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Melissa Andrade Meirelles e Ricardo Carvalho 

CONSIDERAÇÕES GERAIS 
– É uma emergência oncológica causada pela lise maciça de células tumorais devido à
liberação de grandes quantidades de potássio, fosfato e ácidos nucléicos na circulação
sistêmica, condição que pode levar a um dano renal agudo. Ocorre tipicamente 12 a 72
h após a aplicação da quimioterapia (QT), mas também com o uso de agentes biológicos
(terapia-alvo), corticoides, terapia hormonal ou radioterapia (RT). 

– Ocorre mais comumente em tumores que apresentam alta taxa proliferativa, grande
carga tumoral ou sensibilidade alta à terapia citotóxica, sendo os mais comuns: doenças
linfoproliferativas (linfoma de Burkitt, linfoma linfoblástico, linfoma difuso de grandes
células B e leucemia linfoblástica aguda) e tumores sólidos de maior
quimiossensibilidade (tumores germinativos, carcinoma de pequenas células) ou com
doença bulky (> 10 cm). 

– Raramente ocorre de forma espontânea (antes do início do tratamento). 

– Existem relatos da SLT relacionados à administração de quimioterápicos, RT,


corticoides, agentes hormonais, anticorpos monoclonais. Alguns desses agentes
são: paclitaxel, etoposídeo fludarabina, bortezomibe, talidomida, ácido
zoledrônico, hidroxiureia. 

– Fatores de risco: disfunção renal prévia (insuficiência renal crônica, oligúria,


azotemia, obstrução urinária), hiperuricemia pré-tratamento (> 7,5 mg/dL), DHL sérico
pré-tratamento elevado (> 2× o normal), desidratação e uso de drogas nefrotóxicas. 

DIAGNÓSTICO 
– Apresentação variável: desde pacientes assintomáticos e com alterações laboratoriais
discretas (SLT laboratorial) até uremia grave e alterações laboratoriais severas (SLT
clínica). 

– Laboratorialmente: anormalidade em dois ou mais dos eletrólitos que se seguem:


hipercalemia – K > 6 mEq/L ou aumento de 25% (alteração mais precoce e grave);
hiperuricemia – ácido úrico > 8 mg/dL ou aumento de 25%; hipocalcemia – < 7 mg/dL
ou redução de 25%; hiperfosfatemia – P > 4,5 mg/dL ou aumento de 25%. DHL elevado
e azotemia. 

– Urina 1 pode ser normal. 

– Quadro clínico: desde anorexia, náuseas, vômitos, sinais de sobrecarga de volume


(edema, ganho de peso, HAS, estertores à ausculta pulmonar), sonolência, oligúria,
tetania, fraqueza muscular, sinal de Chvostek e Trousseau, até convulsões, arritmias e
morte. 
– Insuficiência renal de origem multifatorial: hipovolemia, desidratação, precipitação de
cristais de ácido úrico e de fosfato de cálcio (obstrução dos túbulos renais),
hiperfosfatemia (dano tubular agudo). 

PREVENÇÃO 
– Classificar o risco do paciente para a SLT de acordo com o tipo de malignidade,
contagem de glóbulos brancos e tipo de terapia a ser instituída. Os pacientes podem ser
classificados em risco baixo, intermediário e alto. 

– Risco alto: Linfoma de Burkitt, linfoma linfoblástico, leucemias agudas, tumores


sólidos com altas taxas de proliferação celular e resposta rápida à
terapia. Rasburicase é recomendada com primeira linha de tratamento nesses pacientes.
A monitorização laboratorial nesses casos deverá ocorrer 4 a 6 h após o início do
tratamento. 

– Risco intermediário: Leucemia mieloide aguda com leucócitos entre 25.000 e


100.000/mm3, leucemia linfocítica aguda com leucócitos < 100.000 e DHL elevado até
2× o limite da normalidade, linfoma difuso de grandes células B com doença bulky e
DHL elevado até 2× o limite da normalidade. Pode-se considerar o uso
de rasburicase em pequena dose com exames laboratoriais a cada 8 a 12 h. 

– Risco baixo: Linfomas indolentes, leucemia linfocítica crônica, leucemia mieloide


crônica na fase crônica, mieloma múltiplo, tumores sólidos de maneira geral. Considerar
hidratação endovenosa com ou sem alopurinol, devendo haver monitorização
laboratorial diariamente. 

– Instituir as seguintes medidas profiláticas (antes do início do tratamento oncológico): 

– Hiper-hidratação: 2-3 L/m² de SF 0,9%. Iniciar 2 dias antes e manter por cerca de 2


dias após o tratamento → manter débito urinário > 100 mL/m²/h. Atenção para
sobrecarga de volume. 

– Diuréticos de alça: somente na ausência de desidratação e de uropatia obstrutiva


(furosemida). 

– Alopurinol: 100 mg/m² VO a cada 8 h. Iniciar 2 dias antes da realização do


tratamento oncológico. Ajustar a dose de acordo com a função renal. 

– Considerar a possibilidade de suporte intensivo. 

– Avaliar a necessidade de acompanhamento conjunto com nefrologista. 

Comentário. Alcalinização urinária (bicarbonato de sódio, 1 mEq/kg/dose para


manter pH urinário > 7,0) não é recomendada como prevenção ou tratamento da SLT
devido a risco de induzir alcalose metabólica e precipitação de cristais de fosfato de
cálcio e de xantinas (principalmente se hiperfosfatemia), com prejuízo na função renal.
– Considerar o uso de rasburicase (enzima recombinante, urado-oxidase, com efeito
uricolítico de potência elevada que catalisa a oxidação enzimática do ácido úrico em
alantoína, que é um produto hidrossolúvel, excretado facilmente por via renal),
particularmente em paciente com risco alto de lise tumoral ou se o nível sérico de ácido
úrico estiver ≥ 8 mg/dL. É contraindicada em portadores de deficiência de G6PD. Sua
dose varia de 0,10 a 0,20 mg/kg EV em infusão de 30 min por 3 dias, começando no
início ou logo após administração da QT. Pode ser usada em associação
com alopurinol. Atenção aos possíveis efeitos adversos: reações anafiláticas, rash,
hemólise, febre, náusea/vômito e diarreia. Monitorizar eletrólitos e ácido úrico a cada 6
h nos primeiros 2-3 dias de tratamento. Vigiar o débito urinário. 

– Em pacientes tratados com rasburicase, as amostras de sangue para nível sérico de


ácido úrico devem ser coletadas em tubos resfriados, imediatamente colocados em gelo,
e o teste deve ser realizado dentro de 4 h. 

– A profilaxia indicada, portanto, vai variar de acordo com o risco de SLT: 

– Risco alto: hiper-hidratação + rasburicase. 

– Risco intermediário: hiper-hidratação + alopurinol. Usar rasburicase apenas se o


nível sérico de ácido úrico estiver ≥ 8 mg/dL. 

– Risco baixo: apenas hiper-hidratação. 

[N Engl J Med 364:1844, 2011; Wien Klin Wochenschr 117:7, 2005; Am J Kidney Dis
55:S1, 2010]. 

ABORDAGEM TERAPÊUTICA 
– Instituir o mais precocemente possível as seguintes medidas terapêuticas: 

– Hidratação agressiva; diuréticos de alça se necessário. 

– Corrigir os distúrbios metabólicos. 

– Se não utilizada antes, utilizar rasburicase na dose de 0,20 mg/kg EV na tentativa de


“lavar” os cristais de ácido úrico que obstruem os túbulos renais com ou sem o uso de
diurético de alça. 

– Manejo da hipercalemia: realizar ECG. As fontes oral e EV de potássio devem ser


eliminadas enquanto houver o risco de SLT. Hipercalemia severa (> 7,0 mEq/L) e/ou
sintomática com alargamento do complexo QRS no ECG devem ser tratadas
imediatamente com medidas para aumentar o influxo do potássio extracelular para o
meio intracelular: beta-2-adrenérgicos inalatórios e solução polarizante
com insulina (em doses de 10 a 20 UI) e glicose a 5% (cada 1 UI/2,5 g de glicose). O
uso de gluconato de cálcio é proscrito na hipercalemia severa associada a
hipercalcemia. 
– Nota: Níveis elevados de potássio devem ser confirmados imediatamente com
segunda amostra para descartar hipercalemia induzida por hemólise devido a
flebotomia. 

– Manejo da hipocalcemia: tratar somente hipocalcemia sintomática (tetania ou arritmia


cardíaca). Não corrigir hipocalcemia assintomática e associada à hiperfosfatemia, pois a
infusão de cálcio pode induzir à precipitação de cristais de fosfatos de cálcio nos túbulos
renais, agravando a disfunção renal. 

– Manejo da hiperfosfatemia: considerar o uso de hidróxido de alumínio, 50-150


mg/kg/dia VO, a cada 6 h, para estimular a excreção de fosfato, limitando o uso por 1 a
2 dias a fim de evitar toxicidade pelo acúmulo de alumínio. 

– Diálise: útil na correção de distúrbios metabólicos severos ou refratários às medidas


iniciais, na sobrecarga de volume em pacientes anúricos, uremia refratária,
hiperfosfatemia e hiperuricemia severas. Não há consenso sobre a melhor modalidade
de diálise. 

[N Engl J Med 364:1844, 2011; Wien Klin Wochenschr 117:7, 2005; Am J Kidney Dis
55:S1, 2010].

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