).

Baltes e Baltes, em 1990 (Neri, 1995, pág.35-36), direcionam suas proposições a


uma velhice bem sucedida, segundo o curso de vida, sendo elas:

- Existem diferenças substanciais entre velhice normal (ausência de patologias biológi­


cas e psicológicas), ótima (referenciadas a algum critério de bem estar pessoal e
social) e patológica (presença de síndromes típicas da velhice e/ou de doenças crônicas).
- O envelhecimento é uma experiência heterogênea, dependente de como cada pessoa
organiza seu curso de vida, a partir de suas circunstâncias histórico-culturais, da in­

Sobrc Comporldmcntu c Cognivdo 119


cidência de diferentes patologias durante o envelhecimento normal e da interação entre
fatores genéticos e ambientais.
- Na velhice, fica resguardado o potencial de desenvolvimento dentro dos limites da
plasticidade individual.
- Os prejuízos do envelhecimento podem ser minimizados pela ativação das capacida­
des de reserva para o desenvolvimento dentro dos limites da plasticidade individual.
- As perdas na mecânica do funcionamento individual podem ser compensadas por gan­
hos na pragmática.
- Com o envelhecimento, o equilíbrio entre ganhos e perdas toma-se menos positivo. Os
mecanismos de auto-regulaçáo da personalidade mantêm-se intactos em idade avançada.
Observa-se, na nossa cultura, que arranjamos muitas desculpas para comporta­
mentos "irritantes" de nossos semelhantes, como por exemplo: a criança que chora mui­
to, dizemos "ou que ela está com fome, ou com frio, ou com sede, ou quer carinho etc.";
o adoíescente é agressivo, “porque está se afirmando, quer ser independente etc."., o
(adulto que vive de mau humor, "porque está com dificuldades no trabalho, ou dificuldades
financeiras etc."; porém, quando se trata da pessoa idosa, a sociedade não mais arranja
desculpas e a rotula de “impertinente, gagá, chata, intrometida etc.".
Quando se depara com a realidade da sociedade atual, na qual a pessoa idosa tem
que lutar contra esses rótulos, além das próprias perdas físicas provenientes do próprio
processo de envelhecimento, têm-se que o idoso sofre muitas pressões, e que precisa de
muita maturidade para que ele consiga desfrutar da velhice.
Quando se fala de maturidade, enfatiza-se características como: a) possuir um
vasto repertório comportamental adquirido pela experiência e conhecimento e que repre­
senta um ganho capital para os sentimentos de adequação e autoconfiança; b) crescente
capacidade de lidar adequadamente com as frustrações; c) ter atividades participantes; d)
ser capaz de estabelecer o locus da avaliação dentro de si mesma, aplicando o seu
conhecimento e a sua experiência para avaliar o presente e melhorar sua escolhas, além
do que, ser mais capaz de perceber e reagir aos sinais de perigo; e) habilidade para
relacionar e comunicar satisfatoriamente as experiências, especialmente as que são
emocionalmente importantes; f) possuir um esquema racional para viver ou uma filosofia
devida unificadora etc. (Pikunas, 1981).
Todo sentimento ou vivência em relação à terceira idade, que podem representar
ganhos e/ou perdas, dependem de aprendizagens anteriores e de repertórios funcionais á
interação com esses eventos. Com isso, podemos salientar que se envelhece do jeito que
se viveu (Neri, 1984).
Para melhorar a qualidade de vida do idosos, além das próprias carências físicas
que deverão ser supridas, têm-se que proporcionar condições para que eles ocupem o
espaço que lhes é de direito. E isso só poderá ocorrer a partir do momento que o idoso
pare de negar a própria velhice e comece a descobrir seus potenciais.

1. Uma experiência com idosos na cidade de Curitiba (PR) e Itajaí (SC)

O trabalho denominado "Atividade participante com idosos" surgiu em 1992, na


Clínica de Reabilitação Rieke & Moser (Curitiba-PR), mediante a demanda de idosos que

120 A n «i M o sc r
faziam fisioterapia de se fortalecerem frente às pressões do meio e das limitações impos­
tas pela própria velhice. A incorporação desse trabalho, enquanto atividade acadêmica na
disciplina Psicologia do Desenvolvimento IV (do curso de Psicologia), iniciou no ano de
1994, no curso de Psicologia da UNIVALI-ltajaí/SC, a partir de uma necessidade de colo­
car os alunos em contato com os idosos residentes em asilos, visto que a disciplina do
jeito como vinha sendo ministrada era puramente teórica. Inicialmente, os alunos iam aos
asilos e, em 1 0 contatos com um único idoso, avaliavam-no de acordo com uma "ficha de
avaliação psicológica” (Moser,1998), elaborada a partir do trabalho do psiquiatra Dr. Sérgio
Gevaerd (1993, comunicação pessoal, Curitiba-PR), utilizada para auxiliar o diagnóstico
de pacientes em hospitais psiquiátricos da cidade de Curitiba-PR. Essa ficha é baseada
no conteúdo da Psicologia Geral, ou seja, avalia como o idoso se encontra em relação aos
tópicos como sensação, percepção, atenção, memória, afetividade, pensamento, julga­
mento, orientação de si mesmo no tempo e no espaço, etc. Deve-se salientar que o
importante era (e ainda é) saber quais as funções que se mantinham intactas no determi­
nado idoso, enquanto o conhecimento das funções que apresentavam déficit serviam para
entender melhor as dificuldades que o idoso apresentava em se relacionar com o meio,
ajudá-lo a aceitar essas dificuldades (na medida do possível) e esclarecer o meio de como
lidar com esses deficits - sempre com o intuito de diminuir frustrações para ambas as
partes, o idoso e as pessoas que conviviam com ele.
À medida em que os alunos conheciam os idosos e sua realidade, percebeu-se
que, entre outras coisas, o que parecia dominar na instituição era a falta de atividades que
pudessem manter os idosos ocupados, de modo a diminuir a angústia e a depressão, a
monotonia e o isolamento que tornavam-se comuns em decorrência das horas de tédio e
ociosidade que caracterizavam o cotidiano dessas pessoas. Muitas vezes, o tempo era
preenchido por ações rotineiras (comer, dormir, assistir televisão, ouvir rádio, auxílio nas
atividades domésticas). Jordão Netto (1987) afirma que "o tempo é uma dimensão cruel
"(p,101) para os residentes em asilos. A aparente estabilidade e segurança oferecidos,
levam apenas à resignação ou a uma pseudo-satisfação, pois, segundo Salgado (1990),
muitos dos idosos que residem em instituições brasileiras ali estão por não mais encon­
trarem condições de vida normais em seu próprio meio social. São caracterizados como
possuindo boas condições de saúde física e mental e que, por serem independentes,
provavelmente necessitam de outro tipo de atendimento (diferente daqueles dados a ido­
sos dependentes) e, devido aos raros recursos financeiros das instituições, estas optam
em suprir as necessidades biológicas de seus idosos, ficando em carência as necessidades
sócio-culturais. Com isso, ocorre uma certa despersonalização dos internos e, em conse­
qüência, surgem os comportamentos desajustados e até mesmo um alto grau de hostilidade
à instituição, quando não o isolamento (depressão).
Seligman (1977) encontrou idosos que sabem estar desamparados quando experien-
ciam situações incontroláveis, nas quais as conseqüências são independentes de seus
comportamentos, demonstrando comportamentos de passividade. Seligman realça que o
sentido de valor, domínio, ou auto-estima não pode ser dado, mas que só pode ser conquis­
tado, e que para isso é importante a interação entre o organismo e o seu meio ambiente.
Jonas (1991) coloca que essas idéias têm sido testadas em vários estudos. Por
exemplo: Langer e Rodin que, em 1976, detectaram que, numa casa de saúde em que era
dado o domínio de certas atividades a idosos, estes tornavam-se mais ativos, declaravam
seus sentimentos de estarem mais felizes e mostravam melhora de saúde.

Sobre C o m p o rl.tm cn lo c (_'o«niv<U> 121


Couto (1994) aponta que, para a manutenção da saúde mental dos idosos, é
necessária a realização de atividades (ou tarefas) úteis, agradáveis e adequadas à sua
idade e execução, o que é compartilhado com Jordão Netto (1987) quando este enfatiza a
importância em se ocupar os residentes de asilos com atividades prazerosas, a fim de
manter e/ou desenvolver a capacidade física e intelectual dos próprios.
Neri (1995) salienta que o desenvolvimento é um processo contínuo de adaptação,
que dura por toda vida, e que se pode manter, potencializar e até mesmo recuperar as
perdas ocasionadas pelo próprio processo normal de envelhecimento. Ou seja, pode*se e
deve-se trabalhar com os idosos, sempre no sentido de proporcionar uma melhor qualida­
de de vida
Constatou-se, então, a necessidade e a importância de realizar um trabalho com
os idosos residentes em asilos, que pudesse tirá-los de seu estado de apatia e aparente
alienação, que despertasse o interesse pelos outros, que pudesse fazer com que o idoso
sentisse a importância da sua participação no grupo social. Nesse sentido, a pessoa teria
oportunidade de ser reconhecido, admirado, de ser aceito pelos outros, atenuando os
efeitos desprazerosos decorrentes do próprio internamento. Enfim, de desenvolver o sen­
timento de que ainda ó importante como pessoa. Talvez o mais importante benefício al­
cançado seja o fato de fazer com que o idoso possa voltar a se sentir vivo.

2. Modelo de atividade participante com idosos

2.1. Método

Sujeitos: normalmente grupos de no máximo 20 idosos residentes em asilo, po­


dendo também ser realizado com grupos de idosos não residentes em asilos. Por serem
realizados pelas alunas do terceiro ano de Psicologia, o ideal é que não sejam grupos
com muitos elementos, afim de que as alunas possam perceber as dificuldades e os
sucessos individuais dos integrantes do grupo de idosos.

Material: todo e qualquer material passível de realizar e aumentar a eficácia das


atividades.

Procedimentos: Usualmente, um total de 10 encontros semanais, com duração


de uma hora. (Optou-se por este total de encontros devido a duração do ano letivo, que em
Itajaí-SC é semestral. Quando os idosos são não residentes em asilos - por exemplo:
centro de convivência, clínicas particulares, postos de saúde -, o ideal é trabalhar durante
todo o ano letivo, intercalado com as férias escolares.)

Cada encontro consta de uma atividade para aquecimento, cujo objetivo é fazer
com que haja descontração entre os integrantes dos grupos e facilitar o setting (normal­
mente com duração de no máximo 15 minutos); uma atividade relacionada ao tema que
será trabalhado (por exemplo: auto-estima, memória, assertividade, comunicação social,
etc,); e fechamento (nos 10 a 15 minutos finais, nas quais é feito um feedback, a partir
dos próprios relatos dos idosos de como se sentiram, do que eles apreenderam, etc.),
sempre procurando relacionar com pressupostos da teoria de curso de vida sobre o de­

122 A n a M a n a M o scr
senvolvimento humano (Baltes, in Neri, 1995), aspectos de qualidade de vida propostos por
Ryff em 1989 (in Neri, 1993), Garcia e Ibanez (1992) e Femandez Ballesteros, (1993); critérios
de maturidade (Pikunas, 1981); funções psicológicas - atençào/percepçáo/memória/ etc.
(Woodworth e Marques, 1973; Telford e Sawrey, 1974; Whittaker, 1977 e Davidoff, 1983)
O primeiro encontro visa a caracterização da instituição, permitindo aos alunos,
entre outros aspectos, conhecer como ó o dia-a-dia do idosos, quais os recursos que a
instituição possui, o que oferece, etc.
O segundo encontro visa a caracterização dos idosos que provavelmente irão parti­
cipar, através de uma entrevista objetivando: a) identificar o idoso (nome, idade, nlvel de
escolaridade, profissão, estado civil, e outros dados que sejam relevantes para o
planejamento das atividades); b) permitir aos alunos se apresentarem e explicar o objetivo
do trabalho, solicitar aos idosos a ajuda na realização deste; e c) obter o consentimento
do idoso em participar nas atividades propostas.
No terceiro encontro há a aplicação de pré-teste e, no décimo encontro, a aplicação
do pós-teste. O pré e o pós-teste são planejados dentro das necessidades do grupo,
verificadas através das entrevistas e da caracterização da instituição. O pré-teste serve
como linha de base ou seja, neste encontro é observado o nlvel operante (Millenson, 1975)
de cada indivíduo em relação ao aspecto que vai ser trabalhado ao longo dos encontros.
Antes da aplicação do pré-teste, é imprescindível que o aplicador novamente se apresen­
te, enfatize o objetivo do trabalho e fortaleça as bases do contrato (por exemplo: "serão 8
encontros, sempre as Quarta-feiras, das 13 horas às 14 horas), este procedimento visa
minimizar futuramente os efeitos da desvinculação.
Nos outros encontros, as atividades são sempre planejadas de acordo com o objetivo
a ser alcançado, dentro das características de cada idoso e das características do grupo.
Essas atividades são apresentadas em formas de pequenos desafios, permitindo que os
idosos consigam superá-las. A medida que os idosos alcançam éxito, são reforçados e o
grau de dificuldade é aumentado, conforme o processo de aprendizagem denominado de
modelagem (Skinner, 1978; Millenson, 1975). Ao final do encontro, é efetuado o feedback,
no qual é valorizado os relatos de sentimentos e pensamentos dos idosos em relação às
atividades e de que maneiras eles conseguem articular, com sua própria vida, a aprendiza­
gem que nesse momento, para muitos idosos, ocorre por modelação (Bandura) dos seus
próprios pares. Cabe ao aplicador articular os relatos com os fundamentos teóricos e/ou
práticos, facilitando as discriminações e as generalizações necessárias para haver mu­
dança de comportamento. Esse feedback, também permite rever o planejamento das
atividades, isto é, se elas estão de acordo com o objetivo, se é necessário aumentar ou
diminuir o grau de dificuldade, se há outras demandas por parte dos idosos que seriam
mais importantes serem trabalhadas naquele momento, etc. Salienta-se que o aplicador,
ao longo do encontro, deve estar alerta aos comportamentos verbais e não-verbais dos
idosos, pois esses comportamentos funcionarão como estímulos discriminativos para
continuar ou mudar o grau de dificuldade da atividade, ou até mesmo mudar de atividade.
Isto é importante, pois sabe-se que: a) a atividade proposta não pode requerer um grau
muito grande de dificuldade para a sua realização, o que acarretaria uma desistência do
idoso e geraria sentimentos de menos-valia; b) a atividade proposta não pode ser vista
como de muito fácil resolução, o que acarretaria desistência e fatalmente alguns
verbalizariam "não sou criança para brincar..."; e c) a atividade proposta contenha elemen­
tos que gerem surpresa ou novidade.

Sobre C o m p o rta m e nto e Co#niv<1o 123


A aprendizagem ocorre através de modelagem e modelação, com a utilização de
reforçadores secundários sociais e estabelecimento de novos estímulos discriminativos
(Skinner, 1989; Millenson, 1967, Bandura).

Resultados: Gradualmente os idosos melhoram seu autoconceito e diminuem cren­


ças irracionais sobre essa fase e sobre sua próprias limitações; há a descoberta de
potencialidades, aumentando o próprio repertório e, conseqüentemente, conseguindo mais
reforçadores do meio no qual estão inseridos. Aprendem a lidar melhor com os eventos
estressores e até mesmo a diminuir a freqüência dos pequenos eventos estressores. Há
um aumento da assertividade e das verbalizações “eu gosto", "eu prefiro", "eu gostaria" e
uma diminuição nas verbalizações do tipo “eu não consigo..., eu não sei,... eu não pos­
so..."
Quando são grupos de não residentes em asilos há, também, um aumento na
consecução de atividades que sempre pensaram em fazer um dia (p. ex. tocar flauta,
viajar etc.), diminuem atividades que, em alguns momentos, são desprazerosas (p. ex. fa­
zer almoço aos domingos, cuidar de netos todos os sábados, lavar louça, roupa de familiares
que já podem fazê-lo etc., sem sentimento de culpa); ficam mais despreocupados com os
possíveis lapsos de memória e aprendem a relaxar, mesmo em serviços domésticos. Há uma
melhora nas relações com os familiares, segundo verbalizações como "está mais gostoso",
"fazia muito tempo que meu filho não falava comigo, olhando no meu rosto"... etc.
No grupos de idosos residentes em asilos, são registradas pela equipe de trabalho
da instituição um aumento das conversas sobre os encontros, até mesmo com outros
idosos que nào participam do grupo das atividades.
Salienta-se que para os objetivos serem alcançados (quer integralmente, quer par­
cialmente), é importante a participação ativa dos idosos, pois, como enfatiza Rosemberg
(1981), o idoso é a “peça fundamental” e qualquer ajuda no sentido de otimização da sua
própria qualidade de vida só terá o efeito que os próprios interessados permitam, ou queiram
Por outro lado, também é fundamental as características de personalidade do aplicador,
pois caberá a ele adaptar as atividades às reais necessidades dos idosos, respeitando os
limites e valores de cada integrante do grupo (Moser, Silva e Silva, 1999).
Devido a essas experiências, em ambos os grupos, os idosos demostram que
possuem recursos de sua própria cultura e que podem ser utilizados para enriquecer essa
fase da vida, dependendo do contexto onde ele for colocado, no mesmo sentido
contextualizado que é apontado por Neri (1995) e onde o indivíduo e o ambiente social são
visto como mutuamente influentes e de interação dinâmica.
Pode-se, também, ilustrar como uma das intervenções ambientais a presença da
música (Moser, 1998) como mecanismo que melhora a auto-estima, amplia as habilida­
des sociais, propicia a interação entre os sujeitos e o principal: desenvolve o sentimento
de ser importante como pessoa, sentindo-se vivo e expressando essa vivacidade em dis­
cursos com outros interlocutores ou mesmo em comportamentos encobertos.
Conclui-se que a velhice não necessariamente deve ser um período de solidão e
tristeza, mas que é possível planejá-la tanto em nível pessoal como institucional e mesmo
da comunidade. A sociedade pode ajudar o indivíduo mudando as contigências e propor­
cionando recursos que promovam uma otimização da qualidade de vida nesta fase do
desenvolvimento.

124 An « i M .iru i M o s r r
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S o b rf C o m p o fla m rn lo c Coyjnivilo 125


Capítulo 16

Penso ou faço? A prática


encoberta no esporte
Cristina lieppo Scala
Rache! Rodrigues Kerbauy'

A prática encoberta, também denominada treino mental, repetição simbólica, práti­


ca mental, ensaio mental, visualização, tem sido usada e estudada como estratégia para
a melhora de desempenho esportivo (Weinberg, 1982; Feltz & Landers, 1983; Hinshaw,
1991; Meyers, Whelan & Murphy, 1996).
Vários autores concordam que prática encoberta é um treino na imaginação, na
ausência de movimentos físicos manifestos (Magill, 1984; Grouios, 1992; Albertini, 1985).
Neste estudo, foi adotado o termo prática encoberta, pois, na análise do comporta­
mento, a imaginação ó entendida como comportamento encoberto. Para Skinner (1974),
imaginar é ver algo na ausência da coisa vista, é presumivelmente uma questão de fazer
aquilo que se faria quando o que se vê está presente. Nesse sentido, imaginar é um
comportamento. Mas é um comportamento executado em escala tão pequena que não ó
visível aos outros, recebendo o nome de oculto ou encoberto (Skinner, 1974). Para Catania
(1984) imaginar, assim como andar e falar, é algo que nós fazemos. E a nossa imaginação
não se limita ao modelo visual, nós também travamos conversas imaginárias, fazemos
viagens imaginárias, realizamos ações imaginárias.
O fato do comportamento encoberto ser privado, isto é, fazer parte do universo
contido dentro da pele do indivíduo (por isso não acessível ao outro), não significa que deva
receber um tratamento diferencial. Para Skinner (1963), eventos públicos e privados têm
as mesmas dimensões.
1Bolsista CNPq

1 2 6 Cristina I icppo Scala & Raclícl Rotlri#ucs Kcri>auy


O comportamento encoberto tem como vantagem, segundo Skinner (1974), poder
agir sem comprometer-se, poder anular o comportamento e tentar novamente se as conse­
qüências privadas não forem reforçadoras ou ainda, no caso do esporte, jogar ocultamente
para pôr à prova as conseqüências.
Alguns estudos tem tornado o encoberto, aberto, demonstrando as alterações cor­
porais provocadas pela prática encoberta. Deschaumes-Molinaro, Dittmar e Vernet-Maury
(1991) estabeleceram um paralelo entre a prática encoberta e a açáo explícita medindo
variáveis do sistema nervoso autônomo. Lassen, Ingvar e Skinhoj (1978) fizeram o mesmo
com a atividade cerebral, assim como Bird (1984) com a atividade muscular.
Revisões e meta-análises realizadas até o momento demonstram a eficácia da
prática encoberta (Weinberg, 1982; Feltz e Landers, 1983; Hinshaw, 1991; Meyersecols,
1996), no entanto, são diferentes as variáveis estudadas e controladas a cada experimen­
to. As variáveis envolvidas na prática encoberta podem ter efeitos diferentes no desempe­
nho, conforme sua utilização, o que pode suscitar problemas metodológicos. Problemas
estes que têm sido alvo de críticas, como veremos a seguir.
Yamamoto e Inomata (1982) demonstram que é fundamental o conhecimento da
tarefa para que o atleta possa criar uma imagem, mas a maioria dos estudos trabalha com
grupos e não leva em conta o repertório individual, como os de Epstein (1980) e de Issac
(1992). Verificar se o sujeito imagina o que é proposto, aspecto raramente verificado nos
estudos, pode levar a resultados equivocados caso o sujeito altere a instrução na prática
encoberta. Isto poderia ser resolvido através do relato do sujeito (Skinner, 1945; Skinner,
1963; Skinner, 1974), mas em grupos grandes este procedimento ó inviável.
O parâmetro utilizado para avaliar a prática encoberta ó, em geral, a melhora do
desempenho motor. Este tipo de avaliação, porém, pode não se mostrar efetiva se não
forem considerados os aspectos fisiológicos que interferem no desempenho. Muitos estu­
dos retiram do treino físico os atletas dos grupos de prática encoberta (Grouios, 1992;
Weinberg, Seabourne e Jackson, 1981). O destreinamento, variável que interfere no de­
sempenho (Fleck, 1994; Neufer, Costill, Fielding, Flynn e Kirwan, 1987; Figueira-Júniore
Matsudo, 1994) não é considerado.
Tendo em vista os problemas metodológicos nos estudos de prática encoberta, que
podem comprometer os resultados, a utilização de sujeito único, para melhor controle de
variáveis, é uma alternativa e a escolhida para este estudo.
Woolman (1986) sugere que, nos estudos de prática encoberta, a imaginação seja
introduzida através de uma medida comportamental de linha de base. A sugestão de
Woolman (1986) tem apoio na proposta de pesquisa da análise experimental do compor­
tamento. Segundo Matos (1990), em análise do comportamento, não se aceita a restrição
imposta pelo modo de pesquisar da psicologia tradicional de que todos os sujeitos sejam
tratados da mesma maneira. Esta restrição supõe que todos sujeitos sejam iguais ou que
suas diferenças sejam irrelevantes.
Diferentemente da maioria dos trabalhos de prática encoberta, realizados até en­
tão, que utilizam grupos num momento único de observação (pré-teste, treino, pós-teste),
a análise do comportamento usa medidas repetidas ao longo do tempo, usando o sujeito
como seu próprio controle (Matos, 1990). De fato, foi uma proposta inovadora de coletar e
apresentar dados de Skinner em 1959, enfatizada em 1966, na qual o comportamento é

Sobre C o m p o rta m e nto e C o g n iç d o 127


diretamente observado e métodos estatísticos não são necessários e, quando efeitos no
comportamento podem ser diretamente observados, é mais eficiente explorar variáveis
relevantes manipulando-as, empregando sujeito único. Uma manipulação a priori de variá­
veis, direcionada por efeitos diretamente observáveis ó, de muitas formas, superior a uma
análise posterior de co-variância. Permite predição, controle e recombinação de variáveis
no estudo de casos complexos e, segundo Skinner (1959), não é necessário grandes
grupos para se obter resultados significantes.
Partindo da maneira de pesquisar da análise do comportamento, este estudo teve
por objetivo verificar o efeito da prática encoberta sobre a velocidade na natação.

1. Método

1.1. Sujeitos
Os atletas selecionados foram quatro nadadores, da categoria júnior, de um clube
da cidade de São Paulo. Todos os atletas tinham experiência nos estilos de nado borboleta
e costas.

- Atleta 1: Sexo feminino, 16 anos.


- Atleta 2: Sexo masculino, 17 anos.
- Atleta 3: Sexo masculino, 19 anos.
- Atleta 4: Sexo masculino, 18 anos.

1.2. Procedimento

A modalidade esportiva escolhida para o estudo foi a natação, por ter uma medida
de desempenho objetiva, através do tempo. Meyers e cols. (1996) colocam que, devido à
natureza do esporte, medidas objetivas, tais como tempo, distância, sucesso/ fracasso,
podem ser avaliadas fácil e acuradamente.
O desempenho foi avaliado pelo tempo utilizado pelo sujeito para nadar 1 0 0 metros
nos estilos costas e borboleta, em uma piscina de dimensões semi-olímpicas (25 me­
tros), coberta e aquecida a 30 graus Celsius. O objetivo foi a melhoria de tempo, medida
final de comportamento. Outros estudos verificam a melhora de desempenho pela redução
de erros ao nadar, e alguns examinam a velocidade como característica da natação (Koop
e Martin, 1983). Maior velocidade ó o que se tem como objetivo em competições.
O delineamento escolhido foi linha de base múltipla e de multi-elementos. A linha
de base é o registro do nível operante do comportamento, sendo o primeiro passo estabe­
lecer o nível no qual o comportamento está ocorrendo, como um registro pré-experimental.
O delineamento de linha de base múltipla, por sua vez, permite verificar se os procedimen­
tos empregados (variável experimental) são responsáveis pela mudança do comportamen­
to. Esse delineamento consiste em: 1. registrar concomitantemente vários comportamen­
tos de um sujeito ou de um grupo; registrar o mesmo comportamento de diversos sujeitos
ou grupos; ou registrar o mesmo comportamento de um indivíduo ou grupo sob várias

128 C ristina Ticppo Scala & Rachel R od rigu es K c rb a u y


condições de estímulo; 2 . iniciar as condições experimentais com um comportamento até
que seja observada uma mudança; iniciar os mesmos procedimentos experimentais com
o segundo comportamento e assim sucessivamente (Hall, 1976).
Neste experimento foi registrado o mesmo comportamento (nadar) de diversos su­
jeitos, antes e depois da variável experimental (prática encoberta) ser introduzida. Foram
avaliados dois estilos de nado, borboleta e costas, por apresentarem pouca semelhança
entre si, mas a prática encoberta foi empregada apenas no estilo costas. Introduzir o
tratamento em um único estilo de nado é denominado delineamento de multi-elementos,
que pode ser usado para comparar o efeito de diferentes níveis de uma variável, por exem­
plo, o efeito do tratamento e do não tratamento, ou de diferentes variáveis, tratamento 1 , 2
e3, sobre o comportamento (Hains e Baer, 1989; Martin, 1996). O inicio do tratamento se
deu em dias diferentes para cada atleta. Foi feita a introdução da prática encoberta em um
único estilo de nado e em dias diferentes para cada atleta, para que se possa demonstrar
a validade do tratamento e diminuir as dúvidas relativas a possíveis variáveis incontroláveis
que pudessem interferir na melhora de desempenho.
O tempo do experimento foi de 15 dias. Durante este tempo, para evitar des-
treinamento ou supercompensação, todos os sujeitos foram mantidos regularmente no
treino físico e técnico.
Antes de cada treino, foi pedido aos atletas que dessem dois tiros de 100 metros no
estilo borboleta e dois no estilo costas. Dar um tiro significa nadar o mais rápido possível o
percurso proposto. Optou-se por apenas dois tiros em cada estilo, para que o cansaço não
fosse uma variável que pudesse interferir no desempenho (embora o desempenho de primei­
ros e segundos tiros em cada estilo sejam avaliados de forma independente).
O intervalo entre um tiro e outro foi de 5 minutos.
Os tempos foram registrados pelo experimentador com um cronômetro.
A variável experimental, prática encoberta, foi introduzida (fase 2 do procedimento),
para cada atleta, após o estabelecimento da linha de base. Este se dá quando os dados
(tempo de tiro) estão relativamente estáveis ou em direção oposta ao efeito previsto pelo
tratamento. O tiro aqui considerado para início do tratamento foi o primeiro tiro no estilo
costas.
Na fase 2 do procedimento, foi pedido para os atletas que dessem dois tiros em
estilo borboleta e dois em estilo costas, com intervalo de 5 minutos entre eles. Porém,
antes de cada tiro em estilo costas, os atletas realizaram a prática encoberta duas vezes.
A prática encoberta consistiu em:
1. Indução da prática por roteiro (instrução dada pelo pesquisador), uma vez, somente no
primeiro dia. Foi perguntado, ao final, o que o atleta imaginou, para verificar se o proce­
dimento ficou claro. Caso não tivesse ficado claro, foi prevista nova indução por roteiro.
Antes do início da prática e da utilização do roteiro, o experimentador explicou o que
seria pedido:

" Na prática encoberta, você irá imaginar que está dentro de uma piscina, como esta em que
vocô faz o treinamento. Você vai imaginar que está nadando em estilo costas, o mais rápido que
puder. O percurso ó de 100 metros",

Sobre L o m p orliim en lo e C o gn iç A o 129


1.3. Roteiro

"Feche os olhos, respire profundamente, colocando a atenção na respiração. Imagine que vocô
está dentro de uma piscina. Sinta a água no seu corpo. Sinta os movimentos na água. Vocô vai se
aproximar da borda e vai se preparar para dar um tiro de costas. Quando eu falar "vai", vocô vai dar
a largada. Prepara, vai. Sinta que vocô está nadando o mais rápido que puder. Sinta os movimentos
e imagine que vocô está nadando muito rápido. Chegando na borda, vocô vai fazer a virada e voltará
nadando o mais rápido que puder. Imagine que vocô está nadando multo rápido. Chegando ao fim,
você vai respirar profundamente e abrir os olhos

2. Realização da prática encoberta pelo sujeito, com relato simultâneo do que ele imagi­
nou, uma vez, no dia da introdução da variável experimental. Isto foi feito para que o
experimentador tivesse "controle" de que o sujeito não modificou o roteiro de modo a
comprometê-lo, mas não se repetiu, pois o falar simultaneamente pode interferir no
comportamento encoberto. Skinner (1974) diz que quando se pede a uma pessoa que
pense em voz alta, ela não pode manter a precisão do comportamento encoberto.
Caso o atleta tivesse modificado o roteiro ou não entendido o procedimento, este seria
repetido, mas não foi necessário fazê-lo.

Depois dos passos 1 e 2, o atleta dá o primeiro tiro de costas. Após este tiro, o
procedimento no segundo tiro desta sessão e até o final do experimento, antes de cada
tiro de costas, será:
3. Realização da prática encoberta, duas vezes, antes de cada tiro em estilo costas,
silenciosamente, sob o olhar do experimentador. A indução não foi mais pelo roteiro
lido pelo experimentador, pois cada atleta tem seu ritmo e necessidades diferentes,
por exemplo, focos de atenção relativos à maior dificuldade (um atleta coloca a atenção
na perna; outro, no braço) e a leitura pode causar interferências. O experimentador
somente fez uma introdução, na qual falava:

"Respire profundamente, imagine que você está na piscina, sinta o contato da água com seu
corpo. Vocô vai se aproximar da borda para dar um tiro de cem metros de costas, o mais rápido
que vocô puder. Prepara, vai

Ao fim de cada prática encoberta, os atletas descreveram o que imaginaram (para


tentar garantir que o atleta imaginasse o que foi pedido). Caso a descrição da imaginação
não correspondesse ao que foi proposto inicialmente, a prática seria repetida, mas a
repetição não foi necessária. Pelo relato dos atletas, verificou-se que eles haviam aprendi­
do a tarefa numa única prática.
4. A prática encoberta foi feita no intervalo de tempo estabelecido entre cada tiro (5 minu­
tos). E se repetiu todos os dias, até o fim do experimento, a partir de sua introdução.
Foi pedido aos atletas para não utilizarem a prática encoberta com outros estilos
de nado ou fora dos horários previamente estabelecidos, para evitar possíveis interferênci­
as no resultado.
As verbalizações espontâneas dos atletas, que ocorreram após os tiros, foram
registradas pelo experimentador, como dados adicionais sobre a prática encoberta.

130 C ristina Tleppo Scala i R achcl R otlrigu rs K e rb a u y


1.4. Local

- Piscina de dimensões semi-olímpicas (25 metros), coberta e aquecida à 30 °C, do


Sport Clube Corinthians Paulista, na cidade de São Paulo.

1.5. Material utilizado

- Roteiro desenvolvido pelo experimentador;


- Cronômetro;
- Tabelas para anotação dos tempos de tiro e prática encoberta.

2. Resultados

Os resultados serão apresentados em gráficos em que se observa os tempos obti­


dos pelos atletas para nadarem 1 0 0 metros, nos estilos costas e borboleta, com e sem
utilização da prática encoberta. O tratamento utilizado - Prática Encoberta - foi introduzi­
do, somente no estilo costas, nas sessões que aparecem marcadas nos gráficos. Mais
especificamente sessão 4 (gráfico 1), sessão 6 (gráfico 3), sessão 8 (gráfico 5) e sessão
12 (gráfico 7). A tabela 1 mostra as médias dos tempos obtidos nos tiros, antes e depois
de a prática encoberta ser introduzida.

Tabela 1

Média dos tempos obtidos pelos 4 atletas, antes e depois da introdução da prática
encoberta, que somente foi utilizada no nado costas.
Antes Depols AntM Depot*
Atleta 1 da PE da PE
Atletc i 2 da PE da PE
Borboleta - Média 1“ ttro 1*18“ 1’20“ Borboleta - Média 1a tiro 1'14" 1'13"

2a tiro 1’20" 171" 2a tiro 1'23" 122"

Costas - Média 1a tiro 1'27" 1'25" Costas - Média 10 tiro 1'22" r i9 "

2a tiro 1'28" 122" 2° tiro 1‘14" r i4 *

Antes Depois Antes Depois


Atleta13 da PE da PE
Atletc i 4 da PE da PE

Borboleta - Média 1a tiro 1‘12" r i2 " Borboleta - Média 1a tiro 1'05" 109“

2a tiro 110" 109“ 2a tiro 1'06" 1'08"

Costas - Média 1a tiro r i9 " 1' 17“ Costas - Média 1a tiro 1’12" 109"

2a tiro r is " 1'15" 2a tiro no" 107"

Obs.: as médias do atleta 4 não levam em consideração a sessão 7, uma vez que ele
estava machucado e os tempos apresentados, nesta sessão, foram discrepantes em
relação aos demais.

Sobre Com p o rtam e nto e Co»?mç«lo 131


Em relação aos quatro atletas, podemos perceber que todos apresentaram melho­
ra de rendimento, isto é, as médias de tempo, nos tiros de costas, diminuíram após
introdução da prática encoberta. A única exceção ó o atleta 2, que se manteve estável no
segundo tiro. Por outro lado, nem todos diminuíram seus tempos no nado borboleta. Ao
contrário, os atletas 1 e 4 aumentaram seus tempos em ambos os tiros. Já o atleta 3
melhorou no segundo tiro e manteve o primeiro estável e o atleta 2 melhorou em ambos.
Estas melhoras apresentadas, no entanto, foram inferiores às obtidas no nado costas.
Todos os atletas verbalizaram que, após usar a prática encoberta, eles nadavam
com menos esforço e já sabiam o que precisava ser feito na água.
Quanto ao atleta 2 não ter melhorado no segundo tiro de costas, parece que, neste
tiro, ele já trabalhava no seu limite, já que os tempos são muito menores que os do
primeiro tiro. Em sua verbalização, além de dizer que, após a prática encoberta, nadava
com menos esforço, disse também que se sentia menos cansado ao final do tiro. Isto
parece importante. Mesmo que os tempos antes e depois da prática encoberta não te­
nham, na média, se alterado, ao final do tiro o atleta sentia-se melhor. No esporte, esta
condição já pode ser evidenciada como uma melhora. Provavelmente a recuperação do
atleta foi mais rápida, já que a recuperação depende do consumo das reservas energéticas
(Zakharov e Gomes, 1992). Ao terminar menos cansado, podemos inferir que a intensida­
de deste consumo foi menor.
Verificamos, no desempenho dos quatro atletas que, os melhores tempos no nado
costas foram todos obtidos após introdução da prática encoberta. Além disso, na sessão
em que foi introduzida a prática encoberta, todos os atletas mostraram melhora no tempo
dos tiros de costas, em relação ao tiro anterior.
No gráfico 9?fica visualmente claro o efeito da prática encoberta, ao olharmos os
desempenhos dos quatro atletas simultaneamente. A linha de base múltipla nos permite
verificar que é a variável experimental (prática encoberta) que está tendo efeito sobre o
comportamento. Isto porque o desempenho melhora após a introdução da prática, que se
dá em dias diferentes para cada atleta. Os gráficos de 1 a 8 também nos mostram este
efeito numa análise individual de cada atleta, comparando os dois estilos de natação, com
e sem tratamento.
ATLETA 1
Tiros de Borboleta
Tiro* de Cottaa
Oráflco 4
Gráfico 1
1.28
1: ' l 1.20

1,28 /
1,24
I 1,22
1,2
1,18
1,16
1,14
2 3 *4 5 fl 7 8 0 10 11 12 13 14 15 1 2 3 4 5 6 7 fl 9 10 11 12 13 14 1!)
8— ô— Sm b Am

|~» 1«tlro m 2* tiro ] | « 1Mlro -m 2*Mro |

3 Ioramusatlas escalas diferentes no gráfico para 1'acilitar a leituru

132 (.'rintina I irpp o Scala & R a ch rl R od rigu es K e rb a u y


ATLETA 2
Tiro* de Costas Tiros de Borboleta
Gr ATIco 3 OrAflco 4
oduiax

• 2* tiro"]

ATLETA 3
Tiros d s Costas
Tiros de Borboleta
OrAflco 9
OrAflco 0

1,22

I 1.1»

2 3 4 5 6 7 *8 9 10 11 12 13 14 15
Sm b ó m

1Mlro • 2* tiro | ♦ 1* tiro ■ 2* tiro |

ATLETA 4

Tiros ds Costas Tiros de Borbolsta


OrAflco 6

A,.
1,06
1,04 <r*f’
1.02
g 10 11 12 13 1

| » 1* tiro ■ 2» tiro | • 1* tiro • 2atiro

Sobre C o m p o rla m e n lo e C o gn iç A o 133


T iro s de C ostas
G rá fic o 9

AtJotn 2

Atleta 3

134 Cristina Tíeppo Scala t Rachcl Rodrijjucs Kerbauy


3. Discussão e conclusão

Pelos resultados obtidos, fica claro que a prática encoberta teve efeito sobre o
tempo na natação. O efeito pode parecer pequeno, já que falamos em segundos. Este
pequeno efeito, porém, é extremamente importante para atletas e técnicos. Segundos ou
décimos de segundo fazem a diferença na quebra de um recorde. Conforme Hrycaiko e
Martin (1996), é equívoco considerar uma pesquisa confiável pelo tamanho do efeito obtido.
Outro equívoco é assumir que a inspeção visual dos dados, em pesquisa com sujeito
único, como foi feito neste estudo, carece de credibilidade e sofisticação. Skinner (1959)
fala que é um erro identificar a prática cientifica com construções formais de estatística e
método científico. Diz ainda que, ao escolhermos uma razão de resposta como dado e
registrá-la numa curva, tornamos visíveis aspectos importantes do comportamento,
reduzindo a prática científica a um simples olhar. Hrycaiko e Martin (1996) argumentam,
também, que não há evidência empírica de que a adoção de estatística pode melhorar o
julgamento de pesquisadores em relação ao tratamento ser ou não responsável por
mudanças no desempenho dos sujeitos.
Por compartilhar destas opiniões, não se utilizou estatística neste trabalho. A utili­
zação de sujeito único em linha de base múltipla permite inspeção visual dos dados e
demonstra as alterações produzidas pela variável estudada. O gráfico 9 mostra quanto a
inspeção visual foi suficiente para verificar o efeito da prática encoberta.
A linha de base múltipla permitiu, neste estudo, a inspeção visual dos dados e
soluções para os problemas metodológicos levantados no início do texto. O primeiro deles
é o trabalho com grupos que não leva em conta o repertório individual. Sidman (1976) fala
que há casos em que “a replicação das médias do grupo podem servir somente para
perpetuar um erro, embora a replicação com sujeitos individuais seja inevitavelmente
autocorretiva. Se a possibilidade de erro não puder ser eliminada, o caminho mais sábio a
seguir será o uso de procedimentos que eventualmente serão capazes de detectar o erro"
p. 148.0 delineamento experimental com sujeito único mostrou-se eficiente para estudar
a prática encoberta com o mínimo de erro. Hrycaiko e Martin (1996) levantam uma ques­
tão interessante no delineamento de grupos: que amostras aleatórias da população para a
formação de um grupo são extremamente raras em pesquisas com esporte e que o resultado
com grupos ignora o impacto da intervenção individual. Como afirma Skinner (1959), o
indivíduo é produto de uma única história.
Isto se torna relevante ao considerarmos o trabalho do psicólogo do esporte. O
nosso trabalho visa a melhora de desempenho do atleta. Entender o efeito de uma técni­
ca, como a prática encoberta, no comportamento do atleta, tem implicação direta no
trabalho, mais do que análise estatística e efeitos com grupos. Pois considero que, mes­
mo no trabalho do psicólogo do esporte com times, o objetivo de melhora de desempenho
individual se faz necessário. Sem desempenho individual não há desempenho de grupo e
os treinos individuais são praticados bem como o treino em grupo.
Outras questões que aparecem como problema são o tempo de prática e o número
de sessões suficientes para a prática ter efeito. Pelos resultados, a prática encoberta mostra-
se efetiva numa única sessão. Todos os atletas melhoraram seus tempos no dia da sua
introdução. Por outro lado, como foi salientado, sendo a prática encoberta um comporta­
mento e, portanto, modificado pela experiência (Baum, 1994), não faz sentido limitá-la a um

Sobre Comportamento e Cogniftlo 135


período específico. Isto parece verdadeiro ao observarmos os tempos obtidos pelos atletas
ao longo do processo, principalmente do atleta 1 , que foi quem mais fez a prática encoberta.
Uma questão que foi controlada, neste estudo, foi não retirar os atletas do treino
regular para evitar o destreinamento. Se examinarmos os dados, podemos verificar que o
atleta 3 apresenta elevação nos tempos da sessão 7, após faltar na sessão anterior, o
mesmo acontece na sessão 13. Talvez pudéssemos pensar em destreinamento, embora
o mesmo não tenha acontecido com o atleta 4 na sessão 11.0 destreinamento varia para
cada atleta e, para o atleta 3, deixar de treinar um único dia, provavelmente, interferiu no
seu desempenho. Considero que, em pesquisas de prática encoberta, os atletas não
devam ser retirados do treino físico. Futuras pesquisas poderiam aprofundar esta questão.
Grouios(1992), ao comparar grupos de prática física e encoberta, encontrou melho­
res resultados para o grupo de prática física. Sua hipótese foi que o grupo de prática física
tinha feedback imediato do movimento, o que permitia melhor identificação e correção de
erros (lembrando que ele não considerou o destreinamento). Esta hipótese parece bastan­
te viável. Proponho, então, que a utilização da prática encoberta seja intercalada com a
prática física, como foi feito nesta pesquisa. Isto porque os relatos dos atletas indicam
que a prática encoberta aumenta a discriminação, diminuindo esforço desnecessário.
Utilizar a prática encoberta, que aumenta discriminação, seguida de prática física que
permite feedback imediato da tarefa, mostrou que tem efeito sobre o desempenho. Mais
importante do que comparar qual técnica pode ser mais efetiva, prática física ou encober­
ta, ó verificar como a complementação de ambas melhora o desempenho do atleta. É esta
melhora que o psicólogo do esporte tem como objetivo.
Observando os gráficos, podemos sugerir que a prática encoberta diminui a variabi­
lidade. A variabilidade comportamental é entendida como uma dimensão operante do com­
portamento, controlada por reforços contingentes (Page e Neuringer, 1985; Neuringer e
Huntley, 1991; Neuringer, 1991, Neuringer, 1993). Por esta definição, a variabilidade dimi­
nuiu porque não foi reforçada. Mas, sendo assim, por que antes da prática encoberta ela
não diminuiu, já que também não foi reforçada? Os relatos dos atletas indicam que a
prática encoberta aumenta a discriminação da tarefa nadar rápido. O aumento da discri­
minação talvez seja, então, a explicação do porquô de a variabilidade diminuir após prática
encoberta. Porque há aumento da discriminação corporal e da seqüência de movimentos,
aumentando controle proprioceptivo e, portanto, do nadar.
Verificamos que o melhor tempo obtido pelo atleta 1 nos tiros de costas foi de
1'17". Segundo ele, foi o melhor tempo obtido, neste estilo, em toda sua carreira. Este
tempo foi 5 segundos menor que a média dos segundos tiros após a prática encoberta e
3 segundos menor que o segundo melhor tempo por ele obtido. O atleta falou que ficou,
durante este tiro, repetindo "rápido, rápido, rápido..." ao nadar. Esta técnica de repetir uma
frase ou palavra durante o desempenho é conhecida como auto-fala. O atleta, com esta
palavra, dá uma instrução a si mesmo (Weinberg e Gould, 1996). Trabalhos que investiga­
ram esta técnica revelaram que ela melhora a velocidade (Rushall e Shewchuk, 1989) e o
desempenho de atletas (Ming e Martin, 1996).
O atleta 1 , porém, não conhecia a técnica auto-fala e só fez uso dela no último tiro.
Parece que aconteceu uma indução de resposta. Isto é, houve uma indução do efeito do
reforço a outras respostas não incluídas na classe reforçada (Catânia, 1984). A prática
encoberta pode ter levado o atleta a construir outros recursos, como as auto-falas, para

136 Cristina licppo Scala & Rachel Rodrigues Kerbauy


melhorar o desempenho. O mesmo pode ser pensado a respeito da melhora apresentada
pelos atletas 2 e 3, nos tiros de borboleta. Ou ainda que eles tenham usado a prática
encoberta, neste estilo, mesmo que não sistematicamente. Embora os atletas tenham
sido instruídos a não usar a prática encoberta nos tiros de borboleta, espera-se que quei­
ram usá-la, se a melhora no desempenho foi evidente.
Sugiro que futuras pesquisas verifiquem se a prática encoberta permite a criação de
outros recursos para a melhora de desempenho. Isto parece pertinente ao lembrarmos da
afirmação de Skinner (1969) que regras de segunda ordem são descobertas indutivamente
quando se descobre que produzem novas regras eficazes. A auto-fala ó um comportamen­
to governado por regras (Ming e Martin, 1996). Conceitualmente, a prática encoberta tam­
bém ó um comportamento governado por regras. Regra para Skinner (1969) ó um estímulo
discriminativo verbal (por exemplo, uma instrução) que descreve uma contingência. Se­
gundo Baum (1994), o comportamento controlado por regras depende do comportamento
verbal de outra pessoa, enquanto o comportamento modelado por contingências não. O
comportamento é modelado e mantido pelas contingências de reforço e punição. A prática
encoberta ó, no início, induzida por roteiro, isto é, por uma instrução dada pelo pesquisador.
E, conforme Baum (1994), todas instruções são regras. Portanto, a prática encoberta está
sob controle da regra. Ao verificar a melhora no comportamento dos atletas, considero que
o nadar também está sob o controle da instrução (no caso, nadar rápido), mesmo que ao
nadar o atleta se exponha às contingências naturais. A auto-fala "rápido", usada pelo
atleta, parece evidenciar esta questão e mostra também como os atletas constroem suas
próprias regras no decorrer do treino, simplificando-as e tornando-as, provavelmente, mais
eficientes. No caso deste atleta, priorizando a variável medida tempo, portanto adequado
às contingências.
Um problema metodológico, que figura como um dos mais importantes, é como
garantir que o sujeito imagine o que é proposto. Neste estudo, foi solicitado aos atletas
que descrevessem, ao pesquisador, o que haviam imaginado. O fato de trabalhar com
sujeito único permitiu este procedimento e o suposto controle do que o atleta imaginou. O
relato verbal, muitas vezes, é o único material de trabalho que temos na maioria dos
comportamentos encobertos. É dele, então, que precisamos nos valer para não deixar o
encoberto sem ser pesquisado. Skinner (1974/1993)3diz que, "ao descrever o comporta­
mento encoberto, podemos estar descrevendo comportamento público em miniatura, mas
é mais provável que estejamos descrevendo condições privadas relacionadas com
comportamento público, mas não necessariamente geradas por ele” p.27. Tourinho (1996)
diz que, "no momento em que a privacidade se converte em problema (de estudo) 1 para a
psicologia, estamos diante de um fenômeno com dimensões públicas" p. 5. Fenômeno
este que é diferente do evento privado inacessível que, em si, não tem relevância para a
análise do comportamento. A privacidade, enquanto um processo comportamental com
dimensões públicas, não apresenta problemas para a análise do comportamento e por
isto o relato tem sido estudado como um dado em várias áreas de estudos (Kerbauy,
1996; Banaco, 1996). A prática encoberta, então, é passível de ser estudada, uma vez que
ela apresenta dimensões públicas.
A conclusão para esta pesquisa é que a prática encoberta tem efeito sobre o tempo
na natação. Efetivamente, melhora o desempenho dos atletas e pode ser um problema
3As duas datas da citaçôo b» r»ferem à» ôaia» da puMcaçôo original e da tradução, respectivamente As páginas citadas
sflo rnfernntus A obra traduz Ida

Sobre Comportamento c Co^mv^o 137


pertinente à análise do comportamento, pela contribuição teórica e precisão ao empregar
o procedimento. O delineamento experimental com sujeito único mostrou-se adequado
para responder questões sobre a prática encoberta. Estes resultados têm implicações
diretas na psicologia do esporte, pois mostra como a prática encoberta interfere no com­
portamento de atletas e esclarece como utilizá-la para que resulte em melhora de desem­
penho.

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Sobre Comportamento c Co«niçAo 139


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140 Cnslín.i l icppo Sculu i Riidtcl Rodrigues Kcrtviuy


Seção IV

As múltiplas nuances
teóricas e aplicadas da
prática clínica
Capítulo 17

O modelo médico e o modelo psicológico


Maria L ui/a Marinho

1. O modelo médico

O modelo médico é a mais amplamente aceita formulação do comportamento


naladaptativo, e o ponto de vista da modificação do comportamento tem se desenvolvido
como uma abordagem alternativa dentro deste contexto.
Modelo médico ou de doença significa que o comportamento do indivíduo é consi­
derado anormal ou doente devido a causas subjacentes. A analogia ó feita da medicina
física em termos de germes, vírus, lesões e outros que tiram o organismo de seu trabalho
normal e o levam à produção de sintomas. Essa abordagem representou o maior avanço
da medicina física no século XIX. Isso permitiu tratamentos específicos efetivos ao estar
doente, nos quais, antes, a história da medicina tinha estado completamente intervindo
com placebo ou com a prescrição de remédios não específicos que dependiam de sugestão
ou remissão espontânea.

2. O modelo médico na área do comportamento humano: noção


de enfermidade
Este ponto de vista considera que o comportamento do indivíduo é anormal ou
doente devido a causas subjacentes que tiram o organismo de um trabalho normal e levam
à produção de sintomas. O comportamento dito "anormal" é considerado, então, sintoma
de um problema interno (físico ou intrapsíquico).
Segundo Szasz apud Ullmann & Krasner, 1965, os problemas psicológicos são
considerados, sob o ponto de vista do modelo médico, como enfermidades essencialmen­

Sobrr Comportamento e CognjçiSo 143


te semelhantes a todas as outras (ou seja, as do corpo). A única diferença entre as
enfermidades mentais e corporais é que as primeiras, ao afetarem o cérebro, manifestam-
se mediante sintomas mentais; enquanto as últimas, que afetam outros sintomas orgânicos
(por exemplo, a pele, o fígado, etc.), manifestam-se através de sintomas relacio-nados
com estas partes do corpo."
Dessa forma, os transtornos do comportamento são considerados enfermidades
para as quais deve-se encontrar uma etiologia, que conduzirá a alguma forma especifica
de tratamento. Dal a ênfase no diagnóstico e a crença de que existem causas especificas
das enfermidades mentais.

2.1. P rob le m as m e to d o ló g ic o s no m o d e lo e x p lic a tiv o

• Pesquisas não conseguem revelar qualquer patologia orgânica na maioria dos indivídu­
os com ‘problemas’ comportamentais;
• Determinados "pacientes" podem apresentar pequena anomalia na química do corpo,
mas isto ocorre com grande número de pessoas "normais”;
• Indivíduos com os mesmos sintomas não apresentam a mesma disfunção orgânica,
ou ás vezes não apresentam nenhuma disfunção orgânica detectável;
• Dúvida em relação a se as alterações de funcionamento do corpo são causas ou
conseqüências da alteração no comportamento.

2.2. A lg u m a s co n s e q ü ê n c ia s do m o d e lo a p lic a d o à “ saú de m e n ta l” :

• Hospitalização para tratamento.


• Uso maciço de medicamentos.
• Ênfase no diagnóstico.
• Crença que existem similaridades entre as “enfermidades".
• Noção de substituição de sintomas.

3. Modelo psicológico: uma abordagem alternativa ao modelo médico

Se o comportamento dito “anormal" nâo è o sintoma de causas subjacentes, como


explicá-lo então?
(a Análise do Comportamento como modelo explicativo)

“O comportamento anormal nâo é diferente do normal em seu desenvolvimento, em


sua manutenção ou na maneira em que ele pode ser mudado. A diforença entro
comportamento normal e anormal nâo ó intrínseca: a diferença está na reação
(julgamento) social." (Ullmann & Krasner, 1965)

"Os estímulos do meio, ao invôs de “doença" subjacente ou conflito intrapslquico,


determinam e mantêm o que è rotulado como comportamento desajustado, inadequa­
do, desvantajoso ou dlsruptivo. A "anormalidade" não é um problema que se localiza
dentro do indivíduo (...) mas é o resultado da Interação da pessoa com o meio social e
representa o resultado compreensível da história do reforçamento do Indivíduo." (Ferster,
1972)

144 M.iri.1 l.ui/d M iirinho


"O ambiente modela o repertório comportamental do indivíduo, e as diferenças entre
comportamento dito "normal" e “anormal" resultam de diferenças nos esquemas de
reforçamento a que os indivíduos foram expostos.” (Ullmann & Krasner, 1973)

"Aprincipal técnica empregada no controle do indivíduo por qualquer grupo de pessoas


ô a seguinte: o comportamento do indivíduo é classificado como ‘bom’ ou 'mau', ou,
com o mesmo efeito, como 'certo'e 'errado'e reforçado e punido de acordo com isso, (...)
Geralmente se denomina o comportamento de um indivíduo bom ou certo na medida
em que reforça outros membros do grupo, e mau ou errado na medida em que ô
aversivo, “ (Skinner, 1981)

"Ensinar as pessoas a considerarem certos tipos de problemas ou comportamentos


extravagantes como doenças em vez de reações normais às tensões da vida, excentri­
cidades inofensivas ou pequenos episódios de desânimo, pode causar alarme e aumentar
a procura por psicoterapia. (...) Quanto maior o número de oportunidades para tratamento
e mais ampla a informação a esse respeito, tanto maior o número de pessoas que
procuram ajuda. " (Ulimann & Krasner, 1973)

3.1. Q ue stões re fere ntes ao d ia g n ó s tic o

• O que é comportamento certo e quem o define?


• Quem classifica (diagnostica)?
• Quais as conseqüências de se classificar?
• Por que classificar?
• Efetividade do diagnóstico (DSM)

Bibliografia
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So b rr C o m p o rtu m cn lo c C o g n if ilo 145


Capítulo 18

Psicoterapia funciona?
Vera Regina LignelU Oíerv
CHnk\t O K lfC - Ribdfiio Prvto - >/’

Responder a esta pergunta pareceu-me, no primeiro instante, uma coisa extrema­


mente simples e fácil. No instante seguinte, surgiram os possíveis aspectos que eviden­
ciavam a complexidade da questào. Comecei a sentir o peso da responsabilidade das
ponderações a serem feitas.
E então, psicoterapia funciona? A minha resposta é sim. Em seguida, faço uma
segunda pergunta: sempre? A minha resposta é não. Do que depende então?
Selecionei aqui alguns conjuntos de aspectos ou variáveis que poderiam nos ajudar
nesta reflexão.
A ordem de apresentação não representa a ordem de importância que elas eventu­
almente possam ter na eficácia de um processo terapêutico.
Um primeiro conjunto de variáveis está ligado ao CLIENTE.
Quem tomou a iniciativa de procurar a ajuda?
Quando o próprio cliente toma a iniciativa de procurar a ajuda, esta condição traz
consigo um peso que acredito ser determinante no sucesso da terapia. Ao buscar este
caminho, a pessoa já assume a condição de que algo não está bem com ela. É evidente
que isso em si não garante que ela acredite e vá aderir à psicoterapia. Pode ter procurado
ajuda apenas por desespero e não por saber ou acreditar na possibilidade de alivio de sua
condição.
Refiro-me à importância da iniciativa, obviamente, quando a pessoa acredita na
psicoterapia como uma instância desejável de ajuda. Esta atitude contém em si a motiva­
ção necessária para o desenvolvimento do processo.
A motivação, na psicoterapia, guarda a mesma relação do que a propaganda quan­
do se vai fazer um negócio, isto é, trata-se de uma de suas almas. Quando uma pessoa
tem motivação própria para fazer sua terapia, ela aumenta e muito a probabilidade da

146 Vera Rctfin.t l.jgnclll Otero)


eficácia de qualquer intervenção a ser feita. De um modo geral, mostra-se com uma
predisposição para receber a ajuda, o que constitui uma excelente condição para facilitar
o processo psicoterápico.
Um outro fator ligado ao cliente e que mostra-se importante ó o conjunto de suas
expectativas em relação à ajuda procurada.
A expectativa em si, traz também consigo uma série de indagações que devem ser
feitas em relação a ela. O que a pessoa entende por terapia? Vai acontecer alguma mu­
dança? Quem e quais são os agentes dessa mudança? Ela se identifica como elemento
ativo ou passivo da mudança? O processo é longo ou curto? Os efeitos sào imediatos?
São duradouros?
Lidar com as respostas a esses e outros questionamentos relativos à expectativa
da própria psicoterapia e poder conduzi-los a um nlvel de realidade favorece a possibilida­
de de sucesso.
A adesão à psicoterapia é também um fator que favorece o bom resultado do
processo. Quando o cliente sente-se parte ativa e integrante de sua terapia ele apresenta
indicadores de sua adesão. Ele vai discutir possibilidades, vai seguir dicas, instruções ou
sugestões. Empenha-se em conseguir efetivar mudanças, quer elas sejam internas ou
externas. Ele entra fácil, ampla e integralmente em todas as situações que contribuem
para o bom andamento da terapia; observa a si e ao outro, faz registros escritos, faz
ponderações, faz o que eu chamo de exercícios de vida, ele se treina.
Poderia dizer que as variáveis acima apresentadas estão ligadas às atitudes do
cliente frente à psicoterapia.
Existe um outro grupo de variáveis, também ligadas ao cliente, mas que dizem
respeito à natureza do problema ou do conjunto das queixas apresentadas.
Esses aspectos, da mesma maneira que os anteriores, têm também sua grande
parcela de responsabilidade na efetividade da terapia.
Um contexto é uma pessoa apresentar-se para psicoterapia com uma queixa liga­
da a situações irreversíveis, como por exemplo a morte de alguém ou uma doença
incurável sua ou de pessoa próxima. Outra situação é apresentar-se com o que podería­
mos chamar de uma queixa existencial, do tipo não sei se gosto ou não gosto de mim, do
meu marido ou de alguém.
Um outro conjunto de problemas seria os que têm também componentes orgâni­
cos, que podem ou não estar ligados diretamente às queixas apresentadas, mas que
constituem em si um elemento que pode comprometer o andamento da terapia.
Quando se tem um quadro orgânico de ordem psiquiátrica, este, evidentemente, é
um fator que interfere diretamente no sucesso da terapia. É preciso que haja adesão tanto
à psicoterapia quanto à intervenção módica com psicofármacos. Como todos sabemos,
muitas vezes há a necessidade da intervenção de outros profissionais além do psiquiatra
e do psicoterapeuta, como por exemplo um acompanhante terapêutico que também terá,
obviamente, sua influência na terapia do cliente.
Temos ainda um conjunto de variáveis ligadas ao Profissional. Estas interferem
fortemente na possibilidade de sucesso de uma psicoterapia.
Existem algumas atitudes ou condições pessoais do psicoterapeuta que deveriam
ser invariantes em todos os profissionais, mas não são.

Sobre Comportamento c Cogniçâo 147


Acredito que a disponibilidade pessoal para acolher uma pessoa que busca ajuda
psicoterápica é um fator de muito peso no sucesso do processo. É alguma coisa de difícil
descrição, mas que extrapola os aspectos técnicos e chega na pessoa do terapeuta.
Todos os manuais de psicoterapia descrevem atitudes e características pessoais
que o profissional dev© ter, mas quando estes itens são vistos e tidos como ingredientes
de uma receita de bolo, eles podem ficar postiços, artificiais na pessoa do terapeuta. Esta
artificialidade compromete a possibilidade de ajudar. Podemos aprender a ter determina­
das atitudes como as de simpatia, as de disponibilidade, de acolhimento. Também acre­
dito que elas precisam tornar-se genuínas na pessoa do terapeuta para que não tenham a
dose de artificialidade que atrapalharia bastante. Dessa maneira, atitudes genuínas favo­
recem a psicoterapia.
Uma outra variável ligada ao terapeuta que tem grande influência e importância é o
ponto de equilíbrio entre a segurança do saber teórico-técnico e a humildade frente ao
problema.
Uma grande conquista pessoal, que faz parte do aprimoramento profissional, é a
busca do ponto de equilíbrio entre algumas certezas do conhecimento científico e as
limitações reais quanto á aplicabilidade deste conhecimento ao problema ou às queixas
do cliente. O profissional deve ter clareza suficiente para poder admitir que nem sem­
pre o que ele sabe ou o que ele pode fazer naquele momento é o mais adequado para
aquele cliente.
Esse ponto tênue de equilíbrio é encontrado, especialmente, quando se tem uma
sólida formação teórica em psicologia e nas áreas afins. Acredito que a formação cienti­
fica aprimora o desempenho profissional e tem como uma de suas principais conseqüên­
cias o aumento da probabilidade da eficácia da terapia.
Justaposta à solidez da formação teórica, e no mesmo grau de importância, está a
capacidade, a habilidade do profissional de "olhar por trás" das queixas apresentadas.
Saber "olhar por trás” é outra variável determinante da eficácia da psicoterapia. Essa atitu­
de, de um modo geral, instala-se e aperfeiçoa-se nas supervisões clínicas e o profissional
desenvolve-a com o decorrer dos anos na relação terapêutica.
Quanto mais sólida é a formação do terapeuta (teórica e técnica) mais livre ele se
sentirá para tomar decisões em função da relação estabelecida com aquele cliente, na­
quela situação específica.
As próximas considerações a serem feitas dizem respeito às variáveis ligadas à
Interação Proflssional-Clíente.
De um modo geral, as observações relativas às atitudes, quer do cliente quer do
profissional frente ao processo psicoterápico, guardadas as especificidades do papel de
cada um, aplicam-se a ambos.
O produto das atitudes de cada um deles surge no que é habitualmente chamado
de vínculo terapêutico. O que será essa condição a não ser o estabelecimento de um
conjunto de atitudes que favorecem o bom andamento da psicoterapia?
A relação bilateral de empatia é um dos elementos fundamentais para o estabeleci­
mento do vínculo terapêutico. A relação terapêutica é como qualquer outra relação huma­
na. Tem que ter sua dose de empatia, de disponibilidade para ajudar e para ser ajudado,
tem que ter o vínculo de confiança. O cliente tem que sentir a certeza do saber do profis­

148 Vcr.i Rcnln.1 l.i#nelli Olcro)


sional que lhe dará a segurança da possibilidade de ajuda, mas, sem a arrogância do
detentor do conhecimento que poderia colocar o profissional numa condição de superiori­
dade indesejável.
Cada um no seu papel, cliente e profissional precisam sentir-se parceiros nessa
caminhada que chamamos de psicoterapia .
A possibilidade de sentirem-se parceiros facilita o estabelecimento do vinculo
terapêutico, que se constitui em um dos elementos essenciais para aumentar a possibi­
lidade do sucesso de uma terapia.
A experiência clínica do profissional permitirá que ele perceba as mais diferentes
nuances das atitudes, expectativas e outras características peculiares de cada cliente.
Essa possibilidade de percepção da individualidade de cada um levará o profissional a
poder conduzir a relação terapêutica, de tal modo que será possível ensinar a cada clien­
te, dentre outras coisas, o que esperar da terapia, quais poderão ser suas expectativas,
qual será o papel de cada um nesta tarefa a que se propuseram.
As variáveis ligadas á interação profissional-cliente detêm consigo uma grande
parcela da responsabilidade sobre o andamento de uma psicoterapia.
Um último conjunto de ponderações a serem feitas refere-se aos questionamentos
sobre o que é funcionar uma terapia. Quando se diz que uma terapia funcionou?
Essa pergunta permite respostas bastante amplas, gerais e ao mesmo tempo su­
gerem a necessidade de se poder discutir a especificidade de cada caso.
Todos nós, profissionais da área clínica, sabemos que avaliar a eficácia de uma
terapia é uma tarefa extremamente complexa. Devemos nos fazer muitas perguntas a
serem formuladas no decorrer e no final de um atendimento clínico. Podemos nos pergun­
tar se uma terapia funcionou quando o problema do cliente desapareceu, ou quando a
pessoa conseguiu minimizar os seus efeitos. Dizemos que uma terapia funcionou quando
ajudamos uma pessoa a se sentir capaz de enfrentar a vida como ela se apresenta.
Podemos também afirmar que uma terapia funcionou quando ajudamos uma pessoa a se
conhecer, a descobrir as funções de suas principais atitudes; quando a levamos a enten­
der como e porque ela chegou a ser o que é, e como, a partir daí, poderá desenvolver seu
repertório de comportamentos de forma a sentir-se mais feliz apesar de ter que enfrentar
eventuais realidades pessoais adversas.
Para finalizar, gostaria de dizer que tenho clareza de que as ponderações aqui
apresentadas não esgotam de maneira nenhuma toda a possibilidade de compreensão do
problema. As ponderações feitas não constituem uma análise exaustiva de todas as vari­
áveis determinantes sobre a eficácia de uma psicoterapia.
Cada um dos fatores apontados, ligados ao cliente, ao profissional, à interação
entre eles, ou à natureza das principais queixas, isoladamente, não pode ser responsável
pelo sucesso ou fracasso de um processo psicoterápico. A combinação entre eles é que
deverá ser determinante no seu andamento. Dessa combinação é que vai depender se
uma psicoterapia funcionará parcial ou totalmente.
Retomando então a pergunta inicial, volto a afirmar que psicoterapia funciona sim,
embora nem sempre, porque depende de muitas condições que às vezes não estão pre­
sentes.

Sobre Comportamento e Cogmv<lo 149


Capítulo 19

Bases teóricas para o bom atendimento


em clínica comportamental
Miiirn Cantiirclli Haptistusai
IX /C A I'

Primeiramente, gostaria que vocês refletissem um pouquinho sobre como os


terapeutas podem ajudar as pessoas e quais os principais aspectos envolvidos na relação
terapeuta-cliente.
Há algum tempo, venho pensando sobre isto - o que leva um cliente a procurar
ajuda e o que ele espera de um processo terapêutico e, por conseguinte, diante de tantas
variáveis envolvidas no processo terapêutico, como o terapeuta pode ajudá-lo? Quais as
principais dimensões envolvidas no trabalho do terapeuta comportamental? Essa última
questão é que gostaria de discutir especificamente, considerando no caso a Terapia
Comportamental.
Quando se discute psicoterapia, pode-se levantar o questionamento acerca de sua
utilidade e dos porquês de sua procura. Além da função de conscientizar a pessoa das
razões de suas ações e sentimentos, a psicoterapia propõe o alivio e a resolução de
dificuldades encontradas na vida cotidiana.
Com relação a essas dificuldades, Skinner (1953/1993) aponta que o grupo social
exerce um controle ético sobre cada um de seus membros, porque detém um grande
número de reforçadores e punidores para as pessoas. Os grupos constituem-se em
agências controladoras (governo, religião e psicoterapia) que operam manipulando variá­
veis para exercer o controle. A preocupação discutida por Skinner ó relativa à certas
1Neurocirurgiâo coordenador da Clinica de Dor da FAMERP - Faculdade de Medicina de Sâo José do Rio
Preto.

150 Matw Cdnldrclli Haptistussl


espécies de poder das agências, como o de punição e práticas controladoras coerciti­
vas, que sendo aplicadas podem causar efeitos prejudiciais ao controlado. Os efeitos da
punição muitas vezes prejudicam as pessoas, de forma que estas podem apresentar
estados emocionais, como ansiedade e tensão, prodesgastantes para sua saúde; pou­
ca variabilidade de respostas para lidar com o controle e pouco repertório de enfrentamento
da estimulação aversiva.
Nesse contexto, avalia-se como importante o papel da terapia, na medida em que
delimita seu campo de atuação em função da incapacitação das pessoas acarretada pelo
controle aversivo. Os subprodutos emocionais do controle devem ser enfocados na inter­
venção terapêutica, a partir da análise e busca de mudança nas contingências em opera­
ção na vida daquela pessoa.
Assim, o trabalho terapêutico deve envolver a mudança de certos comportamentos
e das contingências que os mantêm. Para isso, é importante que o terapeuta operacionalize
o comportamento-alvo, compreendendo sob que controles o indivíduo responde e que
aspectos devem ser mudados para a melhoria de suas dificuldades. Skinner (1953/1993)
descreve a psicoterapia como um grupo composto de profissionais preocupados com o
bem-estar e com a qualidade de vida das pessoas, na medida em que a condição do
cliente ó aversiva e o terapeuta tem para com ele a promessa de alivio. Os terapeutas
utilizam-se de procedimentos mais ou menos padronizados, o que é válido analisar, na
medida em que é preciso compreender corno a psicoterapia ajuda as pessoas e quais as
variáveis envolvidas no processo terapêutico.

1. O processo terapêutico (prática de gabinete)

A atuação clínica derivada da Análise Experimental do Comportamento teve seu


inicio com a prática denominada Modificação do Comportamento. Guedes (1993) des­
creve que os modificadores de comportamento fundamentavam sua prática terapêutica
nas pesquisas básicas e desenvolviam pesquisas enfocando problemáticas considera­
das clinicas. A prática de modificação do comportamento encontrou-se limitada à apli­
cação de procedimentos para diminuir a freqüência de comportamentos considerados
problemáticos e/ou aumentar a freqüência de respostas consideradas desejadas, o que
provavelmente se originou de uma má compreensão da própria proposta teórica que
sustentava a prática.
Em meio a criticas com relação ao uso de técnicas de modificação de comporta­
mento caracterizadas pela solução de problemas imediatos, a rapidez da terapia e a
confiabilidade na relação procedimentos-resultados, desenvolveu-se a análise funcional.
Uma prática de gabinete foi se consolidando, enfatizando o uso da análise funcional e
restringindo-se a interações verbais na sala do consultório. Essa modalidade de terapia,
face a face, valoriza as nuances envolvidas na relação terapeuta-cliente, como o estabe­
lecimento de um bom vínculo, a utilização de sonhos e fantasias, o sentimento como fonte
de informação sobre o cliente e como estratégia para desenvolver o auto-conhecimento
(Guedes, 1993). Nesse caso, como é analisado o comportamento clínico?
Atualmente, o comportamento clínico referente à prática de gabinete vem sendo
estudado e discutido por vários autores. Segundo Guilhardi (1997), na relação terapêutica
todas as contingências em operação, sendo estas extra ou intra-sessão, levam á formula­

Sobrc Comportamento c CoRnifAo 151


ção de hipóteses acerca dos controles aos quais o cliente está respondendo. O terapeuta
formula suas hipóteses direcionado por um referencial teórico e, a partir destas, o terapeuta
dirige sua atuação com o objetivo de encontrar junto ao cliente novas alternativas de ação
sobre o ambiente, as quais possam lhe proporcionar outros reforçadores. Essa busca de
novos reforçadores se dá a partir de mudanças comportamentais do cliente, sendo estas
determinadas por múltiplos fatores. No processo terapêutico, as análises do terapeuta vão
sendo confirmadas ou refutadas, o que modela seu próprio comportamento de formular
hipóteses, fazer investigação e observar relações e a análise que faz das contingências.
Guilhardi (1997) cita ainda algumas características do processo terapêutico, partin­
do da análise da interação terapeuta-cliente, baseado especialmente no relato verbal.
Quando o cliente ó o narrador, sua fala pode ter várias funções para o terapeuta, tais
como: estímulo reforçador, estímulo discriminativo, estímulo pré-aversivo, estímulo aversivo,
entre outras. Nesse momento, o terapeuta é ouvinte e interage com o cliente em função de
seu referencial teórico-conceitual, dos procedimentos que utiliza, do seu sistema de valo­
res, crenças e emoções (história de vida) e das contingências atuais em operação, seja
fora ou dentro da sessão. Nesse caso, cliente é ouvinte e é controlado por sua história de
vida e pelas motivações presentes. Na medida em que o processo terapêutico depende
das interações dos repertórios de narrador e ouvinte, tanto do terapeuta como do cliente,
é essencial que o terapeuta conheça os princípios que explicam as interações verbais.
Saber sobre fatos, mandos, intraverbais, ecóicos não se trata de luxo, mas sim de uma
necessidade para um bom trabalho clínico.

2. Contingências em atuação na relação terapêutica

A relação terapeuta-cliente é influenciada por uma série de fatores e desenvolve-se


como um processo de modelagem do desempenho do cliente e do próprio terapeuta, pois
este levanta hipóteses e desenvolve análises a partir de suas observações dos comporta­
mentos do cliente e do seu referencial teórico. Conforme as hipóteses vão sendo testa­
das, as análises vão se modificando, novos comportamentos vão sendo testados e mode­
lados pelas suas conseqüências.
O processo terapêutico tem por objetivo conscientizar o cliente das contingências
em operação na sua vida, compreendendo como certas coisas são feitas e porque são
feitas. Essa conscientização provavelmente visa a modificação dos aspectos que estão
causando problemas para o cliente, na medida em que a meta é dar consciência através
da descrição de contingências, de forma que o cliente emita novos comportamentos e
tenha conseqüências reforçadoras, tornando as relações com o ambiente mais produti­
vas. No que se refere ao terapeuta, é importante esclarecer que há contingências atuando
sobre o comportamento do terapeuta. Guilhardi (1997) descreve vários aspectos relacio­
nados a esse processo. O primeiro conjunto de contingências que atua sobre o comporta­
mento do terapeuta é dado pelo corpo de conhecimento teórico, procedimentos terapêuticos
e modelo metodológico adotados por ele. Esses aspectos aparecem na forma de regras
de atuação e conceitos teóricos que funcionam como poderosos estímulos discriminativos
para o terapeuta compreender o que mantém a problemática do cliente, a partir de gene­
ralizações que realiza de processos comportamentais estudados em laboratório para a
vida cotidiana e prática clínica, é importante atentar que não é suficiente que o terapeuta

152 M .iir a C in t a rc llí B.iptlstim i


fique sob controle de seu repertório teórico. Ele deve relacionar-se de alguma forma com
outros profissionais, a fim de trocar experiências, práticas, métodos e conhecimentos.
Uma terceira fonte de contingências descritas por Guilhardi refere-se ao controle dos
comportamentos do terapeuta que advém do cliente.
Diante de tais estudos, percebe-se quanto a relação terapêutica envolve uma diver­
sidade de influências e nuances. Entre estas, pode ser observado que o conhecimento da
abordagem teórica relaciona-se a um bom atendimento e a uma boa atuação em clinica
comportamental. Em sua pesquisa sobre a relação terapêutica, Wielenska (1989) parte
de um procedimento que analisa relatos de uma terapeuta sobre sessões terapêuticas em
sessões de supervisão clínica. Com relação a essa pesquisa, observa-se quanto a orien­
tação teórica do profissional tem implicações práticas e conceituais.
A partir de cada supervisão realizada pela pesquisadora e conseqüente análise de
algumas sessões terapêuticas previamente selecionadas, a terapeuta relata mudanças
em seu atendimento, o que indica a aquisição de um novo modo de responder. É possível
dizer que o procedimento de Wielenska permitiu a construção de um novo conhecimento
sobre alguns dos controles operantes na relação entre a terapeuta e seus clientes. Isso
implica que as supervisões forneceram discriminações mais refinadas para a terapeuta, a
partir do repertório teórico e prático da supervisora/pesquisadora.

3. Análise funcional na atuação clínica

Quando se fala em atendimento em clínica comportamental, muitas vezes se pen­


sa em análise funcional, Mas afinal, o que implica a análise funcional? Em que ela é
essencialmente útil? Skinner (1953/1993) descreve o seguinte:

"As variáveis externas das quais o comportamento ó função dâo margem ao que pode ser chama­
do de análise funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individu­
al. Esta é a nossa “variável dependente" - o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas
“variáveis independentes" - as causas do comportamento - são as condições externas das quais
o comportamento è funçáo. Relações entre as duas • as relações de licausa e efeito" no compor­
tamento - são as leis de uma ciência." (p. 45).
Delitti (1997) aponta que, durante uma sessão terapêutica, o primeiro ponto a ser
acreditado pelo terapeuta ó que o comportamento do cliente tem uma função, através da
obtenção de informação sobre como o repertório foi instalado e de que forma é mantido.
Realizar essa análise envolve:
a) o conhecimento da história passada;
b) o conhecimento do comportamento atual;
c) a avaliação da relação terapêutica. O sucesso do processo terapêutico depende da
inter-relação entre estes três aspectos. Delitti enfatiza que a prática da análise funcio­
nal acompanha o terapeuta desde o levantamento de hipóteses, orienta a observação
do comportamento do cliente na sessão, bem como o planejamento do tratamento-
manutenção e generalização das mudanças comportamentais.
Sturmey (1994) aponta para a relevância de selecionar o comportamento-alvo para
que seja realizada a operacionalização deste - formular aspectos envolvidos com este
comportamento e a partir disto planejar a intervenção.

Sobre Com porldm cnlo eCortniçílo 153


O terapeuta deve definir a classe de respostas envolvida na queixa apresentada de
acordo com a funcionalidade, estabelecendo prioridades de intervenção. A partir disso, o
terapeuta irá organizá-las de modo a substituí-las por classes funcionalmente equivalen­
tes e que sejam menos passíveis de punição no ambiente natural do cliente.

4. Retomando o papel da base teórica para um bom atendimento


em clínica comportamental

Pelo que foi discutido até então, observa-se quanto o repertório teórico do terapeuta
ó importante para que seja realizada uma intervenção adequada e responsável, pois ele
direciona o atendimento, fundamentando a atuação.
Meyer (1990) descreve sobre a importância de um entendimento teórico das práti­
cas terapêuticas, na medida em que este pode contribuir para o avanço da terapia
comportamental, da ciência do comportamento e para a formação de novos terapeutas. A
autora realiza uma reflexão sobre a prática terapêutica comportamental, baseando-se em
quatro níveis de análise.
No nlvel tecnológico, tem-se uma diversidade de técnicas que em geral são mani­
pulações de eventos antecedentes e conseqüentes. No entanto, as técnicas por si só não
são suficientes para caracterizar uma terapia comportamental. Estas devem estar vincula­
das a outros níveis de análise: devem estar baseadas em uma análise funcional e estar
sob controle do comportamento do cliente.
Com relação ao nível filosófico, tem-se as principais propostas do Behaviorismo
Radical, enfatizando que comportamento é dado como uma relação entre organismo e
ambiente e que o que é sentido não tem o status de causa do comportamento.
No nlvel metodológico, a autora descreve que o trabalho original da Análise do
Comportamento na área aplicada é quase toda orientada para pesquisa - delineamentos
experimentais de sujeito único. Essa característica é fundamental em uma abordagem
que lida com o comportamento corno fenômeno individual, buscando compreender ordem
e relação entre os fenômenos. Nesse sentido, o principal objetivo da Análise do Compor­
tamento implica a especificação das variáveis das quais o comportamento tenha probabi­
lidade de ser função. Isso implica a análise de contingências ligada tanto à pesquisa
como á intervenção.
Com relação a isso, Meyer relata:

"Uma intervenção bem-sucedida implica não em apenas usar uma técnica, mas também em
corretas decisões sobre ocasiões apropriadas para seu U30 e acurada interpretação de seus
efeitos." (Meyer, 1990, p.3).
Para que haja tal sucesso na intervenção e na tomada de decisões, é vista a neces­
sidade de um embasamento teórico, pois somente com princípios claros sobre as rela­
ções organismo-ambiente é que se torna possível uma melhor compreensão dos proces­
sos comportamentais em questão.
A autora discute mais refinadamente esse ponto quando ela se refere ao nível
conceituai de análise. Ela discute que o analista do comportamento deve conhecer e

154 M ü ir a Cunt.irclh H.iptislussi


aplicar os princípios do comportamento, relacionando tais princípios com os procedimen­
tos de atuação. Conhecer sobre reforçamento, punição, extinção, controle de estímulos,
generalização de estímulos, indução de respostas, modelagem de respostas, manuten­
ção do comportamento, contraste comportamental, comportamento verbal, entre outros
conceitos ó de extrema importância, pois como diz Skinner (1953/1993): "As teorias afe­
tam a prática" (p.23). O conhecirriento teórico permite uma melhor ordenação e desenvol­
vimento da prática, pois fornece condições para a tomada de decisões e interpretações no
que diz respeito às técnicas e procedimentos em questão.
Guilhardi e Queiroz (1997) apontam com relação à importância da teoria:

“Um primeiro conjunto de contingências ô estabelecido pelo corpo de conhecimento teórico,


dados experimentais, procedimentos terapêuticos e modelo metodológico do Behaviorismo Radi­
cal e da Ciência do Comportamento. Estas contingências aparecem como forma de regras de
atuação (procedimentos e método) e conceitos teóricos, que funcionam como poderosos Sds para
o terapeuta compreender o que, provavelmente, estâo ocorrendo com o cliente, a partir de genera­
lizações que o terapeuta faz de processos comportamentais estudados em laboratórios para a
vida cotidiana. ” (p.48)
Como visto até então, a terapia parte das necessidades das pessoas em melhorar
suas vidas, em lidar melhor com o controle coercitivo e em libertar-se daquilo que mais
lhes incomoda ou prejudica. Ajudar seus clientes em suas dificuldades ó o principal papel
dos terapeutas. No entanto, aqui não falamos de todos os terapeutas. Falamos dos
terapeutas comportamentais, mais especificamente dos analistas do comportamento. A
principal meta é buscar uma adequada compreensão da problemática do cliente e realizar
uma intervenção baseada na análise funcional. Para isto, além do estabelecimento de um
bom vinculo, ó necessário que o terapeuta tenha um conhecimento consistente das bases
teóricas, pois estas representam a estrutura e o direcionamento da atuação. Não basta
somente ser um terapeuta simpático, empático e competente socialmente, na medida em
que o processo terapêutico lida com sérios problemas que necessitam uma prática bem
fundamentada e exigem uma solução. É fundamental que a atuação tenha como base os
princípios do comportamento, aplicados de modo a identificar e alterar as dificuldades na
vida da pessoa.

Bibliografia
Dolittl, M. (1997) Análise funcional: o comportamonto do cliente como foco da análise funcional.
In: M. Delitti (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: a prática da Análise do Compor­
tamento e da Terapia Cognitivo-comportamental. Santo Andró: Arbytes.
Guedes, M. L. (1993) Equívocos da Terapia Comportamental. Temas em Psicologia, 2.
Guilhardi, H. J. (1997) Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? In:
R. A. Banaco. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: Aspectos teóricos, metodológicos
e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista, Santo André:
Arbytes.
Guilhardi, H. J. & Queiroz, P. B. P. S. (1997) A análise funcional no contexto terapêutico: o com­
portamento do terapeuta como foco de análise. In: M. Delitti (Org.) Sobre Comportamento
e Cognição: a prática da Análise do Comportamento e da Terapia Cognitivo-comportamental.
Santo Andró: Arbytes.

Sobre C om p o rta m e nto e Cotfniç<lo 155


Meyer, S. B. (1997) Quais os requisitos para que uma terapia possa ser considerada
comportamental? Apresentação em mesa redonda: “Tópicos avançados em terapia
comportamental" no IV Encontro Paranaense de Psicologia, de 22 a 25 de agosto de
1990.
Skinner, B. F. (1953/1993) Ciência e Comportamento Humano. Sâo Paulo: Martins Fontes.
Publicação original de 1953.
Sturmey, P. (1996) Functlonaf Aríalysís in Clinicai Psychology. Chichester: John Winley & Sons
Ltda.
Wielenska, R. (1989) A investigação de alguns aspectos da relação terapeuta-cllente em ses­
sões de supervisão. Dissertação de Mestrado, orientada pelo professor Dr. Luls Cláudio
Mendonça Figueiredo e apresentada ao Departamento de Psicologia Experimental da
USP.

156 M a i r a C a n ta rclli Haphstussl


Capítulo 20

Estratégias lúdicas para uso em terapia


comportamental infantil
Cynthia fíorges de Moura
M itriii Kitd Zttéga Soares de Azevedo
U F l.- P R

O brincar é um comportamento típico da infância. Através do brinquedo e da brinca­


deira a criança mostra como percebe seu ambiente e como interage com ele. O uso do
brinquedo e do brincar na psicoterapia foi por muito tempo um campo inexplorado pelos
terapeutas comportamentais. Os recursos lúdicos eram vistos como pouco importantes
no processo da terapia infantil, dando-se maior ênfase à aplicação dos procedimentos de
modificação do comportamento sem muitas vezes adequá-los ao contexto da criança.
O presente trabalho tem como objetivo mostrar como os recursos lúdicos podem
ser usados como instrumentos, tanto para avaliação do problema da criança quanto para
a modificação dos problemas apresentados, sejam eles de natureza aberta e/ou encober­
ta. Serão apresentadas duas técnicas que podem ser usadas com crianças e com pais
em processo terapêutico. Também serão expostos os fundamentos teóricos compor­
tamentais da utilização de tais estratégias em intervenções com crianças, sua importân­
cia, como podem fornecer dados para análise funcional do problema apresentado e como
tais dados podem ser utilizados para a intervenção junto a tais problemas.
O trabalho com jogos e brincadeiras associado à habilidade do terapeuta em mane­
jar situações lúdicas para o alcance dos objetivos propostos tem mostrado que a utiliza­

Sobre C o m p o rta m e nto e C o g n iç A o 157


ção de tais estratégias pode resultar em um ambiente terapêutico altamente reforçador
tanto para a criança, quanto para o terapeuta, e principalmente apresentar grande eficácia
na resolução do problema clinico apresentado pela criança.

1. Técnica 1: “ Livro de Sentimentos” : estratégia para o desenvol­


vimento da expressividade emocional de crianças em terapia
Cynthia Borges de Moura

A dificuldade de expressividade emocional tem sido identificada como um problema


que acompanha vários tipos de queixas clinicas, tanto de adultos quanto de crianças.
Pessoas que obtêm beneficio da terapia geralmente relatam que se tornaram mais ex­
pressivas, menos inibidas e capazes de lutar por seus próprios direitos (Lazarus, 1977).
Isso implica que, mesmo quando o objetivo central da terapia não tenha sido esse, o
desenvolvimento da habilidade de expressão emocional parece estar presente em grande
parte das estratégias e procedimentos terapêuticos.
No trabalho clínico com crianças, as habilidades de expressividade emocional mui­
tas vezes necessitam ser diretamente ensinadas e treinadas. Crianças que apresentam
déficits (retraimento, timidez) ou excessos comportamentais (agressividade, impulsividade),
assim como queixas somáticas, são normalmente inábeis em identificar seus sentimen­
tos frente às situações e lidar adequadamente com eles, sendo que um treino clínico
adequado nesta área poderia proporcionar-lhes maior adequação e adaptação social.
Expressividade emocional implica a habilidade de proporcionar feedback honesto,
isto é, mostrar os sentimentos verdadeiros de forma franca e honesta (Lazarus, 1977). O
resultado de uma maior expressividade, ao contrário do que se pensa, não é maior
vulnerabilidade, mas menor ansiedade, relacionamentos mais íntimos e significativos, auto-
respeito e adaptação social. Todos esses resultados são altamente desejáveis no traba­
lho clinico com crianças.
O treinamento em expressividade emocional tem sido muito confundido com treina­
mento assertivo. A expressividade emocional inclui a identificação e comunicação hones­
ta dos sentimentos e suas nuances, como amor, afeição, empatia e compaixão, admira­
ção e apreciação, curiosidade e interesse, raiva, dor, remorso, medo e tristeza. Já a
assertividade envolve somente aquele aspecto da expressividade emocional que se relaci­
ona a lutar pelos próprios direitos.
Cada pessoa tem o direito de ser e de expressar a si mesma, e sentir-se bem (sem
culpas) por fazer isso, desde que não fira seus semelhantes no processo. O comporta­
mento assertivo e a parte do comportamento expressivo que torna a pessoa capaz de agir
em defesa de seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade indevida, a expressar
sentimentos sinceros sem constrangimento, e/ou a exercitar seus próprios direitos sem
negar os alheios (Alberti & Emmons, 1978).
Lazarus (1977) afirma que muitos terapeutas são extremamente hábeis em
conscientizar as pessoas de seus estados afetivos, mas para ele isto é insuficiente, pois
os pacientes além de reconhecerem suas emoções também necessitam aprender como
expressar seus sentimentos de uma maneira madura e honesta. Dessa forma, as habili­
dades especificas a serem desenvolvidas através do treino em expressividade emocional

158 Cynll)J.i Horprs de M o u r . i e M .m .i R j|,j Zof#,» S<wres de A z e v e d o


são: a) aprender a discriminar as emoções e sentimentos; e b) aprender a expressá-los
verbalmente de forma apropriada.
Considerando o trabalho clinico com crianças tais aspectos também podem ser
ressaltados assim como a inclusão do desenvolvimento destas duas habilidades de
expressividade emocional. Tal trabalho em terapia baseia-se nos seguintes pressupostos:
1 ) o repertório de expressividade emocional parece estar implicado em vários outros com­
portamentos infantis como estabelecimento de vínculos afetivos significativos, auto-
estima, autocontrole e adaptação social (Boren, Weir & Benegar, 1987);
2 ) a maior parte das crianças clínicas, isto é, que apresentam problemas emocionais e/
ou comportamentais, também apresentam dificuldades de identificar e expressar o
que sentem em relação às pessoas e/ou situações (Rosenbaum & Baker, 1984);
3) assim, treinar a expressividade emocional das crianças em terapia pode ser um passo
anterior para o desenvolvimento de vários outros repertórios como assertividade, relaci­
onamento interpessoal e resolução de problemas, os quais podem ter um impacto
direto sobre a superação dos problemas iniciais (Moura & Conte, 1997).
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de estratégia terapêutica a ser
usada na terapia com crianças: a construção do “livro dos sentimentos". A seguir será
apresentada a descrição da técnica, seu uso e possibilidades, como a técnica pode ser
manejada de acordo com o caso clínico, que resultados podem ser obtidos a partir de seu
uso e qual sua importância no processo terapêutico da criança.

1.1. Descrição da técnica - Passos para execução

1) Inicie conversando com a criança sobre sentimentos: o que são, para que servem,
quando surgem, quais situações evocam sentimentos agradáveis e desagradáveis,
deixe que ela dê exemplos, se necessário, forneça exemplos de situações evocadoras
de diferentes sentimentos nas pessoas;
2) Liste com a criança quais sentimentos ela conhece. Caso a criança não mencione os
principais (amor, alegria, medo, raiva, tristeza), inclua-os. Deixe que ela acrescente
quaisquer outros que deseje, mesmo que pareçam sem sentido (para posterior explo­
ração);
3) Proponha a confecção do livro: instrui-se a criança a pegar várias folhas sulfite e dobrá-
las ao meio formando um caderno brochura. Em seguida, instrui-se a criança a escre­
ver o nome de cada sentimento em uma página, e desenhar ou escrever sobre ele ou
situação que o evoca (pode inclusive usar cores que "combinam" com os sentimentos
em questão);
4) Durante a execução procure explorar o sentimento e a situação que está sendo descri­
ta pela criança, como forma de coleta de dados e/ou de intervenção terapêutica, com
o objetivo de aumentar a consciência da criança sobre os sentimentos em questão;
5) Termine valorizando o “sentir" como um importante comportamento de contato consigo
mesmo e com o ambiente, na tentativa de fortalecer a identificação e a expressão por
parte da criança dos sentimentos ligados a sua situação em particular. O terapeuta
pode fazer isto incluindo algumas páginas finais em que também escreve e desenha
algo sobre a importância dos sentimentos na vida das pessoas. Por exemplo:

Sobre Com p o rtam e nto c Co|ini(«lo 159


“Os sentimentos existem para mostrar pra gente como a gente está, se está triste ou alegre com
alguma coisa que aconteceu. Eles ajudam a gente a se conhecer. Todo mundo tem sentimentos de
todo tipo. Eles colorem nossa vida como os balões enfeitam uma festa. As vezes a gente acha que
sem eles nossa vida seria melhor... Mas pode ter certeza, sem os sentimentos nossa vida seria
uma grande chatice!"
1.2. Considerações sobre o uso da técnica

1) A técnica proposta não ó isoladamente responsável pelo aumento do repertório de


expressividade emocional, mas pode ser uma estratégia útil para introduzir este tópico
na terapia e iniciar um trabalho mais diretivo de expressividade e assertividade;
2) Em alguns casos, é importante fazer um trabalho anterior com identificação de sensa­
ções corporais (cheiros, gostos, texturas, formas) usando recursos mais concretos e
menos verbais, como um passo anterior a modelagem deste repertório;
3) Deixe que a criança expresse seus sentimentos livremente e depois explore os mais
"estranhos” ou aparentemente sem sentido. Alguns exemplos de sentimentos que as
crianças relatam: sonho, fé, carinho, gosto, querer, vergonha, valentia, esperar, etc.
Quaisquer que sejam, vale a pena serem melhor explorados;
4) Uma variação da técnica é confeccionar livrinhos sobre sentimentos específicos, que
tenham relação direta com o problema da criança, como “livro da coisa chata, livro dos
medos, livro de coisas que eu gosto, livro da raiva, da vergonha etc.”
5) A partir desta técnica, o tema "sentimentos" pode ser mais explorado, de forma direta
ou indireta na terapia, para que a criança avance nas etapas de aquisição deste reper­
tório. Lembre-se que antes de avançar a criança precisa fortalecer o ganho anterior.
Dessa forma, proporcione mais oportunidades de identificação antes de iniciar o treino
de expressão verbal. E ao iniciá-lo programe estratégias que partam sempre das res­
postas simples para as mais complexas de forma que a criança possa corresponder
às solicitações e mantenha um bom nível de motivação e cooperação para com o
trabalho clinico.

1.3. Conclusão

O trabalho com a técnica "Livro de Sentimentos" tem mostrado que a habilidade de


identificar e expressar verbalmente sentimentos e emoções pode e deve ser modelada no
repertório da criança como um requisito a superação e enfrentamento de seus problemas.
Essa técnica pode proporcionar a identificação por parte da criança de relações sentimen-
to-comportamento, ou seja o que sente quando age de determinada forma ou vivência uma
determinada situação, para que então seja capaz de propor alternativas de mudança, seja
em seu próprio comportamento, seja no ambiente em que está inserida.
Como o comportamento expressivo parece diminuir as respostas de ansiedade, se
ao mesmo tempo ele for seguido por conseqüências positivas para a criança (por exemplo,
adquirir controle em alguma situação em que ela estava em desvantagem), aumenta a
probabilidade com que esta habilidade passe a fazer parte do repertório integral da criança.
Portanto, desenvolver o repertório de expressividade emocional pode trazer muitos ganhos
para a criança, principalmente por proporcionar a aprendizagem de uma nova forma de lidar
com as emoções em relação a si mesma, aos outros, e às situações, o que parece ter um
impacto direto sobre seu crescimento e desenvolvimento saudáveis.

160 C y n th ia Borflrs de M o u m c M a riti Rit.i / o é gu Soares de A / e ve d o


2. Técnica 2: Atividade lúdica como recurso para descrição e
análise de papéis familiares com crianças e pais
Maria Rita Zoéga Soares de Azevedo
A análise de padrões comportamentais e a descrição de contingências são aspec­
tos que terapeutas, analistas do comportamento, consideram relevante para a compreen­
são do caso clínico. Na terapia infantil, o profissional deve direcionar tal intervenção no
sentido de descrever e analisar os papéis e a função de tais padrões no contexto familiar.
A explicitação da dinâmica familiar é uma das condições que se faz necessário para
analisar o comportamento da criança.
Algumas estratégias lúdicas de intervenção podem ser utilizadas para facilitar a
explicitação de tais condições no contexto terapêutico tanto para o terapeuta como para
o cliente e sua família. Dessa forma, o presente trabalho pretende descrever uma atividade
lúdica que tem a função de identificar e ao mesmo tempo analisar o padrão e a função do
comportamento da criança e de seus pais dentro do contexto familiar.
A técnica surgiu da necessidade que a criança (ou os pais) explicite(m) caracterís­
ticas de cada membro familiar e da dinâmica presente, para posterior análise do contexto
da interação familiar. Tal estratégia pode ser uma alternativa de prática terapêutica com
pais e criança, oferecendo uma perspectiva de intervenção também familiar, para o desen­
volvimento de um repertório chamado autoconhecimento.
Skinner (1991) fala do autoconhecimento como prática exclusivamente humana e
salienta a importância do comportamento verbal na aquisição deste tipo especial de
conhecimento. Em 1974, Skinner analisa que, com esta aquisição, as pessoas passa­
ram a descrever seus comportamentos, o cenário em que ocorrem e suas conseqüênci­
as. Acrescenta ainda que "uma pessoa que se tornou consciente de si mesma por meio
de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu
próprio comportamento".
Assim, demonstraremos os resultados advindos do uso de uma estratégia lúdica,
no sentido de possibilitar uma efetiva identificação e compreensão de aspectos relacio­
nados à dinâmica familiar do cliente, bem como facilitar ao terapeuta o manejo de tais
contingências rumo à resolução de conflitos familiares e/ou do problema apresentado
pela criança.

2.1.Descrição da técnica - Passos para execução

Para a realização da técnica, sugerimos os seguintes passos:


1) Recortar papel sulfite em pequenas tiras;
2) Solicitar que a criança escreva (nas tiras de papel sulfite) características ou qualidades
encontradas em pessoas;
3) O terapeuta pode ajudar a criança a escrever, incluindo algumas características. Pode
ser interessante que se incluam alguns padrões comportamentais já observados ou
relatados por pessoas da família;
4 ) O terapeuta solicita que a criança escreva o nome das pessoas da família em uma outra

folha de papel sulfite, de forma a organizar as características respectivas a cada membro;

Sobre C o m p o rta m e nto e C o g n ifA o 161


5) A criança deve colar os papéis com as características, nos lugares organizados no
papel para cada um dos membros da família;
6) Após a colagem de todos os papéis, o terapeuta solicita que a criança leia o nome das
pessoas e que características atribuiu a cada uma;
7) O terapeuta deve discutir com a criança sobre a descrição feita por ela e podem ser
levantadas sugestões para o repertório de cada um dos membros da família (o que, na
opinião da criança, cada um poderia melhorar).

Regras estabelecidas para realização da atividade:


a) Todos os papéis devem ser colados;
b) cada papel só pode ser colocado para um dos membros;
c) se mais de um membro apresentar a mesma característica, a criança deve decidir
em qual deles essa qualidade está mais presente (pode ser observada com maior
freqüência);
d) se houver alguma característica a qual a criança considere que não pertence a nin­
guém, ela deve considerar o membro mais provável de apresentar tal padrão.

2.2. Considerações sobre o uso da técnica

1 ) É importante que o terapeuta vá colocando as regras na medida em que as dificulda­


des vão aparecendo, para que a criança não se desmotive pelo excesso de limites ou
de impedimentos. A técnica também deve possibilitar que o cliente questione suas
normas e até as modifique;
2) A atividade pode ser usada tanto para a criança como para os pais, ou mesmo com
toda a família. O terapeuta deve decidirem que contexto ela pode estar mais apropria­
da e adaptá-la a cada condição;
3) Salientamos que mais importante que a técnica em si, está a observação da atitude do
cliente (e/ou família) ao resolvê-la. Vale ressaltar algumas sugestões para que o profis­
sional possa ficar atento:
• Como o indivíduo se comporta? Está motivado para fazer a atividade?
• Desiste ao perceber as primeiras dificuldades? Como resolve seus impasses?
• O que faz quando considera que uma das características podem estar presentes em
mais de um membro da família?
• Como age diante de uma característica que não consegue atribuir a ninguém?
• Quais características atribui a si próprio e aos outros?
• Como reage após a leitura da atividade? Quer manter o que fez? Tenta modificar?
• O que verbaliza diante da atividade?
• Como expressa seus sentimentos? Do que se lembra?
• Como descreve as situações em que teve oportunidade de observar tais padrões
comportamentais (antecedentes e conseqüentes)?
• Justifica determinados padrões comportamentais?
4) Com os pais, ou mesmo com a família, pode*se instruir que desenvolvam a atividade
todos juntos. A dinâmica, ao resolvê-la, deve ser um importante fator para ser observa­
do. Os membros podem assumir papéis diversificados dentro do grupo familiar (mais
ativo, passivo, mais dominador, colaborador, questionadoretc.);

162 C y n tliia Borjjcs de M o u r u c M d r id R i Ij ZoéRd Soares de A / c v c d o


5) Na prática, pudemos constatar alguns padrões comportamentais bastante significati­
vos para posterior verificação e análise de tais papéis no grupo familiar. Podemos citar
algumas situações em que:
• um dos membros praticamente montou o painel sozinho:
• mãe que demonstrou descontentamento quando o pai atribuiu algumas características
à filha (bonita, interessada, inteligente):
• irmãos que perceberam que características mais negativas foram atribuídas ao mesmo
membro:
• necessidade de a mãe colocar alguma característica positiva para um dos filhos porque
só tinha atribuído características negativas;
• criança que se surpreendeu por não ter colocado nada de positivo para si própria.

6) Outra sugestão para utilização da técnica é a de que cada um faça a sua atividade
separadamente, e depois a coloca para o grupo, discutindo suas percepções entre si.
Pontos em que o grupo concorda ou discorda podem ser importantes para serem
discutidos;
7) Percebemos a importância de a atividade possibilitar uma condição para que se faça
uma análise funcional do comportamento do cliente, de padrões familiares e expecta­
tivas envolvidas. Antecedentes e conseqüentes de alguns padrões comportamentais
podem ser levantados e explicitados.

2.3. Conclusão

Observamos que, tanto crianças como pais, se surpreendem com a condição de


que ninguém ê nada, no sentido estático e “paralisante" de uma condição. Mas, que nos
comportamos diante de algumas situações de acordo com nossa história de aprendiza­
gem, de adaptação, de como fomos reforçados e reforçamos outros a manterem determi­
nados padrões.
Com a técnica, pode ficar claro, para o cliente e sua família, quanto dentro do
contexto familiar acabamos desempenhando determinados papéis que nos são atribuídos
e como também nos comportamos de acordo com a expectativa que os outros têm.
Assim, a descrição da presente técnica teve como objetivo a demonstração de que
existem possibilidades de trabalho com crianças e seus pais (esta é apenas uma delas!),
em que o terapeuta comportamental pode atuar identificando padrões comportamentais,
levantando alternativas e possibilitando condições para mudanças na qualidade de rela­
ções estabelecidas entre eles. Tal repertório pode ser desenvolvido pela atuação do terapeuta
dentro das sessões psicoterápicas, a partir do contexto e da relação estabelecida entre
terapeuta e cliente, como ressaltaram Kohlemberg e Tsai (1991) e Kohlemberg, Tsai &
Dougher(1993).

Bibliografia

Alberti & Emmons (1978) Comportamento Assertivo: um guia de auto-expressâo. Belo Horizon­
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Boren, R., Weir, L. & Benegar, C. (1987) Children and Self-Control. In: Thomas, A. & Grimes, J.
(Eds). Children's Needs: Psychological Perspectives. Maryland: NASP.

Sobre C o m p o rta m e nto e C o R n it fo 163


Kohlemberg, R. J. & Tsai, M. (1991) Functional Analytic Psichotherapy: Creating Intense and
Creative Therapeutic Relationship. New York: Plenum Press.
Kohlemberg, R. J.,Tsai, M. & Dougher, M. J. (1993) The Dimensionsof Clinicai Behavior Analysis.
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Lazarus, A. A. (1977) Psicoterapia Personalista: Uma visão além dos princípios de condiciona-
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Moura, C. B. & Conte, F. C. S. (1997) A psicoterapia analitico-funcional aplicada à terapia
comportamental infantil: A participação da criança. Revista Torre de Babel: Reflexões e
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Rosenbaum, M. & Baker, E. (1984) Self-control in hyperactive and nonhyperactive children.
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Skinner, B. F. (1974) Sobre o Behaviorismo. Sâo Paulo: Cultrix.
_______ (1991) Questões recentes na Análise do Comportamento. Campinas: Papirus.

164 Cynthi.» Rorflcs dc Mour.i c M,iriii Rilu Zoífla Soares de A/cvedo


Capítulo £1

M odelos de orientação a pais de crianças


com queixas diversificadas
Maria L ui/a Marinho
vn -rR
Fdwigcs Ferreira de Mattos Silvarem
(/nlvm idiiik </r.\h> Pju /o

O presente trabalho visa apresentar as diferentes formas de orientação a pais em


situação grupai, colocadas em prática na clínica-escola da Universidade Estadual de Lon­
drina (UEL) durante os últimos quatro anos, como parte de projetos de pesquisa e de
extensão universitária. No total, foram atendidos 42 pais com queixas diversificadas frente
ao comportamento de seus filhos, com idades entre 2 e 13 anos. A clientela foi submetida
a três formatos de intervenção distintos, todos conduzidos em situação grupai. Os atendi­
mentos foram realizados por alunas do 4o e/ou 5o ano do curso de Psicologia da UEL,
supervisionadas semanalmente pela primeira autora do presente trabalho.
Dois pontos de grande relevância a serem salientados são a visão de Homem e o
conceito sobre os determinantes do comportamento humano que nortearam os três mo­
delos de intervenção apresentados abaixo. Esses estudos não foram realizados sob o
pressuposto de que as crianças e/ou os pais (assim como qualquer outro ser humano)
apresentassem algum tipo de doença mental e/ou de que os comportamentos inadequa­
dos apresentados por eles ocorressem em função de alguma causa interna ou estrutural
(como características de personalidade, por exemplo) (Gongora & Sant’Anna, 1987; Ulman
& Krasner, 1979).
Considerou-se, sim, que os problemas de comportamento apresentados pelas cri­
anças eram devidos, principalmente, ao padrão de interação familiar (Wahler, 1976;

Sobre C om p o rta m e nto e C o ^ n iç ilo 165


Patterson, Reid, & Dishion, 1992; Silvares, 1995). Assim, sob o conceito-chave de que o
comportamento ocorre em função da interação do indivíduo com o ambiente (Skinner,
1975), as intervenções foram conduzidas de forma a produzir alterações ambientais: quando
se realiza orientações junto aos pais, se está buscando modificar o ambiente da criança
e, por conseguinte, produzir mudanças em seu comportamento.
Outro ponto importante é que nos trôs modelos de intervenção adotados buscou-
se, conforme proposto por Tiedeman & Johnston (1992), ampliar o foco do comportamen-
to-problema e desenvolver habilidades parentais envolvidas em ensinar e em promover
comportamentos adaptativos em seus filhos.
Isso parece relevante, já que, segundo alguns autores (Loeber, 1990 apudTiedeman
& Johnston, 1992), competências infantis, tais como assertividade e expressividade emo­
cional, são altamente correlatas as respostas do adulto para com elas e a aceitação
social na infância, além de serem importantes preditores de normalidade na idade adulta.

1. Modelo 1: Psicoterapia Parental

O primeiro modelo de intervenção foi aplicado junto a um grupo de sete pais (cinco
mães e dois pais). O tratamento adotado foi psicoterapia parental conduzida sem a parti­
cipação dos filhos, com enfoque nos sentimentos, dúvidas e dificuldades experienciadas
pelos pais na educação de suas crianças. Os assuntos discutidos foram propostos pelos
próprios membros do grupo. Trabalhou-se temas como: estabelecimento de limites ao
comportamento infantil; autoridade e autoritarismo; expressividade emocional; compara­
ção entre filhos; empatia (pais colocarem*se no lugar dos filhos); maneiras de se ensinar
comportamentos que os pais consideravam importantes; sexualidade e prevenção ao uso
de drogas.
A intervenção não tinha duração preestabelecida e foram realizadas 22 sessões
grupais de 90 minutos de duração cada uma. Os objetivos principais foram: possibilitar a
troca de experiências frente a questões relacionadas à educação de filhos, ajudar os pais
a elaborarem e colocarem em prática formas alternativas de enfrentamento dos problemas
de comportamento apresentados pelas crianças, bem como tomarem consciência dos
próprios sentimentos envolvidos na situação.
Embora os pais tenham avaliado o programa aplicado como tendo sido adequado,
observou-se elevado número de faltas durante o processo, além de abandono do tratamen­
to, após a 14a sessão, por um casal e duas mães, indicando a necessidade de adoção de
estratégias para prevenir faltas e abandono em trabalhos futuros.

2. Modelo 2: Orientação Parental + Psicoterapia Infantil

O segundo modelo foi uma ampliação do anterior, aplicado também em situação


grupai junto a 13 pais (11 mães e dois pais) e 11 crianças. Incluía orientação parental e
intervenção concomitante junto aos filhos.
A intervenção infantil visou prevenir a desistência parental e instrumentalizar as
crianças a lidar com dificuldades surgidas diante de alguns dos comportamentos apresen­

166 M>iri<i |.ui/ii M a r i n h o e hlw ítffs fm e ir«i dc M a t to s Silviirc*


tados por seus pais; contou com sessões individuais e em grupo. As crianças com menos
de quatro anos de idade (quatro membros) participaram somente em uma sessáo de
avaliação, mas não foram incluídas em sessões de atendimento, com a anuência de seus
pais. Os pré-adolescentes (cinco membros), com idades entre 11 e 13 anos, foram aten­
didos em grupo e as duas crianças restantes (seis e oito anos) foram atendidas individu­
almente. As sessões foram realizadas semanalmente, variando entre nove e 12 encontros
(Marinho, Ausec, Maggio & Silva, 1996).
A intervenção junto aos pais foi realizada em 20 sessões, conduzidas semanal­
mente com 90 minutos de duração cada uma. As sessões foram programadas de forma
um pouco mais diretiva que no modelo anterior. Além dos objetivos do programa apresen­
tado acima, esse modelo visou orientar os pais para a apresentação de condutas especí­
ficas, como reforçar comportamentos infantis adequados.
Em relação ao abandono do tratamento, observou-se que 61% (8 ) dos membros
deixou de comparecer aos encontros entre a 1 2 ae a 2 0 a sessões, indicando a necessida­
de de adoção de um programa de intervenção mais compacto. No entanto, em avaliação
do nível de satisfação experimentado com o modelo aplicado, a maioria dos membros
aprovou a metodologia adotada e enfatizou a importância das discussões para seu cresci­
mento pessoal e para a melhor compreensão dos comportamentos de seus filhos.

3. Modelo 3: Treinamento de Pais

Esse terceiro modelo de intervenção foi aplicado junto a dois grupos de pais, con­
duzidos simultaneamente. Constituiu-se de um programa de curta duração, cujo enfoque
principal foi a aquisição, pelos pais, de conhecimentos sobre princípios de aprendizagem
e de habilidades relevantes na interação com crianças (Marinho, 1999a). Devido ao fato de
este ter sido o tratamento mais efetivo dos três aplicados, será feita, abaixo, uma descri­
ção mais detalhada de seu procedimento.

3.1. Divulgação e critérios para seleção dos interessados

A divulgação da realização do grupo de pais foi feita através de entrevistas em


rádio e televisão, notas em jornais de circulação na cidade de Londrina e cartazes
afixados em diversos locais da cidade. Os interessados foram submetidos a uma entre­
vista inicial, na qual foram coletadas informações acerca dos dados familiares (composi­
ção, nomes, idade, ocupação, escolaridade, renda familiar), queixa em relação ao com­
portamento da criança, histórico da queixa, disponibilidade de horário e interesse em
participar do grupo de pais.
Aos casos infantis em lista de espera da clínica-escola da UEL foi dada a possibi­
lidade de participação no grupo, como opção a aguardar por atendimento infantil individual.
Como a intervenção fez parte de uma pesquisa (Marinho, 1999a), os casos sele­
cionados obedeceram aos seguintes critérios, avaliados a partir do relato dos pais:
crianças com idades entre 2 e 1 2 anos, sem diagnóstico de deficiência mental e sem
histórico de problemas psicológicos graves (como autismo e esquizofrenia) e queixas
principais em relação ao comportamento infantil não relacionadas a dificuldades na apren­
dizagem escolar.

So b rr C o m p o rta m e nto e Co#nlç«1o 167


Além dos critérios acima, os membros do grupo e seus filhos não podiam participar
em qualquer outro tipo de intervenção psicológica, psiquiátrica ou de orientação para edu­
cação de filhos durante o período de realização das sessões de atendimento.

3.2. Sujeitos

Com base nos critérios anteriores, foram selecionadas 26 famílias, num total de 38
pais (26 mães e 12 pais). Dessas, 16 (22 pais) foram atendidas de imediato e as demais
( 1 0 ) ficaram aguardando em lista de espera para serem atendidas após 16 semanas.
Das 26 famílias selecionadas, 42,3% (11) aguardavam atendimento infantil em lista
de espera na cllnica-escola da UEL e 57,7% (15) procuraram o grupo em resposta aos
anúncios de divulgação.
Assim, os participantes do presente modelo de intervenção, denominado aqui como
Treinamento de Pais, foram 22 pais (16 mães e 6 pais) de crianças com idades entre 2 e
1 2 anos, divididos em dois grupos, de acordo com a idade dos filhos: 2 a 6 anos (Grupo I)

e 7 a 12 anos (Grupo II).


A Tabela 1 apresenta a caracterização dos pais, divididos por grupo e a Tabela 2
apresenta alguns dados relativos às crianças encaminhadas.

Tabela 1 - Caracterização dos pais que participaram em todas as etapas como sujeitos da pesquisa,
distribuídos por grupo.

Númoro de sujeitos
Grupo I Grupo II Total
(N ■ 10) (N ■ 12) (N = 22)
Caract erlêtlca»
Progenitor Pai 4 (40.0%) 2 (16,7%) 6 (27,3%)
Máe 6 (60,0%) 10 (83,3%) 16 (72,7%)
20 a 29 anos - 1 (8,3%) 1 ( 4,5%)
Idade 30 a 39 anos 7 (70,0%) 6 (50,0%) 13 (59,1%)
40 a 42 anos 3 (30,0%) 5 (41,7%) 8 (36,4%)
Superior 7 (70.0%) 4 (33,3%) 11 (50,0%)
Escolaridade Ens. Médio 2 (20,0%) 4 (33,3%) 6 (27,3%)
Ens. Fundamental 1 (10,0%) 4 (33,3%) 5 (22,7%)
acima de 10 7 (70,0%) 2 (16,7%) 9 (40,9%)
Renda familiar* > 5 e * 10 2 (20.0%) 6 (50,0%) 8 (36,4%)
até 5 1 (10,0%) 4 (33,3%) 5 (22,7%)
Casado(a) 8 (80,0%) 9 (75,0%) 17 (77,3%)
Estado Civil Separado(a) 1 (10,0%) 3 (25,0%) 4 (18,2%)
Solteira 1 (10,0%) - 1 ( 4,5%)
3 ou mais - 4 (33,3%) 4 (18,2%)
N° do filhos 2 4 (40,0%) 8 (66,7%) 12 (54,5%)
1 6 (60,0%) “ 6 (27,3%)

* Em Salários Mínimos. Valor referência da data da entrevista de triagem: R$ 120,00

1Ôtí M a r ia I ui/a M a r i n h o c N w it f f » f crrcira ilc M a t to s Silvarcs


Tabela 2 - Sexo e ordem de nascimento das crianças sujeitos da pesquisa, divididas por grupo.

Número de aujeltoa
Grupo I Grupo II Total
Caractorlatlcaê (N * 6) (N * 10) (N * 16)

Sexo Masculino 5 (83,3%) 6 (60,0%) 11 (68,7%)


Feminino 1 (16.7%) 4 (40.0%) 5 (31,3%)

Primogênito 6 (100%) 6 (60,0%) 12 (75,0%)


Ordem de Do maio 1 (10,0%) 1 ( 6.3%)
nascimento Caçula 3 (30,0%) 3 (18,7%)

Observa-se que a maioria dos pais tinha mais de 30 anos de idade (95,5%), era
casada (77,3%), com dois ou mais filhos (72,7%), escolaridade média ou superior (77,3%)
e renda familiar, na data da entrevista inicial, superior a cinco salários mínimos (77,3%).
Quanto às crianças, observa-se que a maioria era filho primogênito (75%) e do sexo mas­
culino (68,7%).

3.3. Intervenção

A intervenção foi realizada em 12 sessões com aproximadamente 90 minutos de


duração cada, conduzidas em 12 semanas consecutivas por quatro alunas do 5fl ano de
Psicologia da UEL, que formaram duas duplas: uma atendendo o Grupo I e a outra aten­
dendo o Grupo II. As estagiárias alternaram-se a cada sessão nas funções de terapeuta e
co-terapeuta e receberam supervisão semanal de aproximadamente duas horas pela pri­
meira autora do presente trabalho.
O atendimento foi semi-gratuito, ou seja, os pais pagaram três reais por mês cada
um, os quais foram gastos com a compra de refrigerantes, bolachas doces e salgadas,
água mineral e copos descartáveis, que ficaram disponíveis em todas as sessões para
consumo pelos membros dos grupos e pelas estagiárias.
A Tabela 3 descreve o Programa de Treinamento de Pais aplicado, que teve tanto
componentes do programa de Patterson (1974) como do programa de Forehand & MacMahon
(1981), já que ambos apresentam alguma similaridade entre si por terem se baseado, por
sua vez, no programa de Hanf & Kling (1973). Apresenta os objetivos de cada sessão, os
procedimentos adotados e as tarefas solicitadas para que os pais colocassem em prática
em casa, realizando registro da situação em formulários elaborados para tal fim.

Nobre C om p o rta m e nto e CotfnlÇclo 169


Tabela 3: Descrição do Programa de Orientação Comporta mental para Pais aplicado.

170 M a r i a I ul/ti M a r i n h o c h lw iflc s f erreira de M a t to s Silva re i


Tabela 3 (Cont.}: Descrição do Programa de Orientação Comportamental para Pais aplicado.

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Pais realizarem, em pequenos grupos, um plano de ação


para atuar frente a um comportamento infantil inadequado,
Tabela 3 (Cont.)-. Descrição do Programa de Orientação Comportamental para Pais aplicado.

seguindo os passos propostos no guia.


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Sobre C om p o rta m e nto e C o g n iç â o


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1 7 3
Além das informações descritas na Tabela 3, é importante destacar que durante os
dois primeiros meses da intervenção foram realizadas chamadas telefônicas, durante o
intervalo entre as sessões, para cada um dos membros, a fim de se verificar se estes
apresentavam dúvidas ou dificuldades na execução das tarefas. Além disso, foram reali­
zadas sessões com cada mãe ou casal individualmente, em horário distinto do das ses­
sões grupais, visando a discussão de aspectos relacionados especificamente a cada
caso (características comportamentais parentais e infantis, dificuldades encontradas nas
discussões e tarefas, dúvidas, entre outros).
Esse conjunto de estratégias (ter-se disponíveis bebidas e bolachas para consumo
pelos pais; as chamadas telefônicas semanais; as sessões individuais e o programa de
treinamento com número reduzido e prefixado de sessões) visava potencializar a coesão
e a participação dos membros e diminuir o índice de abandono do tratamento.
Ao final da 12a sessão de intervenção, foi aplicado o instrumento de avaliação In­
ventário de Satisfação do Consumidor (lEyberg & Boogs, 1989/ Além deste, as seguintes
avaliações dos comportamentos parentais e infantis foram aplicadas na semana anterior
ao início do tratamento, na semana imediatamente posterior ao término deste e no segui­
mento de 3 e de 9 meses: Child Behavior C/?edc//sf(Achenbach, 1991; 1997); Inventário
Beck de Depressão (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1982; Bordin, Mari & Caeiro, 1995);
Marital Adjustment Test (Farias, 1994) e filmagens das interações pais-criança. No entan­
to, como o presente trabalho tem seu foco no modelo de intervenção, não serão apresen­
tados dados numéricos relativos às avaliações aplicadas. 1
Para possibilitar a manutenção dos ganhos ao longo do tempo, dois meses após o
término das sessões de intervenção foi enviado pelo correio, para os membros dos gru­
pos, material impresso sob a forma de “Lembretes de Apoio", abordando sucintamente os
principais pontos discutidos durante a intervenção.

3.4. R e sulta dos e d is c u s s ã o

Embora os dados de avaliação disponíveis dos dois primeiros modelos de interven­


ção adotados não permitam uma análise mais objetiva da efetividade comparativa de cada
um deles, dados relativos aos índices de faltas e abandono do tratamento apontam para a
superioridade do terceiro modelo adotado.
Nesse terceiro modelo, os pais foram ensinados a observar e a descrever o com­
portamento da criança e a serem agentes mais efetivos de reforçamento, aumentando a
freqüência, a variedade e a extensão de suas recompensas sociais e reduzindo a fre­
qüência de comportamentos verbais concorrentes, como comandos, críticas e
questionamentos. Também foram ensinados a ignorar menores instâncias de comporta­
mento infantil inadequado.
Além disso, deu-se especial ênfase à troca de experiências entre os membros, ao
treino de habilidades através de role-playing e ao desempenho dessas habilidades na
situação natural, através da execução das tarefas em casa.
Dessa forma, as mudanças que o Programa de Treinamento buscou produzir no
comportamento parental relacionaram-se, principalmente, à emissão de estímulos
reforçadores aos comportamentos infantis considerados por eles como adequados e à
' Para maiores informações, ver: Marinho, 1999a.

174 Miiriii l.ui/d Marinho c Hdwi#c* Ferreira do Mattos Silv.irc*


retirada de atenção dos comportamentos inadequados que poderiam estar sendo manti­
dos por este tipo de reforço social.
Essa ênfase foi feita devido ao fato de que pais efetivos apresentam, em geral,
reforçamento contingente ao comportamento adequado da criança (Patterson, 1986;
Patterson & colaboradores, 1992) e isso mostrou ter grande efeito não só sobre o compor­
tamento infantil como também sobre a visão dos pais acerca de sua criança e, como
conseqüência, sobre a interação entre ambos (Marinho, 1999a; 1999b).
Assim, aprender a observar e a valorizar o que o filho faz de adequado mostrou
ser, para os dois últimos grupos estudados, uma potente estratégia terapêutica. A partir
de poucas sessões buscando desenvolver essas habilidades (discriminação e
reforçamento diferencial), observou-se que a percepção da maioria dos pais, em relação
à sua criança, mudou numa direção bastante favorável, conforme também relatado por
outros autores (McMahon, Forehand & Griest, 1981; Patterson, Dishion & Chamberlain,
1993; Marinho, 1999b).
Nesse sentido, os comentários positivos realizados pelas terapeutas e pelos ou­
tros membros do grupo em relação aos comportamentos infantis registrados pelos pais
parecem ter contribuído para mudar a percepção que estes tinham inicialmente de sua
criança. Quando, nas sessões, se ensina os pais a avaliarem positivamente mesmo os
comportamentos adequados aparentemente mais simples emitidos pela criança (como
escovar os dentes antes de dormir, ser atencioso, ser alegre, cooperar, etc.), eles deixam
de ver estas atitudes como se fossem “naturais" ou “obrigações", para as considerarem
méritos de sua criança, comportamentos adequados que ela aprendeu. Decorrente disso,
passam também a se perceberem como pais mais eficientes do que achavam que fossem
(Marinho, 1999a).
Essas mudanças na autopercepção e na percepção de aspectos do próprio ambi­
ente (no caso, do comportamento infantil), são objetivos importantes da intervenção psico­
lógica (Kanfer & Saslow, 1979), no sentido de que, como comportamento verbal, alteram a
relação do indivíduo com as contingências presentes em sua vida.
Além disso, como em todo processo psicoterápico conduzido sob os pressupos­
tos da Análise do Comportamento, buscou-se ensinar os pais a fazerem análise funcio­
nal tanto dos seus próprios comportamentos como dos comportamentos da criança e a
adotarem estratégias de solução de problemas que lhes poderiam ser úteis em situa­
ções futuras.
Um componente comum aos três modelos aplicados foi a inclusão de discussão de
temas de interesse dos pais, os quais recaíram principalmente sobre questões relaciona­
das à sexualidade e ao uso de drogas, indicando serem estes assuntos que as famílias
apresentam ainda grandes dificuldades em abordar com os filhos.
Somada às questões teóricas e técnicas discutidas acima, nos três modelos de
tratamento houve o relato pelos membros de terem experimentado satisfação elevada
com o tratamento adotado. Diversos autores têm avaliado este aspecto (Forehand, Wells,
& Griest, 1980; Calvert& McMahon, 1987; Furey & Basili, 1988; Webster-Stratton, 1989;
Tiedemann & Johnston, 1992; Ruma, Burke& Thompson, 1996) e segundo Eyberg(1993),
a satisfação com o programa pode afetar positivamente a manutenção subseqüente dos
ganhos e até mesmo implementar os seus efeitos. O nlvel de satisfação obtido pode ter
auxiliado na manutenção dos ganhos ao longo do tempo.

Sobre Comportamento c CopmvAo 175


4. Conclusão

Com base nos argumentos de alguns autores (Arcaro & Mejias, 1990; Silvares,
1996), em favor de se adequar os procedimentos de atuação em Psicologia Clinica às
características e às necessidades das populações assistidas pelos centros de atendi­
mento e de se buscar estratégias de intervenção que permitam superar a falta de recursos
humanos disponíveis, considera-se que o terceiro programa de intervenção adotado ó o
que apresenta maior relevância no contexto prático.
Em três meses de intervenção, com tempo despendido de duas sessões sema­
nais de 90 minutos de duração (uma para cada grupo), conseguiu-se ajudar 16 famílias,
sendo que 1 0 obtiveram os resultados esperados (criança avaliada pelos pais como
apresentando comportamento normal). Já sob intervenção individual, elas provavelmente
teriam que aguardar durante vários meses até que a primeira entrevista clínica fosse
realizada (Marinho, 1999a).
Assim, diante dos dados disponíveis, conclui-se que o terceiro programa aplicado
atendeu aos níveis de validação social propostos por Wolf (1978 apud Forehand & colabo­
radores, 1980):
a) seus objetivos específicos foram de encontro aos padrões de comportamento aceitos
socialmente sem, no entanto, desconsiderarem as idiossincrasias de cada família;
b) os participantes consideraram todos os procedimentos como sendo aceitáveis, embo­
ra alguns tenham experimentado dificuldades em implementar algumas estratégias
sugeridas;
c) a maioria das famílias (62,5%) obtiveram os resultados esperados em relação ao com­
portamento infantil e as demais relataram melhora nos problemas;
d) alguns membros relataram melhora na própria atuação em outros ambientes que não o
familiar (em especial, no trabalho) e com outras pessoas além da criança-alvo (com
outros filhos, com o cônjuge e/ou com colegas).
No entanto, esses dados não significam que a intervenção se encontre, já, em sua
forma ideal, senão que os seus fundamentos básicos (as habilidades a serem ensinadas
e as estratégias de intervenção) parecem efetivos na produção de resultados favoráveis.
O Programa carece, no entanto, que se descubram e se incluam componentes que
possam potencializar os resultados para clientelas específicas, como no caso de mães
insulares, já que, segundo diversos autores (Webster-Stratton, 1991; Kazdin, 1991,1994;
Kazdin & Mazurick, 1994; Serketich & Dumas, 1996), essa variável influi negativamente
sobre a magnitude da mudança terapêutica e sobre a manutenção dos ganhos ao longo
do tempo.
Assim, como dito acima, considerando-se que o programa está apenas em sua
forma inicial, devendo ser melhorado através de novos estudos, considera-se que a busca
de uma proposta de intervenção adaptada às características da clientela que procura por
atendimento infantil nas cllnicas^scola brasileiras está num caminho bastante promissor.

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178 M .iriH I ui/ii M a r i n h o c h lw itfc s ferrcir.i dc M a t to s Silv<irrs


Capítulo 22

A fantasia infantil na prática clínica para


diagnóstico e mudança comportamental
fâídeA. Cy. Regra
L/ML -L/SP

O Behaviorismo Radical incorpora os eventos privados, pois considera que, mais


importante que a concordância pública sobre os eventos, está a identificação de variáveis
que possibilitem a previsão e controle dos fenômenos comportamentais. Tais eventos são
considerados relevantes e devem fazer parte da análise do comportamento mesmo que de
forma inferencial (Skinner, 1982). Desse modo, o relato verbal dos comportamentos enco­
bertos, como pensamentos, sentimentos, sonhos e fantasias, embora considerado um
outro comportamento da mesma classe de respostas dos encobertos, nos conduz a
inferências a respeito dos eventos privados.
O Behaviorismo Radical preocupa-se com perguntas e respostas que nos ajudem a
entender o que acontece a nossa volta (Baum, 1994).
Transpondo para a prática clinica, observamos que determinados tipos de per­
guntas favorecem a compreensão, tanto do terapeuta como do cliente, sobre o desen­
volvimento de determinados padrões de comportamento e facilita a identificação de
tipos de intervenção mais efetivas em produzir as mudanças de comportamento dese­
jadas pelo cliente.
O questionamento sobre o relato verbal do cliente pode ser considerado um dos
aspectos mais relevantes do processo porque tem uma dupla função:

Sobre Comportamento víCognlçAo 179


1 ) avaliativa - uma vez que leva o terapeuta a identificar a formação de conceitos que
ocorre através de situações experienciadas pela criança em sua história de vida; os
comportamentos sensíveis às contingências e as possíveis regras que governam os
comportamentos das personagens da história (supõe-se que muitos desses conceitos
e regras fazem parte da história de vida da criança).
2 ) interventiva - muitas das questões têm objetivo de produzir a emergência de relações

condicionais, de modo a alterar ou quebrar “conceitos” e "regras" substituindo-os por


novos. Uma regra, em determinadas situações, poderia ser vista como um conceito
classificador, ou seja, aquele que nomeia uma classe ampla de estímulos; esta regra,
ao especificar uma classe de estímulos, pode funcionar como contexto e colocar sob
seu controle uma classe de respostas "disfuncionais" (aquelas em que as conseqüên­
cias são aversivas a curto e longo prazo para o indivíduo e/ou para as pessoas inseridas
em seu meio).
Quebrar as regras alterando classes de estímulos tem se mostrado uma das em­
preitadas mais difíceis em terapia.
A literatura sobre equivalência de estímulos tem mostrado a dificuldade em mudar
as classes de equivalência, em laboratório (Pilgrim & Galizio,1990, Pilgrim, Chambers &
Galizio,1995; Saunders, Drake & Spradlin, 1999).
Na situação terapêutica, isso se torna mais difícil por várias razões:

1 ) enquanto as pesquisas de laboratório não nos apontam procedimentos eficazes para


alterar as classes de equivalência, deparamo-nos com o fenômeno e temos que lidar
com ele. Dessa forma, antecipamo-nos aos resultados de pesquisa, usando da expe­
riência terapêutica para tatear formas eficazes de auxiliar nossos clientes.
2 ) não temos no momento condições de elaborar procedimentos prévios como no labora­
tório; em muitas situações, contamos com o comportamento verbal do cliente para
levá-lo a estabelecer novas relações condicionais no momento em que o relato verbal
ocorre; precisamos nos treinar a fazer perguntas que levem o cliente a estabelecer
novas relações condicionais, de modo rápido, porque a dinâmica da interação terapeuta/
cliente não pode esperar.
O Behaviorismo Radical busca termos descritivos que sejam úteis para a compre­
ensão do comportamento e econômicos para explicá-lo. As descrições pragmáticas do
comportamento incluem seus fins e o contexto no qual ocorre. Para o behaviorista radical,
termos descritivos tanto explicam quanto definem o que é comportamento. Sentir e perce­
ber são eventos comportamentais. Ao considerar o sonhar e o imaginar como atos, permi­
te que tais questões sejam abordadas por um estudo cientifico (Baum, 1994).
Podemos concluir que o Behaviorismo Radical permite afirmar que o uso da fanta­
sia na prática clínica pode ser abordado como estudo científico quando descreve e explica
o comportamento (englobando comportamento verbal e não-verbal e o sentir e o perceber)
conduzindo à compreensão do fenômeno de maneira econômica.
Os estudos de laboratório fundamentam e dão suporte ao trabalho clínico. Houve
grande evolução na análise do comportamento humano complexo nos últimos setenta
anos. Um grande desenvolvimento ocorreu com os estudos sobre comportamento contro­
lado por regra. Os estudos de equivalência de estímulo parecem ter colaborado para a
solução dos problemas envolvidos nos estudos da cogniçâo.

180 A. C/. R f^ rd
Com este avanço na área, passou-se a fazer distinção entre comportamento mode­
lado pelas contingências e comportamento governado por regras.
Proliferaram estudos como os de Mathews, Shimoff, Catania e Sagvolden (1977)
mostrando que as instruções facilitam as respostas, mas estas respostas podem tornar-
se insensíveis às mudanças nas contingências.
Em 1979, Galizio observou que a insensibilidade às contingências persistiam
quando não havia custo para o sujeito ao seguir uma instrução, mas se fossem
introduzidas penalidades, ocorria uma redução abrupta em seguir instruções. Quando
os sujeitos estavam em contato direto com as penalidades, então se mostravam sensí­
veis às contingências.
Interessados no padrão especifico de respostas que ocorrem como função de ins­
truções acuradas, Shimoff, Catania e Mathews (1981) encontraram insensibilidade a dife­
rentes contingências experimentais, mas desenvolveram sensibilidade aos diferentes es­
quemas de contingências quando as respostas dos sujeitos foram modeladas. Quando os
sujeitos eram modelados a descrever desempenhos e não as contingências, ocorreu uma
correspondência entre o dizer e o fazer.
Em 1986, Shimoff, Mathews e Catania concluem que mesmo quando os sujeitos
mostram sensibilidade a mudanças nas contingências experimentais, isto pode ser ilusó­
rio, pois a resposta pode ser governada por regra. Observaram ainda, que se os sujeitos
são modelados a responder e não instruídos, ocorre maior sensibilidade às contingências.
Daí supormos que as perguntas na prática clínica favorecem a modelagem do comporta­
mento verbal e criam condições para o estabelecimento de relações condicionais.
O uso da fantasia na prática clínica tem se mostrado útil tanto para avaliação como
para o processo de intervenção e pode ilustrar como as propostas do Behaviorismo Radi­
cal puderam favorecer a análise do comportamento complexo, a identificação de possíveis
variáveis que controlam o comportamento e de formas de intervenção mais eficazes.
A descrição da história feita por uma criança (C) de oito anos de idade, com queixa
de comportamento agressivo na escola, com os colegas e falta de limites em casa, não
atendendo às solicitações, auxilia a descrição dos comportamentos envolvidos no pro­
cesso terapêutico.
Foi solicitado pelo terapeuta que a criança fizesse um desenho livre.
Desenho livre: Sem título (a criança desenha um homem saindo de um bueiro no meio da
rua e atacando outro homem).
(C) Um dia tava andando um homem na rua assim, e tinha um carinha do mau escondido
embaixo do bueiro. Levantou a tampa, pegou o sprayzinho dele, atirou no homem e o
homem ah! morreu. Pronto. Veio a polícia pra cata o homem e a ambulância pra socorrer
o homem. O homem (do mal) se escondeu debaixo do bueiro e saiu andando pelo esgoto,
pela calçada do lado do esgoto, pra fugir. E pronto acabou!
Após terminada a história, a etapa que se segue é de questionamento.
Exemplos de questões que podem produzir respostas que favorecem a análise do
comportamento e facilitam a sua compreensão, procurando exemplificar como podemos
utilizar os estudos de laboratório na prática clínica.

Sobre Comporl.imcnto oCoflniçcko 181


1. (T) Por que ele atirou spray no homem?
2. (C) Porque ele é do mal.
3. (T) Porque ele é do mal?
4. (C) Porque ele quer ser do mal.
5. (T) Mas ninguém quer ser do mal... ele deve estar com raiva de alguma coisa.
(Aqui (T) parte de uma afirmação que induz um conceito e procura investigar possí­
veis sentimentos de raiva. Teria sido mais adequado perguntar porque ele quer ser do
mal).
6 . (C) Não. Ele quer. Ele acha que a vida do mal é melhor do que do bem.
(É interessante observar que (C) discorda de (T) mesmo sendo induzido, e oferece
mais elementos nessa resposta).
7. (T) Em que ele acha que é melhor?
(Agora (T) faz a pergunta que deixou escapar).
8. (C) Porque ele acha.
9. (T) Em quô?
10. (C) Em nada. Mas ele acha. Ele acha que...
11. (T) Quô?
12. (C)É melhor.
13. (T) Tem que comparar. O que será que ele comparou que não foi bom no bem, que ele
não gosta.
(Ocorre uma dica verbal para (C) fazer comparações: “ser do bem" e "ser do mal": o
que ó bom e o que não é bom em cada um).
14 (C) Porque no bem não gosta de trabalhar. Ninguém gosta de trabalhar. Queria ganhar
dinheiro sem trabalhar. Ele mata as pessoas e pega dinheiro delas.
15. (T) Esse que matou pegou dinheiro?
(Procura-se seguir a nova pista verbal fornecida pela criança).
16. (C) Esse não, porque a polícia veio, mas às vezes quando mata pega dinheiro.
(É introduzido por (C) a descrição de comportamento com sua finalidade: "matar para
roubar" porque desta forma não precisa trabalhar e portanto não precisa fazer o que
não gosta).
17. (T) E por que ele não pega dinheiro sem matar?
(Procura-se quebrar a classe de resposta "matar e pegar dinheiro” em duas classes:
"pegar dinheiro" e "matar" para poder compreender o efeito atribuído pela criança para
cada ciasse separada).
18. (C) Porque ele não quer.
(É colocado o sentimento de não querer. Falta compreender porque não quer).
19. (T) E por que ele não quer?
20. (C) Porque ele não quer.
21. (T) Argumentos. Por que será que ele não quer só tirar dinheiro e não matar?
(Em sessões anteriores, quando (C) respondia perguntas dizendo "porque sim" (T)
ensinava sempre argumentar frente a uma pergunta para não ficar sem resposta. A
palavra "Argumentos" passa a ter a função de bloquear esquivas de respostas).
22. (C) Ele acha que as pessoas não vão deixar. Aí ele mata escondido e pega depois.
(É explicado pela criança a função que ela vô no comportamento de matar: mortas,
elas não podem impedir. Mata escondido talvez para não dar chance do outro revidar
e também para não ser punido depois).
23. (T) Ele já foi do bem?

182 l>iidr A . Q. Rcflw


(É investigado outra pista: ainda não comparou com o "ser do bem”).
24. (C) Não.
25. (T) Então como que ele sabe que não é bom?
(Este tipo de questão ô importante para estabelecer novas relações condicionais: se
ele não foi do bem, então como sabe que não é bom?).
26. (C) Porque ele já viu como as pessoas do bem fazem pra ganhar dinheiro.
(Ao invés de fazer a comparação solicitada (C) responde que aprendeu por observação).
27. (T) E se ele for preso? Ele já viu como ó ser preso?
(Ocorre uma pergunta com tentativa de (T) de levar (C) a efetuar comparações com a
conseqüência aversiva do comportamento de "roubar e matar”).
28. (C) Não.
29. (T) Ele já viu outros presos?
30. (C) Não.
(Ocorre uma esquiva da resposta e (T) procura outra pista).
31. (T) Com quem ele vive?
32. (C) Sozinho.
33. (T) Por quê?
34. (C) Porque ele gosta.
35. (T) Quem ele ama?
36. (C) Ninguém.

bem. Por que ele não ama ninguém?


(Há uma tentativa de levar (C) a estabelecer a seguinte relação: "se quem não ama
ninguém não sabe como é bom ser do bem, então quem não ama ninguém só pode
ser do mal”. Se (C) estabelece essa nova relação, supõe-se que seu comportamento
verbal de fazer comparações com "ser do bem" poderia ser mais facilmente modelado).
38. (C) Porque ele não gosta de amar ninguém.
39. (T) Ele já amou alguém?
40. (C) Não. Se ele OUDC0ÍQÍ dQjbem é porque ele nunca amou ninguém.
(Esta resposta fortalece a suposição de que a afirmação de (T) acima (37) favoreceu
a emergência da relação: le ele nunca foi do bem entèo nunca amou ninguém. Pela
primeira vez, ocorre o estabelecimento da relação: “amar e ser do bem" e "não amar

41. (T) Mas se ele nunca amou ninguém como pode não gostar se ele nunca experimentou?
(Esta pergunta pretende estabelecer uma comparação: "expfirimentQ.e-flQatQ ou não
yoslo” e não experimento e oâQ posso dizer que gosto ou não gosto” e cercar a
incoerência de: “não experimento e não gosto").
42. (C) Porque ele acha que é ruim.
43. (T) Por que será que ele acha que é ruim amar alguém?
(Se ele não se baseia em ter experimentado, então em que está se baseando para
afirmar isso?).
44. (C) Ah! Isso já é demais! (ri).
(Ocorre resposta de esquiva de responder ou fuga da pergunta).
45. (T) Mas você tá cada vez mais sabido pra responder! (ri)
(Elogios de (T) em relação às respostas de (C) funcionam como bloqueadores da
esquiva).
46. (C) Por que que ele acha que é ruim amar alguém?

Sobrr Comportamento c CotfniçÜo 183


(A pergunta é retomada por (C)).
47. (T) É. Eu tô fazendo pergunta difícil. Não é qualquer criança que consegue responder.
(Elogio das respostas de (C) e da habilidade em responder questões difíceis favore­
cem a emissão da resposta).
48. (C) Porquaôlfijacha qwe se ama alguém, apessoa não ama ele, YaLseriuirrLEie vai
querer ficar com apessoauaâpessQanàQ vai querer e é.ruime_e]^reíere-sei:dQma!
porJssQ.
(parecem emergir as seguintes relações:
*e ele.ama-alfluém e não 6 amado então é ruim:
se ele ama alguém ele quer ficar çoro.aj2fi55Qa. ©
se ele não é amado ela não vai querer ficar com ele, é ruim (por que vai sofrer? vai se
sentir rejeitado?)
então ele prefere ser do mal porque:
se for do mal então.oâfl ama ninguém e
se nás? ama.ninguém entÃo não vai ser ruim (não vai ser rejeitado?) e
(se não for rejeitado então não irá sofrer).
49. (T) Brilhante! Brilhante! Como você conseguiu pensar um negócio desse?
50. (C) Porque eu consegui, né!
51. (T) Então eu concluo que ele não é do mal, mas as pessoas que são más pra ele.
(Tentativa de estabelecer novas relações condicionais:
se as pessoas é que são más para ele então ele não é do mal:
se ele não é do mal então ele pode amar alguém:
se ele pode amar alguém entáo ele é do bem:
se e!e_é.dO bem então ele não será rejeitado:
se eJextUiâecâcar com quem gosta a pessoa também vai querer ficar com ele então
mais medo de sofrer?).
52. (C) Não. Ele acha que é assim: nunquinha ele foi do bem. Ele nasceu e ficou do mal,
(Recusa a conclusão de (T) e em seguida introduz o termo “ele acha" que é um
autoclítico que modifica a segunda parte da oração; “ele acha" indica que não tem
muita certeza sobre essa afirmação. Estará (C) iniciando uma alteração nessa clas­
se de resposta?).
53. (T) Então se "ele acha", é porque ele queria ficar com alguém, apessoa nâfiOUÍS. ele
sofreu e quis ser do mal.
(O termo "ele âCÍia" é reintroduzido por (T) procurando levar (C) a identificar outra
alternativa e assim alterar a classe de resposta anterior).
54. (C) Não, ele nasceu assim. Ele pensou: se eu quiser ficar com uma pessoa ela não
vai querer: vai ser chato. Então vou ser do mal. Foi isso que ele pensou.
(Não parece ter ocorrido nenhuma mudança. Ao ser mencionada a dúvida através do
termo "eu acho" (C) parece ter voltado ao conceito anterior de modo mais rigoroso.
Porém, continua a relação: se não for amado então vou ser do mal).
55. (T) E porque ele não pensou: se eu quiser ficar com uma pessoa, ela vai querer e vai
ser uma delicia...
(Descrição de um desempenho e conseqüência oposta como tentativa de alterar o
conceito).
56. (C) Ele não pensou isso.
(Não pensou nisso mas pode pensar agora; não houve negação do conceito).
57. (T) Por quê? (ele não pensou nisso).

184 Kililc A . C/. RctfM


58. (C) Porque ele bateu a cabeça (ri). Tô brincando. Ele pensou nisso, mas ele achou
que a maioria ia ... não ia querer ser amigo dele. Mas por quê?
(A resposta de (C) parece dizer que "deveria ter pensado nisso mas só não pensou
porque bateu a cabeça. Em seguida, afirma que pensou mas "achou” que a "maioria”
não ia querer ser amigo dele. Introduz novamente o autoclltico "achou" mostrando
dúvida pela afirmação. O termo "maioria" refere-se a "muitos, mas não todos’7alguém
poderia querer ser amigo dele). Esta resposta verbal aponta para mudança no concei­
to. A própria criança, habituada às perguntas, passa a formular-se questões:" Mas
por quô?"
59. (T)É, por que será?
60. (C) Porquê? Porquê? Porquê?
(Nova tentativa de esquiva ou ampliação do tempo para pensar numa resposta)
61. (T) Tô admirada de ver como seu raciocínio ó interessante! Por que será que ele
pensou que a maioria não queria ser amigo dele?
(Habituada com esquivas anteriores (T) usa mesmo procedimento para bloquear es­
quiva: elogia e repete pergunta).
62. (C) Não queria ser (amigo dele) porque... ele é diferente das outras pessoas. Você vai
falar: que que tem de diferente? É sempre assim (ri)... (risos do terapeuta). Falo ou
não precisa?
(Aumentam o número de perguntas que (C) se antecipa ao terapeuta. (C) supõe que
ele é diferente das outras pessoas e so é diferente então não querem ser amigo dele:
é possível ter aparecido outra classe de estímulos - “ ser diferente dos outros" - ou
então, um outro membro da mesma classe).
63. (T) Além de esperto você já advinha o que eu vou perguntar.
(Valorização do comportamento de antecipar perguntas).
64. (C) Eu leio pensamento. Olha a diferença (aponta o desenho): tem cabeça quadrada.
É vesgo. É verde.
(Ao estabelecer as diferenças parece se esquivar do mencionar uma cor diferente.
Como a criança é de cor morena escura, procurou-se iniciar com perguntas sobre cor).
65. (T) Ele tem a cor diferente dos outros?
6 6 . (C) (faz olho vesgo) Tem cabelo empinadinho que nem o fio do meio do cebolinha.
(Omite resposta sobre cor e volta no olho vesgo e acrescenta características do
cabelo).
67. (T) Mas se ele descobrir que as pessoas gostam do lado meigo dele e não das
aparências, ele vai conseguir amar.
(Tentativa de separar a classe de estímulos:
“ meigo/do bem/ama pessoas querem ser amigas", em contraposição à classe
de estímulos:
“ cabeça quadrada/vesgo/cabelo em pinadlnho/náo ama pessoas não que­
rem ser amigas” ).
6 8 . (C) Mas ele não sentiu isso.

(Parece que foi iniciada uma modelagem do comportamento verbal) (C) parou de
negar o novo conceito. É interessante a verbalização de (C): "mas" é um autoclítico
que é colocado em continuação à fala de (T): hipótese de possível estabelecimento
da relação:
“se ele descobrir que as pessoas gostam do lado meigo dele entôo vai conseguir
amar”...

Sobre Comportamento eCoflníçüo 185


69. (T) Ainda não.
70. (C) É. Ainda não, pelo menos...
(parece concordar que não sentiu isso, mas que poderá vir a sentir).
71. (T) Adorei suas idéias!
72. (C) Cabô, cabô!
73. (T) Que sofrimento hoje! (risos)
74. (C) E como! (risos).
(A resposta de (T-69) procura levar (C) a identificar uma seqüência: estabelecimento
de um conceito e depois "sentir" de acordo com o conceito.

cricão do conceito ou regra".


Para o terapeuta, a seqüência poderia ser:
1 ) formação de conceito através da modelagem de respostas verbais para estabeleci­
mento de novas relações condicionais:
2 ) testar o novo conceito no ambiente natural mudando a classe de resposta frente à

mesma classe de estímulos. Isso permitiria que o comportamento ficasse sensível às


contingências e o conceito classificador em vigor estaria em consonância com essas
contingências).
O Behaviorismo Radical permite afirmar que essas práticas clínicas se preocupam
com a descrição do comportamento através da micro análise para possibilitar a compre­
ensão do comportamento inserido num contexto, levando em conta as variáveis
controladoras. Dessa forma, procura-se a explicação mais parcimoniosa.

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186 l.iídc A . C/. R c # rj


Capítulo 23

Intervenção grupai junto a famílias


do divórcio
Carmen Garcia de Almeida Moraes'
Silvia Cristianc Mura ri*
U H -P R

Uma análise de questões relativas ao desenvolvimento humano realizada por psicó­


logos e terapeutas tem apontado o divórcio como um evento estressor que costuma acar­
retar sérias dificuldades.
Na opinião de Tschann (1989), o divórcio envolve muitas mudanças estressantes
nos relacionamentos familiares que, tanto a curto quanto a longo prazos, podem afetar o
ajustamento das crianças e talvez alterem o curso de seu desenvolvimento. O bem-estar
emocional das crianças e sua adaptação social são os aspectos mais afetados pela
experiência do divórcio. Alguns dos principais estressores identificados são o conflito
conjugal tanto antes como após o divórcio; o relacionamento problemático com um ou
ambos os pais; e a perda de contato com um dos genitores, usualmente o pai. Na opinião
de alguns pesquisadores, as crianças costumam responder a estas experiências
estressantes de maneiras diferentes, dependendo de suas características individuais.
Dados obtidos no IBGE (1996), mostrando que o número de separações vem au­
mentando, associado ao levantamento de literatura que aponta a separação conjugal como
uma questão de interesse social, dadas as conseqüências dela decorrentes, tem mostra­
do a necessidade de pesquisas e intervenções terapêuticas que visem prevenir danos
emocionais nas pessoas envolvidas.
Na opinião de Skinner (1974), as pessoas respondem diferentemente aos eventos
ambientais aos quais estão expostas, de acordo com sua história ontogenética. Em seus

' Pôs-doutoraumPsicologiaClinicaePesquisadora
* Especialista emPslcoterapia Infantil.
Docente»doDepartamontodePsicologiaGeral eAnálisedoComportamento.

Sobre Comport.immto c CoRnltfo 187


estudos, Costa e colaboradores (1992) têm constatado que filhos de país separados po­
dem desenvolver tanto sintomas corporais como dores de cabeça, falta de apetite, vômi­
tos, febre, quanto problemas de conduta social (relacionamento e dificuldades escolares).
Em sua análise dos efeitos dos conflitos conjugais sobre os filhos, Emery (1982) aponta
para um grande número de desajustamentos destes, no que se refere a desordens de
comportamento, incluindo agressão e ansiedade.
Autores, como Teyber e Hoffman (1987), enfatizam que os filhos do divórcio sofrem
social, emocional e intelectualmente quando seus pais não estão ativamente envolvidos
com o seu papel. Eles parecem culpar-se pela partida deles e sofrem uma perda violenta
de autoestima e iniciativa, perda esta refletida na depressão, desempenho acadêmico
pobre e falhas nos relacionamentos com os companheiros. Conforme observaram esses
autores, os filhos do divórcio melhor ajustados são os que têm freqüentemente acesso,
sem conflito, ao pai e à mãe.
Nessa mesma linha de raciocínio, Giusti (1987) considera os filhos como o ponto
mais frágil do sistema familiar, sobre os quais recaem sempre as tensões; eles registram
tudo e se responsabilizam por tudo. Por essa razão, a seu ver, estes devem receber por
parte de pai e mãe, após a separação, um fluxo contínuo de amor, de interesse, de forma
segura e ininterrupta, para que tenham condições de superar a crise familiar de maneira
equilibrada.
Ao investigar a percepção dos pais sobre o ajustamento dos filhos ao processo de
separação Moraes (1989) encontrou sentimentos negativos, tais como: a ansiedade, a
insegurança, o medo, a tristeza, a depressão e o isolamento entre outros. Na opinião de
Maldonado (1987), o que contribui em muito para a exacerbação das dificuldades apre­
sentadas pelos filhos é a postura dos pais, quando omitem os acontecimentos, ao invés
de informarem abertamente sobre os fatos. Essa autora enfatiza que as crianças são
muito mais sensíveis e perspicazes do que a maioria das pessoas costuma supor, pois
percebem claramente o clima de tensão e mal-estar das etapas finais de um casamento
ou das épocas de crises e dificuldades.
Após a exposição dos efeitos da separação sobre os filhos, serão apresentadas
algumas considerações sobre a influência de intervenções grupais sobre o ajustamento
deles. Dentre os mecanismos que exercem funções terapêuticas, cabe destacar a univer­
salidade de sentimentos, que, na opinião de Vinogradov(1992), acarreta alívio, na medida
em que os participantes do grupo percebem que não são os únicos a terem um problema
como o seu. Em uma análise dos efeitos da participação em grupos, Kaslow e Schuwartz
(1995) enfatizam que para as crianças da mesma faixa etária, a referida participação
parece ser com freqüência muito útil, na medida em que conseguem tanto apoio, solidari­
edade e simpatia umas das outras, quanto dos líderes de grupo ou facilitadores. Para
eles, as crianças podem querer e precisar de um "porto seguro" onde expressar sua
confusão, raiva, ansiedade sobre o futuro, medo de sofrer mais abandono ou de falar sobre
seus sentimentos.
Os estudos sobre aconselhamento de pais e filhos de lares desfeitos (Kessler,
1976; Magid, 1977; Hammond, 1981 e Wallerstein, 1983) mostraram que se de um lado
há diversidade entre eles quanto a objetivos e estratégias, de outro, há elementos co­
muns, os quais merecem ser destacados. Entre os elementos de superposição nos diver­
sos estudos, encontram-se:

188 Ctirmcn C/arela dc Almeid«i Moraes e Silvia Crlslwnc Muran


1) favorecimento de expressão dos sentimentos em relação ao divórcio dos pais;
2) a promoção de uma comunicação de melhor qualidade entre pais e filhos;
3) o desenvolvimento de habilidades no sentido de a criança ter uma visão mais realista
do divórcio e criar novos amigos.
A constatação da existência de diferentes maneiras dos filhos de lidar com a sepa­
ração, bem como da realização bem-sucedida de alguns trabalhos em grupo, nos propor­
cionaram a formulação de uma proposta de intervenção grupai que pudesse favorecer a
adaptação infantil ao processo de separação conjugal.
A presente pesquisa teve os seguintes objetivos:
1) Detectar a existência de comportamentos-problema no repertório de um grupo de pais
separados e seus filhos, através de instrumentos de avaliação comportamental.
2) Criar condições para a realização de análises funcionais que possibilitassem a ocor­
rência de mudanças comportamentais, através de estratégias de intervenção clínica.
3) Identificar as mudanças comportamentais ocorridas no repertório de pais e filhos após
a intervenção.
4) Verificar a eficácia de estratégias utilizadas nas intervenções isoladas e conjuntas
com pais separados e seus filhos, visando o ajustamento destes.

1. Metodologia
1.1. Local
As intervenções grupais semanais foram realizadas na Clínica Psicológica da Uni­
versidade Estadual de Londrina.

1.2. População~A lvo


A população envolvida consistiu de três pais (duas mães e um pai) e quatro crian­
ças (uma menina e três meninos), cuja faixa etária variou entre 33 e 40 anos e 7 a 12 anos,
respectivamente.

2. Recursos utilizados

2.1. H um anos
Urna coordenadora, uma estagiária (bolsista PIBIC-CNPq/UEL) e uma psicóloga
voluntária.

2.2. M a te ria is

- Colchonetes, papel jornal, sulfite, lápis colorido e de nQ2, giz de cera, livro de histórias,
cola, tesoura, canetinha e brinquedos.
- Material bibliográfico para planejamento de estratégias utilizadas nos encontros.
- Instrumentos de Avaliação Comportamental:
O primeiro instrumento a ser aplicado nas crianças foi o questionário de Auto-
Conceito (apud Moraes, 1997), composto de 80 sentenças, através das quais foram obti­
das informações que mostraram como estas se sentiam em relação a si mesma. As

Sobre C o m p o rta m e nto e C o gn ivtlo 1 8 9


sentenças contidas no questionário contemplaram a autopercepçâo sobre aspectos rela­
tivos a comportamentos, nível intelectual, aparência física, ansiedade popularidade e feli­
cidade.
O instrumento CBCL (apud Moraes, 1997), , aplicado nos pais era composto de
questões que investigavam a competência social, comportamentos internalizantes (isola­
mento, queixas somáticas, ansiedade/depressão) e comportamentos extemalizantes (com­
portamentos delinqüentes e agressivos).
Outro instrumento aplicado aos pais foi o Walker Checklist (apud Moraes, 1997),
composto de 113 questões que tinham por objetivo a investigação de comportamentos-
problema, tais como: impulsividade, dificuldades de relacionamento e imaturidade.

3. Procedimento

Inicialmente foi realizada a divulgação do trabalho através de meios de comunica­


ção de massa e em escolas. As pessoas interessadas passaram por um processo de
triagem no Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Estadual de Londrina, onde o
trabalho foi realizado. As entrevistas de triagem foram conduzidas por um roteiro de ques­
tões que abordaram aspectos do relacionamento familiar, social e acadêmico dos filhos e
condições de saúde à época da separação e a referente ao momento da entrevista (apud
MORAES, 1997).
Após a realização das triagens, foi efetuada uma seleção das crianças que pode­
riam se beneficiar do atendimento oferecido. As que apresentaram outros tipos de neces­
sidades foram devidamente encaminhadas. Os sujeitos selecionados juntamente com
seus pais foram submetidos aos instrumentos de avaliação comportamental.
O trabalho teve a duração de quatro meses, num total de 16 encontros semanais
com a duração de aproximadamente uma hora e trinta minutos cada um. Para as interven­
ções, foram utilizadas técnicas de dinâmica de grupo e lúdicas (pintura, desenho, mode­
lagem, teatro), que favoreceram a compreensão e a expressão de sentimentos e emoções
relativas ao processo de separação vivenciado. Foram utilizadas também estratégias para
tomadas de decisão e aplicadas técnicas de relaxamento, dentre outras, com o objetivo
de aliviar-lhes o estresse e a tensão experimentadas.
Concomitante aos encontros com os sujeitos, foram realizados quatro encontros
de orientação aos pais, com o objetivo de identificar as dificuldades de relacionamento
encontradas, bem como levantar estratégias que pudessem beneficiá-los na educação de
seus filhos.
Os dados obtidos foram analisados quantitativamente através da tabulação e com­
paração entre os resultados obtidos nos diferentes instrumentos de avaliação utilizados
para a identificação de comportamentos-problema em situações de pró e pós-intervenção.
A análise dos dados obtidos na situação de pré-intervenção foi utilizada para subsidiar os
procedimentos adotados nos encontros grupais semanais realizados com os sujeitos. As
avaliações de pós-intervenção serviram como feedback à atuação dos terapeutas, à veri­
ficação da efetividade das estratégias adotadas, bem como à relevância do trabalho reali­
zado.

190 Carmen C/arcia de Almeida Moraes e Silvia Criitiane Murari


4. Resultados
A título de ilustração, serão apresentados alguns dos resultados obtidos na pesquisa.

Tabala I - Distribuição dos escores obtidos em cada conjunto de itens do questionário de Auto-Conceito.

Médias Escore Escore


Conjunto do itens Pré teste Pós teste Mínimo Máximo

Conjunto de Itens 10.0 10.5 5 16


Comportamento 10.5 11.75 4 17
Nlvel Intelectual e Escolar 10.75 9.25 1 13
Aparência Física 8.75 11.5 1 14
Ansiedade 8.5 9.25 4 14
Popularidade 7.75 7.0 3 11
Felicidade 56.25 59.25 21 78
Total

Os dados apresentados na tabela 1 mostram que, quando comparados os escores


dos sujeitos nas avaliações pré e pós-intervenção percebe-se que na maioria dos conjun­
tos de itens, estes apresentaram médias mais próximas dos escores máximos (que ca­
racterizam a adequação dos comportamentos envolvidos em cada conjunto de itens) na
avaliação de pós-intervenção.
A visualização dos dados desta tabela mostra ainda ter ocorrido um aumento dos
escores em 4 dos 6 itens, com exceção dos itens aparência física e felicidade. Em rela­
ção a isso, os sujeitos podem ter apresentado uma redução nestes escores, em função
de dois deles estarem ingressando na adolescência, fase esta em que costumam ocorrer
insatisfações com o corpo, em função das mudanças hormonais sofridas. Quanto à redu­
ção dos escores no conjunto de itens relativos à felicidade, acreditamos possa ter ocorri­
do em virtude das reflexões no grupo terem propiciado o questionamento sobre sua condi­
ção atual de vida e ainda pelos conflitos em relação à custódia, enfrentados por uma dupla
de irmãos, os quais foram expressos em diferentes momentos durante as intervenções
grupais realizadas.
O aumento obtido nos escores totais, quando comparadas as duas situações de
avaliação, revela ganhos no auto-conceito pelos sujeitos e parece apontar para a efetividade
da intervenção realizada.____________________________________ ____________________
Média de Escores

N Conjunto de itens Pré teste Pôs teste


T. Isolamento 58.5 52.0
Queixas Somáticas 61.0 57.25
Ansiedade / Depressão 56.75 57.5
E
X Comportamento Delinqüente 57 5 58.5
T. Comportamento Agressivo 59.25 61.0
abaixo de 60 * nâo-cllnlcos

Tabela 2 - Distribuição dos escores globais dos sujeitos nas categorias de comportamentos
internalizantes e externalizantes do C B C L a partir da percepção dos pais.

Sobre Comportiwncnto eC'oflnlç3o 191


Pelos dados apresentados na tabela 2, pode*se visualizar que, na avaliação pré-
intervenção, apenas no conjunto de itens queixas somáticas referentes á categoria de
comportamentos internalizantes, os sujeitos foram considerados "clínicos" (escore 61.0,
o que indica a necessidade de tratamento), enquanto nos demais conjuntos de itens
estes foram considerados "não-clínicos“. É importante frisar que o processo de separação
costuma contribuir para o aparecimento ou a exacerbação de sintomas corporais infantis,
como dores de cabeça, falta de apetite, vômitos e febre, dentre outros, conforme foi salien­
tado por Costa e colaboradores (1992). Já na avaliação pós-intervenção apenas no conjun­
to de itens “comportamento agressivo" referentes à categoria de "comportamento
externalizante" os sujeitos foram considerados “clínicos" (escore 61.1). A presença de
comportamentos agressivos no repertório dos sujeitos pode indicar que o tempo de reali­
zação do trabalho (quatro meses) tenha sido insuficiente para que as habilidades desen­
volvidas pudessem ser adequadamente modeladas. Essa tabela mostra ainda que, nos
conjuntos de itens "isolamento" e "queixas somáticas", os sujeitos apresentaram uma
redução nos escores passando de 58.5 para 52.0 e 61.0 para 57.25, respectivamente,
sendo que, no item queixas somáticas, os sujeitos passaram de "clínicos" para "não-
cllnicos” quando comparadas as avaliações pré e pós-intervenção.

Tabela 3 - Distribuição dos escores globais obtidos pelos sujeitos nas avaliações de
pró e pós-intervenção no questionário de Identificação de
Comportamentos-Problema - Walker, a partir da percepção dos pais.

Média de Escores
Conjunto de itens Pré teste Pré teste

Impulsividade 13.25 5.75


Isolamento 0.0 0.0

Dispersividade 2.0 I.75


Dificuldade de Relacionamento 4.5 0.75
Imaturidade 3.25 I.75

A tabela 3 mostra que ao se comparar as avaliações de pró e pós-intervenção


verifica-se uma redução em todos os conjuntos de itens do Walker, demonstrando assim
a efetividade da intervenção realizada. O fato de não ter sido assinalado nenhum compor-
tamento-problema no conjunto de itens relativo ao "isolamento" pode estar relacionado a
uma provável dificuldade dos pais em responderem ao questionário. Pode-se ainda visualizar
nessa tabela que no conjunto de itens "impulsividade" ó que o grupo apresentou os esco­
res mais elevados (13.25), mostrando porém uma redução nos escores de pós-interven­
ção. Acredita-se que essa redução possa ser atribuída ao fato da intervenção grupai ter
focalizado questões como o estabelecimento de limites, respeito pelos outros e
assertividade.
Quanto às “dificuldades de relacionamentos" que foi o segundo conjunto de itens
nos quais os sujeitos apresentaram escores mais elevados, acredita-se que a sua redu­
ção seja devido ao fato de o grupo constituir-se em um espaço útil para o desenvolvimen­

192 Girmcn C/ürcMdc Almeida Momcj eSilvúi Crutuinc Mururi


to da autonomia, de habilidades de relacionamento interpessoal e reestruturação da
auto-estima. Na opinião de Vinagrodov e Yalon (1992), este constitui-se em uma "arena
interpessoal", em que as dificuldades são freqüentemente trazidas e passíveis de serem
trabalhadas.

5. Discussão

A separação conjugal é um processo estressante que costuma caracterizar-se por


diversas dificuldades experimentadas por filhos e seus pais, como foi salientado por diver­
sos autores, dentre eles, Moraes (1997) eTschann (1989).
Na presente pesquisa, a avaliação do repertório de comportamentos apresentados
pelos sujeitos através da utilização de diversos instrumentos, revelou que eles apresenta­
vam as seguintes dificuldades: perturbação emocional, queixas somáticas, dificuldades
de relacionamento, imaturidade, dificuldades quanto à aparência física e felicidade e pro­
blemas na escola. Vale destacar que algumas destas dificuldades também foram encon­
tradas na pesquisa realizada por Costa e colaboradores (1992).
A preocupação inicial foi a de estabelecer uma atmosfera de confiança que facili­
tasse a interação entre os membros do grupo, através do estabelecimento do rapport, ao
mesmo tempo em que permitisse desenvolver habilidades indispensáveis à convivência
grupai (união, paciência, compreensão, respeito).
A análise dos dados obtidos na situação de pré-intervenção permitiu o planejamen­
to de estratégias que facilitaram o desenvolvimento de habilidades de relacionamento
interpessoal, bem como a expressão de sentimentos e emoções relativas à vivência do
processo de separação, o que também foi constatado por Kaslow e Schwartz (1995).
É importante destacar que a família e a escola não têm propiciado condições para
que isso aconteça, uma vez que a ênfase parece ser sempre maior na expressão de
sentimentos negativos. Nos encontros com os pais pode-se notar suas dificuldades em
fornecerem modelos adequados aos filhos, no que se refere à expressividade emocional,
bem como quanto ao nível de exigência, algumas vezes, excessivamente alto, em relação
aos desempenhos dos filhos. Nesses encontros, foram também trabalhadas questões
relativas á custódia dos filhos e à colocação de limites, para os ex-cônjuges, no que se
refere à organização da rotina, como, por exemplo, dias e horários de visitas, etc.
Durante as intervenções com os filhos, pode-se detectar um desconhecimento por
parte destes, quanto aos motivos reais de separação dos pais, o que na opinião de
Maldonado (1987), deve ser evitado, através de uma conversa franca e honesta.
Vários foram os encontros destinados a trabalhar os conflitos remanescentes no
relacionamento familiar pós-separação e principalmente os relativos à falta do pai. Esses
dados vêem corroborar a opinião de Teyber e Hoffmann (1987), segundo os quais os filhos
do divórcio melhor ajustados são os que têm freqüentemente acesso, sem conflitos, a pai
e mãe.
O trabalho realizado mostrou, de um modo geral, que houve uma melhora na comu­
nicação entre pais e filhos, os quais passaram a conversar mais, ocorreu uma diminuição
na frequência das brigas entre os irmãos, tendo sido avaliada positivamente a experiência

Sobre Comportamento r Cognivdo 193


em grupo, o que parece estar de acordo corn a apreciação de outros autores (Kessler,
1976, Magid, 1977, Hammond, 1981 e Wallerstein, 1983), os quais conseguiram também
detectar diversas vantagens em intervenções desta natureza.
Finalmente, a intervenção realizada junto aos filhos e seus pais deixou-nos um
saldo bastante positivo, uma vez que os encontros, supervisões e seminários realizados
entre a equipe da pesquisa muito contribuíram para a compreensão e atuação profissional
junto a pessoas envolvidas no processo de separação conjugal.

Bibliografia

Costa, L. F. et al. (1992) Roorganizações Familiares: As possibilidades de saúde a partir da


separação conjugal. Psicologia Teoria e Pesquisa, vol.8. Brasília.
Emery, R. E. (1982) Interparemtal conflict and the children of discord and divorce. Pyschological
Bulletin. 92 (2).
Glusti, E. (1987) A arte de separar-se. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Hammond, I. M.(1981) Loss of the Family Unit: Counseling Groups to Help Kids. The Personne!
and Guidance Journal. 59 (6).
Kaslow, F. W. & Schwartz, L. L. (1995) As dinâmicas do divórcio. Campinas: Editorial Psy.
Kessler, S. (1976) Divorce adjustment groups. The Personne! and Guidance Journal. 54(5).
Maldonado, M. T. (1987) Casamento: Término e Reconstrução. Petrópolis: Vozes.
Moraes, C. G. de A. (1989) Separação Conjugal; Um estudo de possíveis causas e alguns
efeitos sobre um grupo de casais e filhos. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo.
___________(1997) Grupos de apoio a filhos de pais separados. Trabalho de Pós-Doutorado
apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Skinner, B. F. (1974) Sobre o Behaviorismo. Sâo Paulo: Cultrix.
Teyber, E. & Hoffman, C. D. (1987) Nissing Fathers. Psychology Today, (apr), 36-39.
Tschann, I. M. et. al. (1989) Family Process and children’s functioning during divorce. Journal of
marriage and the family, 51(2).
Vinogradov, S. & Yalom, I. (1992) Manual de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre: Artes Médicas.
Wallerstein J. S. (1983) Children of the divorce: The Psychologycal Tasks of the child. American
Journal of Orthopsychiatry.

194 Carmcn Qdrcld do Almeida Moraes eSilvia Cristianc Murari


Capítulo 24

Relato de sonhos: como utilizá-los na


prática da terapia comportamental
M tily D rfitti
/jlmrj/ôno dc Psico/offi.i f xpcnmcnt.il do f\/C V ’

Se o sonho é um desejo realizado o que é realizado? Há gratificação em um sonho


ou sonhar ó apenas uma forma de desejar? O sonho é consumatório?"(pág. 198). "O que
é o significado de um sonho além do significado que se encontra discutindo com um
analista? O valor da interpretação de sonhos está na interpretação e não no próprio so­
nho?" (Skinner, 1980).
Um dos aspectos enfatizados em minha formação em Análise do Comportamento
foi que as perguntas devem receber respostas baseadas em dados obtidos a partir de
investigação objetiva. Não posso responder às perguntas de Skinner com dados de pes­
quisa, mas a partir de minha experiência como terapeuta vou colocar alguns aspectos que
acredito serem importantes na prática da Terapia Comportamental.
Os clientes sonham e, na sessão terapêutica relatam ou dizem que querem relatar
seus sonhos. O que deve o terapeuta comportamental fazer? Ignorar tais comportamentos
verbais? Reforçá-los? Em que circunstâncias e de que maneira? É suficiente para o clini­
co considerá-los um evento verbal? Evidentemente a resposta a tais questões depende do
processo terapêutico, do referencial teórico e da decisão que cada terapeuta toma naque­
le contexto.
Em Terapia Comportamental, a ênfase na análise de relatos de sonhos tem sido
pequena, havendo poucos trabalhos publicados sobre o assunto. Uma pesquisa bibliográ­
fica nos jornais e revistas indexados nos últimos 15 anos, apontou dois artigos sobre o
tema: Freeman e Boyll (1992) e Callaghan (1996). No Brasil, Delitti (1988,1989) apresen­
tou em congressos em Londrina e Ribeirão Preto trabalhos sobre a utilidade clinica da
análise dos relatos de sonhos. Um outro trabalho (Guilhardi 1995) analisou também as­

Sobrc Comportdm enlo e Cojjmvtlo 195


pectos teóricos do relato de sonhos como um dos instrumentos que o Terapeuta pode
utilizar para conduzir o cliente ao autoconhecimento. Em sua análise o autor considerou
importante entender os sonhos como quaisquer outros relatos de comportamentos enco­
bertos e como um instrumento para auxiliar o cliente a chegar ao autoconhecimento,
A comunidade verbal é responsável pela modelagem e reforçamento deste padrão
de comportamento verbal durante a história de aprendizagem de cada indivíduo. Skinner
afirma que como a comunidade verbal não pode reforçar consistentemente as respostas
autodescritivas, as pessoas não aprendem a descrever (ou conhecer de outra maneira) os
eventos que ocorrem sob sua pele de modo tão objetivo e preciso como descrevem os
eventos do mundo externo.
No entanto, os comportamentos encobertos(eventos privados) são atividades de
um organismo. Por isso não devem ser considerados mentais, o que pressuporia a crença
em uma entidade chamada mente, o que não faz parte da proposta behaviorista. O com­
portamento ó uma interação, uma relação entre antecedentes e conseqüentes. Através da
análise funcional das contingências da vida do indivíduo, da vida da espécie e da vida do
grupo cultural ó que se pode criar condições de reaprendizagem e ampliação do repertório
de comportamentos do indivíduo.
Na prática clínica, é comum o terapeuta analisar relatos de encobertos. Mais que
isso, nossos clientes, no início da terapia, freqüentemente trazem do senso comum a
crença que seus problemas são causados por sentimentos, pensamentos, enfim, nossos
clientes vem nos procurar com a certeza de que seus encobertos são a causa de seus
comportamentos disfuncionais. Nesse sentido, uma tarefa importante do terapeuta é con­
seguir levar o cliente a discriminar como seus encobertos podem estar relacionados a
outros eventos abertos e/ou encobertos. Descobrir as contingências que mantêm os pa­
drões comportamentais é indispensável para planejar uma intervenção adequada e de­
pende da interação verbal entre cliente e terapeuta.
Para fazer uma análise das interações do terapeuta com o cliente justifica-se pro­
ceder à análise dos operantes verbais emitidos pelos mesmos no contexto da sessão.Os
comportamentos verbais dos clientes podem ser mandos (Skinner, 1957/ operantes ver­
bais que especificam seu reforçador e em relação a estes o terapeuta pode mais facil­
mente identificar qual a forma mais efetiva de comportamento que deve emitir. Na terapia,
o cliente emite com muita freqüência um outro tipo de comportamento verbal: tatos. Os
tatos são operantes verbais que ficam sob controle de estímulos privados e não especifi­
cam seu reforçador especifico. A aprendizagem do comportamento de relatar eventos
privados é mais difícil porque faltam os estímulos públicos confiáveis. "A dificuldade surge,
não da falta de estímulos discriminativos - públicos, privados, passados e presentes, mas
da falta de uma história de reforço para a discriminação entre um relato verbal e outro."
(Baum, 1998). O problema do terapeuta ao analisar os tatos do cliente está na dificuldade
de discriminação destes em relação aos seus próprios eventos privados. O terapeuta,
como alguém treinado em discriminações sutis (em relação ao seu próprio comportamen­
to ou ao comportamento do cliente), pode criar condições para que o cliente discrimine
raiva de medo ou culpa, isto é, para que o cliente entre em contato com os próprios
sentimentos, expressando-os através de tatos.
Na verdade, na sessão de terapia, a freqüência de tatos é muito maior que a de
mandos, o que dificulta a identificação das necessidades do cliente. A tarefa do terapeuta

196 Maly Dclith


ó identificar essas necessidades, as respostas inadequadas e modelar, durante a ses­
são e através de sua relação com o cliente, habilidades interpessoais mais efetivas para a
obtenção dos reforçadores que o cliente busca.
Considero que na prática clinica, entretanto, é útil analisar outros aspectos do
relato de sonhos além de entender aquisição ou os tipos de comportamento verbal. O
objetivo deste trabalho ó levantar algumas possibilidades de análise e utilização do relato
de sonhos na prática clínica, consistentes com os princípios do behaviorismo.
A partir da análise funcional dos relatos de sonhos, o terapeuta poderá ter acesso
à história pessoal do cliente e criar condições para que, a partir destes relatos, sejam
evocadas respostas emocionais do cliente na sessão, as quais podem ser modificadas
no contexto terapêutico. Sonhar é um evento privado, e o relato de um sonho é a descrição
(comportamento aberto) de um evento privado que ocorreu no passado. Segundo Baum
(1998), existem dois tipos de eventos privados: eventos de pensar e eventos de sentir. Os
eventos de pensar são, segundo este autor, diferentes dos eventos de sentir porque os
primeiros têm uma relação direta com a fala pública e os eventos de sentir não possuem
uma contrapartida pública. Ver uma árvore, sentir saudade ou alegria, sonhar são eventos
privados. Ver a árvore com os olhos abertos é semelhante ao ver a árvore com os olhos
fechados (dormindo ou não), entretanto, freqüentemente sabemos diferenciar estes dois
tipos de comportamento. Para Skinner, sonhar é ver na ausência da coisa vista. Vemos na
ausência da coisa vista porque aprendemos a ser capazes de emitir comportamentos que
foram ou serão reforçados subseqüentemente. Sonhar é um comportamento perceptivo e
a diferença entre o comportamento durante o sono e o estado de vigília está apenas na
diferença nas condições de controle, já que no sonho parece existir um controle menor
das contingências estabelecidas pelo ambiente verbal.
Os sonhos podem funcionar também como estímulos abstratos aos quais o cliente
responde em função de sua história de reforçamento verbal. Esses estímulos, por suas
qualidades complexas, criam oportunidade para a emissão de uma ampla classe de com­
portamentos verbais que poderão facilitar o acesso do terapeuta à história passada do
cliente. Por exemplo, uma adolescente relatou ter sonhado que seu pai lhe dava um
presente e ao relatar começa a chorar convulsivamente. A partir desse comportamento
(relato verbal e choro), pude levantar hipóteses acerca de seu relacionamento com o pai,
sua forma de demonstrar e receber afeto, que tipo de expressão afetiva era utilizada em
sua família e outras hipóteses relacionadas à situação.
Os sonhos podem eliciar fortes respostas emocionais. Durante o relato de um sonho,
uma variedade de eventos carregados de afetividade costumam ocorrer e o terapeuta precisa,
a partir de seu conhecimento do cliente e de suas hipótese clínicas, escolher a quais funções
do evento verbal vai responder, isto é, vai modelar ou reforçar a emissão do comportamento
verbal descritivo de emoções (se esta for uma dificuldade do cliente) ou, se for o caso, vai criar
condições para que o cliente aumente sua discriminação em relação aos próprios encober­
tos, e assim aumentar seu autoconhecimento. É importante salientar que nessa forma de
trabalhar os sonhos nunca são entendidos como símbolos de uma entidade interna, mas, no
máximo, como uma linguagem metafórica utilizada pelos indivíduos e, a partir desta, se faz a
análise funcional no contexto da relação do terapeuta com aquele cliente específico. Na
prática, trata-se de perguntar ao cliente o que ele acha de seu sonho, e a partir de sua
resposta traçar relações funcionais com outros padrões de comportamento (verbais ou não)
que o terapeuta já tenha identificado. O interesse do terapeuta comportamental não está no

Sol>rr Comportamento c Co^nl^o 197


que o cliente sonha, mas em como o que ele sonha se relaciona com o seu repertório
e seu contexto, e a análise do relato então pode ser entendida como uma sondagem verbal.
Pode acontecer de o cliente não saber relacionar seu sonho com seu contexto ou seus
padrões de comportamento? Embora, na minha experiência clínica, quase sempre os clien­
tes saibam analisar seus sonhos, pode ocorrer o contrário, isto ó, o cliente não consegue
relacionar seu sonho a outros fatos de seu contexto. Quando o cliente não consegue fazer a
relação, cabe ao terapeuta, com base em dados já obtidos em sessões anteriores, mostrar
ao cliente que tipo de análise contextual pode ser feita. Essa necessidade de dados objetivos
para relacionar os relatos de sonhos a outros padrões de comportamento do cliente faz com
que estes relatos sejam úteis apenas a partir do momento que o terapeuta já conhece bem o
cliente, ou seja, dificilmente podemos analisar um relato de sonho na primeira sessão. Há
ainda a possibilidade de o cliente dizer que não consegue relacionar seu sonho aos outros
padrões comportamentais e o terapeuta também não conseguir. Nesse caso, o terapeuta
deve deixar claro para o cliente que não sabe ou ainda não tem dados suficientes para traçar
relações funcionais entre os relatos de sonhos e outros padrões de seu repertório. Nessa
situação, pode ser interessante observar como o cliente reage ao comportamento do terapeuta:
fica frustrado? Com raiva? Confronta? O padrão de interação terapêutica pode ser analisado
e entendido como uma possível amostra de como o cliente se relaciona em sua vida cotidia­
na e, portanto, a interação verbal terá sido útil para o processo terapêutico.
Um outro aspecto a ser considerado diz respeito à função que os relatos adquirem na
sessão. Em uma situação aversiva, por exemplo, quando um assunto traz fortes respostas
emocionais, o cliente pode relatar um sonho. Se o terapeuta, que quase sempre fica sob
controle das contingências da sessão, mudar o assunto, poderá reforçar este comportamen­
to e o cliente, quando se sentir ansioso, usará do relato de sonhos como comportamento de
fuga/esquiva. Além disso, se o cliente discrimina que seu terapeuta se interessa por seus
relatos de sonhos, poderá emitir mais freqüentemente este padrão para obter atenção ou
reforçamento.
Para ilustrar como entendo o uso do relato de sonhos na prática clínica comportamental,
vou apresentar alguns sonhos de clientes e como estes foram analisados pela dupla cliente
- terapeuta. Gostaria de enfatizar que sempre que ocorre um relato de sonho minhas pergun­
tas para o cliente são: Como você relaciona este sonho com o seu momento de vida?
Por que você resolveu relatá-lo nesta sessão? Com essas questões, estou criando
oportunidades de auto-observação e discriminação de funções comportamentais que podem
estar atuando sem serem analisadas no contexto de vida do cliente.
Cliente V - adolescente, sexo feminino, 15 anos, veio para terapia porque havia
acabado de mudar de escola devido a problemas de relacionamento. Sentia-se inferiorizada,
tímida, incapaz de fazer amigos e relatava detestar o seu “jeito de ser”.
Sonho - "Eu ia andando sozinha pelo corredor da X (escola antiga). Eu estava nua,
enrolada em uma toalha de banho. De repente o corredor se transformou no corredor da Y
(escola atual), onde estou agora. Eu andava e ia abrindo e fechando a toalha e todos me
viam nua, mas eu não me chateava."
As perguntas que eu fiz: o que este sonho tem a ver com você neste momento?
Como se sente ao falar dele para mim?
A relação que foi estabelecida por ela entre o relato e seu contexto atual foi:
"aquela situação horrorosa da escola anterior me fazia fugir sempre, ficar me escondendo

198 Miily Dchltl


como eu fazia lá. Agora eu percebo que a gente vai falando aqui e eu começo a me
mostrar mais, parece que tenho mais coragem de tirar minha toalha cada vez mais e me
sinto bem com isso.”
A análise teórica mostra que a situação aversiva controlava um comportamento de
esquiva: ela se retraia, não se mostrava, não se expunha às novas contingências. Na situa­
ção terapêutica, quando relatou seu sonho, ela se expunha ("tirava a toalha”) e entrou em
contato com novas contingências, as da sessão. A partir desta sessão, ela começou a
perceber que podia se mostrar, se expor, sem ser punida, que estava em outra situação. Ou
seja, com esse relato de sonho e a partir dos estímulos discriminativos fornecidos pelo
terapeuta, essa cliente discriminou os comportamentos de aproximação social que eram
inadequados em seu repertório. Na terapia, tais comportamentos foram modelados e então
foi planejada a generalização e ampliação do seu repertório para a situação natural.
Cliente Z - universitária, 23 anos, fazia terapia há alguns meses e no momento
destes relatos estava sendo enfocado nas sessões um padrão de comportamento que
chamamos de “ ser controlada e controladora” . Seu padrão consistia basicamente
em ter seu comportamento controlado por regras rígidas e além disso procurava sempre
prever os comportamentos dos outros, segundo suas próprias regras, e emitindo apenas
comportamentos já conhecidos ou já testados anteriormente, não se expondo a situações
novas ou de incontrolabilidade.
Havia acabado um namoro muito longo, estava conhecendo na faculdade pessoas
muito diferentes dela mesmo (ela era o tipo “moça de família”, muito adequada, boa aluna,
boa filha, que nunca transgredia ou se arriscava). Essa cliente relatou quatro sonhos e, a
meu pedido, escreveu os seus relatos e a análise que fizemos naquele momento a partir
daquelas perguntas que faço aos clientes quando relatam seus sonhos. Vou apresentar
todos eles porque existe uma relação entre os diferentes temas e uma correspondência
entre eles e a sua mudança de repertório.
Sonho 1 - "Eu havia marcado uma viagem com três amigas. Estávamos no aero­
porto esperando o avião sair. Uma delas, em cima da hora, disse que não iria mais. Sai
atrás do avião pedindo que esperassem. O piloto me avisou que não sabia o caminho.
Entrei no meu carro e pedi que me seguisse porque eu sabia o caminho certo. Dirigi meu
carro por toda a cidade de São Paulo com o avião me seguindo. Passei por avenidas
grandes, comecei a me afastar da cidade e entrei em um campo por uma estrada muito
estreita e nesse ponto o avião seguiu viagem..."
Relação com o momento de vida: Havia terminado um relacionamento de seis
anos. Meu namoro foi caracterizado pela grande rigidez de minha parte. Vivia um relacio­
namento regrado e controlado por mim. Pela primeira vez, estava indo viajar com amigas.
Passava por uma situação extremamente nova e desconhecida e me sentia completa­
mente vulnerável."
Sonho 2 - “Estava em um estacionamento (parecia um campo de futebol) esperando
a salda do avião ... Eu e uma amiga íamos viajar. Quando entrei no avião seu interior era
como uma casa: tinha sofá, tapete, televisão e as pessoas se sentavam como numa sala.
Decolamos e viajamos. No momento da descida, pedi para o piloto deixar que eu manejasse
o avião e fizesse a aterrissagem. Ele não concordou. Fiquei insistindo muito até que ele
permitiu que eu ficasse ao seu lado, assistindo a manobra. O avião descia como se fosse
uma folha, planando no ar. Fazia movimentos leves de vai e vem e descia suavemente."

Sobre C o m p o rliim cn lo c C o # m v ío 1 9 9
Relação com o momento de vida: "Vivia, pela primeira vez, uma vida adulta e
sem namorado. Sentia-me insegura, pois tinha que aprender a viver situações de total falta
de controle: novos programas, lugares, paqueras. Encontrar um novo namorado ou viver
bem sozinha era uma coisa difícil. A amiga que estava no sonho era um exemplo de
pessoa descontraída, livre, espontânea".
Sonho 3 - "Eu estava na piscina de um clube bem grande, quando vi algumas
pessoas que se divertiam usando um aparelho de voar muito diferente. Era uma espécie
de helicóptero individual que ficava preso na cintura e era controlado por um comando que
ficava nas mãos. Todos passavam pela piscina. Coloquei o aparelho na cintura e voei."
Relação com o momento de vida: “Nesta época, eu comecei a me aproximar de
um grupo da faculdade. Para mim, representavam a total liberdade de viver. Eram pessoas
descontraídas, despreocupadas e um pouco desregradas. O meu relacionamento com
eles foi ficando cada vez mais intenso. Pela primeira vez na vida, deixei de ir a uma aula
para ficar no bar, conversando. Aprendi com eles a viver a vida de um modo mais livre e a
dar valor ao momento de prazer sem pensar se era adequado ou não."
Sonho 4 - "Eu estava com um amigo, daquele grupo da faculdade, e seu irmão no
topo de uma montanha. A região era cheia de montanhas e vales e o irmão do meu amigo
disse que havia um vento que levava as pessoas voando de uma montanha a outra. Nós
esperamos um pouco, o vento chegou, o irmão do meu amigo saiu correndo e num deter­
minado momento abriu os braços e voou, levado pelo vento. Meu amigo sugeriu que nós
também fizéssemos isso. Fiquei paralisada e disse que jamais conseguiria fazer aquilo.
De repente, chegou outro vento, ele pegou minha mão e saímos correndo. Fui levada pelo
vento até a outra montanha. Tive uma sensação maravilhosa..."
Relação com o momento: "Naquele grupo de amigos, aproximei-me de modo es­
pecial de um rapaz. Comecei a perceber que eu também despertava nele alguns sentimen­
tos. No começo, achei isso um pouco impossível, mas depois vi que era verdade. Quanto
maior era nosso envolvimento mais eu aprendia a me desprender das regras rígidas que
tinha antes e passei a viver situações mais controladas pelo prazer que pelo dever."
Como se pode perceber, esta cliente relacionou seus sonhos a situações que esta­
va experienciando naquele momento. É interessante ressaltar que os relatos apresenta­
vam o tema comum - voar - e que segundo seu relato, gradualmente seu voar foi ficando
cada vez mais livre: começou com um avião semelhante à sala de casa até passar pelo
helicóptero individual e finalmente voou sozinha só com a ajuda do amigo. Também acho
interessante apontar que as palavras “pela primeira vez “ aparecem várias vezes em seu
relato, o que correspondia realmente a sua vida naquele instante: ela estava se expondo
pela primeira vez a uma série de estímulos novos e emitindo novos padrões de comporta­
mento e não mais sendo controlada pelas antigas regras.
Por último, vamos ver outro sonho com as devidas observações, feitas pelo próprio
sonhador.
"Sonhei que estava em uma casa de campo. Eu estava olhando para um berço vazio
e de repente percebi como seria triste quando J. o olhasse, já que sua criança havia sido
roubada. Olhei pela janela e vi uma criança andando e pensei se esta seria a criança perdida
que havia sido trazida de volta, mas vi que não era. Então, eu pensei por que não informar a
policia? Subitamente, me pareceu muito estúpido que nós tivéssemos aceitado o roubo sem
fazer nada."

2 0 0 M . i l y P elilti
"Eu sinto agora que o último ponto - o comportamento que não foi em itido - é
o que há de importante neste sonho".
Este sonho e a observação feita sobre ele são do próprio Skinner (1980), que como
se pode concluir, não analisou, mas também não ignorou seu sonho, ao menos nessa
situação. Na verdade, parece que Skinner apontou os aspectos comportamentais de seu
sonho, o que ó a proposta deste trabalho.
Uma questão que deve ser colocada ó se a análise dos relatos de sonhos aqui
proposta ó necessária para o processo terapêutico? Acredito que não.
Provavelmente, poder-se-ia chegar a tais dados sem o relato dos sonhos. Entre­
tanto tais relatos costumam ocorrer espontaneamente na sessão de terapia. A alta fre­
qüência de relatos de sonhos em terapia costuma ser conseqüência inicialmente da ex­
pectativa que o cliente tem do que é esperado dele em uma terapia.O aumento ou diminui­
ção desse tipo de relato depende, é claro, das contingências da relação terapêutica -
terapeutas que analisam e reforçam relatos de sonhos terão clientes que relatarão mais
sonhos que os terapeutas que dão pouca importância ou se mostram pouco interessados
neste tipo de comportamento. Portanto relatar sonhos é um padrão que pode ser modela­
do ou não pelo terapeuta, mas, de qualquer maneira, não devem ser desprezados, e sim
entendidos e analisados funcionalmente como os outros eventos verbais. Finalmente,
acredito que quando o cliente traz seu relato de sonhos e nós, terapeutas comportamentais,
os analisamos junto com o cliente estamos: fortalecendo a nossa relação com ele, sendo
reforçadores ao nos interessar por tudo que o cliente traz para a sessão e facilitando a
emissão de comportamento verbal.
Um último comentário é que sonhar é um comportamento encoberto que tem sido
relatado por indivíduos de diferentes culturas e momentos históricos desde os primórdios do
homem. Como Skinner nos ensinou que uma das formas de seleção dos comportamentos foi
a filogênese, talvez o comportamento encoberto de sonhar e seu correspondente público,
relatar sonhos, tenha algum valor para nossa sobrevivência e analisá-los na prática da terapia
seja mais uma empreitada para o analista de comportamento.

Bibliografia
Baum, W. M.(1999) Compreender o Behaviorismo. Sâo Paulo: Artemed.
Callaghan, G.(1996) The Clinicai Utility of Client Dream Reports From a Radical Behavioral
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Freeman, A. & Boyll, S. (1992) The Use of dreams and the dream metaphor in cognitive -
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Guilhardi, H. J. (1995) Um modelo comportamental de análise de sonhos. In: Rangó, B. (org.)
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Skinner, B. F. (1967) Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília.

Sobre Comportamento c Cotfmç.lo 201


Capítulo 25

Habilidades sociais: para além


da assertividade
fln in c Fiiho nc
Umvmidide do hUdo do Rio </<* Amam

As habilidades sociais tôm sido relacionadas à melhor qualidade de vida, à rela­


ções interpessoais mais gratificantes, à maior realização pessoal e ao sucesso profissio­
nal (Caballo, 1987,1991; Collins & Collins, 1992; Goleman, 1995; Ickes, 1997). Por outro
lado, deficiências em interagir socialmente parecem também estar relacionadas a uma
variedade de transtornos psicológicos (Mc Fali, 1982; Trower, 0 ’Mahony & Dryden, 1982).
De acordo com estudos realizados por Argyle (1984), as deficiências em habilidades
sociais atingem cerca de 25 a 30% dos pacientes com transtornos emocionais. Todas
essas constatações incentivaram a criação de programas de treinamento em habilidades
sociais (THS), tanto na forma individual quanto em grupo (ex., Argyle, 1974,1984; Bedell
& Lennox, 1997; Bellack, Mueser, Gingerich & Agresta, 1997; Caballo, 1991,1993; Collins
& Collins, 1992; Hazel, Sherman, Schumaker & Seldon, 1985; Rose & LeCroy, 1985).
Bedell & Lennox (1997) revisaram uma variedade de estudos que demonstra a
efetividade do THS em problemas conjugais, problemas de escolaridade, orientação
vocacional, transtornos de ansiedade, dependência química, transtornos de personalida­
de, depressão e esquizofrenia. Entretanto, o THS não se destina apenas ao tratamento de
problemas clínicos, uma vez que os comportamentos sociais inadequados também são
manifestados pela população não clínica (Collins & Collins, 1992).
Atualmente, os programas de aprendizagem de competências sociais focalizam-
se no desenvolvimento máximo das capacidades pessoais e relacionais, bem como da

202 H u in c h ilc o n c
generalização dessas aquisições para o contexto social do indivíduo (Matos, 1997). As­
sim, programas de THS também são utilizados para desenvolver habilidades interpessoais
necessárias à realização de um trabalho eficiente. Tais programas têm sido aplicados em
vários profissionais, tais como administradores educacionais (Smith & Montelo, 1992);
médicos (Amack, 1995); psicólogos (Egan, 1994) e gerentes (Burley-Allen, 1995). No
contexto escolar, o THS tem sido também aplicado em crianças, como medida preventiva
(ver Cotton, s.d.; Del Prette & Del Prette, 1999; Matos, 1997; Rose & Le Croy, 1985) e em
jovens, com o objetivo de melhorar o desempenho acadêmico (Bonner & Aspy, 1984).
Embora não existam dúvidas quanto à importância das habilidades sociais na rea­
lização pessoal e profissional nem quanto à utilidade dos treinamentos dessas habilida­
des, não existe ainda um consenso sobre o conceito de habilidade social. Alguns autores
consideram a habilidade social como sinônimo de assertividade (Caballo, 1991, 1993;
Gosalves, Chabrol & Moron, 1984, in Matos, 1997), outros sustentam que as habilidades
sociais compreendem um repertório mais amplo de respostas (Del Prette & Del Prette,
1999; MacKay, 1988; Falcone, 1989, 1995, 1998) e que a assertividade não esgota a
noção de competência social (Matos, 1977).
Este trabalho pretende discutir as vantagens e os limites da assertividade na quali­
dade das relações interpessoais, apontando a empatia como uma habilidade complemen­
tar à asserção para a ocorrência de uma comunicação efetiva. Alguns comentários serão
feitos sobre definições mais recentes de habilidades sociais e sobre a inclusão de proce­
dimentos que visam o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de solução de proble­
mas nos programas de THS.

1. Vantagens e limites da assertividade

O comportamento assertivo é definido por Alberti & Emmons (1983) como "aquele
que torna a pessoa capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem ansieda­
de indevida, a expressar sentimentos sinceros sem constrangimento, ou a exercitar seus
próprios direitos" (p. 18).
Lange & Jakubowski (1976) também apresentam uma definição de asserção como
a capacidade de "defender os direitos pessoais e de expressar pensamentos, sentimen­
tos e crenças de forma honesta, direta e apropriada, sem violar os direitos da outra pes­
soa" (p.7). Para esses autores, a mensagem básica da asserção é: "Isto é o que eu
penso. Isto é o que eu sinto. Isto é como eu vejo a situação" (p.7).
O comportamento assertivo se diferencia dos comportamentos agressivo e passivo
ou não-assertivo, tanto nos componentes verbais quanto nos não verbais. Com relação
aos componentes verbais, o comportamento assertivo:
a) reflete uma consideração pelos desejos da outra pessoa e pelos próprios desejos,
através de uma posição conciliatória, que beneficia parcialmente ambas as partes;
b) expressa expectativas, desejos e sentimentos de forma direta e
c) é socialmente apropriado.
O comportamento agressivo:
a) desconsidera os desejos do outro, tentando alcançar os próprios desejos;
b) não costuma envolver expressão direta dos desejos, expectativas e sentimentos;
c) costuma ser socialmente inapropriado.

Sobre Comportamento c Cogmvdo 203


O comportamento passivo:
a) desconsidera os próprios desejos, facilitando a obtenção dos desejos do outro;
b) manifesta falha ou inadequação da expressão dos próprios desejos, expectativas e
sentimentos (Bedell & Lennox, 1997).
Caballo (1991) cita alguns exemplos de verbalizações que caracterizam cada tipo
de comportamento.
O comportamento assertivo inclui verbalizações, tais como; “Penso”; "Sinto"; "Que­
ro"; "Como podemos resolver isso?"; "O que vocé acha?" No comportamento agressivo, as
verbalizações são: "Você faria melhor se"; "Vocé deve estar brincando"; "Se você não
fizer"; "Você não sabe"; "Você deveria". O comportamento passivo caracteriza-se pelas
seguintes verbalizações: "Talvez”; "Suponho"; "Me pergunto se poderíamos"; "Você se im­
portaria muito"; "Realmente, não ó importante"; "Não se aborreça" (p. 415).
Os componentes não-verbais do comportamento assertivo manifestam-se através
de contato ocular direto; nível de voz compatível com o de uma conversação; fala fluida;
gestos firmes; postura ereta; mensagens na primeira pessoa; verbalizações positivas;
respostas diretas à situação; mãos soltas. No comportamento agressivo, o olhar é fixo; a
voz é alta; a fala ó fluida e rápida; os gestos são de ameaça; a postura é intimidatória; as
mensagens são impessoais. O comportamento passivo expressa-se através de olhar para
baixo e da evitação de contato ocular; a voz é baixa e vacilante; os gestos são desajeita­
dos; as mãos costumam se apresentar retorcidas, ocorrendo freqüentemente risos falsos
(Caballo, 1991, p.415).
Quando uma pessoa costuma se comportar assertivamente, ela facilita a solução
de problemas interpessoais; aumenta o senso de auto-eficácia e a auto-estima; melhora a
qualidade dos relacionamentos e sente-se mais tranqüila. O comportamento agressivo
geralmente gera conflitos interpessoais; perda de oportunidades; dano aos outros; sensa­
ção de estar sem controle, auto-imagem negativa; culpa; frustração; tensão; rejeição dos
outros e solidão O comportamento passivo promove efeitos, tais como: conflitos interpessoais;
auto-imagem negativa; dano a si mesmo; perda de oportunidades; incontrolabilidade, desam­
paro e depressão, tensão; solidão (Caballo, 1991, p. 415).
As conseqüências positivas do comportamento assertivo podem ser confirmadas
através dos efeitos do treinamento assertivo na população clínica, citados na literatura.
Tais efeitos são: aumento da autoconfiança e da realização pessoal (Delamater & Mc
Namara, 1986); redução da depressão (Rimm, 1967) e da ansiedade social (Falcone,
1989; Robach, Franyn, Gunby &Twters, 1972).
Entretanto, a conduta assertiva nem sempre parece promover resultados satisfatórios
para a interação. Após uma revisão de estudos sobre a avaliação do impacto social da
assertividade, Delamater & Mc Namara (1986) concluíram que a expressão assertiva dos
próprios direitos costuma ser percebida como mais competente e efetiva, porém menos
agradável, amigável, satisfatória ou apropriada do que a expressão não-assertiva. Além
disso, expressar-se de maneira empática (demonstrando consideração especial para com
as necessidades da outra pessoa) antes de usar a assertividade direta pode minimizar
qualquer avaliação negativa potencial da assertividade. Hansson et al. (1984, in Davis &
Oathout, 1987) encontraram que as características assertivas são mais importantes na
aquisição de novos relacionamentos, mas a empatia e a estabilidade emocional são mais
úteis na manutenção da qualidade das relações já existentes. Hargie, Saunders & Dickson

204 Hianc f.ilconc


(1987) propõem que o comportamento assertivo oferece riscos, especialmente na interação
profissional com superiores ou no confronto com uma pessoa muito agressiva.
Os estudos citados acima sugerem que o treinamento assertivo ó de grande utilida­
de para aumentar a auto-estima e reduzir a ansiedade e a depressão, através da expres­
são sincera dos próprios sentimentos, desejos e direitos, mas não ó suficiente para au­
mentar a conexão interpessoal e estabelecer vínculos. Alóm disso, "a habilidade social
efetiva nem sempre consiste em comunicar os verdadeiros sentimentos aos outros” (Argyle,
1984, p. 406). Em contextos nos quais há conflitos interpessoais, a conduta assertiva
direta provavelmente não apresentará efeitos positivos, uma vez que, nessas circunstânci­
as, torna-se necessário controlar as próprias emoções e fazer um esforço para compreen­
der e validar os sentimentos e a perspectiva da outra pessoa, antes da manifestação dos
próprios sentimentos e perspectivas (Goleman, 1995; Guerney, 1987; Nichols, 1995). Essa
disposição para abrir mão, por alguns instantes, dos próprios interesses, sentimentos e
perspectivas e se dedicar a ouvir e compreender, sem julgar, o que a outra pessoa sente,
pensa e deseja, constitui o que é conhecido como empatia.

2. A empatia como uma habilidade complementar à assertividade

Outra habilidade social apontada como importante para as relações interpessoais


bem-sucedidas refere-se à empatia. O comportamento empático inclui:
a) um componente cognitivo, caracterizado por uma capacidade de compreender acurada­
mente a perspectiva e os sentimentos dos outros;
b) um componente afetivo, caracterizado por sentimentos de compaixão/preocupação
com a outra pessoa e;
c) um componente comportamental, entendido como manifestações verbal e não-verbal
de compreensão dos estados internos da outra pessoa (Ver Barrett-Lennard, 1993;
Davis, 1980,1983a, 1983b; Egan, 1994; Feschbach, 1992,1997; Greenberg & Elliott,
1997, para uma compreensão mais detalhada do assunto).
Durante uma interação social, a habilidade empática ocorre em duas etapas. Na
primeira etapa, o indivíduo que empatiza está envolvido em compreender os sentimentos e
perspectivas da outra pessoa e, de algum modo, experienciar o que está acontecendo
com ela naquele momento. A segunda etapa consiste em comunicar esse entendimento
de forma sensível (Barrett-Lennard, 1981; Greenberg & Elliott, 1997). A compreensão
empática inclui prestar atenção e ouvir sensivelmente. A comunicação empática inclui
verbalizar sensivelmente.

2.1. P resta r a te nção e o u v ir

A atenção empática é apreciada pela outra pessoa, que se sente mais encorajada
a se abrir e a explorar as dimensões significativas de sua situação-problema (Egan, 1994).
Fitar diretamente, mas não fixamente, a pessoa-alvo, procurando manter contato ocular;
adotar uma postura aberta (braços e pernas cruzados indicam menos envolvimento e
disponibilidade); inclinar-se levemente, com a parte superior do corpo, em direção ao
outro; acenar com a cabeça e usar vocalizações (ex., hum-hum, sim) quando o outro diz
algo importante são demonstrações de estar atento à pessoa que fala.

Sobre C o m p o rta m e nto e CotfniçJo 205


Além de demonstrar atenção, o empatizador deve procurar identificar as mensa­
gens não-verbais da outra pessoa, que expressam emoções. As mensagens não-verbais
podem substituir, repetir, enfatizar ou contradizer a mensagem verbal (Matos, 1997). Estu­
dos mostram que, quando as mensagens verbal e não verbal são contraditórias, o crédito
deve ser dado à mensagem não-verbal (Argyle, 1981c, in Matos, 1997). O rosto é a princi­
pal área sinalizadora de emoções, embora possa ser melhor controlado. Assim, a verda­
deira emoção pode ser identificada pela voz e parte do corpo abaixo do pescoço (Argyle,
1988). A postura e os movimentos corporais; as expressões faciais (sorrisos, cenho fran­
zido, sobrancelhas arqueadas, lábios contraídos), a relação entre a voz e o comportamen­
to (tom de voz, intensidade, inflexão, espaço entre as palavras, ônfases, pausas, silêncios
e fluência); respostas autonômicas observáveis (respiração acelerada, rubor, palidez, dila-
tação da pupila) são mensagens não-verbais que podem estar relacionadas ao conteúdo
da fala, facilitando a compreensão dos estados internos da pessoa-alvo.
O ouvir sensível ou empático provoca efeitos positivos, tanto para o que ouve quanto
para a outra pessoa. Quando alguém é ouvido sensivelmente, sente-se validado, valoriza­
do e isso promove auto-aceitação e auto-afirmação (Nichols, 1995). Por outro lado, não
ser ouvido gera sentimentos de exclusão, desvalorização e inadequação.
Nas relações interpessoais, existem circunstâncias nas quais o ouvir se torna difí­
cil. Isso ocorre geralmente quando a outra pessoa é:
a) excessivamente detalhista, tornando a conversa cansativa e desinteressante;
b) egoísta, fazendo com que o assunto gire apenas em torno dela.
O ouvir também é prejudicado quando o ouvinte:
(a) está sobrecarregado de problemas, que dificultam a sua atenção;
(b) interpreta erroneamente a fala da outra pessoa como algo pernicioso, ameaçador ou
enfurecedor;
(c) está mais preocupado em controlar, instruir ou mudar a outra pessoa;
(d) preocupa-se em ensaiar o que vai dizer a seguir, em vez de prestar atenção no discurso
da outra pessoa (Nichols, 1995).
Em situações de conflito, o ouvir sensível também promove efeitos positivos na
interação, na medida em que reduz a querela e a probabilidade de rompimento. As emo­
ções envolvidas nas interações nas quais há conflito costumam ser contagiosas, escalan­
do através de uma série de ações e reações, que podem levar a um desastre emocional, tal
como um rompimento definitivo da relação (Nichols, 1995). Tais manifestações são
explicadas pelos estudos sobre sincronia emocional {ver Levenson & Ruef, 1997). As men­
sagens não-verbais refletem como a pessoa está expressando o conteúdo da fala (tom e
entonação da voz, expressão facial, gestos etc.) e contagiam a outra pessoa, como uma
orquestração (Goleman, 1995). A crença subjacente envolvida na interação de conflito é a
de que, ao aceitar o argumento do outro, a pessoa estará reconhecendo o seu erro e
perderá a razão. Assim, eía insiste em manter os seus argumentos, para ficar com a última
palavra. Nesse tipo de interação, ambas as partes ficam impedidas de ouvir e se sentem
incompreendidas. Se, pelo contrário, a pessoa acreditasse que abrir mão da própria pers­
pectiva para entender o outro não significa perder a razão, esta permitiria que o interlocutor,
ao se sentir ouvido e compreendido, se dispusesse a ouvir e compreender (Nichols, 1995).
A habilidade em ouvir depende do esforço em resistir ao impulso de reagir emocio­
nalmente à posição de alguém que manifesta uma perspectiva muito diferente. Do contrá­

206 h liíi/n ' f iik o rtc


rio, o impulso para tomar atitudes que reduzam ou evitem a emoção do momento torna a
outra pessoa pouco flexível, aumentando o conflito na interação (Goleman, 1995, Nichols,
1995). Procurar compreender as razões daquela pessoa que expressa uma perspectiva
muito diferente ou que provoca mágoa e raiva pode reduzir emoções negativas e facilitar
um diálogo de entendimento. Da mesma maneira, ouvir e demonstrar aceitação e compre­
ensão a uma pessoa que está furiosa tem o poder de reduzir a raiva dessa pessoa,
tornando-a mais disponível para ouvir também (Goleman, 1995; Nichols, 1995).
Os comportamentos envolvidos no ouvir sensível incluem:
(a) deixar de lado as próprias perspectivas, desejos e sentimentos, por alguns instantes e
se voltar inteiramente para as perspectivas, desejos e sentimentos da outra pessoa;
(b) observar e ler os comportamentos não-verbais que a pessoa-alvo está manifestando
enquanto fala;
(c) colocar-se no lugar da outra pessoa, buscando identificação com os sentimentos,
percepções e desejos dela;
(d) elaborar mentalmente uma relação existente entre o sentimento da outra pessoa, o
contexto e o significado deste contexto para ela.

2.2. V erb a liza r s e n s iv e lm e n te

A função da verbalização empática ó fazer com que a outra pessoa se sinta


compreendida, além de ajudar a explorar as preocupações desta de forma mais completa.
Embora as etapas anteriores (prestar atenção e ouvir) possam sinalizar compreensão,
aceitação e acolhimento, através da comunicação não-verbal (ex., acenar com a cabeça,
usar vocalizações), a verbalização empática é a forma mais eficiente de demonstrar com­
preensão acurada.
As estratégias de verbalização empática: tentam explicar e validar os sentimen­
tos e a perspectiva da outra pessoa; são desprovidas de julgamento; aceitam e legitimam
a perspectiva e os sentimentos do outro; relacionam o contexto, a perspectiva e os senti­
mentos da outra pessoa. As estratégias de verbalização não empática: focalizam-se no
evento em si; impõem o próprio ponto de vista; desconsideram ou ignoram os sentimentos
e a perspectiva da outra pessoa; tentam minimizar o problema e/ou estão mais centradas
em dizer ao outro o que fazer ou como se sentir (Burleson, 1995).
Durante a verbalização empática, o foco de atenção é inteiramente voltado para o
sentimento e a perspectiva da outra pessoa diante da situação-problema, sem fazer qual­
quer julgamento, aceitando e legitimando os sentimentos desta (Egan, 1994). Os senti­
mentos podem ser legitimados de forma indireta, quando o empatizador não especifica o
sentimento (ex., “Eu posso imaginar como vocô está se sentindo"; "Que dia difícil vocô
teve, não?") ou de forma direta, quando o sentimento é especificado (ex., "Parece que isso
está deixando vocô triste"; “Vocô deve estar se sentindo indignado"). Mas a pessoa se
sente realmente compreendida quando o empatizador consegue relacionar o sentimento,
o contexto e a perspectiva desta (ex.; “Vocô se sente triste porque mudar significa deixar
todos os seus amigos"; "Vocô deve estar magoado comigo por entender a minha pouca
atenção como um sinal de que não me importo com você" (Egan, 1994, p. 112).
A empatia básica acontece quando o empatizador percebe os sentimentos da
pessoa-alvo, relacionando esses sentimentos com a perspectiva desta e com o contexto,
comunicando a seguir. A empatia acurada ocorre quando as percepções do empatizador

Sobre C om p o rtdm cn to e C otfm vJo 207


estáo corretas, isto é, quando elas refletem o mundo tal como a outra pessoa vê (Egan,
1994; Ickes, 1997).
Após demonstrar verbalmente compreensão dos sentimentos e pensamentos da
pessoa-alvo, o indivíduo que empatiza pode constatar que não foi acurado. Isso pode ser
identificado quando a outra pessoa diz claramente que não é exatemente aquilo que ela
queria dizer, pára de falar e olha em volta, ou tenta completar a fala do empatizador. Neste
momento, é importante seguir o rastro e aprender com os próprios erros (Egan, 1994)
Estudos sobre os efeitos sociais da empatia mostram que esta desempenha
um papel importante na qualidade das relações interpessoais, reduzindo conflitos e
aumentando o vínculo. Em uma revisão feita por Brems, Fromme & Johnson (1992) foi
encontrado que a empatia mostra uma tendência para provocar efeitos interpessoais
mais positivos do que a auto-revelação. Outra revisão de estudos realizada por Burleson
(1985) sugere que as pessoas empáticas despertam afeto e simpatia, são mais popula­
res e ajudam a desenvolver habilidades de enfrentamento, bem como reduzem proble­
mas emocionais e psicossomáticos nos amigos e familiares. Burleson (1985) também
verificou que, dentre seis medidas diferentes de habilidade de comunicação, a habilida­
de de confortar ó melhor diferenciada entre grupos de crianças populares e que crianças
não aceitas sofrem mais riscos de problemas de ajustamento no futuro. Em um estudo
realizado por Long & Andrews (1990), foi constatado que a adoção de perspectiva, defi­
nida como uma tendência cognitiva de se colocar no lugar de outra pessoa, é preditiva
de ajustamento marital. Essa pesquisa fortalece o modelo de satisfação no relaciona­
mento conjugal, apresentado por Davise Oathout (1987), o qual se baseia na noção de
que a personalidade em geral e a empatia em particular afetam a satisfação da relação,
através de suas influências sobre comportamentos específicos de mediação. Tal mode­
lo foi testado em 264 casais heterossexuais e foi fortemente apoiado. Em uma revisão
de Ickes e Simpson (1997), foi encontrado que a acuidade empática, definida como a
habilidade de inferir acuradamente o conteúdo específico dos pensamentos e sentimen­
tos de uma pessoa, é positiva para o ajustamento marital.
Se, durante muito tempo, a empatia foi considerada como um atributo de psico-
terapeutas e profissionais de ajuda, atualmente ela tem sido reconhecida como necessá­
ria a todas as pessoas. Como conseqüência, começou a surgir um número significativo de
programas de treinamento de empatia em crianças em idade escolar (ver Cotton, s.d.;
Feschbach, 1997). O treinamento da empatia também tem sido aplicado em módicos,
com o objetivo de melhorar a relação médico-paciente (Amack, 1995), em presidiários
criminosos, para reduzir o índice de reincidência às prisões (ver Goleman, 1995), em
casais, para reduzir conflitos conjugais (Guerney, 1987) e na área educacional (Smith &
Montelo, 1992). Com o objetivo de aumentar a comunicação empática em estudantes
universitários, Falcone (1998) avaliou um programa de treinamento de empatia, que mos­
trou ser eficaz ao aumentar a capacidade dos estudantes em ouvir, compreender e de­
monstrar compreensão empaticamente, tanto em situações de ajuda quanto em situa­
ções de conflito.
Os estudos citados anteriormente que apontaram os efeitos do treinamento da
assertividade e da empatia levam à suposição de que essas habilidades são complementa-
res para a obtenção de uma boa comunicação interpessoal Por um lado, ser capaz de
compreender e validar a perspectiva e os sentimentos dos outros, além de demonstrar essa
compreensão de forma apropriada, permite que a outra pessoa se sinta compreendida e
valorizada, favorecendo a comunicação e o vínculo. Por outro lado, a expressão dos próprios

2 0 8 H iu n c K ilc o n e
sentimentos e desejos também é fundamental para facilitar o processo de ser compreendi­
do, Assim, o treinamento em habilidades sociais deve desenvolver empatia e assertividade.

3. O conceito de habilidades sociais

Os programas atuais de desenvolvimento de habilidades sociais não se restrin­


gem apenas aos desempenhos verbal e não-verbal nas situações de interação. São de
igual interesse os processos perceptivos, de processamento de informação, afetivo/
motivacionais e sócio-culturais, subjacentes à execução de cada comportamento social
aberto (Bedell & Lennox, 1997; Matos, 1997). O indivíduo socialmente habilidoso deve
saber quando, onde e como se comportar apropriadamente, significando que as habilida­
des sociais envolvem perceber e analisar sinais sutis que definem a situação e o repertório
apropriado de resposta (Bellack; Mueser; Gingerich & Agresta, 1997). Assim, uma
conceituação adequada do comportamento socialmente habilidoso deve incluir a
especificação de trôs componentes: o comportamental (tipo de habilidade), o cognitivo
(variáveis do indivíduo) e o situacional (contexto ambiental) (Caballo, 1993).
As habilidades sociais também envolvem a maximização de conseqüências posi­
tivas, tanto para o indivíduo quanto para a relação. O indivíduo socialmente habilidoso é
capaz de“:
(a) obter ganhos com maior freqüência,
(b) desempenhar tarefas indesejáveis em um mínimo e
(c) desenvolver e manter relacionamentos mutuamente benéficos e sustentadores" (Bedell
& Lennox, 1997, p.42).
Baseando-se no reconhecimento da importância dos elementos cognitivos das
habilidades sociais, Bedell & Lennox (1997) sugerem que:
As habilidades sociais envolvem habilidades para (a) selecionar acuradamente
informações úteis e relevantes de um contexto interpessoal, (b) o uso dessa informação
para determinar comportamentos apropriados dirigidos à meta e (c) a execução de com­
portamentos verbais e não-verbais que maximizem a probabilidade de obter e manter a
meta de boas relações com os outros (p.9).
Essa definição considera que as habilidades sociais incluem habilidades cognitivas
(percepção e processamento da informação que definem, organizam e guiam o comporta­
mento) e habilidades comportamentais (comportamentos sociais, verbais e não-verbais,
que implementam a decisão derivada dos processos cognitivos). As habilidades de per­
cepção social e de processamento de informação permitem (a) reconhecer informação
relevante e essencial no ambiente e (b) processar essa informação e decidir o modo
apropriado de ação (Bedell & Lennox, 1997).
Considerar as habilidades cognitivas no estudo e no treinamento de habilidades
sociais permite uma compreensão e uma intervenção mais abrangentes no desenvolvi­
mento de competências sociais. Distorções cognitivas e deficiências na percepção e
seleção dos elementos importantes em um contexto social podem interferir no comporta­
mento social aberto, prejudicando a interação.
Bedell & Lennox (1997) propõem que a auto-consciência, envolvendo o reconheci­
mento, a rotulação e a organização dos próprios pensamentos, sentimentos e comporta­

Sobrc C o m p o rta m e nto c C oflniç.lo 209


mentos, constitui o primeiro passo para aprender habilidades de comunicação efetiva.
Esses autores apresentam um modelo simplificado para desenvolver auto-consciôncia e
consciência dos outros, que facilita o desempenho de habilidades comportamentais nas
interações sociais.
O treinamento em solução de problemas também tem sido utilizado nos progra­
mas que visam desenvolver habilidades sociais. A partir de uma adaptação do modelo de
solução de problemas de D'Zurilla e Goldfried (1971) e de procedimentos extraídos da
literatura sobre terapia familiar, Bedell & Lennox (1997) criaram um processo cognitivo-
comportamental de solução de problemas aplicado ao contexto interpessoal.
Concluindo, os programas recentes de treinamento em habilidades sociais não
mais se restringem ao desenvolvimento de assertividade. A empatia e a solução de proble­
mas também tem sido largamente utilizadas nos programas que visam aumentar compe­
tências sociais, conforme já foi citado anteriormente. Outra inovação refere-se ao treina­
mento de habilidades cognitivas, que potencializam o desempenho comportamental.

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212 Hl.mc fiilconc


Capítulo 26

Terapia - cognitiva comportamental e


religiosidade1
Myritin Vallias de Oliveira Lima '

Durante 30 anos de experiência como terapeuta, passei a observar que, em deter­


minado momento, o cliente se questionava em relação aos seus valores religiosos. Não
no sentido de os negar, mas de os reavaliar e os atualizar. Um duplo questionamento me
acometeu:
1. Por que isto ocorria?
2. Como facilitar o processo, na qualidade de terapeuta?
Não foi diffcil responder à primeira interrogação. Bastou analisar quando isto era
observado para se verificar uma concordância entre os indivíduos. As colocações não se
relacionavam com obsessões, delírios ou distorções cognitivas, todos se encontravam em
uma fase terminal do processo de terapia, ou seja, tinham atingido seus objetivos
terapêuticos. Era uma necessidade de recuperação de sua identidade pessoal, de redefinição
de seus valores. Pedidos como - “De que maneira poderei rever os meus fundamentos
religiosos ?", ou como, recentemente - "Quero, como objetivo de terapia, que você me
ajude a encontrar Deus no que eu faço". Alguns clientes, às vezes com certo receio,
queriam saber se eu tinha uma religião e mais de um propôs que se reservasse uma
sessão para que falasse sobre a minha experiência religiosa. Houve o caso, ató pitoresco,
da jovem (23 anos, fora de casa desde os 15, na terceira relação, envolvida com maconha)
que disse ter me procurado porque tinha levantado a minha ficha - Eu era "quadrada”. Quis
' Trabalho apresentado no VIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia o Medicina Comportamental, Sâo Paulo, 1999.
4
’ Consultório particular
Endereço: Rua Maranhflo, 554, cj 62. Cep: 01240-000 Sâo Paulo - SP E-mail: myrlanvallia8@uol.com.br

Sobre C o m p ortam ento e Co^nlv<1o 213


que me especificasse o que isso queria dizer - "Casada há muito tempo, com uma reli­
gião".
Por outro lado, tem me chamado a atenção a queixa de alguns clientes quanto à
postura de certos terapeutas em relação à sua religiosidade, no sentido de ridicularização,
incompreensão ou rotulação patológica.
Não acho que seja necessário, em relação à religião, o que chegou a propor um
colega em recente carta ao Jornal Federal do Psicólogo - a criação de uma resolução
idêntica à estabelecida para a questão da orientação sexual (resolução CFP nü 1/99 de
23/03/99). Estas ou quaisquer propostas são desnecessárias. O importante é uma revi­
são maior pelo psicólogo do seu papel, que compreende um respeito à identidade individu­
al em sua totalidade e uma compreensão adequada dos valores, incluindo o religioso. Não
será a formulação e estabelecimento de normas, através de decretos, que conseguiria
uma mudança. Pois estas não garantem alterações na prática do terapeuta. O Código de
Ética Profissional dos Psicólogos é bem claro no item "Da responsabilidade para com os
clientes" (artigo 5U): "É vedado aos psicólogos, em suas relações com o cliente: c) influen­
ciar convicções políticas, filosóficas, morais ou religiosas do cliente".
Como facilitar o processo, na qualidade de terapeutas?
A resposta é óbvia - sendo terapeutas cônscios do nosso papel e de nossas limi­
tações. Mas isso não ó tão simples assim. A temática aqui discutida remete-nos à análi­
se sobre valores.

1. Considerações sobre os valores

Vivemos em uma cultura, em todos os seus aspectos, cada vez mais científica e
relativista. Discorrer sobre valores religiosos parece anacrônico e contraditório. Por outro
lado, fala-se muito hoje em crise de valores. A questão ó - existem valores universais?
Qual o papel do terapeuta na preservação destes?
Isso se torna mais crucial ao se observar que durante o processo terapêutico,
freqüentemente os sentimentos e convicções do cliente mudam. Estariam mudando na
direção do seu próprio sistema valorativo ou na do terapeuta? Ou a função do terapeuta
tem de ser esta propositadamente? E qual deveria ser este novo sistema de valores?
Analisando o desenvolvimento dos valores ROGERS (1967) observa que há trans­
formações nos valores do indivíduo na medida em que caminha da infância para a idade
adulta e quando cresce em direção à maturidade psicológica. Na criança, por exemplo, o
processo de valorização ó flexível e mutável, não um sistema fixo. É uma função primordi­
almente orgânica - a utilização da sabedoria do próprio organismo. O locus do processo
avaííatívo está neía mesma, suas escolhas são orientadas pelos próprios sentidos. Ao
crescer e pela interação com as pessoas do meio, pela experiência de reforçamento ou
punição a criança vai introjetando valores de julgamento que acabam incorporados como
seus. Numa tentativa de obter amor, aprovação, estima do adulto, abandona o locus de
avaliação interno e o coloca nos outros. Adota até mesmo valores divergentes daquilo que
está experenciando. Como esses conceitos não estão baseados na sua própria valoriza­
ção tendem a ser fixos. Na nossa cultura, os padrões que são introjetados como desejá­
veis ou indesejáveis vêm de diferentes fontes e, muitas vezes são contraditórios em seus

214 M y r i. in V a lh a * i k O liv e ira L im a


significados (família, igreja, escola, mídia). Isso resulta em insegurança. As concepções
se tornam mais rígidas ou mais confusas.
A valorização na pessoa madura é muito parecida com a da criança e, em outros
aspectos, muito diferente - é fluida, flexível, baseada em um momento particular e na
maneira com que esse momento é atualizado; e o locus de avaliação volta a ser estabele­
cido dentro da pessoa, mas não se restringe “à sabedoria do organismo". É sua própria
experiência que provê ofeedback, embora esteja aberto a evidências que obtêm de outras
fontes. O processo envolve, além da experiência presente, a memória de aprendizados
relevantes do passado e hipóteses acerca das conseqüências.
Tanto a vida quanto a terapia fornece à pessoa condições favoráveis para continuar
seu crescimento psicológico.
Através da terapia, que pode ser considerada como um facilitador de desenvolvi­
mento, a pessoa percebe quanto se distanciou de suas reações orgânicas e o quão
distante está do seu próprio processo valorativo. Certas direções valorativas emergem e
não dependem, necessariamente, da personalidade do terapeuta; são comuns entre indi­
víduos e talvez entre culturas.
A necessidade da abordagem de valores é importante se considerarmos que, no
modelo comportamental, o objetivo do tratamento é especificamente educacional. O
terapeuta comportamental deve atuar no sentido de assegurar a manutenção dos valores
essenciais para o cliente.
O problema se coloca não só no campo filosófico ou moral, mas no campo prático,
pois em qualquer terapia há realmente um controle por parte do terapeuta.
Para Skinner (1972), fazer um julgamento de valor a respeito de uma determinada
coisa é classificá-la segundo seus efeitos reforçadores. Ele questiona (pg. 97, 99) - “se
uma análise científica nos diz como mudar comportamentos", diz ele "quais mudanças
fazer?..." “Este é o questionamento daqueles que se propõem a fazer mudanças..." "A
ciência do comportamento é uma ciência de valores".

2. Considerações sobre religião

A religiosidade em si não é patológica. Contém segmentos culturais positivos como


o altruísmo, a solidariedade objetiva, a cordialidade etc. Estimula a esperança e dá senti­
do à vida. Mas podem ocorrer patologias decorrentes de: ignorância dos verdadeiros con­
ceitos e juízos da religião; distorções advindas de situações patológicas (como TOC,
esquizofrenia, etc.) quando ocorre a mistura de prática religiosa ou conceitos com variá­
veis que fazem parte dos sintomas patológicos do paciente.
Segundo Lopez Ibor (Hernandez, 1986, pg.15) - "a transcendência da pessoa é
premissa fundamental de sua existência, aquilo que lhe dá seu mais autêntico ser. Por
outro lado, seria errônea uma postura extremista como a proposta por Jay E. Adams,
(Hernandez, 1986, pg.23) que vê no conflito psicológico uma conseqüência da conduta
pecaminosa, propondo então resolver a causa espiritual para modificar o conflito - "se
você crê em Deus não pode sofrer dos nervos"(sic...).
Para Mircea Eliade (1956-pg.28,29), filósofo estudioso das religiões, - "o sagrado,
o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações existenciais

Sobre C om p o rta m e nto c Cogniv<to 215


assumidas pelo homem ao longo da sua história". Estes modos de ser no mundo, interes­
sam não só ao filósofo, ao sociólogo ou ao historiador, mas a todo o investigador desejoso
de conhecer as dimensões possíveis da existência humana. “...O homem das sociedades
tradicionais é um "homo religious" mas seu comportamento enquadra-se no comporta­
mento geral do homem e, por conseguinte, interessa à antropologia filosófica, à
fenomenologia, à psicologia." Seja qual for o contexto histórico em que encontra, o "homo
religious" crê sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este
mundo, mas que se manifesta neste mundo e, por este fato, o sacraliza e o torna real.
Crê, além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana atualiza
todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, quer dizer, participa da
realidade. Já o homem a-religioso, que se desenvolveu plenamente nas sociedades mo­
dernas, recusa a transcendência, aceita a relatividade da "realidade" e muitas vezes duvi­
da do sentido da existência. O homem profano é o resultado de uma dessacralização da
existência humana e de suas obras.
Segundo Shoenfeld (1993), a ciência do comportamento não pode ignorar o fato de
que bilhões de pessoas, agora e no passado, estão envolvidas no se comportar religiosa­
mente. Mesmo que as religiões variem de acordo com os dogmas e práticas, os compor­
tamentos humanos básicos que pretendem construir não variam. E cita Talmud - "Deus
fala ao homem em sua própria língua” (pg.xi). Muitos cientistas imaginam que há uma
hostilidade natural entre ciência e religião, afastando-se de todo questionamento religioso.
Da mesma forma, muitos terapeutas olham com suspeição para as crenças religiosas ou
se detém só nos aspectos psicopatológicos. Para este emérito "behaviorista" (1), a reli­
gião está ligada à vida humana e ó um setor válido do comportamento humano (pg.xvii).
Levanta a possibilidade de que "o comportamento religioso do homem seja parte de sua
"natureza", também como sua função renal ou córtex cerebral", (pg.xvii)
Recorre a Maimônides, Talmúdico e Tomás de Aquino, escolástico, para concluir
que ciência e religião têm objetivos diferentes e devem ser encaradas em sua própria
especificidade, sem contradições entre elas ambas fornecendo verdades essenciais para
0 homem em sua existência No prefácio de seu livro "Religion and Human Behaviour"
(1993-pg.xxiii) ele conclui que não sente nenhum conflito ou inconsistência entre os pon­
tos de vista científico e religioso-"Eu sou um cientista profissional. Ciência é apenas meu
'trabalho', não minha religião".

3. Qual deve ser a atuação do terapeuta?

Quando o paciente relata algum fato ou evento que não compreendemos, não deve­
mos, como terapeuta, o excluir ou negar colocando-o como um dado supersticioso, um
sintoma de fanatismo ou falta de cultura. O terapeuta deve escutar e recolher o material
que surge e que tenha algum conteúdo religioso, da mesma maneira que são respeitados
os dados psicológicos orgânicos, os do desenvolvimento e do relacionamento social. Pode-
se pensar, dada a extensão e complexidade do campo, em especializações da terapia
religiosa destinada a pacientes pertencentes a um determinado credo, com o objetivo de
desfazer "assimilações" e confusões de conceitos e prática de vida. Nesse caso, o terapeuta
deveria ser competente na sua área específica e nos postulados da religião do paciente.

1 co-autor com Kuller, F S. (1950) do livro Pnnciples of Paycology.

216 Myri.tn Vallla* de Oliveira I ima


Isto se torna desnecessário se o terapeuta se pautar pelos princípios que regem todas as
psicoterapias - respeito à pessoa e seus objetivos, levando em conta seus inter-relaciona-
mentos com o meio.
Mahoney(1974), ao analisar as implicações ótico-sociais do papel do terapeuta
sugere que, em sua atividade, este estabeleça algumas regras:
a) Identificar seus próprios valores e, honestamente, informar ao cliente dos vieses de
valor em todas as ocasiões que estejam envolvidos sistemas de crenças;
b) Comunicar ao cliente quando uma decisão ó empiricamente baseada em conhecimen­
to técnico e quando for baseada em critérios de valor;
c) Assistir o cliente na discriminação de situações de angústia e/ou comportamento
disfuncional as quais se relacionam a um valor particular ou sistema de valores;
d) Antecipar as conseqüências das modificações no sistema de valores, quando for esta
uma opção terapêutica. Caso haja incompatibilidade com ele, terapeuta, há a necessi­
dade de se encaminhar o cliente para um outro profissional.
Como regra geral, sempre que o conflito for de ordem puramente religiosa, encami­
nho o cliente para a pessoa mais capacitada (sacerdote, rabino etc.). A meu ver, mesmo
que o terapeuta compartilhe do mesmo credo, isto é mais conveniente. Para isso, recorro
a pessoas da comunidade. Livros também poderão ser indicados.
Quando o problema for de ordem psicológica atuo como em relação a qualquer outro
problema, usando o referencial teórico cognitivo-comportamental e as técnicas dele decor­
rentes como, por exemplo, correção de concepções errôneas e de distorções cognitivas.

4. Conclusão

Os programas de treinamento de psicoterapeutas deveriam enfatizar a necessida­


de de a prática terapêutica ser coerente com os princípios éticos-sociais. A posição do
terapeuta em relação à religião não deve ser uma forma de controle social.
A relevância da postura ética é maior que o domínio de técnicas e deve permear
toda a sua atuação. Quando se leva a sério a dimensão espiritual a terapia não é menos
científica, e é mais integral e humana.
Mesmo não sendo religioso, o terapeuta tem de considerar as questões espirituais
se estas forem objetivadas pelo cliente e, logicamente, estas deverão ser tratadas dentro
do seu referencial moral e ótico.
O terapeuta competente e honesto não tem porque esconder do cliente suas convic­
ções valorativas, entre elas, as religiosas. Primeiro, porque isso se revelaria precário, na
prática, pois o terapeuta, como qualquer outra pessoa que professa uma confissão religio­
sa, haverá, em algum momento de praticar atos públicos, que virão ao conhecimento do
cliente. Em segundo lugar - isso talvez seja o mais importante em nossa área de atuação
profissional - o cliente pode procurar o terapeuta em razão do conhecimento de que já
dispõe da confissão filosófica ou religiosa do terapeuta, porque tem assegurada a um só
tempo competência profissional e afinidade valorativa. CABE AO CLIENTE - no processo
de escolha do terapeuta - DECIDIR se o procura por uma razão ou por outra, ou pelas duas
razões.

Sobre Com p o rtam e nto e C o ^ n iç ^ o 217


Por outro lado, a religiosidade como um dos ingredientes da natureza humana só
tem a ganhar no bojo de uma abordagem terapêutica, pois o paciente propicia para si
mesmo a ocasião de separar da religiosidade outros ingredientes até então tidos por
“religiosos". Passará, assim, de uma situação de superstição para outra de pura religiosi­
dade. Terá ocasião de verificar se seus conceitos de "pecado", “recompensa", "expiação",
céu, inferno etc. fazem parte do acervo conceituai e litúrgico, ou se são heranças mal ou
bem assimiladas ao longo da vida em razão da educação, da convivência social e até
mesmo da convivência religiosa.

Bibliografia

Hernandez, C. J. (1986) O Lugar do Sagrado na Terapia. Sfio Paulo: Nascente /CPPC.


Mahoney, M. J. (1974) Cognition and Behavior Modifícation. Cambridge, Mass. Bellinger Publ. Co.
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Skinner, B. F. (1972) Beyond Freedom & Dignity - New York: A Bantam Vintage Book.

2 1 8 M y r i. in V d llu is de O liv e ira l.imu


Capítulo 27

Ansiedade: o enfoque do Behaviorismo


Radical respaldando procedimentos clínicos
Nionc Torres*
vn -rR

"... (procurei) determinar uma finalidade nas ações humanas que fosse por
todos os homens, unanimemente, considerada boa e que fosse por todos eles
procurada. Encontrei apenas Isso: o objetivo de escapar da ansiedade... Não apenas
descobri que toda a humanidade considera isso bom e desejável, mas também que
ninguém é movido a agir ou a dizer uma única palavra sem que espere, por
meio dessa açáo ou palavra, banir a ansiedade do seu espirito."
(HAZM, sèc. XI apud Kritzeck, 1956).

Iniciar o tema em pauta com a presente citação, não está significando que faço
minhas, palavras tão sábias. É, tão somente, uma reflexão... Ao resgatar a linha do
tempo (e al se vão séculos e séculos) ainda nos deparamos com algo que parece ter
permanecido inalterado na vida do ser humano: o papel que as emoções assumem em
nosso cotidiano. A ansiedade, dentre todas elas, apresenta-se de grande relevância.
Explicitá-la parece não ter sido suficiente. Compreendê-la, tampouco...
Na verdade, saber conviver com a ansiedade - ou até mesmo outros eventos priva­
dos - é o que parece ser difícil para nós. Talvez seja uma questão de aprendizagem.
Houve aprendizagem para fazê-lo? Se houve, por que não nos tornou eficazes diante
dessa emoção?
Os behavioristas radicais defendem algumas concepções quanto a estes tópicos
e, conforme a análise comportamental progride, as propostas também vão sendo
aprofundadas na proporção em que surgem novas pesquisas na área. No que se relacio­

* Psicóloga Clinica do Centro Londrinense de Análise do Comportamento - CELAC - Av. Hlgienópolls. 32 - salas 901/902 -
Centro Fone/fax (43) 324 4740 Londrina-PR. E-mail: celac®»ercomtel.com.br Home-paye: http//www.sercomtel.com,br/
celac

Sobre C o m p ortam ento c Co#niç«1o 219


nam aos eventos privados e a forma como aprendemos a observá-los, identificá-los e
interpretá-los, os estudos têm trazido grandes contribuições para o trabalho clínico.
A despeito disso, o evento privado passa a ser verdadeiramente privado somente
quando a comunidade sócio-verbal partilha das mesmas contingências, reforçando, as­
sim, nossas respostas quando o descrevemos. Desse modo, podemos afirmar que esta­
dos emocionais experienciados não são sentidos (ou interpretados) como ansiedade, dor,
angústia, desamparo, depressão etc., pelo ser humano, sem que antes ele interaja nesse
contexto - ó ele o "locus" de onde partem as contingências sócio-verbais que irão modelar
nossos relatos verbais. À luz do Behaviorismo Radical, isso significa que os eventos
privados podem ser compreendidos a partir de uma concepção naturalista. Eles são, por
assim dizer, produtos das práticas culturais.
Uma das interpretações usualmente dada pelo contexto sócio-verbal é a de que
sentimentos ou pensamentos podem ser determinantes causais de problemas clinica­
mente relevantes. Desse modo, tê-los parece não ser objetivo de ninguém; dal a necessi­
dade de mudá-los, controlá-los, ou mesmo, eliminá-los. Esse é o processo de esquiva,
usado geralmente, numa tentativa de solucionar essas dificuldades. A esquiva é um com­
portamento natural dos organismos resultante dos reforçadores amplamente liberados
pelo contexto sócio-verbal.
Essas questões têm implicações para o setting terapêutico, pois os relatos verbais
dos eventos privados, assim como as ações expressas que deles advóm, fazem parte
desse nosso cotidiano, possivelmente, pelo fato de que estes podem gerar um controle
patológico na vida do indivíduo, criando entre tantas outras conseqüências, padrões de
respostas que o impedem do contato efetivo com as contingências
Os estudos de Hayes (1987) sobre o comportamento verbal e o comportamento
governado por regras contribuíram enormemente para a compreensão do papel que os
eventos privados têm no controle do comportamento humano; a análise desses eventos
ó, em primeira e em última instância, a análise do comportamento verbal e não do conteú­
do desse comportamento. Assim, um arsenal de estratégias tem surgido, possibilitando
intervenções clínicas mais eficazes, principalmente no que tange aos casos de transtor­
nos de ansiedade.
Diferentemente dos tratamentos tradicionais, Hayes e Wilson (1994) elaboraram
um procedimento denominado Terapia de Aceitação e de Compromisso (ACT). É uma
abordagem terapêutica, de base behaviorista radical, que objetiva lidar com a esquiva das
emoções e seus correlatos, bem como dos pensamentos desagradáveis, ao mesmo tem­
po em que se busca, através da quebra dos controles sócio-verbais existentes, uma
recontextualização destes, além de estabelecer um repertório de assumir e manter com­
promissos com as mudanças comportamentais. A pessoa, nessa proposta, aprende a
aceitar, através da tolerância, as estimulações aversivas evocadas pelas emoções e, por­
tanto, aprendem^ aceitar a própria emoção.
Para a ACT, sentimentos e pensamentos exercem controle sobre nossas ações
em função da literalidade da linguagem que, por sua vez, estabelecem os chamados
quadros relacionais e, do qual, o ponto de partida é a existência do contexto e das interações
sócio-verbais nele produzidas.

2 2 0 N l o n c Torres
Hayes e Wilson (1987; 1994) nos conduz ao exame dos grandes contextos que,
segundo eles, contribuem para o surgimento e manutenção das dificuldades clinicamente
relevantes:
a) contexto da literalidade - as palavras tôm significados além do que elas se referem,
uma vez que elas podem entrar numa relação de equivalência de estímulos e outras
relações derivadas com eventos verbais e eventos não-verbais. A pessoa, portanto,
responde ao significado literal daquela palavra;

b) contexto de dar razões - sentimentos e pensamentos são comumente indicados


como causas válidas e sensatas do nosso comportamento público - algo amplamente
sustentado por nossa cultura. A comunidade sócio-verbal reforça ou pune o comporta­
mento, dada as razões; e

c) contexto do controle - o processo do controle emocional e cognitivo é um treino que


se inicia tão logo o bebê nasce, e se estende ao longo do nosso desenvolvimento. A
aprendizagem de que estados afetivos negativos podem e devem ser controlados ins­
tala-se através da punição e do reforçamento. A convivência com nossos eventos priva­
dos, às vezes, torna-se difícil, pois nem sempre queremos sentir o que sentimos ou
queremos pensar o que pensamos. Deduzimos que são eles as causas dos nossos
problemas e, então, queremos controlá-los.
Na prática clínica, verificamos o poder de tais contextos, pois quando os estados
afetivos negativos não são aceitos como algo natural em nossas vidas, as tentativas de
esquivar-se deles, poderão determinar ainda mais, reações privadas e públicas. O esqui­
var-se, quase sempre, gera um alívio imediato; contudo, traz conseqüências; entre elas, o
afastamento das fontes de reforçadores e das contingências (causas primeiras do com­
portamento), ocorrendo, então, outras dificuldades para a vida da pessoa.
Enquanto intervenção clínica, alguns passos para implantação da ACT deverão ser
desenvolvidos ao longo da terapia. De uma forma resumida, aqui os delineamos:

Passos Etapa Objetivo Estratégia


clínica usada

a) Confrontar os supor­ Intenção paradoxal;


tes sócio-verbais metáforas; afirmação de
Desamparo
1fl existentes (no con­ temores subjacentes
criativo do desamparo; e "con­
texto onde está,
não há solução; há fusão".
o problema).

Sobre C o m p ortam e nto c Cogniç<lo 2 2 1


a) Descrever as con­
tingências que es­
Controle dos eventos tão criando e man­ Descrição direta; exer­
2 ° privados vistos como tendo a esquiva, cícios experimentais; e
problema mostrando de que descrição dos parado­
forma ela inibe o xos inerentes.
funcionamento de
nossas vidas.

b) Enfraquecer oacen-
dimento

a) E stabelecer um
contexto de distan­
D iscrim inar o “ eu” ciamento do "eu- Exercícios vivenciais;
3° observador do “con­ pessoa” daquilo "desliteralização"; uso
teúdo observado" que "eu sinto", no de metáforas.
qual é possível a
aceitação e a tole­
rância emocional
em que a esquiva é
desnecessária.

b) Enfraquecer o con­
texto de literalidade.

a) Dar suporte ao cli­


ente para que con-
tactue com o que Descrição direta, atra­
4fl Escolher e valorizar
definiu como valo­ vés de exemplos da vida
uma direção
res para sua vida; cotidiana; uso de pará­
estabelecer e valo­ bolas, poesias e músi­
rizar como uma ati­ cas.
vidade.

b) Distinguir escolhas
de decisões a fim de
alterar suas ações
(sobre elas, sim,
tém-se controle).

m N io n c Torres
a) Facilitar a modela­
gem direta de re­
A b a n d o n a r a lu ta pertórios comporta- Metáforas; “exercícios
5° com o controle ex- mentais na ausên­ de espontaneidade";
periencial cia de respostas de experienciar através da
esquiva. imaginação ou "in vivo"
as emoções, os pensa­
b) Encorajar os clien­ mentos, etc.
tes a experienciar
deliberadam ente
pensamentos, emo­
ções, sensações cor­
porais sem tentati­
vas de mudá-los,
eliminá-los ou fugir
deles.

a) Auxiliar o cliente a
com prom eter-se
Compromisso com a com a ação.
6° mudança comporta- Efetivação de compro­
mental b) Facilitar a escolha missos comportamen-
de decisões que o tais; exemplos do coti­
cliente valoriza. diano.

c) Fortalecer o discri­
minar dos pensa­
mentos e sentimen­
tos, como eles real­
mente sáo e não
aquilo que dizem
que são.

Fonte: Hayes e Wilson, 1994.


Na seqüência e a fim de ilustrar mais claramente esta proposta quando atuamos
com o cliente, apresentamos um caso clínico e a intervenção realizada através da ACT,
especificamente com referência à etapa nfl3, ou seja, discrim inar a pessoa do seu
comportamento.

Caso clínico

1. A identificação

Cliente do sexo masculino, 32 anos, solteiro; escolaridade superior (filosofia e pedago­


gia); segundo filho de uma família de três irmãos; orientador pedagógico em Colégio particular.

Sobre Comporl«imcnlo c Cognitfo V23


2. A queixa

a) A partir do encaminhamento do psiquiatra: diagnóstico de "síndrome do pânico” .


b) A partir do cliente: passa muito mal; tem sintomas "ruins"; acha que vai morrer ou
desmaiar quando esses sintomas aparecem. Tem medo de que "da próxima vez não
vai escapar”. Não fica mais sozinho, apresentando dependência pelas pessoas. Não
sai mais de casa. Diminuiu o ritmo de trabalho. Ficou "muito mal" com a morte do pai
e, oito meses depois, teve a primeira "crise". "Meu problema é essa ansiedade" (SIC).

3. A história
O cliente sempre foi muito amparado e protegido pelos pais. Teve algumas doenças
infecto-contagiosas na infância e recebeu "mimos" (sic) extras: o melhor quarto da casa
era para ele; os amiguinhos eram solicitados pelos seus próprios pais a virem brincar com
ele; ganhava todos os brinquedos que queria, etc. Foi uma criança muito quieta, que "não
dava trabalho" (sic).
Sua família sempre foi muito fechada. Não faziam e nem recebiam visitas. Lazer e
viagens eram realizados em conjunto (a ordem era: “todos juntos, sempre"). Isso era
bastante reforçado pela mãe que sempre dizia que as únicas pessoas que o amavam de
verdade eram eles (pais e irmãos). Seus pais reforçavam bastante as solicitações dos
filhos que pudessem estar relacionadas à retirada de algum sofrimento emocional.
Quando tinha excursões do colégio ou quando era convidado para festinhas, o
cliente apresentava fortes dores de cabeça; seus pais imediatamente acediam, não mais
insistindo para que fosse. Ao mesmo tempo, mostravam compreensão. Quando não era
possível deixar de comparecer, ele ia, porém tenso, pálido e trêmulo.
Na adolescência, as interações sociais do cliente foram mínimas. Quando não era
ele que planejava os encontros ou o lazer, sentia-se muito inseguro, pois achava que
poderiam ocorrer situações sobre as quais ele não teria controle; optava por não ir. Teve
apenas um relacionamento afetivo quando adulto jovem, que durou seis meses; não sabe
dizer por que acabou.

4. Os outros comportamentos clinicamente relevantes do cliente

Apresenta comportamento de baixo limiar para frustração e críticas, dificuldades


em expressar sentimentos e pensamentos, é agressivo e autoritário nos relacionamentos
e, na maioria das situações, apresenta-se perfeccionista e controlador ao extremo.

5. A “ crise”

Durante as crises, as interpretações que o cliente fazia das sensações físicas -


como sendo um iminente ataque cardíaco ou um derrame cerebral - tornava-as mais
intensas, uma vez que aumentava a ansiedade; e aí, então, tentava controlá-la a todo
custo. Não conseguia, obviamente. As interpretações catastróficas se intensificavam e a
ansiedade aumentava mais ainda. Eclodia um novo ataque.

224 Nionc lorrc*


O cliente relata que sempre tentou desesperadamente controlar o que sentia, prin­
cipalmente, enquanto sentia. Queria, desesperado, encontrar uma fórmula para controlar
a crise. Toda tentativa era sempre seguida de fracasso e tudo que fazia não percebia
qualquer resultado. Além disso, tinha a sensação de que, se não controlasse o que sen­
tia, acabaria por morrer e isto era tudo que não queria. Nada mais parecia ter sentido.
Tomava vários medicamentos na tentativa de minimizar a ansiedade.

6. A intervenção através da ACT

Examinaremos, para fins desse estudo, um “corte" da sessão em que a etapa da


ACT: “ Discrim inar o ‘eu’ observador do ‘conteúdo observado’” foi implementada.
O cliente, nessa fase do processo já havia discriminado que, no sistema em que funci­
onava até então, as soluções tentadas não eram soluções e, sim, parte dos seus pro­
blemas. Aprendeu também, a partir de exercícios metafóricos e experienciais, que
tentativas de controlar a ansiedade e seus correlatos físicos, através da esquiva, redun­
davam em fracasso.
Assim chega o momento de o cliente aprender a distinguir o "seu ‘eu’ do seu
próprio com portamento” , discriminando que os determinantes causais do nosso com­
portamento estão no domínio das coisas físicas e não das emocionais. Não é fácil... O
contexto sócio-verbal estabelece uma tendência generalizada para responder verbalmente
ao próprio comportamento; não somente vendo-o, mas o “ver-vendo". Todavia, diz Hayes
(1987), que "não é apenas o ver-vendo. É algo mais, criado pela comunidade sócio-verbal:
é o ver-vendo a partir de uma perspectiva" (que é da minha pessoa). Na verdade, é um
sentido do "eu" com propriedades especiais.
O autor complementa: "a pessoa não está somente notando o comportamento
chamado sentimento ou pensamento, e sim, está realmente na situação descrita pelo
pensamento. Assim, o sentido do "eu", estabelecido pela comunidade sócio-verbal pode
ser observado a partir de, porém, não simplesmente observado.
Em outras palavras, nessa fase, auxiliamos o cliente a discriminar a pessoa que
ele chama de “eu" e o problema de comportamento que ele quer eliminar. Busca-se levar
o cliente a discriminar as auto-verbalizações para o que elas verdadeiramente são e não o
que elas dizem que são, enfraquecendo o contexto da literalidade. O resultado é que a
pessoa aprende a enxergar sua ansiedade e seus correlatos físicos, ou mesmo seus
pensamentos, a partir de uma outra perspectiva.
No caso clinico aqui descrito, optamos, como estratégia terapêutica, pela aplica­
ção de um exercício vivencial, em que a pessoa fantasia que está fazendo uma longa
viagem de trem*.
Ao final da vivência, deu-se a seguinte interação entre terapeuta e cliente:

T: (introduzindo a análise do “eu" e o que “eu sinto" de forma sutil): VQCé ®stá ® esteve
o tempo todo nesta sala... porém, vocô também estava fazendo uma viagem
de trem... Quem está aqui agora, não é o mesmo vocô que estava lá?

C*. ... Silêncio primeiro...; depois: “É... su me vi viajando; eu me vi... Era eu, com certeza".

Sobre Com p o rt.inicn lo e Co fln iyJo 225


T: (Dando mais SDs, empaticamente, para melhor ressaltar a observação entre o "eu
observador" e o "conteúdo observado"): Vamos refletir juntos: É possível que yoç§
possa se ver de onde y q ç # está? Reflita sem pressa... Novamente, vamos ver:
Vqc£ enxergou você no trem e em cada estação, concorda? Mas, você tem
sido você o tempo todo, não ó?

C: "Acho que sim... É... ó, verdade, eu posso me ver indo para outros lugares. E, agora
pensando: sabe, às vezes, eu me vejo até onde nunca fui (dando exemplos)... Assim
como eu enxergo 'coisas' minhas também... Por exempío: eu me vi com medo como
criança, na primeira estação... me vi todo agitado na adolescência e, na idade adulta,
eu me vi tenso e inseguro. É... sou eu..."

T: (observando que o cliente começa a discriminar o processo, aprofunda as perguntas


relacionadas às emoções para levar à reflexão): Note: você está “ vendo" suas emo­
ções, não ó mesmo? Perceba, então, como elas mudam, e mudam e mu­
dam... Pense, agora, em todas as emoções que você já experenciou em sua
vida, assim aconteceu na sua viagem, em cada estação. Observe que, algu­
mas vezes, você está feliz, outras, você está profundamente triste; ou está
tranqüilo, ou está abatido...

C: "Acho que,.. Bom, vamos ver... Eu não mudo... É isso, eu não mudo!... eu continuo
sendo eu... porém, os meus sentimentos, meus pensamentos... eles mudam, e mudam
de verdade constantemente... Entendo: eu consegui enxergar o meu sentimento e até
meu pensamento, e, é lógico, que é a partir da minha própria pessoa: de "mim mesmo"...
Olha, acho, então, que eles me acompanham sempre... É. Mas eu não sou eles!!!...
Espera... eu nunca tinha percebido isso... Será que posso dizer assim: olha lá minha
ansiedade... olha meu pensamento...? (o cliente, neste momento, ri e “brinca" com ou­
tros exemplos, apresentando um comportamento de satisfação e, até, de bem-estar).

T: (Reforça a compreensão e a discriminação do cliente, enfatiza alguns aspectos, como


também complementa com outras reflexões que envolvem o “distanciamento entre a
"minha pessoa” e o “meu comportamento") Veja: não é uma questão de crença.
Faça isso: nesse momento apenas preste atenção em alguma emoção que
você está sentindo. Observe-a... devagar... Atente para ela... Assim... chegue
próxim o dela... e, agora, perceba: quem a está notando?... Sim... ó você...
Você ó o contexto no qual todas estas coisas podem ocorrer e são vistas como
coisas. Sem você, elas jamais existiriam... Você é o palco, elas são os artis­
tas... Vê?... Elas estão em sua vida, mas não são você... Portanto, você está
tentando mudar o que, lutando desesperadamente? Você ó aceito pelo que
você é e, não porque você tem emoções, pensamentos, etc. (Hayes, 1987)

Hayes (1987) já dizia que, somente quando a distinção - entre este sentido de
você e as coisas em sua vida - acontece, torna-se possível fazer algo de consistência
com relação aos eventos privados indesejáveis, do que tentar livrar-se deles.
Creio que este momento é um grande divisor de águas para a vida do cliente: o
"controlar a qualquer custo o que sinto ou penso" tornou-se de frágil existência e cedeu
lugar para o "aceitar meus sentimentos e pensamentos, pois, onde eu estou, eles esta­
rão; onde eu vou eles irão, uma vez que fazem parte integrante da minha vida".

2 2 6 N l o n c Torres
Sensibiliza-nos ao discriminar, enquanto terapeutas e participantes dessa mesma
comunidade, as mudanças que ocorrem, a partir desse ponto, no comportamento do
cliente. As etapas subseqüentes deslizam como que naturalmente.
Ao finalizar, a constatação importante: parece ser somente através de um contexto
diferente do usual que os seres humanos poderão deixar de lutar com a ansiedade, a
tristeza, a autodepreciação, a obsessão, etc. Talvez assim, os eventos privados serão
reconduzidos ao status que lhes cabe: tão somente o de dar-nos informações sobre as
contingências que estão atuando em nossas vidas e que, verdadeiramente, são elas, as
causas das nossas dificuldades comportamentais.
Outrossim, resta-nos dizer ainda que, os pressupostos filosóficos e conceituais do
Behaviorismo Radical, que embasam este enfoque, dão-nos a certeza de que, o cerne
presente num processo terapêutico ó a função importante que o comportamento verbal
provê na vida do ser humano, e que tratá-lo significa, antes de mais nada, analisá-lo a
partir de um contexto cultural e de um contexto lingüístico, nos quais ele se produz, se
mantém e, por fim, modela nossos comportamentos. Ponto...

- Anexo 1 -

"Vivência: "Viagem de Trem".

“Sente-se (ou deite) e procure uma posição confortável... Feche os olhos e conser-
ve-os fechados até eu pedir para abri-los. Entre em contato com seu corpo... Presentifique
seu corpo... Suas sensações físicas... Observe qualquer desconforto e, veja se precisa
mudar de posição para ficar mais confortável... Agora focalize sua atenção no seu respi­
rar... Imagine que todo seu corpo é como um balão que se enche lentamente quando você
inspira e fica muito cheio e duro quando a inspiração se completa... e, que então, se solta
lentamente quando você expira de modo que você fica totalmente leve e solto quando
seus pulmões estão vazios... Faça isto 3 ou 4 vezes.
Agora volte a sua respiração natural...
E, agora, quero que você imagine que está prestes a partir de trem para uma longa
viagem. Você está aguardando o trem... Ele já vai passar: você ouve seu apito, vê sua
fum aça;... Ele está próximo... Agora está chegando... Devagar... mais devagar... Faz
uma rápida parada... Você entra... encontra uma poltrona e senta...
O trem parte... parte devagar: Agora ele está mais rápido, e agora mais velozmen­
te... Entra na floresta... corta a mata... Você olha pela janela e observa a paisagem: muito
verde... animaizinhos correndo... árvores copadas, árvores grandes... raios de sol entre
as árvores... Agora ele passa por uma planície... um sol brilhante... claro... Você conti­
nua observando... atento... a tudo...
Agora, o trem vai diminuindo sua marcha;... diminui... diminui... Você vê que ele
está chegando numa estação... /Aos poucos ele vai parando. Você olha pela janela onde
você está sentado, e vê na estação uma criança de mais ou menos sete anos. Você fica
observando aquela criança... Atentamente... Então, você vê que esta criança ê você.
• Como você está vestido?
• O que você está fazendo?

NobreComportamento eCognífAo 227


• Há alguém com vocô?
• E sua expressão facial? Como está?
• Como vocô se sente ali na estação?
... Vocô continua olhando, completamente absorto para vocô... Prestando aten­
ção EM VOCÊ... E, de repente, o trem está em marcha... Rápido, mais rápido... Agora,
velozmente... Vocô continua olhando pela janela... e apreciando a paisagem... a nature­
za... os pássaros... as montanhas... seguindo, assim, sua viagem... Até que vocô
percebe que novamente o trem está andando devagar... mais devagar... Vocô já avista
uma outra estação... O trem pára... Vocô olha para fora e vê um adolescente... Ele tem
mais ou menos uns 14 anos... Vocô olha mais atentamente... Olha... e vô que o adoles­
cente é vocô...
• Como vocô está vestido?
• O que vocô está fazendo?
• Há alguém com vocô?
• E sua expressão facial? Como está?
• Como vocô se sente ali na estação?
... Vocô está tão atento, olhando para vocô que nem percebe que o trem está nova­
mente partindo... Então, vocô despede-se de vocô, que vai ficando lá longe naquela esta­
ção... O trem já está andando... devagar... E, aos poucos aumenta a velocidade... Agora,
cada vez mais rápido... mais rápido... Vocô continua olhando pela janela... vendo as
paisagens... uma mais bela que a outra... árvores... pássaros... flores silvestres... mon­
tanhas... Passa algum tempo... E, de repente, o trem vai diminuindo a marcha novamen­
te... Vocô avista uma nova estação; em que certamente o trem irá parar... Ele vai paran­
do, parando... Vocô, novamente olha para fora e vô, agora, uma pessoa adulta... Olha
mais... mais um pouco... e dá conta que essa pessoa adulta é nada mais, nada menos,
que você.
• Como você está vestido?
• O que vocô está fazendo?
• Há alguém com vocô?
• E sua expressão facial? Como está?
• Como vocô se sente ali na estação?
... Observe você pela última vez... pois o trem está já de partida... Ele começa a
andar ainda devagar... Agora, um pouco mais rápido... e... agora velozmente... Você
continua observando tudo da sua janela de onde vocô está... Vocô observa atentamen­
te... os animais... os rios... o sol se pondo... Logo, vocô percebe que a estação final está
se aproximando... O trem vai diminuindo seu rltimo cada vez mais... cada vez mais...
Vocô já avista a estação... Vocô vô muitas e muitas pessoas que se encontram ali na
estação... O trem pára... Todos descem... vocô também desce... vai caminhando devagar
e, pouco a pouco... desaparece naquela multidão...Continue, assim, com os olhos fecha­
dos... E, apenas, absorva por alguns momentos, a experiência que você acabou de ter...
Quando sentir que basta, pode devagar, abrir os olhos.

Bibliografia

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2 2 8 Nionc Torre*
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Sobre ('omportiimrnto c (.'oflniçilo «29


Capítulo 28

M odelo cognitivo da ansiedade


lulhinc Pietro Peres'

A terapia cognitiva foi desenvolvida nos anos 60 e teve Aaron Beck como o princi­
pal responsável pela sua fundamentação empírica e conceituai. A princípio, era uma
psicoterapia para depressão; depois, foi adaptada a outros transtornos, como ansiedade,
abuso de substâncias e transtornos de personalidade Estudos têm sido feitos para veri­
ficar a eficácia da terapia cognitiva como tratamento para esquizofrenia, transtorno bipolar,
transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, disfunção se­
xual, dor crônica, problemas de relacionamento, etc.

1. Princípios da terapia cognitiva


A terapia cognitiva é orientada no presente, portanto focalizada em problemas
recentes. Apresenta uma forma de tempo limitada, o que não significa que é breve ou a
curto prazo, mas estabelecem-se objetivos para um número de sessões e após este
prazo avaliam-se as metas e a partir daí pode ser feito um novo contrato.
Essa terapia apresenta uma estrutura para cada sessão. Inicia-se com uma breve
atualização e checagem de humor e, para tal, além da descrição subjetiva do paciente, os
inventários ajudam o terapeuta a monitorar como o paciente está progredindo. Em seguida ó
feita uma ponte com a sessão anterior, reestabelecendo rapport, uma agenda colaborativa,
quando define-se os itens a serem abordados naquela sessão, revisão da tarefa de casa,
discussão de questões estabelecidas na agenda, estabelecimento de nova tarefa de casa,
resumo da sessão e finaliza-se com o retorno de como o paciente percebeu aquela sessão.
' Psicóloga oolaboradora do AMBAN - IPq - HC - FMUSP

230 luliiinc Pictro Pcrcs


A terapia cognitiva é colaborativa, ou seja, paciente e terapeuta trabalham juntos.
É educativa, pois orienta o paciente a ser seu próprio terapeuta, para identificar
seus pensamentos disfuncionais, avaliá-los e respondê-los.
É ativa, portanto o paciente deve participar e estar disposto a fazer um esforço
para mudar.
É diretiva, pois há uma direçào para a terapia, baseando-a em metas.
O foco ó dirigido ao problema e orientado à solução, portanto o terapeuta está
atento aos obstáculos que impedem o paciente de resolver problemas e atingir metas por
si mesmo.
A terapia cognitiva dá importância à empatia e ao vinculo terapêutico.

2. Modelo cognitivo

A terapia cognitiva ó baseada no modelo cognitivo. O conceito central do modelo


cognitivo é que não são os eventos em si, e sim as expectativas, percepções e interpre­
tações que as pessoas têm a respeito deles, que são responsáveis pela sua resposta
emocional.
O modelo cognitivo baseia-se na hipótese de que os pensamentos automáticos
influenciam as respostas emocionais, fisiológicas e comportamentais das pessoas. Não
causam, mas formatam a resposta.

3. Pensamentos disfuncionais

Os pensamentos automáticos disfuncionais são um fluxo de pensamentos que


coexistem com o pensamento mais manifesto. Parecem surgir espontaneamente, são
breves e normalmente aceitos como verdade, sem ser resultado de reflexão ou avaliação.
Podem ser desencadeados por um desafio imediato: um exame, um evento social, uma
entrevista para emprego, ou podem estar relacionados com a possibilidade de um evento
distante, como casar ou divorciar, sofrer um ataque cardíaco ou acidente, ou fracassar
em sua carreira. Se os pensamentos forem distorcidos e irracionais, então interferem na
habilidade do paciente em atingir sua meta.
O pensamento disfuncional pode apresentar-se em uma forma visual, a pessoa
pode ter uma imagem em mente. O fóbico social, por exemplo, pode ter a imagem das
pessoas gargalhando e ridicularizando dele.

4. Pensamentos disfuncionais da ansiedade


Os pensamentos que influenciam a ansiedade normalmente enfocam o futuro e
superestimam o perigo inerente a uma determinada situação. Um paciente com Fobia
Específica pode pensar: "Isso pode me matar", "eu vou ser mordido por este animal". Um
fóbico social pode pensar: "Eu posso ser rejeitado", "eu não serei capaz de a g i r O s
pensamentos de um paciente com pânico podem se r: "E se eu tiver um ataque cardíaco
e morrer?"

Sobre Comportamento c CoRmç<lo 231


Beck dá um exemplo conhecido: uma pessoa está sozinha em casa e escuta no
meio da noite um barulho no outro quarto. Se pensar "Tem um ladrão no quarto", vai
sentir-se ansiosa, provavelmente o coração vai disparar ou as mãos tremerem e comportar-
se na tentativa de minimizar o perigo (se escondendo ou telefonando para a polícia). Ou
a pessoa poderia pensar “A janela está aberta, o vento derrubou alguma coisa", e então,
não sentiria medo e o comportamento seria diferente (fechando calmamente a janela e
voltando a dormir).
Os tipos de pensamentos automáticos disfuncionais que uma pessoa tem são
influenciados pelas suas crenças centrais. Os indivíduos vivenciam ansiedade porque
suas crenças a respeito de si mesmos e do mundo tornam-os propensos a interpretar
uma grande variedade de situações como ameaçadoras.
As crenças centrais do ansioso são principalmente relacionadas à vulnerabilidade,
ou seja, à existência de um ponto fraco pelo qual as pessoas podem ferir ou atacar. A
maioria dessas crenças gira em torno de questões de aceitação, competência,
responsabilidade, controle e dos sintomas de ansiedade em si.
Os pensamentos que influenciam a ansiedade podem incluir distorções cognitivas
das seguintes categorias:
1. Exagero: As pessoas muitas vezes têm um sentido ampliado de ameaça, mesmo em
face da evidência objetiva do contrário. Por exemplo, o medo do fóbico é desproporci­
onal à fonte de perigo. Portanto, há uma tendência a exagerar a importância de certas
situações, acreditando que são uma questão de vida ou morte, mobilizando-se
excessivamente para lidar com a ameaça e portanto sobrecarregando o funcionamen­
to normal do indivíduo.
2. Catástrofe: Quando as pessoas ansiosas antecipam um perigo ou uma dificuldade ,
elas às vezes percebem o desastre como o resultado provável. Um homem ansioso
enfrentando um procedimento cirúrgico relativamente simples teme que irá ficar inca­
pacitado ou morrer. Ou um paciente com ataques de pânico, tende a interpretar uma
sórie de sensações corporais de maneira catastrófica. As sensações mal interpreta­
das são principalmente aquelas que podem estar envolvidas em respostas normais de
ansiedade.
3. Generalização excessiva: Uma experiência negativa, como ser recusado para uma
promoção, pode ser traduzida em uma lei que abrange e governa a vida inteira: “Eu
posso nunca conseguir um lugar na vida. O que fazer se eu não for classificado?"
4. Ignorar o positivo: As pessoas ansiosas omitem as indicações de sua própria habili­
dade de enfrentamento com sucesso, esquecem as experiências positivas do passa­
do e antecipam apenas os problemas lamentáveis e o sofrimento interminável no
futuro. Uma paciente com fobia social, com medo de escrever na frente das pessoas
há três anos, esquece a sua experiência positiva de 2 0 anos como secretária de uma
multinacional, quando escrevia sempre na frente das pessoas.

5. Modelo cognitivo da ansiedade

Na ansiedade, as interpretações ou cognições relevantes estão relacionadas à


percepção de perigo físico ou psicológico. Os indivíduos superestimam o perigo inerente

23 2 luluine Pietro Pcros


a uma determinada situação. Essa avaliação excessiva ativa automaticamente e de for­
ma reflexa, o "programa de ansiedade".
O "sistema de alarme" prepara o indivíduo para enfrentar rapidamente o perigo, permitindo
que se prepare para uma ação evasiva, congele, para evitar uma descoberta, ou lute
decisivamente contra um inimigo, tudo sem um planejamento ou uma análise lógica. A natureza
nos induz a prestar atenção às ameaças, interrompendo atividades habituais até que tudo
esteja resolvido.
A ansiedade tem a função valiosa de ajudar as pessoas a se protegerem ou esca­
parem de situações perigosas.
Em relação à quantidade adequada de ansiedade, pode-se estabelecer uma ana­
logia à quantidade de ar no pneu. Se não tiver ar, não anda. Se tiver ar demais, explode.
É necessária a quantidade adequada para o carro andar. Portanto, a ansiedade não ó um
inimigo, pelo contrário, pode ser útil.
É necessário que duas avaliações sejam feitas:
a) Qual a quantidade de perigo e risco da situação?
b) Que tipo de recursos a pessoa tem para enfrentar a situação?
O ansioso avalia incorretamente a situação, percebe os riscos de forma excessiva
e minimiza seus próprios recursos para enfrentamento.
Quando a ansiedade é disparada por uma avaliação errônea, as respostas ativadas
pelo programa de ansiedade são inadequadas à situação, portanto o alarme ó falso.
Desse modo, o paciente com um transtorno de ansiedade faz esta distorção
cognitiva e antecipa uma ameaça mesmo quando existe uma pequena probabilidade de
ela ocorrer.
Através da terapia cognitiva, existe a possibilidade de ensinar formas de provar
uma avaliação mais verdadeira e realista do perigo. A situação pode ter só uma pequena
quantidade de perigo ou nenhum perigo. É necessário aumentar a conscientização dos
recursos e quando o paciente realmente não tem recursos, estes podem ser construídos.
O objetivo da terapia ó desligar o alarme falso, que ó acionado influenciando a
ansiedade, mas, manter o alarme real, que ó importante.

6. Modelo cognitivo do pânico

Os pensamentos disfuncionais no Transtorno do Pânico, especificamente, quase


sempre fazem parte de um ciclo vicioso de pensamentos, emoções e sensações físicas,
que pode ser disparado por exemplo pelo pensamento: “E se eu tiver um ataque cardíaco
enquanto estiver dirigindo?” O pensamento, que contém a idéia de perigo, desencadeia
ansiedade e uma variedade de sensações físicas e mentais como tontura, formigamento
nas mãos, falta de ar, ou outros sentimentos de irrealidade.
Estímulos externos ou internos (mais comuns) são percebidos como ameaça,
então vem um estado de apreensão associado com uma variedade de sensações corpo­
rais. Se essas sensações são interpretadas de maneira catastrófica, aumenta a apreen­

Sofore C'omporf<imcn(o e C o u m ç Jo 2 3 3
são e isto traz um aumento das sensações corporais. E assim por diante, entrando numa
espiral viciosa que culmina em um ataque de pânico.
Portanto o indivíduo interpreta uma série de sensações corporais normais de ma­
neira catastrófica, como um indício de desastre físico ou mental. Uma leve falta de ar
pode ser percebida como uma parada respiratória iminente, ou palpitações como um
ataque cardíaco, ou fraqueza como desmaio.
Dois processos contribuem para a manutenção do pânico. Por temerem certas
sensações, eles se tornam muito mais vigilantes a elas e examinam muito os seus corpos.
Entâo percebem mais sensações que outras pessoas.
A evitação mantém as interpretações negativas dos pacientes. O paciente acredi­
tava que evitar exercício físico o ajudava a evitar uma doença cardíaca, e isto o impedia
de constatar que os sintomas que estava experimentando eram inócuos. Achava que
realmente teria sofrido um ataque de pânico se não tivesse interrompido o que fazia.

7. Conclusão

Nos transtornos de ansiedade, a ênfase do tratamento está na reavaliação do risco


em situações e dos recursos da pessoa para lidar com a ameaça. Para transtornos de
pânico, a direção da terapia envolve testagem das interpretações erradas catastróficas do
paciente de sensações corporais ou mentais.
Através da terapia cognitiva, as pessoas podem ser ensinadas a identificar os pen­
samentos disfuncionais e avaliar quanto eles são válidos ou verdadeiros. O paciente vai
aprender a reconhecer seus pensamentos quando se sentir ansioso, a observar os sinais
físicos da ansiedade e a modificar os pensamentos irreais.
Quando as pessoas mudam seus pensamentos para uma direção mais realista,
gradativamente eliminando as distorções de pensamento, a ansiedade diminui e desenvol­
ve-se uma abordagem viável para lidar com as situações da vida.

Bibliografia
Beck, A. T. & Emery, G. (1985)(with Greenberg, R. L .) Anxlety disorders andphobias: A cognitive
perspective. New York: Basic Books.
Bock, A. T. & Emery, G. (1995)Coping with anxiety and panic (rev.ed.). Bala Cynwyd, PA: Beck
Institute for Cognitive Therapy and Research.
Gentil, V. et al. (1993) Pânico, Fobias e Obsessões. Sflo Paulo: EDUSP.
Hawton, K., Salkovskis, P. M., Kirk, J. & Clark, D. M. (eds.)(1989) Cognitive-behavior therapy for
psychiatric problems: A practical guide. New York: Oxford University Press.

2 3 4 lulianc Pictro IV rc s
Capítulo 29

Transtornos da ansiedade: estratégias


de intervenção1
Sandra Maria Cury de Sou/a Leite

A Terapia Comportamental Cognitiva tem se mostrado bastante eficaz no tratamen*


to da ansiedade.
Os transtornos de ansiedade podem ser classificados em:

- Ansiedade generalizada;
- Transtorno do pânico;
- Stress pós-traumático;
- T ranstorno obssessivo-compulsivo;
- Fobias específicas.

O primeiro passo no tratamento ó obter um diagnóstico preciso para que se evite


confusão na prioridade a ser dada no segundo passo, que é o de delinear um plano de
tratamento.
Num primeiro momento, parece ser simples o diagnóstico diferencial de transtor­
nos de ansiedade, porém isto não é verdade. Alguém com a queixa de medo de voar pode

1Trabalho apresentado na mesa redonda: “Transtornos de ansiedade: diagnósticos e tratamento" - VI Encontro da Associa-
çAo Brasileira do Psicoterapia e Medicina Comportamental - Santos, setembro de 1997

Sobre Com p o rtam e nto c C o flm vJo 235


ser considerado portador de uma fobia símpíes, enquanto que uma investigação mais
cuidadosa poderá demonstrar que o medo de voar faz parte de um quadro mais amplo,
envolvendo Transtorno do Pânico com Agorafobia.
Considerando-se a grande variedade de sintomas físicos experienciados por indiví­
duos portadores de transtornos de ansiedade, é crucial que o paciente seja primeiramente
visto por um psiquiatra, para que sejam feitos os exames necessários e prescritos os
medicamentos considerados convenientes.
Embora a ansiedade seja uma das respostas emocionais mais comuns, ela nem
sempre pode ser considerada um fator negativo. Níveis moderados de ansiedade podem
funcionar como fatores motivacionais, mobilizando o indivíduo e melhorando seu desempe­
nho. A ansiedade só se torna um problema quando em níveis altos, pois debilita o indivíduo e
causa desconforto.
Porém a freqüência com que a ansiedade atinge limites debilitantes ó muito alta,
uma vez que os dados demonstram que 8 % dos americanos possuem algum tipo de
transtorno de ansiedade.
De acordo com Beck, em sua teoria cognitiva da psicopatologia, o pensamento do
paciente ansioso é dominado por temas relativos a perigo. O paciente antecipa riscos
para si mesmo e para os familiares, podendo esses riscos ser de natureza física, social
ou psicológica.
Um grande número de distorções cognitivas é comum aos pacientes ansiosos, levan­
do ao aumento da ansiedade (independentemente do transtorno de que sejam portadores).
- Catastrofização - pacientes ansiosos tendem a esperar pelas piores conseqüências
possíveis.
- Personalização - indivíduos ansiosos freqüentemente reagem como se os eventos
externos fossem especificamente relevantes para eles. Ex: ouvir a respeito de um
acidente aéreo num dia em que irá viajar pode ser tido como um aumento na probabi­
lidade de que sofra um acidente.
- Ampliação e minimização - os indivíduos ansiosos tendem a focalizar sua atenção
nos sinais de perigo potencial desvalorizando outros aspectos da situação que indi­
cam segurança.
- Abstração seletiva - Ignoram o contexto, focalizando-se nos elementos considera­
dos ameaçadores.
- Inferência arbitrária - grandes conclusões a partir de poucos dados. Ex: qualquer
sensação corporal estranha pode significar um ataque cardíaco.
- Supergeneralízação - o paciente pode ver uma situação de curta duração como
eterna: pode pressupor que se um problema ocorreu uma vez, ocorrerá sempre, etc.

As pesquisas demonstram que certos tipos de crenças são cacterísticas de indiví­


duos ansiosos mesmo numa população não clínica: tendem a achar que se algo possa
ser perigoso devem preocupar-se com isso ininterruptamente; que devem ser absoluta­
mente competentes para serem dignos de consideração etc.

236 Sandra M a r ia C u r y d r Sou/a l.cilr


1. Estratégias de intervenção

O primeiro objetivo no tratamento de pacientes com transtorno de ansiedade é o de


eliminar o medo desproporcional que o paciente tem da ansiedade (medo de sentir medo)
e quaisquer padrões inadequados desenvolvidos para esquiva da ansiedade. Todavia, isto é
difícil uma vez que medos e comportamentos inadequados tendem um a perpetuar o outro.
Essa tarefa é um tanto mais complicada porque as respostas racionais não possuem,
sobre a ansiedade, o mesmo impacto que possuem sobre outros problemas emocionais.
A conceitualizaçáo de desordens de ansiedade sugere vários pontos nos quais a
intervenção pode ocorrer.
- O nlvel geral de ansiedade pode ser reduzido treinando-se o paciente em habilidades
redutoras de ansiedade. Ex: relaxamento.
- As cognições catastróficas com relação às situações temidas, imagens, pensamen­
tos, etc. podem ser desafiadas através da reestruturação cognitiva.
A esquiva, seja comportamental ou cognitiva, pode ser modificada através de pro­
cedimentos de exposição, contando-se com a colaboração do paciente. Cada um desses
pontos de possível intervenção possui um impacto no processo como um todo, mas o
maior impacto ó obtido quando vários aspectos do processo de ansiedade são modifica­
dos ao mesmo tempo.
Em geral, indivíduos ansiosos investiram muito de suas vidas tentando lutar, contro­
lar e se esquivar da ansiedade. Uma tática amplamente usada é a de sugerir ao paciente
que desista do "controle” de sua ansiedade e aceite a experiência de enfrentá-la.
A exposição aos estímulos geradores de ansiedade, seja imaginária ou ao vivo, é
parte central no tratamento dos transtornos de ansiedade. A exposição e o treinamento
em táticas de enfrentamento não só aliviam a ansiedade como dão ao paciente maior
confiança em seus próprios recursos, provavelmente diminuindo a probabilidade de que
novas reações de ansiedade se desenvolvam no futuro.
Saliente-se que em grande parte dos casos estas intervenções comportamentais
caminham em paralelo a intervenções medicamentosas, não havendo incompatibilidade e
sim complementaridade entre essas intervenções.

2. Técnicas comportamentais e cognitivas

Muitos pacientes com transtorno de ansiedade sentem-se atingidos pelo fato de


seus problemas parecerem incompreensíveis. Em função disso, é bastante adequado
iniciar o tratamento informando o paciente a respeito de seu problema.
Tomar providências que gerem alivio rápido auxilia o paciente na adesão ao trata­
mento. Ex: informação, treino de relaxamento e de habilidades de enfrentamento etc.
É importante destacar que alguns tipos de técnicas objetivam desvincular determi­
nadas situações das respostas de ansiedade (dessensibilização sistemática) o que faz
com que as experiências evoluam de forma gradual e lenta para se evitar o surgimento da

Sobre Comportamento eCotfniç.1o 237


ansiedade. Nas técnicas de exposição, isso não ocorre necessariamente. Pelo contrário,
vivenciar a ansiedade e suportá-la adequadamente ó considerado importante em vários
casos.
Considero desnecessário enumerar e descrever o grande número de técnicas exis­
tentes, por serem facilmente encontráveis em bons livros de Terapia Comportamental
Cognitiva.
No estágio final da terapia, ó necessário trabalhar na prevenção. É importante para
o paciente que está se recuperando de um transtorno de ansiedade compreender os
riscos envolvidos na resposta de esquiva. A tendência de se esquivar de situações que
evocam ansiedade é natural, porém, se um paciente voltar gradualmente a se esquivar de
situações que evitava no passado, a ansiedade poderá retornar.
Vale salientar que o terapeuta tem que estar alerta em casos de transtornos de
ansiedade, assim como em quaisquer outros tipos de casos clínicos, para a possibilida­
de de haver outros problemas emocionais interagindo com o problema em questão. Des­
cuidos dessa ordem podem gerar problemas de desinteresse por parte do paciente, bem
como de enfoques errôneos por parte do terapeuta.

2 3 8 Sandra M«iria Cury dc Souza l.cltc


Capítulo 30

Terapia Comportamental Cognitiva


Técnicas para o tratamento de transtornos ansiosos

Manoet/osé Pereira Simào'

Apresento neste capítulo as principais técnicas utilizadas dentro dos referenciais teó­
ricos comportamentais e cognitivos para tratamento dos transtornos ansiosos. Estas técni­
cas são aplicadas no Ambulatório de Ansiedade - AMBAN - do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da FMUSP, além de serem recursos eficazes no atendimento em
consultórios.
Os principais transtornos ansiosos atendidos são:
- Transtornos de pânico, com e sem agorafobia;
- Fobia simples ou específica;
- Fobia social;
- Transtorno obsessivo compulsivo (TOC);
- Transtorno de ansiedade generalizada;
- Transtorno de estresse pós-traumático;
Existem técnicas similares e específicas que podem ser utilizadas por vários des­
tes transtornos.
A primeira etapa do tratamento ó a definição precisa do problema e uma investigação
da história da queixa. Isso é feito através de uma análise funcional. Investiga-se com ele os
antecedentes, o comportamento e suas conseqüências, além das contingências em que
ocorrem. Deve ser levantado cada aspecto do paciente: os estímulos, respostas, cognições
(pensamentos, idéias, crenças, suposições, fantasias), sentimentos, sensações e seus
correlatos fisiológicos, comportamentos, esquemas de reforçamento, possíveis ganhos se­
cundários aprendidos em todas as circunstâncias e condições em que se dá a ansiedade
patológica. Esse levantamento deve ser feito diretamente com o paciente e, em casos da

Sobre Comportamento e CotfniçJo 2 3 9


impossibilidade, com os familiares ou amigos, como em casos de pacientes com pânico,
impedidos de vir ao consultório, ou com TOC, em que a família pode relatar mais detalhes
omitidos pelo paciente.
Estes dados são de importância fundamental para nós terapeutas, pois nos forne­
cem indícios para um eficiente diagnóstico.
Segundo Rangó (1995), a identificação dos antecedentes estimuladores de respos­
tas é indispensável a uma terapia comportamental eficaz e depende principalmente dessa
investigação bem-feita.
No inicio de um tratamento psicoterápico, deve-se esclarecer cuidadosamente ao
paciente sobre o fato de seu comportamento inapropriado, resultante de sua queixa, ser
condição clinica reconhecida e, sobre a qual muito se tem estudado. Por todos os estu­
dos realizados em importantes universidades pelo mundo, informá-lo que sabe-se que se
trata provavelmente de uma condição causada pela combinação de fatores biológicos e
ambientais aprendidos. O terapeuta deve inspirar confiança para que se estabeleça um
rapport positivo.
Em experiência clínica, observa-se que uma terapia bem conduzida ocorre em função
de uma boa compreensão pelo paciente dos aspectos racionais do tratamento. A isso cha­
mamos de “ racional do tratam ento’’ no qual explicam-se os modelos teóricos
comportamentais e cognitivos. Essa etapa ó importante e nos assegura a participação e
cooperação do paciente na adesão, prevenindo possíveis resistências. Se necessário pede-
se para que ele explique o que compreendeu, eliminando assim suas dúvidas.
Qualquer que seja o tratamento escolhido, é fundamental que o paciente esteja
motivado para participar do tratamento, mesmo que isso signifique tolerar algum grau de
desconforto e ansiedade durante o processo terapêutico.
Um dos recursos que ajudam a identificar a gravidade do transtorno são as escalas,
entre elas: Escala Beck de ansiedade; Haminton de Ansiedade; Sheenan de Ansiedade; Y-
Brown para Transtornos obsessivo-compulsivo, e de Habilidades Sociais de V. Caballo; Es­
sas escalas auxiliam o terapeuta a identificar sintomas que por vezes não são relatados pelo
paciente, muitas vezes nem conhecidos por ele, além de conhecer sua gravidade.
Após essa etapa inicial, que pode durar entre uma e duas sessões, criam-se metas
e estratégias que serão aprendidas em consultório e aplicadas diariamente pelo paciente.

1. Técnicas comportamentais
O objetivo geral é a redução da ansiedade patológica e a promoção de recursos
saudáveis no paciente. Utilização dos princípios da habituação da ansiedade pela exposi­
ção às situações temidas (ao vivo ou em imaginação), redução do comportamento patoló­
gico, prevenção de respostas, treino de relaxamento, desenvolvimento de habilidades so­
ciais não apreendidas, promovendo assim um padrão de comportamento mais adaptado e
saudável.

1.1. E xp osição

A extinção da ansiedade ocorre quando o estímulo temido (o estímulo condiciona­


do) é repetidamente apresentado sem a razão para ficar com medo (estímulo incondicionado),

2 4 0 M u n tu -I José Pereira Sim .lo


ou seja, ao usar a extinção como estratégia terapêutica, os indivíduos com transtornos
ansiosos são repetidamente expostos aos estímulos que temem. Segundo Rangó e col.
(1995, p.283), a extinção é a “quebra de contingência que existe entre uma resposta e sua
conseqüência. Tem o efeito de reduzir gradual, mas significativamente a freqüência do
comportamento que deixou de ser reforçado. Deixar que uma resposta ocorra sem ser
seguida por suas conseqüências usuais, ou permitir que o paciente tenha acesso aos
estímulos reforçadores sem que o comportamento antes mantido por esta relação de
contingência perca sua força e diminua de freqüência."
A exposição pode ser ao vivo, na imaginação ou por exercícios interoceptivos. Para
as fobias especificas, criam-se programas de exposição gradual aos estímulos eliciadores
de ansiedade e medo (escuro, avião, animais, seringas, etc.). Para a Fobia Social, a
exposição é direcionada às situações temidas (comer, assinar ou falar em público). No
caso da agorafobia, direcionado a expor-se a locais temidos.
Primeiramente, ensina-se a medir a ansiedade de uma forma subjetiva. Dá-se o nome
a isso de Unidade Subjetiva de Ansiedade. É uma forma de pontuar, de 0 a 10, quanto de
ansiedade a pessoa sentiu ou sentirá em determinada situação, real ou imaginária. Em
seguida, pede-se ao paciente para listar situações que lhe dão ansiedade e dar um nota de 0
a 10. Tem-se então uma hierarquia de ansiedade. Essa hierarquia é a base para os exercícios
de exposição gradual. Começa-se a se expor as situações com nota menor e à medida que
vai ocorrendo a habituação da ansiedade, sobe-se na escala para as situações mais temi­
das. A ansiedade vai diminuindo assim como o que era muito ansioso no início vai diminuindo
em sua pontuação. Um novo padrão de comportamento vai se instalando.
Exemplo: para um tratamento de uma pessoa com fobia a cães, cria-se um progra­
ma no qual o sujeito será gradativamente exposto a cães amistosos que não mordem e o
medo associado aos cães por fim será extinto.
Assemelha-se em alguns aspectos com a dessensibilização sistemática de Wolpe.
Consiste em aproximar o paciente de maneira sistemática e gradual aos estímulos que,
inicialmente, lhe são aversivos e geradores de medos ou ansiedade. Essa técnica deve
respeitar algumas regras básicas, como: tempo de duração do exercício, escolha e
hierarquização de estímulos aversivos, controle sobre as esquivas e sobre comportamen­
to de fuga, registro adequado do procedimento e dos níveis de ansiedade atingidos e uma
freqüência que garanta a habituação.
A razão do tratamento deve ser passada ao paciente antes do início dos procedimentos.
Os mecanismos subjacentes de mudança no tratamento de exposição incluem a
extinção ou habituação e contradicionamento. Tanto a inundação quanto a exposição
gradual podem ocorrer por imaginação ou ao vivo, sendo que as situações vivenciadas por
imaginação serão também enfrentadas ao vivo.
Para a eficácia das técnicas de exposição, Falcone (1995) cita que Turner, Beidel e
Townsley fazem algumas recomendações: assegurar-se que o paciente está imaginando
bem a situação; o tempo de duração deve ser o bastante para ocorrer a habituação ou
redução da ansiedade; o paciente precisará treinar entre as sessões, que deverão ocorrer
com uma freqüência de pelo menos quatro vezes por semana.
Esse recurso é adequado para paciente com agorafobia, decorrente do pânico,
para fobias sociais e específicas. No caso de TOC, a redução do comportamento compul­
sivo promoverá a exposição à ansiedade.

Sobre C o m p o rtiim cn lo e Coflmç«U> 241


1.2.Dessensibílízação sistemática

Técnica desenvolvida por J. Wolpe, importante pesquisador da terapia comportamental.


Consiste dos seguintes passos:
1) Treinar os pacientes ao relaxamento muscular profundo, uma resposta obviamente
antagônica à ansiedade;
2) Construir uma hierarquia de ansiedade a partir do núcleo ansioso;
3) Apresentar os itens ansiogênicos da hierarquia de forma gradual e, imaginariamente,
de modo que o relaxamento pudesse ter supremacia sobre a ansiedade e não o inver­
so. Seguir algumas sessões em imaginação.
4) Apresentar os estímulos ao vivo e promover o relaxamento aprendido em sessões.
Garantir que o estímulo do relaxamento seja generalizado para o ambiente.

1.3. Treinamento em Habilidades Sociais (THS)

Baseia-se no princípio de que o indivíduo possui déficts em habilidades e que o


desenvolvimento em tais habilidades permite o entrosamento em situações interpessoais,
reduzindo assim a sua ansiedade de forma significativa. O paciente pratica o ensaio
comportamental durante as sessões terapêuticas e tenta aplicar o que aprendeu na vida
diária, a fim de aprimorar as habilidades sociais e elevar a auto-estima. O THS envolve
desenvolver um comportamento assertivo, por exemplo: iniciar e manter conversações,
defender os próprios direitos, expressar sentimentos, criticar e receber críticas, pedir,
negar etc., conhecido também como treino de assertividade. Também a performance
de falar em público (construção da fala, pronúncia, concentração no conteúdo da fala
etc.). Esse recurso terapêutico promove a redução da ansiedade no confronto interpessoal
e é consistente com um modelo de contracondicionamento.

1.4. Relaxamento

Através de indução verbal do terapeuta e fundo musical suave, o paciente é levado


a um relaxamento físico e mental. O relaxamento é obtido pela ausência de qualquer
contração muscular, sendo identificado sob o aspecto eletromiográfico, por um silêncio
elétrico absoluto. Essa ausência de contração infraliminar, esse repouso, permite uma
descontração no campo biopsíquico. Nesse momento, há uma desaceleração de certas
funções orgânicas e as atividades corporais tornam-se mais lentas, como a redução do
consumo de oxigênio, do ritmo respiratório, da freqüência cardíaca, do pulso e da ativida­
de muscular voluntária. Aqui também há redução da freqüência cerebral que no
eletroencefalograma se apresenta com traçados em que há predominância do ritmo alfa,
que corresponde de 8 a 14 biociclos/s.
Diversos autores importantes contribuíram para o aprimoramento das técnicas de
relaxamento, como Jacobson (relaxamento progressivo) e Schultz (treinamento autógeno).
Na maioria dos treinos de relaxamento, o paciente é ensinado a identificar seus
pontos de tensão e aprender a relaxá-los. Após aprender de forma gradual a relaxar gru­
pos musculares no consultório, o paciente aprende a identificar diariamente seus pontos
de tensão, levando a um relaxamento consciente nas situações de tensão social. É muito
eficaz para todos os transtornos ansiosos.

242 Manoel lo*ó Pereira Símilo


1.5. Parada de pensamento

Consiste no paciente relatar seu pensamento obsessivo e em seguida o terapeuta


apresentar um estímulo punitivo. Em exemplo, é solicitado ao paciente que quando o
pensamento surgir a mente avisar o terapeuta que diz bem alto: “Pare”, vai diminuindo a
voz até que seja só um murmúrio. Ele vai repetindo várias vezes isso, diminuindo a voz
quando diz "pare". O paciente vai treinando isso durante as semanas. À medida que suas
obsessões e preocupações aparecem, esse novo estímulo vai sendo introduzido, diminu­
indo a freqüência e promovendo menos ansiedade ligada às situações.

1.6. Treino de auto-afirmação

Recurso importante para a promoção de auto-confiança. O paciente com o terapeuta


elabora determinadas frases que serão ditas nos momentos diários. São frases que esti­
mulam a realização do comportamento novo, promovendo uma nova aprendizagem e a
certificação que ele é capaz de realizar.

2. Técnicas cognitivas

Objetivo principal ó identificar os pensamentos automáticos e disfuncionais, reali­


zar as mudanças racionais e testá-las na realidade, alterando as crenças irracionais rela­
cionadas aos estímulos.
Para Beck (1993), as estratégias cognitivas baseiam-se na constatação de que os
pensamentos disfuncionais são os responsáveis pelas emoções desconfortáveis e com­
portamento evitativo.
Os autores cognitivos afirmam que a exposição orientada funciona e se torna eficaz
pois uma vez que o sujeito é exposto e percebe que nada de ruim (antes esperado)
acontece, ocorre um mudança no sistema de crenças a respeito do estímulo. Tais mudan­
ças no pensamento e na percepção ou idéia referente ao fato resulta na redução do medo.
Com isso, dá-se a aquisição de melhores recursos adaptativos no comportamento para
enfrentar as situações, ou seja, adquire-se maior autoconfiança ou segurança diante de
que antes lhe causava ansiedade e/ou medo.

2.1. Registro diário dos pensamentos disfuncionais

O paciente é ensinado a identificar seus pensamentos automáticos e compreende


os erros de pensamento de acordo com o modelo cognitivo. Durante a semana, ele vai
registrá-los para compreender seu modo de percepção de si e do mundo. A partir do
registro diário dos pensamentos, das emoções e dos comportamentos diante das várias
situações, o indivíduo aprende a identificar as suas distorções cognitivas e a substituí-las
por um outro modo de pensar e perceber mais racional. Vários autores da psicologia
cognitiva criaram folhas de registro dos pensamentos disfuncionais ou como o cliente
pode fazer o registro de automonitoria. Ex:.

Sobre Comportamento e Co^niç.lo 243


Dia/hora Situação Pensamentos Sentimento/ Distorção Resposta
automáticos emoção cognitiva racional

2.2. Técnica do “como se”

Segundo Rangó e col.(1995), esta técnica consiste em o paciente instruir-se a agir


numa situação "como se" fosse verdadeira. Por exemplo, agir "como se não estivesse
ansioso". Essa técnica, além de reduzir o nlvel de ansiedade ao paciente, também pode
ajudá-lo a aumentar sua autoconfiança. Há vários métodos de emprego dessa técnica:
1 ) desenvolvendo imagens: o paciente descreve como ele gostaria de agir se não se
sentisse ansioso e observa como as outras pessoas atuam;
2 ) visualizando imagens: o paciente pode se imaginar agindo como se não estivesse
ansioso;
3) representação de papéis: o paciente pode praticar agir sem ansiedade com o terapeuta.
Se ele sentir alguma ansiedade enquanto visualizar essas cenas, deverá repetir a
visualização até que a ansiedade diminua.

2.3. Reestruturação cognitiva

Um procedimento uttlizado no consultório, que facilita a aprendizagem, obedece às


seguintes etapas:
Ao se identificar um pensamento automático relacionado, imediatamente antes ou
durante a uma sensação de ansiedade, através do registro dos pensamentos automáti­
cos, consegue-se perceber que eles na verdade determinam o humor, e pode-se mudá-lo
justamente por meio da reestruturação cognitiva.
Para que a reestruturação cognitiva possa ser desenvolvida é crucial a identificação
destes pensamentos automáticos e o reconhecimento do tipo de distorção cognitiva que eles
contêm como: Absolutismo; Supergeneralização; Abstração seletiva (filtro mental);
Desqualificação do positivo; Influência arbitrária; Magnificação e minimização ( efeito binócu­
lo); Racionalização emocional; Afirmações 'deveria' ( m usturbation ); Rotulações e
Personalização.
Em vez de atribuir todos os fracassos a uma causa, o indivíduo é encorajado a
explorar outras causas possíveis, por meio de questões, tais como: Quais as evidências
de que este pensamento é verdadeiro?; Quais as evidências de que isto irá ocorrer da
forma como penso?; Se ocorrer, eu posso enfrentá-la?; O que de pior poderia ocorrer?; Eu
tenho recursos para enfrentá-la?; Que pensaria outra pessoa sobre a situação?; Estou
superestimando meu grau de responsabilidade na experiência?; Estou superestimando o
meu grau de controle sobre a maneira como funcionam as coisas?".

2 4 4 Manoel José Pereira SimJo


Isso ó o que se chama de questionamento socrático. O paciente aprende a identi­
ficar suas distorções e corrigi-las para respostas mais racionais.
A medida que vai se expondo as situações e reorganizando suas cognições, perce­
be que suas idéias, muitas vezes catastróficas, não se confirmam, permitindo assim um
prosseguimento nas estratégias terapêuticas.

2.4. Confirmação da realidade

Nessa etapa, o paciente ó solicitado a buscar informações nos fatos reais, em vez
de basear-se em preconcepções. Este deverá fazer uma descrição precisa da situação,
levantando questões, tais como: "Que evidências eu tenho para pensar assim?"; “Existe
uma forma alternativa para interpretar a situação?"; “ Estou esquecendo fatos relevantes
ou centrando-me excessivamente em fatos irrelevantes?”.
Alguns clientes possuem metas irrealistas que incluem “nunca mais ficar ansioso
em público" ou "produzir relacionamentos corretos". O terapeuta deve investigar o que o
cliente espera atingir na terapia e procurar apontar as distorções implícitas dessas metas.
Após essa apresentação, devemos estar nos perguntando como integrar estes
dois modelos teóricos na prática clínica. Na verdade, eles são complementares e podem
nos ajudar a melhorar o atendimento ao paciente. Integrar os modelos comportamentais e
cognitivos vai acontecendo na medida em que o paciente vai apresentando suas dificulda­
des. Por vezes, nos esbarramos em idéias rigidamente estabelecidas que precisam ser
reformuladas, outras nos déficits de comportamento, que precisam ser aprendidos.
Promover novas habilidades, estimular novos comportamentos, mudar emoções
desconfortáveis para emoções de prazer em conquistas são objetivos de nossa terapia.
Os pacientes ansiosos trazem em sua queixa o componente medo esboçado em
seu rosto. O terapeuta que garantir um bom rnpport, caminha meio processo, já que é por
si mesmo um modelo positivo de reforçamento e encorajamento. Juntos iremos trilhar o
desenvolvimento de potenciais latentes naquele indivíduo, promovendo a autoconfiança e
segurança e, percebendo que ele é capaz de superar suas dificuldades.

Bibliografia

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Mentais, 4* edição - DSM-IV. Porto Alegre: Artes Médicas.
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Sobre Cumporltimrnlo c CotfniçJo 245


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24b M íinorl Josf Piwini SJm.io


Capítulo 31

l/m a tentativa de entendimento do


comportamento obsessivo-compulsivo:
algumas variáveis negligenciadas1
Penis Roberto Zamigimni
i\/c s r

Este capitulo tem como proposta discutir a forma com a qual os analistas do com­
portamento vêm trabalhando com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo e a coerência deste
trabalho com a Análise do Comportamento.
A análise do comportamento é uma ciência construída sobre a proposta filosófica
do Behaviorismo Radical. De acordo com o Behaviorismo Radical, "os homens agem
sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas conseqüências de
sua ação"(Skinner, 1957, p. 15). Essa proposta, ao mesmo tempo em que rompe com a
noção de que o indivíduo é mero receptáculo de determinações sociais (Tourinho, 1993),
nega ao sujeito o papel de agente iniciador da ação (entenda-se aqui agente iniciador
como sujeito autônomo, indeterminado).
O Behaviorismo Radical compreende a ação do ambiente sobre o comportamento
humano através de três níveis de variação e seleção por conseqüências: (a) a seleção

1 Este artigo é parte de um projeto do dissertação de mestrado em elaboração pelo autor no Programa do estudos pós-
graduados em análise do comportamento, na PUCSP, parcialmente financiado pola FAPESP atravás do processo 99/07316-
4. Versflo modificada de trabalho apresentado na mesa redonda 'análise funcional da problemas psiquiátricos" durante o VIII
Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental SAo Paulo, setembro de 1999.
J' Pontifícia Universidade Católica de Sâo Paulo Perspectiva - Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento. Consul­
tório; Rua Itapeva, 490 - CJ. 56 - Sflo Paulo - SP - CEP 01332-902.E-mall: dMmig@zlp.net

Sobre C o m p ortam e nto c CoflniÇilo 2 4 7


natural da espécie (responsável pela diferenciação entre as espécies e entre indivíduos de
uma mesma espécie no que se refere à sua constituição biológica); (b) o condicionamento
operante (responsável pela diferenciação entre os indivíduos de uma espécie a partir de
sua história de aprendizagem) e (c) a seleção de práticas culturais (responsável pela
diferenciação cultural entre os grupos humanos).
Esse modelo de análise é bastante diverso de grande parte das abordagens vigentes
na psicologia atual, assim como o é o tipo de autoconhecimento propiciado pelo terapeuta
que trabalha a partir dele. O psicólogo clínico de orientação behaviorista, em vez de buscar a
explicação do comportamento dentro do organismo, busca identificar as relações indivíduo-
ambiente responsáveis pela origem e manutenção do problema-queixa e age no sentido de
promover novas relações.
Sua investigação busca o estabelecimento de relações funcionais entre eventos
ambientais e as respostas do indivíduo. Nesse sentido, a forma (ou topografia) com a qual
determinada resposta se apresenta tem um papel secundário. Diferentes respostas po­
dem apresentar funções bastante semelhantes, enquanto respostas aparentemente idên­
ticas podem adquirir funções absolutamente diversas.
De acordo com a literatura psiquiátrica, o TOC é caracterizado pela presença de
obsessões e compulsões (APA, 1995). Obsessões são compreendidas como pensamen­
tos, idéias ou imagens (visuais ou auditivas), recorrentes e persistentes, que são experi­
mentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento.
A pessoa tenta ignorar ou suprimir essas obsessões ou neutralizá-las com algum outro
pensamento ou ação e, quando obtêm sucesso, este é apenas transitório (APA, 1995).
Compulsões são comportamentos (abertos ou encobertos) repetitivos, que a pessoa se
sente compelida a executar em resposta a uma obsessão. A compulsão pode ou não ser
realizada de forma preestabelecida (estereotipada) e, em geral, tem a função de prevenir a
ocorrência de evento com conotação ameaçadora ou de fuga/esquiva de estímulo ou ob­
sessão incômodos. Após o ato compulsivo, o paciente experimenta, em geral, alívio tem­
porário da ansiedade (APA, 1995).
Nas últimas décadas, inúmeros estudos (por exemplo, Marks, 1987; Marks, Lelliot,
Basoglu, Noshirvani, Monteiro, Cohen, Kasvikis, 1988; Schwartz, 1998; Hohagen,
Winkelmann, Rassche-Ruchle, Hand, Konig, Munchau, Hiss, Geiber-Kabisch, Kappler,
Rey, Schramm, Aldenhoff, Berger, 1998; 0'Connor, Todorov, Robillard, Borgeat, Brault,
1999) demonstraram a efetividade das técnicas comportamentais e cognitivas no manejo
de problemas relacionados aos TOC. Devido ao sucesso dessas técnicas, grande parte
da literatura psiquiátrica reconhece as terapias comportamental e cognitiva (ao lado do
tratamento farmacológico) como as abordagens psicológicas mais eficazes no tratamento
do TOC (Bouvard, 1995; March, 1995; March & Leonard, 1996; Greist, 1998; Goodman,
1999).
A técnica de Exposição com Prevenção de respostas é a mais utilizada para o trata­
mento deste tipo de problema por terapeutas comportamentais. A escolha da utilização
desse procedimento é geralmente baseada no diagnóstico psiquiátrico, e o procedimento é
freqüentemente aplicado de forma padronizada. Essa técnica consiste em expor o cliente
repetidas vezes e por um tempo prolongado (45 min a 2 h) às situações que provocam
desconforto ou ansiedade, geralmente maximizando a estimulação aversiva, enquanto pede-
se que ele se abstenha de realizar qualquer ritualização. As exposições geralmente são

2 4 8 l>em s Roborlo
realizadas de forma gradual, partindo dos estímulos que produzem menor sofrimento ou
sofrimento moderado, em direção àqueles mais perturbadores. As sessões de exposição
aos estímulos ansiogênicos podem ser realizadas de forma imaginária ou in vivo (exposição
real). Além disso, os pacientes são instruídos a engajar-se em exercícios adicionais de
exposição entre as sessões terapêuticas (Riggs e Foa, 1999). Esse procedimento, devido
principalmente á maximização da estimulação aversiva postulada como necessária para a
habituação, envolve grande sofrimento do paciente.
A aplicação desse procedimento, no entanto, se isolada de uma análise funcional
mais ampla, gera uma prática incongruente com os princípios da análise do comporta­
mento. A atenção privilegiada dada por este tipo de tratamento às variáveis de natureza
encoberta (ansiedade, obsessões) pode ocultar o papel de outras variáveis ambientais
relevantes.
Alguns autores (Salkovskis e Kirk, 1997; Yaryura-Tobias e Neziroglu, 1997), na
tentativa de realizar uma análise funcional do comportamento obsessivo-compulsivo, apre­
sentam-no como envolvendo uma contingência de fuga/esquiva. A resposta compulsiva,
segundo esse modelo, seria mantida por eliminar a ansiedade eliciada pela obsessão ou
por estímulos aversivos que desencadeiam obsessões.
Por exemplo, para Salkovskis e Kirk (1997), as características centrais do proble­
ma obsessivo-compulsivo seriam:
(a) evitação de objetos ou situações que desencadeiam obsessões (os autores defendem
que toda obsessão seria desencadeada por estímulos ambientais);
(b) obsessões; e
(c) comportamentos compulsivos e/ou rituais encobertos. Os comportamentos compulsi­
vos ou rituais e as respostas de evitação seriam respostas de fuga-esquiva à estimulação
aversiva gerada pela obsessão e pela ansiedade e a proposta de tratamento teria como
foco esta resposta de esquiva. Para tanto, o procedimento de exposição com preven­
ção de respostas seria a principal estratégia (Salkovskis e Kirk, 1997). O seguinte
esquema ilustra a seqüência de eventos envolvidos no TOC conforme esses autores:

evento público evento privado


(estímulo aversivo (sofrimento
ou estímulo pré- ansiedade
aversivo) repugnação...)

Estimulação aversiva

Eliminação
resposta aberta
ou encoberta
(compulsào)

Sobre C o m p o rta m e nto c Cojjniçtlo 249


Um evento público (estimulo aversivo ou estímulo pré-aversivo) elicia um evento
privado (obsessão), que desencadeia um outro evento privado (sofrimento, ansiedade,
repugnação...) e o paciente então executa uma resposta aberta ou encoberta (compulsão)
para supostamente eliminar a estimulação aversiva gerada por estes estímulos públicos
e privados.
Para o Behaviorismo Radical, uma resposta privada (obsessão) pode ser desencadeada
por um estimulo público (estimulo aversivo ou pré-aversivo). Essa mesma resposta privada
pode ser estímulo eliciador de respostas autonômicas (ansiedade) ou estímulo discriminativo
para respostas abertas ou encobertas (compulsões) (Moore, 1984). Da mesma forma, se a
resposta compulsiva levar á eliminação da estimulação aversiva, essa mesma resposta ten­
deria a aumentar de freqüência, configurando uma contingência de reforçamento negativo.
No entanto, diversas outras conseqüências, além da eliminação da estimulação
aversiva, podem exercer controle operante e, portanto, atuar na seleção e manutenção da
classe de respostas obsessivo-compulsiva. Por exemplo, um profissional que apresente
um comportamento obsessivo de hiper-responsabilidade pode ter um desempenho profis­
sional muito superior por conta desse comportamento. No caso de uma criança, em fun­
ção de seu comportamento “estranho", sua mãe pode pegá-lo no colo e perguntar se está
tudo bem. Pode ainda pedir para seu pai conversar um pouco com ele, para ver se ele se
abre mais com o pai - que geralmente chega cansado do trabalho e não tem tempo para
nada. Uma outra pessoa poderia, em função de seu problema, ser afastada do trabalho
com o qual está bastante insatisfeita. Ao longo do tempo, a variação e seleção continuam
ocorrendo e outras conseqüências diversas podem adquirir controle operante sobre a res­
posta. Essas conseqüências (o desempenho profissional, o carinho da mãe, a atenção do
pai, a esquiva de situações desagradáveis e outras) poderiam também exercer controle
operante, não só sobre respostas compulsivas, mas sobre toda a cadeia de respostas (a
obsessão, a ansiedade e a resposta de esquiva), levando ao aumento da sua freqüência.
Ainda o controle exercido pelos estímulos antecedentes e conseqüentes pode ser trans­
ferido para outros estímulos através da formação de classes de estímulos equivalentes ou
de generalização de estímulos (Catania,1999). Depois de um certo tempo, a resposta que
aparece como queixa em nosso consultório pode não ter mais nenhuma conexão com a
contingência original (Skinner, 1953).
O trabalho de Guedes (1997) ilustra algumas possíveis variáveis que podem atuar
sobre o comportamento do paciente portador de TOC Essa autora pesquisou o envolvimento
da família nos casos do transtorno obsessivo-compulsivo, demonstrando como a ação
dos integrantes do grupo familiar pode agir na manutenção deste tipo de problema. Os
dados de Guedes indicam que a família age de maneira inconsistente com o paciente
portador de TOC, em alguns momentos, participando do ritual juntamente com o paciente,
em outros, antecipando o ritual e, em outros, ignorando ou mesmo punindo o ritual. Esse
padrão da família tenderia a manter o quadro obsessivo-compulsivo.
Possivelmente devido à história de reforçamento, a resposta compulsiva pode passar
a ocorrer sem a presença de ansiedade ou mesmo sem a obsessão. É comum observarmos
clientes que relatam “não se lembrarem" ou não terem obsessões que antecedem as
compulsões ou ainda que relatam não sentir ansiedade. Uma das hipóteses que poderia
explicar esse fenômeno estaria relacionada a características próprias da contingência de
esquiva e da vigência de esquemas concorrentes. Numa contingência de esquiva, a
conseqüência reforçadora é a eliminação do estímulo pré-aversivo que sinaliza a apresentação

250 I V m * Roberto /dm iftn.ini


de um aversivo. O indivíduo que responde a uma contingência deste tipo, portanto, não "vê” a
conseqüência de sua ação que, em última análise, é a eliminação do aversivo, ou seja, "a
conseqüência de uma resposta de esquiva efetiva é que nada acontece: o evento aversivo é
esquivado com sivcesso”(Catania, 1999, p. 121). Como agem sobre a resposta diversas con­
seqüências diferentes.
Se de tempos em tempos não ocorrerem pareamentos do pré-aversivo condiciona­
do e do aversivo (ou através de sua apresentação contígua ou através de SDs verbais),
pode se enfraquecer a conexão entre o aversivo e o pré-aversivo condicionado e, em decor­
rência, enfraquecer a relação operante entre a resposta de esquiva e a sua conseqüência
reforçadora negativa. Esse processo tornaria mais provável que o controle exercido por
outras variáveis ambientais prevalecesse sobre o controle exercido pela conseqüência
original, um processo provável de ocorrer quando diferentes conseqüências concorrem na
manutenção da resposta. Por essa razão, talvez possam ocorrer respostas compulsivas
que de fato não sejam antecedidas por obsessões ou ansiedade. A relação operante que
controla a emissão dessas respostas poderia envolver apenas os estímulos ambientais
antecedentes e as conseqüências reforçadoras que se seguem à compulsão, sem passar
necessariamente pela ansiedade ou obsessão.
Dessa forma, considerando as possíveis conseqüências que podem se seguir à
resposta compulsiva, a contingência envolvida no comportamento obsessivo-compulsivo
poderia ser representada da seguinte forma:

evento público evento privado


evento
(estímulo aversivo , (sofrimento,
privado

C
ou estimulo pré- ansiedade,
(obsessão),
aversivo) repugnação...)
Estimulação aversiva

Elim inação

F o rta le c im e n to da
cadeia Bom desempenho
profissional

Esquiva de
situações
desagradáveis

No esquema acima, a seta tracejada representa uma possível ocorrência da resposta


compulsiva sem a participação dos elos intermediários (obsessões e ansiedade). O esquema
ainda apresenta outras possíveis conseqüências que podem se seguir à resposta, além da
eliminação da estimulaçflo aversiva. Essas conseqüências podem controlar a ocorrência
de toda a cadeia de eventos comportamentais.

Outros fatores ambientais ainda podem aumentar o poder de controle operante


dessas conseqüências sobre o responder. Grande parte dos clientes que apresentam
este tipo de comportamento possuem um repertório social bastante limitado. Por conta
disso, sua ação no ambiente pode produzir poucas conseqüências reforçadoras sociais

Sobre C o m portam ento e Coflni(<lo 251


ou de outra natureza. Com um ambiente pobre de reforçadores, existe pouca probabilida­
de de que outras conseqüências (sociais ou não) mantenham uma resposta alternativa à
resposta-problema. Sabemos que a privação aumenta a probabilidade de emissão de
qualquer resposta que produza o estímulo reforçador do qual o organismo está privado
(mesmo que esta resposta envolva estimulação aversiva). Se os poucos reforçadores
ambientais disponíveis se originam das conseqüências ao padrão obsessivo-compulsivo
(cuidado, atenção especial, isenção de responsabilidades, proximidade dos familiares,
bom rendimento profissional) esse padrão tenderá a reproduzir-se.
Banaco (1997) apresenta um relato de caso no qual o cliente apresentava pensa­
mentos sobre auto-lesão durante todo o dia. Ao final do dia, sentia alívio por ter consegui­
do evitar a auto-lesão de fato:
"Continuando com a minha hipótese, eu supus que este rapaz acreditasse que evitava aversivos
com seus pensamentos sobre auto-lesôo - e sentia-se aliviado quando os evitava. Desde que se
encontrava inserido num contexto pobre de reforçadores, esse alivio era exatamente reforçador
para ele." (Banaco, 1997, p. 84-85).
Esse autor analisa que, devido ao grau de privação ser muito intenso, a simples
sensação de alívio decorrente do processo de reforçamento negativo ocorrido com a reali­
zação do ritual seria a única fonte de reforçamento à qual o cliente está exposto. Poderí­
amos acrescentar á análise desenvolvida pelo autor outras prováveis conseqüências agin­
do sobre a resposta, além daquela decorrente da não-concretização da auto-lesão, tais
como reforçadores sociais - a atenção da mãe quando de seu relato sobre as obsessões,
a manifestação de preocupação de toda a família sobre a possibilidade de ocorrência da
auto-lesão, as conseqüências fornecidas pelo próprio terapeuta ao relato. Essas conse­
qüências provavelmente não seriam suficientes para manter a ocorrência do comporta­
mento obsessivo-compulsivo se o cliente tivesse em seu repertório outras alternativas de
resposta para a obtenção desses reforçadores.
Outro ponto que merece ser discutido diz respeito à ansiedade. O transtorno ob­
sessivo-compulsivo é caracterizado como um transtorno de ansiedade. De acordo com
essa caracterização, quanto maior for a ansiedade sentida pelo cliente, maior a probabili­
dade de ocorrência da obsessão e da compulsão. Sabemos, no entanto, que assim como
a obsessão, a ansiedade não é autodeterminada. Se ela existe, existem fatores ambientais
responsáveis pela sua ocorrência. Um dos paradigmas de ansiedade é o de supressão
condicionada. Nesse paradigma, um estímulo discriminativo (pré-aversivo) sinaliza que,
após a passagem de um determinado tempo, será apresentado um estímulo aversivo. O
próprio estímulo pré-aversivo toma-se aversivo devido ao pareamento com o estímulo aversivo.
A presença do pré-aversivo é estímulo discriminativo que controla a emissão de respostas
- paralisa o comportamento operante que estava em andamento - e, se for possível, a
eliminação do estimulo discriminativo através de resposta operante, estas aparecem, mesmo
que o aversivo não seja suspenso ao final do tempo programado. O organismo apresenta
sinais de ansiedade como eriçamento de pelos, defecação, micção, taquicardia, etc.
(Sidman, 1995).
Um ambiente rico em estimulação aversiva produz, portanto, indivíduos ansiosos
em relação a vários pré-aversivos. Se o processo terapêutico não conseguir levar ao desen­
volvimento de um repertório que produza interações menos aversivas, a fonte de ansiedade
continuará presente e, por conseguinte, ficará presente a ansiedade. Não adianta, portan-

D c n is Roberto / d m i« n a n i
continuará presente e, por conseguinte, ficará presente a ansiedade. Não adianta, portan­
to, agir sobre a resposta de esquiva se não eliminarmos a(s) fonte(s) de ansiedade, pois
o comportamento tenderá a ocorrer novamente, talvez com uma outra topografia.
Em minha experiência clínica (e de outros colegas) no atendimento de clientes com
queixa de TOC, ó comum o cliente relatar a diminuição considerável da freqüência e inten­
sidade de seus comportamentos obsessivo-compulsivos quando estão em férias ou quando
estão afastados de seu ambiente habitual. Isso sugere que a) a obsessão não é desconectada
dos estímulos ambientais - não é autodeterminada; b) a funcionalidade da resposta pode
desempenhar um papel importante na manutenção e freqüência dos comportamentos ob­
sessivo-compulsivos; c) a intensidade e a freqüência dos comportamentos obsessivo-com-
pulsivos podem estar relacionadas à estimulação aversiva presente no ambiente.
Esses elementos do contexto antecedente adicionados à análise permitiriam, por­
tanto, a seguinte representação:

situações
desagradáveis
Outras conseqüências
No esquema acima, r s condições de privação ou estimulação aversiva compõem juntamente com o
estimulo discriminativo/eliciador da cadeia de respostas obsesslvo-compulslva o contexto antecedente
para a em lssio da resposta obsessivo-compulsiva. A seta tracejada representa uma possível ocorrência
da resposta compulsiva sem a participação dos elos intermediários (obsessões e ansiedade). O esquema
ainda apresenta outras possíveis conseqüências que podem se seguir à resposta, além da eliminação da
estimulação aversiva Essas conseqüências podem controlar a ocorrência de toda a cadeia de eventos
comportamenlals

As variáveis aqui discutidas podem dar pistas para compreender por que algumas
vezes o tratamento medicamentoso ou mesmo o procedimento de exposição com preven­
ção de respostas faz efeito apenas temporário. É possível que a medicação de fato seja
efetiva na alteração da bioquímica responsável pelo componente biológico determinante
do comportamento, assim como o procedimento é efetivo na eliminação da resposta com­
pulsiva. No entanto, se outras variáveis mantenedoras da resposta, assim como aquelas
responsáveis pela ansiedade não forem alteradas, o comportamento pode voltar a ocorrer,
às vezes com outra topografia - fenômeno conhecido pela literatura como substituição de
sintoma. O problema pode ter ocorrido porque a alteração se deu apenas na topografia da
resposta, e não na sua função.

Sobre Com p o rtiim cn to e Cotfniç.lo 253


A última questão que gostaria de destacar diz respeito à aversividade envolvida no
procedimento de exposição com prevenção de respostas. Principalmente o elemento ex­
posição da técnica (como é usado tradicionalmente, com a maximização da estimulação
aversiva) ó fonte de intenso sofrimento para o paciente. O argumento de muitos profissio­
nais para continuar a utilizá-lo ó a ausência de um procedimento mais adequado, já que
este apresenta bons resultados. No entanto, se as hipóteses acima estiverem corretas,
elas fornecem alguns elementos para o desenvolvimento de alternativas aos procedimen­
tos tradicionais de tratamento do TOC.
Alguns terapeutas analistas do comportamento têm relatado sucesso com procedi­
mentos que se utilizam de técnicas menos aversivas, baseados em pressupostos seme­
lhantes aos aqui discutidos.
Queiroz, Motta, Madi, Sossai e Boren (1981) propõem uma forma de tratamento do
comportamento obsessivo-compulsivo com base na análise funcional do comportamento,
cuja ênfase ó dada às conseqüências que se seguem à resposta:

... nós não encontramos um único tratamento que possa ser aplicado com sucesso baseado no
diagnóstico de 'neurose obsessivo-compulslva'. Este resultado 6 uma expectativa lógica de uma
análise funcional. Por outro lado, os procedimentos terapêuticos que temos avaliado como mais
úteis sdo baseados em um esforço deliberado de identificar as variáveis mantenedoras de cada
problema de comportamento. (...) Para nós, a questão tem sido que variáveis independentes
(tratamento terapêutico) são requeridas para mudar um problema especifico de comportamento
(obsessão) dependendo das variáveis de controle. Nossa ênfase é nas variáveis e no comporta­
mento, e não na personalidade obsessivo-compulslva ou no transtorno obsessivo-compulsivo. (p.
378)
Esses autores apresentam dados de três casos clínicos nos quais foram utilizados
procedimentos que proporcionaram o desenvolvimento de relações sociais mais
reforçadoras, produzindo a melhora do funcionamento geral do cliente e a redução das
relações aversivas. Os autores utilizaram-se de procedimentos, tais como a extinção para
as respostas mantidas por conseqüências reforçadoras (tais como atenção), modelação
de respostas alternativas à resposta obsessivo-compulsiva, orientação familiar para a
manutenção destes procedimentos além do ambiente da terapia, treino assertivo, entre
outros, sem atacar diretamente a resposta obsessivo-compulsiva. Os procedimentos uti­
lizados permitiram reduzir de forma indireta a freqüência dos comportamentos obsessivo-
compulsivos.
Banaco (1997) relata sucesso no tratamento de seu cliente através do desenvolvi­
mento de novas relações indivlduo-ambiente, em busca de reforçadores concorrentes aos
que mantinham a resposta obsessivo-compulsiva:

"Quando deparei-me com esse quadro tanto de queixas quanto de hipóteses, resolvi não dar
atenção aos comportamentos obsessivos e iniciei uma estratégia de aumentar o número de fontes
de reforçamento no ambiente dele. Minha conduta clinica estava orientada pela crença de que, se
fosse possível oferecer a Luls reforçadores mais poderosos do que o sentimento de alivio, e se
minhas hipóteses todas fossem verdadeiras, os comportamentos obsessivos cessariam’’. (Banaco,
1997, p. 85)
Em casos atendidos por nossa equipe, temos obtido resultados satisfatórios em
procedimentos nos quais a orientação para a prevenção de respostas (sem exposição
direta à maximização do estímulo aversivo) é utilizada. Em adição a isso, programamos

2 5 4 l>cnis Roberto /.im itfn.im


também o reforçamento de repertórios alternativos ao comportamento obsessivo-compul-
sivo, juntamente com procedimento de extinção sobre qualquer resposta verbal relaciona­
da às obsessões (reforçamento diferencial de outros comportamentos). Com isso, preten­
demos agir sobre outras variáveis mantenedoras do comportamento.
A busca por procedimentos terapêuticos de caráter menos aversivo encontra nas
palavras de Sidman (1995) um grande estímulo:

/As incontáveis demonstrações, dentro e fora do laboratório, de como usar efetivamente métodos
positivos tôm sido uma contribuição única da análise do comportamento. Princípios gerais e
tecnologias educacionais e terapêuticas especificas tôm evoluído, provavelmente com documen­
tação mais sólida na literatura experimental e clinica do que qualquer outra metodologia jamais
obteve. Reforçamento positivo, não coerçôo, é a marca da análise do comportamento, (p. 23-25)
O cliente que procura tratamento para um problema desta natureza procura um
profissional em busca do alívio de seu sofrimento. Se pudermos oferecer uma proposta de
tratamento que permita atingir este objetivo sem adicionar mais estimulação aversiva à
sua história de vida ou, no mínimo, que diminua o grau desta aversividade, estaremos
prestando um grande serviço à comunidade.
Concluindo, as observações informais e os dados apontados pela literatura apon­
tam para o fortalecimento das seguintes hipóteses:
- A importância das variáveis encobertas na determinação do comportamento obsessi-
vo-compulsivo pode estar sendo superdimensionada;
- A contingência de reforçamento negativo pode não ser a única condição que mantém a
cadeia obsessivo-compulsiva;
- O controle operante exercido por variáveis ambientais pode prevalecer sobre o controle
por conseqüências de reforçamento negativo;
- O trabalho do terapeuta, portanto, poderia ter maior eficácia caso houvesse maior
atenção à alteração destas outras relações ambientais;
- Como decorrência desta última, o procedimento de exposição com prevenção de res­
postas pode náo ser a melhor alternativa no tratamento do TOC, pois age unicamente
sobre a contingência de esquiva que compõe o comportamento obsessivo-compulsivo.
O tema, no entanto, exige pesquisa. Até que procedimentos como o de Banaco
(1997) sejam utilizados sem a prevenção de respostas e seu resultado seja comprovado,
ou que novos esforços como os de Queirós e col. (1981) sejam feitos para apresentar
dados experimentais, o que temos são apenas hipóteses.

Bibliografia

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256 D c n is Roberto /<imign<ini


Capítulo 32

Fantasia e imagens da infância como


instrumento de diagnóstico e tratamento de
um caso de fobia social
Lylian C. P Penteado
IA / - / ( . ' / / Ititilhi

Skinner (1991) analisou o comportamento de fantasiar fazendo referência ao dicio­


nário que o descreve como o ato de formar imagens e reformulou esta definição como “ver
por percepção direta ou pela memória" e afirmou que “podemos ver também uma coisa
ausente, não porque sejamos imediatamente reforçados quando o fazemos, mas porque
nos tornamos capazes de empenhar-nos num comportamento que será subseqüente­
mente reforçado" (p.74).
A psicoterapia comporta mental tem descrito vários exemplos (Nalin/Regra, 1993 e
1997, Banaco, 1997, Conte, 1999), de uso da fantasia como instrumento de acesso aos
comportamentos para a análise funcional. Podemos nos basear em dados relatados
diretamente pelo cliente que nos conduzam a uma análise funcional, mas o relato de
comportamentos, incluindo os encobertos, ó impreciso. A respeito das distorções possíveis
neste relato, muitos autores têm discutido. Skinner (1994) analisou em vários momentos
a dificuldade de se encontrar meios pelos quais o indivíduo possa descrever o seu próprio
comportamento e afirmou que ele tem várias razões para distorcer o próprio relato para si
mesmo. Rose (1982) observa que o comportamento operante “é basicamente inconsciente,
uma vez que a sensibilidade do indivíduo às contingências do ambiente não requer a
consciência. O comportamento é modelado e mantido por contingências que atuam mesmo
quando o indivíduo não se dá conta delas".

Sobre Com p o rtam e nto c (.'oflniçilo 257


Um cliente que se esquiva de situações que contém estímulos fortemente fóbicos
pode se esquivar também de pensar nelas e isso pode ocorrer até um ponto que poderia
levar a uma descrição de todos os estímulos que estariam envolvidos com as
contingências em operação. Essa esquiva, caso não ocorresse, poderia conduzir à
exposição aos estímulos fóbicos que levaria a uma extinção destas respostas de esquiva,
caso os estímulos não viessem mais a sinalizar as punições que estiveram presentes
nas contingências originais.
Podemos dizer que as emoções geradas por determinadas estimulações são tão
desagradáveis que a própria ativação interoceptiva que ela envolve diante destes estímulos
pode vir a ser evitada quando a pessoa pode se "desviar” de estímulos condicionalmente
discriminativos presentes. Por exemplo, quando a pessoa consegue antecipadamente uma
desculpa para não expor um desempenho específico (operar um programa no computador,
falar em público, por exemplo) à observação por outras pessoas. Desse mesmo modo, podemos
ter a hipótese de que lembranças de determinadas situações podem ser sistematicamente
evitadas, tornando-se impossível uma análise mais ampla de todos os aspectos que estejam
ligados a ela. Segundo Catania (1998, p.357), a memória autobiográfica ou episódica pode
"envolver a recordação de episódios de nossa própria vida, (.,.) pode incluir subclasses tais
como as diferenças entre a memória comum e eventos com alta carga emocional". Ele tambóm
afirma que “não há qualquer probabilidade de lembrar um item ou evento na ausência de
estímulos discriminativos correlacionados com algumas propriedades do item ou evento a ser
lembrado" (p.337). Assim, a hipótese é de que o sujeito pode evitar sistematicamente estes
estímulos discriminativos e evitar, deste modo, a lembrança de eventos envolvidos com muita
ansiedade. Kohlenberg (1987) já analisou a inibição da lembrança de eventos como resultado
de o cliente não manter contato com as variáveis controladoras relevantes que poderiam eliciar
a reação emocional e evocar a lembrança.
Como podemos ter acesso aos dados encobertos que são parcialmente lembrados
e os não lembrados que esclareceriam as relações funcionais entre os estímulos presentes
em determinadas situações que o cliente nos relata e a queixa? Skinner apontou que a
“visão condicionada explica a tendência que se tem de ver o mundo de acordo com a
história prévia" (1994, p.257). Mais adiante, afirmou que uma resposta emocional pode ser
gerada ao se relembrar de evento emocional "ou simplesmente vendo-o ou ouvindo-o" e
que a resposta discriminativa de ver X na ausência de X pode ocorrer "como resultado de
condicionamento operante ou respondente" (p.265). Skinner também analisou que "o
organismo se comporta de maneiras especiais sob tipos especiais de controle de estímulos.
Os estímulos futuros serão eficazes se se assemelharem aos que foram parte de
contingências anteriores; um estímulo acidental pode fazer-nos lembrar uma pessoa, um
lugar, um acontecimento" (1991, p.96).
Rose et al (1992) já escreveram sobre a transferência de funções discriminativas
em classes de estímulos com propriedades equivalentes. Ao analisar uma imagem descrita
por alguém como freqüentemente vista, podemos chegar a associá-la a estímulos
específicos que estiveram presentes na sua história de reforçamentos negativos e punições.
Na verdade, pensamos que eía possa representar um estímulo com propriedades
equivalentes às de estímulos discriminativos diante dos quais respostas de esquiva são
negativamente reforçadas.
Regra (1997) mostrou como o uso do comportamento de fantasiar pode ser útil
em psicoterapia ao favorecer a identificação de seqüências de comportamentos encobertos

258 l.ylun C. I’. Penteado


(e manifestos) e das contingências presentes. Banaco (1997) também analisa a utilidade
de “entrar" (“ver o que ele viu" e "sentir o que ele sentiu", p. 118) na história que ó
apresentada numa fantasia em psicoterapia. O uso de fantasia tem se mostrado possível
como uma maneira de obter relato indireto de comportamentos em crianças e podemos
usá-lo, em alguns contextos, também com adultos. Pensamos que, no exemplo que se
segue, a fantasia foi utilizada como uma maneira de possibilitar que uma lembrança de
fatos, que era sistematicamente evitada, se tornasse possível. Pensamos que esta
lembrança era precedida por estímulos (da síndrome de ativação e de uma imagem que
passava a ser vista) que poderiam ser equivalentes aos presentes nos fatos originais,
pois, ao aparecerem associados com determinadas situações, funcionavam como
estímulos discriminativos para as respostas de esquiva que também mantinham a
lembrança impossibilitada. As respostas que ocorriam, então, eram de esquiva da situação
e da própria lembrança dos fatos originais.
Neste caso, pretendemos mostrar como analisamos esta imagem que ocorria
freqüentemente a uma paciente: "ela está andando e se vê com a sensação de perder o chão,
sensação de morte, caindo num abismo infinito e escuro". Nesse exemplo, estamos falando
de uma paciente adulta, 31 anos, solteira no início da terapia, tendo se casado após alguns
meses, quando engravidou. Apresentava quadro de ansiedade social manifestada por fortes
sintomas de tremores nas mãos, suor abundante nas mãos e pés e taquicardia na presença
de algumas estimulações enfrentadas na realidade ou imaginadas antes de serem vividas,
além de relatar muito medo de "decepcionar'’ quem a visse ou ouvisse em qualquer desempenho,
ou conversa. Descrevia que, para não ser vista (esquiva) apresentando estes sintomas de
ativação emocional, ela evitava quaisquer situações de exposição social, como por exemplo:
- Operar um computador na frente de algum superior no trabalho;
- Atender clientes que aparentassem ricos e inteligentes;
- Falar em reuniões de trabalho;
- Participar de dinâmicas de grupo;
- Entrar em uma roda de pessoas conhecidas;
- Entrar em uma festa onde houvesse pessoas conhecidas ou desconhecidas;
- Falar em aulas na faculdade;
- Entrar na igreja para casar-se, diante de convidados.
Antes de qualquer uma dessas situações, ela sentia-se muito mal e dizia imaginar-se
num “corredor da morte", começava a tremer e a suar e, através de dar uma desculpa qualquer,
esquivava-se da situação. Seu pior medo era imaginar que as pessoas pensariam que ela
seria estranha se a vissem tremendo e suando daquele jeito. Costumava também temer ser
observada e imaginar que a estivessem vendo como feia, gorda, etc.; por causa disso,
preocupava-se muito com fazer dieta para emagrecer, embora seu peso fosse proporcional à
sua altura na época da terapia. Por outro lado, não podia entender e cobrava-se porque não
podia enfrentar essas situações, já que se considerava uma pessoa inteligente, competente,
mais do que a média e que sabia que sempre fora alguém com muita facilidade de aprender.
Em seu ponto de vista, era capaz de ter um desempenho "acima da média" quando distante
das pessoas. Perguntava-se, então, porque não era capaz de desempenhar frente a outros.
Esse quadro corresponde ao diagnóstico de fobia social (ClD 10).
Além desses problemas, passou a enfrentar dificuldades em relação ao filho, ao
marido e à família do marido. Sentia-se muito criticada e rejeitada por todos e tinha medo
de não ser capaz de cuidar do filho. Deixava que sogra, cunhada e outros lhe dissessem

Sobre C o m p ortam e nto e Coflniç.lo 259


o que era melhor (na opinião delas) nos cuidados de seu bebê. O marido também era visto
como melhor que ela em tudo: cozinhar, trabalhar, cuidar do bebê, mesmo quando discordava
intimamente de seus métodos ao fazê-lo. Apresentava também desculpas (esquivas) para
seus medos, como: não considerar-se capaz de cozinhar "comidas gostosas" e não
considerar-se capaz de conseguir fazer o bebê comer adequadamente. Para as situações
sociais, apresentava esquivas, como: não considerar interessantes as conversas de festas
e de rodinhas de amigos. Considerava as roupas usadas pela maioria como muito atrativas
de olhares e comentários e procurava vestir-se da maneira mais discreta possível.
A cliente foi acompanhada em psicoterapia por um ano antes de trazer o material
trabalhado através do recurso de fantasia descrito a seguir. Houve uma interrupção do
processo durante seis meses, porque ela deu à luz seu bebê em parto prematuro, o que
gerou alguns problemas que a envolveram no período. Ao retornar para a terapia, passou
por uma fase em que se preocupava muito com os cuidados do bebê e pareceu afastar-
se de seus temores mais antigos. Voltou a entrar mais em contato com eles ao retornar
para o trabalho.
O recurso da fantasia e desenho foi usado quando ela trouxe o relato da imagem
recorrente. Para trabalhar com ela, inicialmente pediu-se à paciente que pensasse nela,
fantasiasse que estava lá e prestasse atenção aos mínimos detalhes presentes. Pediu-
se também que ela imaginasse que estaria numa situação de muita ansiedade, como
costumava sentir ao pensar nessa imagem. Esse aspecto da instrução da fantasia parece
ter facilitado a lembrança, conforme aponta Catania (1999, p.339): “O recordar é geralmente
melhor quando a codificação e o recordar com pistas baseiam-se em propriedades comuns
do item a ser lembrado. (...) Em um caso especial de dependências de pistas, chamado
de aprendizagem dependente de estado, o recordar é afetado pela similaridade entre a
condição do aprendiz na recuperação e a sua condição no armazenamento (...) Por
exemplo, o que o aprendiz aprende estando embriagado pode ter maior probabilidade de
ser lembrado quando o aprendiz estiver novamente embriagado do que quando sóbrio".
Após a paciente ter anunciado que havia imaginado, pediu-se que desenhasse sua
imaginação, de forma a parecer o mais fiel possível com o que tivesse visto nela. A cliente
então produziu um desenho de duas linhas paralelas em perspectiva com um rabisco
escuro no fim delas. As perguntas que lhe foram feitas sobre o desenho foram:

- Este é o local onde você se vê andando? Descreva o que você vê e sente.


- Este é como um corredor da morte. Eu costumava me sentir assim quando estava
brincando nas ruas próximas de minha casa de infância e ouvia minha mãe gritando
meu nome REGINAAAAAÜ! (nome fictício) e me via assustada, com medo de chegar e
ouvir a bronca de minha mãe. Eu não queria chegar.
- E o que você fazia?
- Às vezes corria para a casa da minha avó para esperar que ela se acalmasse! Mas
não sei porque me lembro tanto disso.
- O que aconteceria se chegasse?
- O que sempre acontecia: ela iria me dar uma bronca, gritando porque a deixei sozinha
trabalhando, sem ajudá-la; ela dizia que devemos estar sempre à disposição dos
outros.(...) Ela sempre usava a expressão "nunca m ais!” e ficava tempos sem
falar comigo. Uma vez chegou a ficar um mês sem falar com igol

260 l.yllun C . P. Penteado


• Exemplo de punição desproporcional e sem fim

- Mas não sei porque me lembro tanto disto. Ela dizia que havia precisado de mim e que
tinha ficado brava por esperar.
- E o que vocô fazia?
- Chorava e me arrependia de ter saído para brincar.
- Por que ela dizia isto para vocé?
- Por que ela precisava de minha ajuda para fazer bolo para vender. Uma vez fiz um
esquema de brincar uma hora por dia na casa da avó e ela não concordou e perguntou:
e se eu precisar de vocô?
- Quando vocô podia sair para brincar?
- Na verdade, não podia, porque ela de repente gritava me chamando e eu me assustava
muito.
- Por que vocô não podia? Ela não combinava um horário para ajudá-la e outro para
brincar?
- Não! Ela sempre me dizia que nós devemos estar sempre prontos para ajudar os
outros (...) ela precisava que eu a ajudasse a ganhar dinheiro para ajudar na casa.
Em outra sessão, foi apresentado o desenho novamente à cliente, pedindo-lhe que
continuasse a falar sobre a imagem. Ela voltou a falar sobre sua mãe:

- Ela nunca me achava boa o suficiente. Eu tirava notas altas sempre e ela me
dizia que não fiz mais do que minha obrigação e que eu deveria chamar meus
colegas com notas mais baixas e ensinar-lhes o que eu sabia. Em casa, sempre
havia uma sala onde eu deveria dar aulas particulares para quem tinha dificuldades
na escola.(...)
- Como era dar essas aulas?
- Era ruim. Não tinha a amizade das pessoas. Elas só me elogiavam: A Regina (nome
fictício) é muito inteligente! Isto era ruim porque eu sei que só gostavam de mim porque
eu podia ajudá-los. Mas o pior era minha mãe ficar sem falar comigo, parecia que o erro
e a punição não tinham fim. As vezes eu ia pensando no caminho de casa desculpas
por ter demorado para atendô-la. Era muito parecido com o que é hoje quando tenho
que falar com alguém: começo a caminhar e o coração dispara ... eu só tinha o refúgio
da casa da minha avó, ela ia atrás de mim, mas, quando chegava lá, estava mais
calma. É horrível pensar nisso, dá sensação de ânsia de vômito!
Neisser & Harsch (apud Catania, 1998) descrevem o que chamam de "caso especial
de memória autobiográfica" que, às vezes, ô chamado de “lampejos de memória" e que
envolve o lembrar de detalhes de um lugar onde estivemos ao ouvirmos algo sobre um evento
significativo (p.351). Esse tipo de memória parece que pode ser uma explicação do tipo de
imagem que foi descrita pela paciente e, ao descrevô-la, ela pôde entrar em contato com
estímulos que faziam papel de discriminativos para comportamentos de esquiva. Essa imagem
ficou como hipótese, estava diretamente ligada ao seu relacionamento com a mãe, (tendo
havido generalização dos comportamentos em relação ao seu marido), como pudemos observar
em seu relato:
- Isto era ruim porque eu sei que só gostavam de mim porque eu podia ajudá-los. Mas o
pior era minha mãe ficar sem falar comigo, parecia que o erro e a punição não tinham fim.
As vezes eu ia pensando no caminho de casa desculpas por ter demorado para atendô-la.

Sobre C o m p o rta m e nto e C o fln ifA o 261


Era muito parecido com o que é hoje quando tenho que falar com alguém: começo a
caminhar e o coração dispara... Eu só tinha o refúgio da casa da avó, ela ia atrás de mim,
mas, quando chegava lá, estava mais calma. É horrível pensar nisso, dá sensação de
ânsia de vômito!
Nesse ponto, a hipótese de análise que foi levantada foi do tipo:
• Situação: Ter que enfrentar a observação de alguém;
• Comportamento: Acreditar não corresponder ás suas expectativas, decepcioná-lo; ver a
imagem; acreditar numa punição iminente; inventar desculpas e esquivar-se;
• Conseqüência: Conseguir desculpas que fossem aceitas ou ser punida de maneira severa
(pela mãe, ainda no presente).
Parece ter havido as seguintes relações entre estímulos:
1) A sensação despertada diante de uma expectativa de ser punida e de que a punição
não acabaria:
• “nunca mais!" era a punição que recebera muitas vezes da mãe e a sensação percebida
diante dela era provavelmente a mesma da “sensação de perder o chão", “cair num
abismo sem fim" (a imagem).

2) A eventual possibilidade de errar supervalorizada:


• O atraso por não saber quando a mãe estaria precisando dela e - hoje - qualquer
situação de possibilidade de errar no trabalho ou de decepcionar alguém sem querer.

3) A ansiedade sentida:
• “ânsia de vômito", coração disparado, tremor, suor nas mãos.

Um dos aspectos paradoxais da ansiedade aguda é o fato de que a pessoa parece


provocar involuntariamente aquilo que mais teme ou detesta. A cliente deu o seguinte
exemplo: "Hoje eu procuro usar roupas discretas para não chamar a atenção sobre mim.
Não sei o que fazer para que não percebam que eu fico com as mãos molhadas, trêmulas,
frias!" Quanto mais se teme a ansiedade, mais ficamos ansiosos.
As hipóteses de esclarecimentos da associação inicial entre estes elementos, que
foram possíveis por causa do acesso aos estímulos discriminativos, funcionalmente
associados com a imagem descrita na fantasia pela cliente, foram importantes para se
pesquisar melhor a ansiedade. A lembrança destes estímulos durante a descrição das
cenas (que estes estímulos discriminativos trouxeram) pode ter sido modificada pelas
condições sob as quais a história foi recontada (Catania, 1997, p.351).
Os elementos subjetivos descritos pela paciente num contexto de sessão foram
fundamentais para a compreensão de uma provável associação muito forte de estímulos e
que não era quebrada pela paciente porque ela sempre evitou as situações de expor-se às
possibilidades de erro com comportamentos de esquiva mais ou menos dissimulados,
mas que, acima de tudo, não eram claros para a própria paciente. Por exemplo, ao dizer
que não sabia cozinhar, porque “não tinha um dom igual ao do marido", deixava que somente
ele cozinhasse e evitava se expor à crítica dele e evitava também atribuir o fato de seu filho
não querer comer ao sabor de um prato preparado por ela.

262 l.yluin C. T. Penteado


Segundo Hayes e Brownstein (1985, apud Zettle, 1990, p. 42), “O comportamento
governado por regras pode ser considerado o comportamento sob o controle de estímulos
verbais que especificam as contingências e estímulos verbais, por sua vez, são considerados
como tendo propriedades eliciadoras, estabelecedoras, reforçadoras ou discriminativas
por causa de sua participação em relações arbitrárias com outros estímulos". As regras
ditadas pela mãe e que passaram a ser auto-regras que pareciam estar governando
comportamentos da cliente eram estas;
n A auto-estima ou valor pessoal é determinado pela habilidade de um indivíduo em
desempenhar de forma competente. Esta regra era exemplificada por uma verbalização
assim:"Eu não tinha a amizade das pessoas. Elas só me elogiavam - A R. é muito
inteligente". E outra assim: "O que vão pensar (= o que eu vou pensar) de mim se eu
errar na hora de digitar um texto?"
n O meu valor pessoal depende do valor que os outros me atribuem. Esta regra era
exemplificada por verbalização assim: "Eu sei que se eu errar não vou ser mais a
pessoa inteligente que todos dizem que eu sou".
Segundo Zettle (1990), a correspondência entre as ações e os relatos posteriores de
auto-regras que as guiaram pode ser reforçada arbitrariamente pela comunidade. Parece
que a cliente poderia ser especialmente controlada por estes reforçamentos arbitrários, já
que era muito suscetível a se esquivar de punições socialmente mediadas. Até o ponto em
que descreveu a imagem, ela afirmava que se sentia muito competente em tudo. Então,
como poderia ficar esclarecido por que ela ficava tão insegura, se não tivéssemos acesso
aos estímulos que analisamos como relacionados a estes sentimentos de competência?
Havia um pressuposto inicial na terapia de que ela tinha respostas condicionadas
de ansiedade associadas com auto-regras de um critério alto de desempenho por um lado
e, por outro, outras auto-regras (inconscientes) de não ser capaz de alcançá-lo. Mas,
diante de uma paciente que parecia tão convicta de sua própria eficiência, como mostrar-
lhe este medo tão incoerente? Como mostrar-lhe que as respostas de esquiva e as ativações
de ansiedade, que ela tanto queria eliminar, estavam associadas?
Sabe-se que não se consegue eliminar reações emocionais, mas podemos impedir
respostas de esquiva quando analisamos auto-regras que as governam e motivamos o
paciente a enfrentar certos estímulos condicionados. A orientação geral da terapia foi
nesse sentido. Com as hipóteses levantadas a respeito das associações de estímulos,
passamos a fornecer Sds verbais de exemplos relatados pela cliente de comportamentos
sob controle destes estímulos condicionados.
Ao descrever essas imagens, ela descreveu junto suas sensações infantis que ficaram
como que impressas em seus pensamentos mais temidos. Ela evitava as situações que a
colocavam á prova (desempenhar frente aos outros), portanto não tinha a oportunidade de
deixar seus pensamentos irem até o fim, acompanhando seu desempenho. Nesse caso, os
pensamentos envolvidos naquelas situações de punição permaneciam evitados, não sendo
possível, portanto, que ela tivesse consciência destes pensamentos. E por isso pareciam-lhe
inexplicáveis as suas reações de ansiedade. Orientamos a cliente, a cada exemplo trazido,
que não deixasse de desempenhar quando visse a imagem e estivesse sob controle dos
estímulos condicionados. Ao descrever a imagem, ela entrou em contato com esses
pensamentos e com as primeiras experiências que os condicionaram:
• o alto padrão de exigência de sua mãe (regras) e a punição excessiva foram
generalizadas e passaram a ser evitadas sistematicamente.

Sobre Comportamento r Co#niç3o 263


Essas situações geraram respostas condicionadas de ansiedade que, ao contrário
das piores expectativas de punições, não conseguiam ser evitadas. Mas, ao ouvir a descrição
da imagem e através do relato verbal da fantasia e do desenho, pudemos ter acesso às auto-
regras e sensações condicionadas que provavelmente explicaram uma ampla classe de
respostas de evitação e ansiedade. Segundo Levis e Rourke (apud Caballo, 1996), quando
estamos trabalhando para a redução de respostas condicionadas de medo, necessitamos de
exposição repetida aos estímulos condicionados evitados no presente e também aos estímulos
condicionados originalmente associados com as primeiras experiências de aquisição do
medo que geram maior magnitude de respostas. Dessa forma, a cliente foi exposta às suas
fantasias de punição inevitável. Ao longo do processo de psicoterapia, a cliente foi levada a
retomar estas fantasias todas as vezes em que a evitação aparecia, dando-lhe Sds sobre sua
provável associação com eventos que tinham algum elemento comum com os eventos originais
punidos. O atendimento foi interrompido pela cliente em uma fase em que relatou que não
mais se sentia controlada pela mãe, nem tampouco pelas avaliações do marido. Relatava
exemplos de situações de exposição à observação de outros, sem esquiva no nível de
pensamentos, nem de comportamentos observáveis. Por outro lado, sentia-se boa mãe,
melhor do que o marido nos cuidados e educação do filho, e vestia-se de forma a mostrar as
formas de seu corpo, com roupas modernas que a deixavam mais atraente.

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Zettlo, R. D. (1990). Rule governed behavior: a radical behaviorístic answer to cognitive challenge
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264 l.ylliin C. P. Pcnlwdo


Capítulo 33

Obesidade: o que nós, psicólogos,


podemos fazer?
Vera L úcia Menezes da Silva *
L/H

Como porque estou ansiosa.


Estou gorda assim por causa dessa minha ansiedade.
Preciso aprender a controlá-la para poder perder peso.
Esta armadilha está, freqüentemente, presente na vida das pessoas obesas. É
essa explicação que elas, geralmente, têm para o seu excesso de peso. Portanto, quan­
do chegam ao consultório, o que elas querem ó aprender a controlar a sua ansiedade ou
livrar-se dela, porque só assim conseguirão também controlar o comer demais.
Para a pessoa obesa, essa relação é fortalecida porque de fato, a comida na boca
ó prazerosa e parece reduzir os níveis de ansiedade nesse.momento. Ela atua, imediata­
mente, como uma distração temporária para essa sensação de ansiedade, funcionando,
assim, como reforçador negativo. Aqui cria-se um circulo vicioso, o qual deve ser quebra­
do:
- Quando está ansiosa, come (conseqüência positiva imediata).
- Quando come, engorda (conseqüência aversiva a médio e longo prazos).
- Engordando, fica ansiosa.
- E quando está ansiosa...
- Repetindo-se o circulo.
PsicólogadaClinicaGRUPPO.docentedodepto doPsicologiadoCESULONeassessoradoNúcleodeApoioPedagógico
(NAP) - CCS/UEL. E-mail: menezes@sercontel combr

Sobre Comportamento e Coflnlç3o 265


ansiedade-------------------------------► comer

N N engordar m ^
11 Comer mais do que a necessidade do organismo, ou quando se está ansiosa,
intensifica a desarmonia deste e aumenta o nlvel de stress (Carlson, 1991). Portanto,
ambas as respostas (comer e ansiedade) não devem ser analisadas isoladamente, mas
sim, a partir do contexto geral de vida de cada pessoa (sem desprezar a predisposição
genética ou determinantes biológicos).

1. Identificando mais...

Observa-se que essas pessoas, além de dizerem-se ansiosas, tôm muita dificulda­
de de delimitarem o seu espaço pessoal. São pessoas que não estabelecem limites aos
outros, permitindo dessa forma uma invasão dos demais à sua vida, à sua privacidade,
colocando-se em segundo plano, desrespeitando os seus direitos humanos básicos (Caballo,
1996). Para sentir-se aceita, precisa colocar o outro em primeiro lugar, fazer tudo por ele.
Isso está associado à sua baixo auto-estima, na medida em que se sente amada somente
pela sua utilidade e não pelo seu valor como pessoa.
Todo mundo precisa ser e sentir-se valorizada para manter uma relação positiva
consigo mesma. Sem isso, ó praticamente impossível cultivar a auto-estima. É comum ou
freqüente a pessoa obesa ter sua auto-estima e auto-imagem rebaixadas. Isso não só tem
a ver com a sua história passada, na qual seu ambiente foi pouco generoso quanto á
valorização e bastante farto quanto às criticas negativas, mas também com sua história
atual (dada a sua condição). Alem disso, costuma-se criticar a pessoa e não o seu
comportamento. Dessa forma, ela pode adquirir uma reação de auto-anulação e auto-
rejeição, acreditando que nâo tem valor, "não faz diferença, ó inferior, não consegue, ó
errada". É diferente quando se dá esse feedback para o seu comportamento, o que permi­
te avaliar o seu efeito no ambiente e mudá-lo (Hayes, 1987).
Também mostra-se, freqüentemente, desanimada, inferior e frustrada por: não con­
seguir corresponder às expectativas que a mídia impõe quanto ao corpo perfeito; por não
controlar-se frente à disponibilidade do alimento; por quebrar os diversos regimes aos
quais já se submeteu; e observar o seu corpo sofrer o efeito "s a n fo n a Is s o afeta a sua
auto-imagem. A pessoa obesa ignora o seu corpo. Este torna-se extremamente aversivo,
frente à campanha do corpo perfeito. Assim, ela nega-o como via de acesso ao mundo.
Acesso ás coisas boas e às coisas ruins, mas como a única forma de sentir e perceber o
mundo.
Com a auto-estima e auto-imagem rebaixadas, a pessoa obesa não se cuida, não
valoriza a qualidade de vida, não cuida de seu corpo “por dentro" já que não seleciona os
alimentos que ingere e não faz exercícios; e nem "por fora" porque não investe na sua
aparência. Aqui ela cria outra armadilha:
Como não gosta dela, não se dá importância.
Como está gorda, não precisa arrumar-se, até porque nada serve e nada fica bem.
Somente quando emagrecer, comprará roupas novas.

266 V e ra l.úciu M c n e / c s da Silva


Essas situações aversivas passam a ter o status de determinantes do comporta­
mento de comer em excesso, o que reforça a relação entre estar mal ou ansiosa e comer.
Outro aspecto importante que pode ser observado com freqüência na vida das pes­
soa obesas é a ausência de outras fontes de prazer, alem da comida. Geralmente, as
fontes de reforçamento para elas estão ligadas ao comer: testar pratos novos, preparar
pratos especiais e convidar os amigos para apreciá-los ou sair com os amigos para co­
nhecer um restaurante novo e sua especialidade. Assim, com repertório pobre em termos
de atividades reforçadoras, sempre que se sente entediada ou com sensação de vazio,
cansada... come. Aliás, essa relação pode ter sido estabelecida na infância, pois, quando
a criança chora, ó comum os pais imaginarem o que está ocorrendo e a alimentação
(mamadeira) ser usada como conseqüência ao choro. Alem disso, o afeto (carinho, toque,
pegar no colo) vem junto. Na idade adulta, mesmo não sendo possivel ir para o colo da
mãe, quando se sente assim pode comer até porque acredita que a comida a suprirá da
energia necessária (Carlson, 1991).
Ao mesmo tempo que o comer proporciona um alivio imediato (o que fortalece o seu
poder), assim que parar de comer, o sentimento volta associado à culpa por ter comido.
Ainda com relação à tentativa de controlar as nossas emoções, aprendemos desde
a infância que raiva, por exemplo, não é um sentimento nobre e, portanto, deve ser contro­
lado. Essa não é a realidade. Sentimos raiva, ódio, inveja, ciúme porque são sentimentos
humanos (é uma possibilidade da espécie) e não aceitá-los impede a aprendizagem de
trabalhar com eles. É freqüente a pessoa com excesso de peso usar a comida como uma
forma de aliviar esse sentimento, até porque, além do reforço social que, geralmente,
acompanha essa ação, existe um prazer mais forte e imediato que é a sensação gustativa
agradável e o alívio imediato.
Logo, o comer não é a resposta adequada ou a resposta que se quer. Essa resposta,
aqui, tem a função de controlar ou afastar situações aversivas e sentimentos negativos.
Com relação aos sentimentos, quanto mais se quer controlá-los, mais eles estarão pre­
sentes e com maior intensidade. Segundo Hayes (1987), no dominio das coisas físicas,
quando não quereremos algo, é só planejarmos como nos livrar desse algo. Mas a mesma
regra não funciona para o mundo de nossa experiência privada. A tentativa de controlar,
bem como querer livrar-se de pensamentos e sentimentos maus, poderá paralisar a pes­
soa e esta ser controlada por esses mesmos pensamentos e sentimentos. A regra aqui é
“se você não quiser tê-la, você a terá".
No caso da ansiedade, a tentativa de afastá-la impede a possibilidade de identificá-
la. Assim, a pessoa obesa falha em identificar fatores geradores de ansiedade na medida
em que busca o prazer da comida na boca, impedindo o contato com a ansiedade.
A observação de que a pessoa obesa tem dificuldades em lidar com seus senti­
mentos e pensamentos é freqüente. Ela não os aceita, não os reconhece em si, não
identifica os eventos eliciadores e, portanto, não aprende a lidar com eles e expressá-los
deforma adequada.
Sabe-se que estar com excesso de peso, em geral, é aversivo, gera ansiedade e
aumenta a probabilidade de a pessoa agir para livrar-se dela. E no caso da pessoa obesa,
comendo. Dessa forma, a ansiedade ora aparece como conseqüência e ora como estimulo
antecedente ao comer. Por isso, tanto comer em excesso como a ansiedade devem ser
alvo de investigação e intervenção.

Sobre Comportamento e Cogniçâo 267


Outro fator importante a ser analisado na pessoa obesa é sua forma de compor-
tar-se baseada em regras, que foram adquiridas ao longo de sua vida, sem questioná-las,
tornando-se assim insensível às contingências às quais está exposta. Exemplo:

- Nunca vou emagrecer porque na minha família todos têm problemas de peso.
- Tudo que eu como me engorda.
- Fazer exercícios é muito chato.

Frente a essas regras, a pessoa passa a se comportar de acordo com o que eías
pregam.

2. O que podemos fazer?

Enquanto psicólogos comportamentais, podemos trabalhar com autocontrole e


mudança de hábito alimentar, identificando as funções que o comer assume para a pes­
soa. Podemos ajudá-la a analisar a sua história de vida e identificar as variáveis ambientais
(físicas e sociais), condições emocionais e relações entre elas, que funcionam para o
comer em excesso. Criar condições para que a pessoa altere as contingências presentes
em seu ambiente, que exercem controle sobre o seu comportamento. Auto-controle, se­
gundo Rimm & Master (1983) é o fortalecimento de comportamentos desejáveis e enfra­
quecimento de comportamentos indesejáveis competitivos. A pessoa que tem autocontrole
inibe respostas indesejáveis com relação à alimentação: resiste ao alimento, faz substi­
tuições por alimentos com menos calorias e menos atraentes, espera por conseqüências
a médio e longo prazos da perda de peso, consegue afastar as conseqüências positivas
imediatas do comer (sociais, verbais ou emocionais), usa de auto-recompensa, não de­
pende de controle externo e faz auto-avaliação positiva.
Por algum tempo, trabalhei com um grupo de clientes obesas, na Universidade
Estadual de Londrina. Foi um projeto criado e coordenado pela Professora Zilah Brandão
no qual eu atuava como supervisora, envolvendo alunos de graduação e pós-graduação.
Esse trabaího era estruturado e sistematizado da seguinte forma:
• Grupos de 15 clientes, em média (mulheres);
• Dois encontros semanais: um com a Psicologia e outro para orientação médica,
nutricional e exercícios físicos;
v • Em um primeiro momento, fazia-se o Psicodiagnóstico e autoconhecimento do hábito
alimentar;
Em um segundo momento, trabalhava-se a informação sobre nutrição e saúde,
reestruturação do hábito alimentar, orientação para exercícios físicos, identificação
das funções que o comer tem para cada um e organização do ambiente externo, de
forma a facilitar o autocontrole;
• Em um terceiro momento, a ênfase era nas dificuldades pessoais relacionadas ao
autocontrole, no desenvolvimento da auto-imagem positiva e auto-estima, expressão
de pensamentos e sentimentos e aumento de repertórios que tenham conseqüências
positivas.
Durante esse tempo, embora muitas clientes perdessem peso de fato, esses
resultados, quase sempre, eram muito tímidos, quando comparados com as expectativas

268 Vera Lúcia Mcnc/cs da Silva


das clientes e do próprio terapeuta. No entanto, observamos resultados bastante anima­
dores relacionados à terceira fase do projeto que era destinada ao desenvolvimento do
autoconceito e discussão de dificuldades pessoais. O objetivo nessa fase era discutir as
questões relacionadas ao comer, mas era freqüente o grupo enveredar para a auto-estima,
expressividade emocional, auto-imagem, identificando, enfim, suas dificuldades pessoais
e suas qualidades. O projeto tinha duração de dois semestres letivos e, embora propu­
séssemos ter no ano seguinte um grupo de manutenção de peso, esse grupo não chegou
a funcionar por vários motivos, deixando-nos a hipótese de que muitas clientes, ainda que
gordas, terminavam o projeto mais felizes e menos ansiosas.
Após essa experiência, passei a trabalhar com alguns clientes que me procuram
no consultório queixando-se de obesidade, com um enfoque inicial exatamente nesse
aspecto: autoconhecimento e qualidade de vida. Meu objetivo nessa intervenção ó a iden­
tificação de outros problemas que não a obesidade. Fazemos o que chamo de "passeio
pela sua história de vida", no qual vamos identificando seu repertório comportamental e
como foi desenvolvido, discriminando seus limites e potencialidades. Assim, a ênfase
inicial é:
• Melhorar e ampliar aspectos do seu repertório pessoal, social, afetivo e que tragam
conseqüências gratificantes;
• Avaliar sua rotina: o que gosta e faz, o que gosta e não faz, o que não gosta e faz, o
que não gosta e não faz;
• Estimular a expressão de pensamentos e sentimentos de forma adequada;
• Desenvolver várias fontes de reforçamento;
• Descobrir pontos positivos no seu corpo e explorá-los, valorizando-os;
• Valorizar a função do corpo: caminhar, sentir as coisas e pessoas, fazer amor, até
comer (já que é através dele que se tem acesso ao mundo);
• Encorajar a mudança de alguns hábitos: reforma do guarda-roupa adequando-o às
suas características, de forma que valorize os aspectos positivos do corpo e o conforto
deste, corte de cabelo, maquiagem;
• Experimentar diferentes atividades físicas com o objetivo de identificar o que melhor se
adapta a ela, observando: horário de maior probabilidade (em função do que está fazen­
do antes e o que fará depois), local, pessoas que fazem, companhia estimuladora;
• Quanto ao fazer exercícios físicos, prestar atenção no prazer, resistência, coordena­
ção e não na queima de calorias e aparência;
• Estimular prazer físico com massagens, cremes, banho.
Observa-se com esse trabalho que, na medida em que a cliente passa a ser gene­
rosa e gostar mais de si mesma, a valorizar-se e priorizar-se, começa a cuidar mais de
sua alimentação e da qualidade de sua vida. A partir daqui, a discussão sobre as funções
do comer demais, ganhos e perdas que tem por estar gorda, são mais facilmente discrimi­
nados e a disposição para a mudança é maior, já que se sente mais fortalecida. Logo a
espera, a médio e longo prazos, da perda de peso passa a ser possível.

Bibliografia

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Sobre Com portiim rnlo c Cogm çdo 269


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« 7 0 V e ra l.úcia M e n c / c s da Silva
Capítulo 34

Análise Funcional da Depressão (ou: a qual


fenômeno estamos mesmo nos referindo?)
Regina Christina Wielenska*
!>cpto. (/<• PsnolotfM txpenmcnhil do l l \ A / ’

A palavra depressão tem sido utilizada dentro de contextos bastante diversos. O que
controlaria o comportamento de batizar, com o mesmo nome, distintas configurações de
estímulos? Neste artigo serão apresentadas situações hipotéticas nas quais, freqüentemente,
a comunidade verbal (de profissionais de saúde e/ou de leigos no tema) emprega o termo
depressão. A seguir, estas situações serão brevemente revistas a partir das propostas da
psiquiatria biológica contemporânea e das abordagens comportamental e cognitiva em psico­
logia.

1. Cinco episódios em torno de uma mesma partida de futebol

Suponha-se que, num domingo, ocorreu uma final de campeonato entre os times X
e Y. A vitória de X acarretou a desclassificação de Y. Cinco pequenas histórias surgiram
daí:

1TrabalhoapresentadonoVII EncontroBrasileirodePsicoterapiaeMedicinaComportamental, namesa-redondaAnálise


Funcional deProblemasPsiquiátricos, emSâoPaulo, emsetombrode 1999
2Endereço par» correspondência R Itapeva, 490, con). 56. Bela Vista, Sfto Paulo, Capital, Cep 01332-902. E-mall’.
wielenak^uol com.br

Sobre Com porlum cnlo c C o ^ n lv io 271


• "Meu fim de semana acabou naquela hora. Até hoje cedo eu estava meio deprimido,
meu!" (verbalização de um torcedor, na happy-hour do escritório, em meio a muitas
risadas, inclusive do falante);
• Esta derrota foi a gota d'água para me deixar mais deprimido. Eu não podia perder
aquela jogada. Nosso time tem atravessado uma fase muito ruim, mesmo lutando com
toda a garra." (verbalização de jogador do time desclassificado, falando em off a um
repórter, na 2afeira);
• "Jogo? (silêncio) Isto não me importa mais...” (verbalização de outro torcedor, com 80
anos de idade e 70 de torcida, quando perguntado pelo neto sobre o resultado do jogo;
está apático há meses, abandonou seus interesses, apresenta prejuízo da atenção,
concentração e memória, tem dormido e se alimentado mal, a família supõe início de
demência);
• "Malditos! Eu vou socar aqueles pernas-de-pau! Eu sou bom demais para ficar treinando
quem não presta. Eles não entendem o que eu falo. Vou sair daqui e montar a melhor
academia de futebol do país. Vai ser uma mina de ouro. Só faltam uns detalhes, em
breve eu inauguro tudo." (verbalização do técnico do time derrotado aos jornalistas; tem
brigado com muita gente nas últimas semanas; aparenta não sentir fadiga, embora
venha dormindo pouco e tentando realizar mil coisas simultaneamente; sua irritabilidade
é visivelmente excessiva, sua vida pessoal tem se tornado caótica e plena de conflitos
interpessoais; a academia parece um plano delirante aos olhos de quem o conhece,
pois está afogado em dívidas recentes; supõe, erroneamente, dispor de suficiente lastro
financeiro; há cerca de duas décadas apresentou, durante alguns meses, um padrão
similar de comportamento, na época considerado "um desatino passageiro da juventu­
de");
• Fulano de Tal, 38 anos, locutor da Rádio ABC, nào compareceu ao estádio ontem, onde
seria responsável pela transmissão da final decisiva entre X e Y. Procurado em casa, foi
encontrado morto por amigos. Segundo bilhetes deixados, preferiu enforcar-se por não
suportar mais ter sido abandonado peía esposa, á qual continuava a amar (fato depois
confirmado por familiares). Acrescentou, numa carta endereçada à mãe, que “lamentava
não ter outra saída" e pedia desculpas "por causar tamanho desgosto a tantas pesso­
as". Segundo as fontes consultadas, ele encontrava-se deprimido há três meses e vinha
tomando, por conta própria, medicação para dormir. Há cinco anos, seu irmão mais
velho também cometeu suicídio, atirando em direção ao ouvido direito com um revólver
calibre 38 (notícia veiculada pela media impressa e eletrônica, na segunda-feira).

2. Para cada episódio, múltiplas análises


Parece razoável hipotetizar que clínicos e pesquisadores envolvidos com o fenôme­
no da depressão aprenderam a estabelecer discriminações sutis frente a padrões comple­
xos de estímulos, se comparados à população em geral. Num contexto que sinaliza, para
a maior parte dos indivíduos, a probabilidade de reforçamento, pela comunidade verbal, do
operante verbal "isto é depressão", profissionais são geralmente reforçados por emitirem
outros operantes (por exemplo, fazer perguntas adicionais, observar por mais tempo, etc.).
Leigos, em função de possuírem histórias distintas de reforçamento ao que se nomeia
depressão, parecem apresentar um padrão de respostas que se contrasta com o dos
profissionais de saúde mental (isto não significa que cada uma das duas populações aqui
destacadas possa ser considerada homogênea quanto às suas habilidades "diagnósticas"
ou llingüísticas").

272 Rc«m u C hrislm d W ic lc n sk d


Leigos tendem a empregar o termo depressão frente a situações relacionadas
com a existência, inferida ou observada, de um estim ulo que para a maioria dos
membros da cultura, ó considerado aversivo:
• breve ou duradouro (uma única derrota na final do campeonato, derrotas consecuti­
vas, separação conjugal, etc.);
• de forte intensidade (por exemplo, uma derrota que produz rebaixamento do time é
mais provavelmente relacionada à depressão do que uma derrota que não ponha em
risco a classificação no campeonato):
cuja ocorrência:
• seria contingente, ou não, ao desempenho do organismo afetado (pode se falar de
depressão tanto no caso do jogador que não se desempenhou bem o suficiente para o
time ganhar, como de outro indivíduo, cujo desempenho isolado, ainda que tecnicamen­
te impecável, não resultou na vitória do time);
• poderia ser, ou não, evitável pelo indivíduo afetado (questões complexas, como a
preservação de um casamento ou a vitória no campeonato, dependem de múltiplos
fatores, ou seja, as pessoas envolvidas em uma dada situação possuem diferentes
graus de controle sobre o rumo dos acontecimentos):
e cujos supostos efeitos seriam:
• públicos ou privados (por exemplo, considera-se como evidências parciais de depres­
são o predomínio de uma expressão facial de sofrimento, deixar de envolver-se com o
que antes parecia gerar prazer, dificuldade para cumprir obrigações corriqueiras, ou
relatar sentimentos como angústia ou tristeza inexplicável);
• leves ou intensos ("depressão" possui, na nossa cultura, diferentes significados: serve
como descrição resumida do ligeiro aborrecimento que a derrota trouxe para o torcedor,
mas também pode qualificar o estado do suicida e as condições geradoras do seu ato
desesperado);
• de curto, médio e longo prazos (comparados às conseqüências de longo prazo, os
efeitos imediatos de um estimulo aversivo geralmente são mais proeminentes; por exem­
plo, os jornalistas entenderiam que perder o campeonato gerou depressão, mas um
desempenho “ruim", em outras áreas da vida do jogador, surgindo antes ou após aquela
partida, não seria incluído na analise);
e poderiam ser notados através de mudanças em áreas como:
• atividades fisiológicas (importantes aspectos qualitativos e quantitativos do sono/vigília,
apetite, disposição física e ativação autonômica são pouco levados em consideração, pro­
vavelmente devido ao problema de acesso a estes dados e à compreensão insuficiente que
temos sobre a relação entre processos corporais e comportamento);
• estados privados (atribui-se importância a relatos de sentimentos como tristeza ou desâ­
nimo especialmente quando vêm acompanhados de outros correlatos comportamentais da
depressão; por exemplo, expressão facial abatida, choro e/ou explicações situacionais
convincentes);
• repertório operante corrente (há variações; por exemplo, sintomas como ausentar-se
muito do trabalho, reclamar da vida ou chorar copiosamente são consideradas possíveis
evidências de depressão; enquanto que permanecer mais calado ou irritado do que o habi­
tual, queixar-se freqüentemente de dores ou cansaço e referir sentimentos de grandiosidade
pessoal possuem menor função discriminativa);

Sobre Comportamento e C ognlftlo 2 7 3


resultando em prejuízos para:
• o indivíduo “deprimido” (sofrimento, menor qualidade de vida, descenso socioeconômico
etc.);
• e terceiros (familiares, amigos ou a empresa percebem alterações no comportamento
habitual do indivíduo e, geralmente, oferecem alguma ajuda; mas se nada funcionar,
podem surgir perdas e conflitos interpessoais, eventos funcionalmente responsáveis
tanto pela menor freqüência de interações sociais antes positivamente reforçadas, como
pelo aumento de comportamentos de fuga ou esquiva dos participantes da interação, a
qual será, em alguma medida, ainda mais prejudicada);
Das inúmeras explicações oferecidas por leigos (aos fenômenos nomeados
como depressão) usualmente são excluídos alguns fatores biológicos, hoje reconheci­
dos como relevantes para sua determinação (predisposição genética, alterações
hormonais, efeitos de substâncias sobre o sistema nervoso central, patologias
que produzem depressão como sintoma etc.). Via de regra, estados hipotéticos de
“ estresse" resumem e, ao mesmo tempo, explicam inadequadamente o que ocor­
re. Casos de depressão com predomínio de sintomatologia somática geralmente não são
reconhecidos como tal e, quando muito, são atribuídos a fatores biológicos imprecisos
(“estou fraco, deve estar faltando alguma vitamina", por exemplo) ou nomeados com ou­
tros termos (desânimo, falta de energia vital etc.). Ainda mais comum é o leigo atribuir a
depressão a imprecisas entidades intrapsíquicas ou morais como falta de força de vonta­
de, falha de personalidade etc.lsto é mais comum em casos de longa duração dos sinto­
mas, que passam a configurar o "jeito de ser”.
Profissionais de saúde mental são controlados por vários dos aspectos rele­
vantes para leigos, pois também buscam identificar situações relacionadas com a existên­
cia, inferida ou observada, de um estímulo aversivo breve ou duradouro, geralmente intenso,
cuja ocorrência seria contingente, ou não, ao desempenho do indivíduo, e cujos supostos
efeitos (públicos ou privados, leves ou intensos, de curto, médio e longo prazos) recairiam
sobre áreas como atividades fisiológicas e o repertório operante corrente, resultando em
prejuízos para o indivíduo “deprimido”, outras pessoas e diversas agências sociais. Eventos
vitais aversivos, como desemprego, morte de pessoas queridas ou crises conjugais, certa­
mente são pesquisados. Entretanto, profissionais são mais detalhistas: coletam um raoável
volume de dados sobre cada aspecto de interesse. Além disso, a ausôncia de algum
padrão identificável de estimulação aversiva não é critório de exclusão para de­
pressão. Por outro lado, muitos indivíduos não se deprimem quando sob efeito desses
eventos aversivos, ou seja, embora possam anteceder a depressão, estes nem sempre
serão considerados fatores causais ou determinantes do transtorno. Na linguagem da mate­
mática, diríamos que somente com uma visão longitudinal do caso poderemos, com
alguma incerteza, hipotetizar quais as condições necessárias e suficientes para a ocor­
rência de depressão num indivíduo. Cortes transversais (por exemplo, informações es­
pecíficas sobre o que ocorreu com a pessoa após a derrota) precisam ser relacionados
com outros dados da história de vida do indivíduo e de seus familiares para ganharem
importância e significado.
Em termos genéricos, pode-se destacar outras diferenças:
• profissionais de saúde consideram que depressão um transtorno a ser abordado clinica­
mente. Leigos, por sua vez, nem sempre pensam assim: além da depressão ocasional­

274 Retfind Chrintind W íclen*ka


mente ser uma "doença" a tratar, ela pode, também, ser considerada um estado a ser
superado por conta própria, um jeito inato e imutável de ser ou, ainda, um sinônimo de
chateação passageira;
a tristeza costuma ser condição básica para o leigo pensar em depressão clinica. Pro­
fissionais são controlados por outros dados: a perda do valor reforçador de certas ativi­
dades ou mudanças em dados aspectos do ambiente auxiliam no diagnóstico da de­
pressão (suspeita-se de depressão se o cliente expressa indiferença frente ao que an­
tes buscava com empenho e prazer, mesmo referindo não sentir tristeza e demonstran­
do ressonância afetiva em situações engraçadas que eventualmente ocorramhá qua­
dros nos quais a enedonia e a irritabilidade - ou disforia - “substituem" a tristeza como
critério diagnóstico);
para os leigos, a presença de euforia, auto-estima elevada ou entusiasmo exclui a de­
pressão. Entretanto, profissionais consideram ocorrência de euforia desproporcional ao
contexto, sensações de excessivo valor pessoal, entusiasmo exagerado e outros as­
pectos similares como absolutamente possíveis no transtorno depressivo bipolar (cons­
tituindo prováveis componentes de fases de humor maníaco, hipomanlaco ou de estado
misto);
leigos raramente consideram deprimido alguém que náo modifique demasiadamente seus
comportamentos públicos a ponto de prejudicar terceiros e permaneça correspondendo
satisfatoriamente às demandas externas. Começar a beber em excesso todas as noites
pode ser, para o deprimido, uma esquiva farmacológica de uma existência desprovida de
reforçadores e/ou permeada pelo controle aversivo. E o alcoolismo, em um deprimido crô­
nico, seria mais facilmente detectável, pelo leigo, do que a própria depressão;
o profissional bem treinado busca ativamente informações sobre dimensões públicas e
privadas do comportamento do cliente, dentro e fora do consultório, em situações varia­
das, com referência a eventos passados e presentes. Garantir a avaliação de aspectos
do funcionamento biológico que possam contribuir para a condição depressiva do clien­
te também é um cuidado básico. Leigos se satisfazem com panoramas incompletos e
cometem "erros diagnósticos" com maior freqüência (favorecendo um "diagnóstico" fal-
so-positivo ou falso-negativo da depressão);
profissionais investigam também a ocorrência, nos parentes consangüíneos, de com­
portamentos e patologias similares aos do cliente, levando em conta os dados já dispo­
níveis a respeito da genética dos transtornos do humor e outras comorbidades. Os
leigos, por sua vez, desconhecem os mecanismos de transmissão genética da depres­
são e de outros transtornos do humor;
ao pesquisar diferentes dimensões dos principais relacionamentos interpessoais do
cliente, o profissional demonstra atribuir importância ao papel da história de aprendiza­
gem social. Leigos também consideram a aprendizagem como relevante para a constru­
ção do que somos, mas tecem análises genéricas, menos completas, pouco descriti­
vas e mais valorativas;
profissionais têm perspectivas multideterminlsticas sobre a depressão (há duas visões
principais quando são discutidas as relações entre corpo e mente: monista e
dualista).Parece prevalecer algum tipo de modelo bio-psico-social de explicação e trata­
mento do transtorno. A orientação teórica, a experiência clínica e o grau de familiaridade
do psicólogo com pesquisas recentes sobre depressão são, provavelmente, importan­
tes fontes de controle do modo como o profissional reconhece, explica e aborda o
fenômeno. Leigos, por sua vez, costumam entender o funcionamento humano segundo
a visão dualista, cartesiana, de mente-corpo. Para os dois grupos, a maneira como são

Sobre Comportamento c C o g ni(3 o 275


estabelecidas relações causais entre os eventos observados e inferidos, e a maior ou
menor ênfase dada ao papel do ambiente externo para a ocorrência da depressão,
dependerão dos dados de que leigos e profissionais disponham sobre o caso.
Como se pode deduzir, em função dos argumentos aqui expostos, será quase
impossível imaginar um consenso ao se discutir cada um dos episódios descritos no
início deste capítulo. De qualquer modo, segue-se um exercício de análise dos cinco
casos, com o propósito de identificar algumas das contribuições relevantes da ciência
contemporânea para a compreensão e tratamento da depressão. Mais do que isto, preten­
de-se demonstrar que tentativas, mesmo que incipientes, de integrar dados produzidos
por diferentes segmentos da comunidade científica, podem modificar a qualidade e a natu­
reza dos resultados (teóricos e práticos) alcançados.

3. Depressão à luz da ciência: fontes distintas gerando dados


relevantes

Em seu estágio atual, a psiquiatria biológica descreve um conjunto de transtornos


cuja principal característica seria o humor alterado, sendo este compreendido como uma
emoção pervasiva, que predomina ao se perceber o mundo (humor disfórico, depressivo,
elevado, eutímico, expansivo, irritável etc.). Sistemas de classificação como a CID-10 e o
DSM-IV foram desenvolvidos com o propósito de fornecer critérios diagnósticos e uniformi­
zar a linguagem utilizada por diferentes profissionais. Segundo o DSM-IV, por exemplo, os
transtornos do humor (TH) são divididos em Transtornos Depressivos (conhecidos tam­
bém por “depressão unipolar"), Transtornos Bipolares (a psicose maníaco-depressiva, como
se denominava antigamente), TH Devido a Condições Médicas e TH Induzido por Substân­
cias. O episódio mais recente de humor alterado deve ter sua intensidade especificada
(leve, moderado ou grave com/sem características psicóticas) e recomenda-se a avalia­
ção do seu estágio atual (em remissão parcial ou completa). Deve-se, também, mencio­
nar há quanto tempo persistem os sintomas e registrar a presença, no episódio descrito,
de características catatônicas, melancólicas ou atípicas. Avalia-se, ainda, se os sinto­
mas tiveram início no período puerperal. Em caso de recorrências, é necessário especifi­
car se houve ou não recuperação plena entre um e outro episódio, bem como a eventual
presença de padrão sazonal e/ou de ciclagem rápida. É pouco viável detalhar aqui cada
um dos critérios diagnósticos que deverão ser preenchidos para a elaboração do diagnós­
tico, os quais poderão ser revistos pelo leitor em outra ocasião. Vale, outrossim, salientar
que conceitos mentalistas permeiam alguns dos critérios e definições, trazendo
problemas a clinicos e pesquisadores. Por outro lado, nota-se o esforço no sentido de
facilitar descrições de quadros clínicos (com especificação de aspectos quantitativos e
qualitativos), com proposital afastamento de discussões sobre a etiologia dos TH. Outros
aspectos interessantes são a preocupação de identificar transtornos psiquiátricos
freqüentemente associados aos TH, dos dados epidemiológicos sobre a distribuição dos
transtornos em diferentes culturas, faixas etárias e sexo, além do reconhecimento da
influência de aspectos biológicos (fatores genéticos, bioquímicos e anatômicos puderam
ser melhor investigados com o auxílio de técnicas de neuroimagem e métodos da biologia
molecular). Paykel e Goodwin e Jamison ilustram, de modo significativo, o percurso da
psiquiatria biológica, ao estudar o papel de alguns fatores ambientais e biológicos sobre a
determinação, precipitação, manutenção e terapêutica dos transtornos do humor.

276 R cw n,i C lirlsh n d W lr lc n s k a


Desde seus primórdios, a Análise do Comportamento também gerou refinadas contri­
buições para o entendimento e terapêutica dos TH (principalmente dos comportamentos que
caracterizam quadros hoje nomeados como Distimia e o Transtomo Depressivo). A pesquisa
básica sobre esquemas de reforçamento (Ferster e Skinner, 1957) possibilitou compreender­
mos, ao menos em parte, as alterações quantitativas no padrão de respostas operantes de
organismos. Na depressão, por exemplo, observa-se importantes alterações da freqüêcia de
certas respostas (conversar, cuidar de si, queixar-se, comer, trabalhar, passear etc.) e, aten-
tando-se para os esquemas de reforçamento em vigor, surgem explicações sobre alguns dos
fatores de controle do comportamento do indivíduo deprimido.
Esta linha de investigação levou Ferster (1973) a desenvolver um trabalho pioneiro de
análise funcional da depressão, o qual abriu importantes horizontes para a conceitualização
e tratamento comportamental do transtorno. Devemos lembrar que a referência a quadros
clínicos de depressão e de outros transtornos do humor sempre está atrelada aos conceitos
prevalentes em cada fase de desenvolvimento do saber científico. Portanto, não se pode
supor que o modelo teórico e aplicado proposto por Ferster fosse capaz de fornecer uma
explicação definitiva, completa, e plenamente satisfatória para fenômenos que, hoje, nos
parecem distintos (por exemplo, a distimia ou as formas unipolar e bipolar da depressão). De
qualquer modo, seu trabalho certamente continua capaz de nortear, com vigor, intervenções
clínicas de qualidade em vários casos de depressão e deve constar como leitura primordial
para as novas gerações de psiquiatras e psicólogos comportamentais.
Banaco (1997) descreve e discute outra contribuição, mais recente, da análise do
comportamento para a compreensão de quadros com predominância de sintomas ansio­
sos e depressivos: o controle do comportamento por regras (entendidas, resumidamente,
como especificações verbais de contingências). Alguns dos analistas do comportamento
que produziram avanços nesta área (Catania, 1984; Zettle, 1990) souberam colher os
frutos do conhecimento anteriormente produzido por Skinner cujos trabalhos de 1953,
1957,1969 representam algumas destas importantes bases Seguir regras como “sentir
raiva ó errado", "não vou suportar a tristeza" ou "este problema não tem saída" foram, no
passado do cliente, reforçadas positiva ou negativamente. Mas, no presente, segui-las
talvez prejudique diversas dimensões (públicas e privadas) do comportamento do cliente.
O papel do terapeuta seria identificar e romper o conflito entre os dois tipos de controle do
comportamento: o primeiro, exercido por regras (próprio de organismos verbais) e o se­
gundo, exercido pelas contingências atuais. Mais recentemente, Hayes e outros
behavioristas radicais (por exemplo, Strosahl e Wilson) avançaram na identificação de
complexas relações entre comportamento verbal e a esquiva de emoções produzidas pela
estimulação aversiva, e desenvolveram a proposta da Terapia de Aceitação e Compromis­
so. Reconhecendo a dificuldade de sintetizar, em poucos parágrafos, todas as contribui­
ções da análise experimental e aplicada do comportamento, recomenda-se que os leito­
res interessados examinem a literatura sugerida para aprofundarem seus conhecimentos.
O cognitivismo é outra abordagem historicamente envolvida com o desenvolvimento
teórico e aplicado acerca da depressão (particularmente em sua forma unipolar). Beck,
Rush, Shaw e Emery (1979) atribuem status causai às distorções cognitivas entendidas
como pensamentos e crenças aprendidos, mas disfuncionais e que exercem controle
automático sobre outras respostas e estados emocionais. Em suma, certas cognições
são consideradas geradoras dos sentimentos e comportamentos (públicos) típicos da
depressão. A terapia cognitiva desempenhou papel pioneiro no sentido de construir um

Solne C o m p o rta m e nto c C o ^ niÇ ilo 2 7 7


modelo formal (e, supostamente, completo) de tratamento da depressão (cuja eficácia
terapêutica foi progressivamente validada, por meio de investigações controladas). Mais
recentemente, Basco e Rush (1996) desenvolveram uma proposta cognitivo-comportamental
para um tratamento do transtorno bipolar, incluindo ações psicoeducacionais, interven­
ções para combate de conflitos interpessoais e outros aspectos. Ainda que a explicação
do transtorno corresponda ao modelo médico, os autores mostram sua plena capacidade
de intervir com sucesso. Vale salientar que não há consenso de que a explicação cognitivista
do processo terapêutico corresponda ao real mecanismo que produziu as mudanças.
Bastaria mudar cognições para obter resultados, se as contingências não se modificas­
sem? Uma pergunta equivalente deve ser feita aos behavioristas interessados no controle
por regras e por contingências.
Seligman é um cognitivista que seguiu um caminho contrário do percorrido por
Beck e colaboradores: a metodologia experimental ó que lhe permitiu construir um corpo
teórico sobre o papel que os eventos aversivos incontroláveis teriam para o desenvolvimen­
to da depressão. A comunidade cientifica consagrou o desamparo aprendido como um
modelo experimental de depressão, com reconhecido valor para estudos em farmacologia
e que também inspirou a elaboração de condutas terapêuticas para clientes com sinto­
mas depressivos.
É inegável que o conhecimento behaviorista radical parte de supostos bastante
distintos do cognitivismo. Não é objetivo do presente trabalho avaliar ou fazer um balanço
completo destas diferenças, mas recomenda-se, por exemplo, que trabalhos como os de
Shinohara (1995) e Hünziker (1997), facilitem os passos iniciais dos interessados em
conhecer os pontos de convergência e divergência entre estas duas concepções psicoló­
gicas sobre a depressão.

4. Cinco episódios: um exercício de análise

Cada um dos episódiios resumidos anteriormente será examinado como se fosse


um caso sobre o qual fôssemos solicitados a analisar. Segue-se um esboço de "raciocínio
clinico" sujeito a imprecisões pela absoluta insuficiência de dados (de história de vida,
genética familiar etc.).

E p isó d io 1
A descrição, ao menos de início, não levaria um terapeuta a supor que o torcedor
em questão esteja clinicamente deprimido. É mais parcimonioso pensar que o rapaz faz
uso do não-técnico do termo depressão, ao se referir aos efeitos de um evento pontual,
levemente aversivo, a derrota, sobre alguns aspectos públicos e privados do seu compor­
tamento. Esse uso do termo é aceito pela cultura, como parece demonstrar a ressonância
afetiva dos outros participantes da happyhour. Talvez pudéssemos até supor que o rapaz
não vá assistir aos próximos jogos de seu time com o mesmo interesse de antes ou que
reclame, por algum tempo, da qualidade do desempenho da equipe, pois torcer foi seguido
pela desclassificação. Essa hipótese se basearia no princípio de que a derrota poderia
temporariamente reduzir a probabilidade de ocorrência da classe de respostas denomina­
da “torcer pelo time". Essa classe pode ter sido instalada tento por meio de contingências
acidentais, por modelagem ou modelação. Mas, atualmente, "torcer pelo time e falar so­
bre o jogo” parece um reponder mantido por expressivo reforçamento social, O comporta­

2 7 8 R egin a C h rlstin d W le le m k d
mento futuro do rapaz dependeria, então, da competição entre as relações de controle
(positivo e aversivo) vigentes em uma dada situação.

Episódio 2

Talvez fosse apropriado dizer que, por enquanto, não poderíamos ter certeza de
coisa alguma. Por exemplo, será que o relato de uma "depressão" inexistente, somado a
algumas lágrimas, não funcionaria como esquiva de uma critica mais ácida que seria feita
pelo repórter na coluna desportiva no dia seguinte? Mentir, a curto prazo, talvez poupasse
o jogador. E a longo prazo? Provavelmente, surgiriam novos problemas, advindos do
desmascaramento. Somente a análise longitudinal da coerência entre o "pensar, agir e
sentir” do jogador traria nova luz aos fatos.
Portanto, para caracterizar a depressão, precisaríamos saber sobre o comportamento
público e privado do jogador, dentro e fora do campo, antes e após a derrota. Em quais
situações do cotidiano recente do rapaz constata-se a presença de correlatos verbais e
não-verbais de depressão ou de outro TH? Quais dados o treinador, preparador físico,
psicólogo e médico poderiam nos fornecer? Amigos e familiares notaram mudanças? E
qual a experiência subjetiva do atleta? Que reações, historicamente, ele apresenta diante
do fracasso e das cobranças? Como tem sido sua conduta em cada aspecto de sua vida
(trabalho, amizade, finanças, amor, sexo etc.)? Perguntas desta ordem poderiam nos
levar a confirmar, ou não, ser este um episódio de alteração patológica do humor. A cronologia
do transtorno, se investigada, irá nos dizer se a "depressão prejudicou o desempenho na
partida" ou se "perder precipitou a depressão". Confirmado o diagnóstico e conhecida sua
provável etiologia, poder-se-ia planejar o tratamento.

Episódio 3
Resumidamente, trata-se de um caso clínico. Ocorreram alterações recentes no
desenvolvimento deste homem de 80 anos. Há alguns meses, mostrava-se fã ardoroso de
seu time, alimentava-se e dormia bem, demonstrava ser capaz de reter ou recuperar
informações, conversava com as pessoas. Enfim, parecia ter uma qualidade de vida
compatível com sua faixa etária. Várias questões poderão ser úteis para o entendimento
do caso. As mudanças foram graduais ou abruptas, generalizadas ou ocorreram em etapas?
Qual seu histórico módico? Faz algum tratamento de saúde? Adere a tratamentos? Faz
uso de quais medicamentos (prescritos e não prescritos)? Ocorreram problemas recentes,
tais corno mudanças ocupacionais ou geográficas, mortes, alterações indesejáveis na
constelação familiar, dificuldades econômicas, conflitos com amigos ou familiares etc.?
Como o próprio indivíduo fala sobre seu estado atual? E a visão das pessoas com quem
convive?
Estas seriam algumas das perguntas para dar início à investigação clínica. Em
termos gerais, seria necessário conduzir uma avaliação de vários sistemas orgânicos
(com ênfase no SNC), além do funcionamento psicológico e social.
Segundo Stoppe Jr., o idoso pode apresentar depressão associada, ou não, a algum
tipo de demência ou outra doença neurológica (Parkinson, por exemplo). Segundo o autor,
uma sistematização útil, ainda que imprecisa, nos levaria a pensar em:

Sobre Comportamento c Cojjniçüo S79


•depressão na demência, como decorrência direta do distúrbio orgânico cerebral ou
como reação psicológica ás perdas cognitivas;
•demência com depressão, caracterizando a coexistência de distúrbios não
relacionados entre si;
•deficiências cognitivas na depressão (portanto, sem demência);
•demência na depressão (slndrome demencial na depressão, anteriormente
denominada pseudodemôncia).
Outra possibilidade seria a depressão ocorrer como reação a outras doenças
incapacitantes ou que ameacem a autonomia e o conforto do indivíduo. Quadros de angina,
por exemplo podem transtornar, e muito, a vida de alguém. Por outro lado, medicações
(por exemplo, alguns anti-hlpertensivos) e diversas doenças (hipotiroidismo, entre outras)
podem induzir uma slndrome depressiva, devendo ser pesquisadas com fins diagnósticos.
Considerando-se o imenso leque de possibilidades, deve-se realizar um cuidadoso
exame clínico, seguido por exames complementares (hemograma, T3, T4, TSH, sorologia
para AIDS e sífilis, nível sérico de vitamina B12, neuroimagem etc.). Em função de certos
tipos de demências não apontarem alterações de monta nestes exames complementares,
recomenda- se proceder também a uma avaliação neuropsicológica (Caramelli e Nitrini,
1997).
Do ponto de vista ambiental, o envelhecimento tende a se configurar como uma
situação aversiva, com risco maior de exposição a estressores incontroláveis (pela
insuficiência de repertório adaptativo para manejo das mudanças ausência de apoio social,
preconceito, limitações físicas ou outros incontáveis motivos). A terapia ou orientação
psicológica pode atenuar ou, preferencialmente, remover o impacto dos eventos aversivos
sobre o idosa e sua família (ó preciso salientar que pessoas responsáveis pelo cuidado de
familiares enfermos também estão com risco aumentado para depressão). A análise
funcional do caso, associada à avaliação médica e social, nortearia a escolha das condutas
terapêuticas. É um custoso trabalho de alfaiataria, mas recompensador. Como se vê,
profissionais de áreas distintas teriam contribuições para se compreender o caso e tratar
o idoso. O que priorizar, quando os recursos são exíguos? Furto-me a responder, dado a
tamanho do desafio.

Episódio 4

A hipótese mais provável recairia sobre o transtorno bipolar, num estado misto de
mania disfóríca. Ocorreram alterações marcantes no funcionamento do indivíduo: redução
da necessidade de sono, irritabilidade extrema, sentimentos excessivos de grandiosidade,
pressão de discurso, comportamentos de risco (sem que tenha crítica a respeito), aumento
de atividade (com decréscimo na qualidade do que faz), prejuízo da atenção etc.
Sabe-se que na juventude apresentou um quadro similar, não-tratado e que remitiu
espontaneamente, cujas conseqüências negativas foram absorvidas com a retomada de seu
funcionamento habitual. Precisaríamos descobrir se ocorreram outras fases de humor alterado,
depressivo, misto ou hipomanlaco, sua duração e intensidade, além do impacto sobre a
qualidade de vida. Há história familiar de transtorno bipolar (parentes consangülneos)? Se
tem filhos, como estão? Segundo Lima, Samaia e Homero Filho (2000), estudos diversos

2 8 0 Reflin.i C hristina W ie le n *k .i
levaram á estimativa de que o componente genético representa 70% da susceptibilidade para
o transtorno bipolar, justificando a preocupação de orientar e submeter à avaliação clinica os
outros membros da família que se mostrarem disponíveis.
Qual a evolução do caso, se não fosse tratado? Seria um exercício de futurologia
irresponsável garantir o que ocorreria com a fase atual. Mas não vale a pena “esperar
sentado" pela remissão ou a evolução para um quadro de ciclagem rápida. Condutas em
psicofarmacologia são necessárias, buscando a estabilização do humor, tratando e
prevenindo novas fases. É uma solução justificadamente aversiva, na opinião de muitos
indivíduos bipolares, em face dos efeitos colaterais da medicação, os custos envolvidos,
sua eficácia parcial, os preconceitos a respeito de tratamento psiquiátrico e fatores como
o tédio do humor eutímico ( "sinto falta daquele entusiasmo, daquela alegria sem fim",
dizem alguns). A terapia comportamental e cognitiva visaria facilitar ao cliente aceitar sua
condição (de modo não-passívo), ensiná-lo a identificar precocemente mudanças em seu
comportamento, estabelecer relações funcionais e fazer uso delas em benefício de sua
recuperação, ampliar suas habilidades de enfrentamento dos estressores e melhorar o
conturbado relacionamento interpessoal. Um objetivo adicional seria a promoção da adesão
ao tratamento, geralmente problemática. Tomar medicação ó uma resposta complexa,
passível de análise funcional. O mesmo pode ser feito com a relação triangular que irá se
estabelecer entre o cliente, o médico e o terapeuta.
É também desejável facilitar ao cliente e a sua família o acesso á literatura disponível
para leigos e incentivar sua inserção em grupos de apoio a bipolares. Para tal, bibliotecas
médicas, material de divulgação produzido por agências especializadas e a Internet são
recursos a se considerar
E a evolução, com tratamento? "Só o tempo nos dirá" é um chavão apropriado. De
modo geral, os resultados são positivos, em graus variados. Será necessário ensinar o
cliente a se avaliar longitudinalmente, considerando o tipo, a duração, a intensidade e a
freqüência das fases, antes e após o início do tratamento. Tal como um economista,
adota-se o raciocínio de custo-benefício.

Episódio 5

Pode-se dizer que, lamentavelmente, o suicídio foi uma forma paradoxal de esquiva.
O radialista estava anedônico, desanimado, com ideações de culpa, sem perspectivas de
um futuro melhor. Havia histórico familiar de suicídio, um sério fator de risco (por ser um
modelo problemático de coping behavíor e sugerir uma susceptibilidade genética à
depressão). Um complicador foi o uso não-supervisionado de benzodiazepínicos, com
seus efeitos depressogênicos e o potencial para desenvolvimento de tolerância e habituarão.
Essa prática é corroborada até por alguns médicos, os quais não identificam que a dificuldade
para adormecer, o sono entrecortado, um despertar precoce ou fadiga matinal levantem
suspeitas de depressão.
É pena que, muitas vezes, a depressão somente ganhe visibilidade após ocorrer
uma tragédia ou depois de meses ou anos de sofrimento dissimulado, não tratado
adequadamente.

Sobre C om p orl.w ncnlo e Cotfnivilo 2 8 1


5. C on clu sõe s (provisórias e certamente incompletas, com o n os ensina a
ciência)
Para cada episódio, buscou-se salientar que diferentes áreas do conhecimento
parecem estar contribuindo com empenho para a montagem do quebra-cabeças (até
literalmente) dos TH. Nem sempre os avanços são na mesma área; por exemplo, alguns
contribuem mais para a terapêutica, enquanto outros para o conhecimento da etiologia.
Juntar as peças parece impossível, mas precisaremos avançar nesta direção, se quisermos
descobrir (quanta pretensão!) quais variáveis atuam, o peso e função de cada uma e como
elas interagem simultânea ou sucessivamente. Os diversos tipos de TH são passíveis de
estudo em seus níveis biológicos e ambientais, sendo o comportamento público e privado
a forma como se expressa a combinação destes dois níveis gerais. Excluir, ao trabalharmos,
partes deste saber é prática indesejável, pois atrasa a desenvolvimento da área e prejudica
o beneficiário final: a sociedade, representada por cada um de nós, pesquisadores,
psiquiatras ou terapeutas, nossos pacientes e quem os ama.

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Sobre C o m p o rta m e n to e C oR n i(3o 2 8 3


Neste volume "Questionando e ampliando a teoria e as
intervenções clínicas e em outros contextos", os tem as incluem
análises conceituais, aplicações específicas e clínicas. O s dife­
rentes enfoques encontram-se aqui reunidos no com prom isso de
estudar cientificamente o comportamento.

A publicação dos trabalhos apresentados nos encontros da


A B P M C tem contribuído para enriquecer a literatura comporta­
mental, tornando-a m ais popular em nosso país, disponibilizando
assim maior quantidade e variedade de material bibliográfico para
os clínicos, professores, pesquisadores e estudantes.

Eliane Falcone

ESETec
Editores Associados

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