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E ANO MIA
1. Ver, por exemplo, S. Freud, Civilizalion and Its Discontents (passim e esp. pág. 63); Er-
nest Jones, Social Aspects of Psychoanalysis (Londres, 1924), 28. Se a noção freudiana
é uma variedade da doutrina do "pecado original", então a Interpretação oferecida nes-
te estudo é uma doutrina do "pecado socialmente derivado".
de ênfase sôbre os meios institucíonalízados. Pode-se desenvolver uma isso, para cada posição dentro da ordem distributiva. Do contrário, tal
tensão muito pesada, por vêzes virtualmente exclusiva, sôbre o valor de como o verificaremos adiante, surgirá o comportamento aberrante. Na, .1..:.
I", objetivos particulares, envolvendo em comparação pouca preocupação W verdade, minha hipótese central é que'q comportamento aberrante pode ..
f
com os meios institucionalmente recomendados de esforçar-se para a con- t ser considerado sociológicamente como um sintoma de díssocíação entre: C":;-"''ê ..
secução de tais objetivos, j O caso limite dêsse tipo é alcançado quando as aspirações culturalmente prescritas e as vias sociallIlente estruturadas] "h.
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a amplitude de procedimentos alternativos é governada apenas pelas nor- para realizar essas aspirações. ')t." '.:;; ~.~~
\,. ., mas técnicas em vez das normas ínstítucíonaís. Neste caso extremo e· Dos tipos de sociedades que resultam da variação independente dos
"'-~. . i .
hipotético, seriam permitidos todos e quaisquer procedimentos que permi- objetivos culturais e dos meios ínstítucionalízados, daremos prioridade ao
tissem atingir êsse objetivo tão importante, Isto constitui um tipo de' estudo do primeiro: uma sociedade em que há ênfase excepcionalmente
cultura mal integrada.v Um segundo tipo limite é encontrado em grupos forte sôbre objetivos específicos, sem uma correspondente ênfase sôbre os ':'/\' ,',i' .
onde as atividades originalmente concebidas como instrumentais são trans- procedimentos íntitucíonais . Para evitar mal-entendidos, êste enun-
.,\, mudadas em práticas auto contidas, às quais faltem ulteriores objetivos. ciado deve ser bem explicado. Nenhuma sociedade carece de normas go- il'l,
As Jinalidad~~ c:rig~!lªi~ são esqueei<:l?138 8 estreita aderência à conduta vernantes da conduta, porém elas realmente se diferenciam na medi-
Instítucionajments recomendada tprna-se1,l!Dassllntod.e, ):it,1,lªJ.4 A con- da em que os usos e costumes populares e os contrôles institucíonais T II
formidade absoluta torna-se um valor central. Por algum tempo, a esta- estão efetivamente integrados com os objetivos que se destacam na hie-
bilidade social é assegurada às expensas da flexibilidade, Desde que a rarquia dos valôres culturais. A cultura pode ser tal que induza os indi-
amplitude dos comportamentos alternativos, permitidos pela cultura, +
é
ção, então aquêles que perenemente sofrem derrota podem, de modo bas-
conhecido livro de ~'I'awriey . UNa verdade o problema não ~ o da enfermidade de ~ . I!
uma sociedade aquisitiva; é o da. aquisitividade de uma sociedade doente". I-Juman Pre- ~. ';;-:, [I
tante compreensível, procurar alterar as regras do jôgo _O)LSaCJ;iJícios
ucasionalmente - e não ínvaríàvelrnente, segund0I<'.reud admitia -a.car-
blems of an Industrial Civilization, 153. Mayo lida com O processo através do qual a
r iquez a, vem a ser o símbolo básico da realização social, e encara isto como sendo pro- ~~l 1
ri3tado§. pela _gQnformidag,e com as _normasinstitucionaís devem ser com- veniente de um estado de anomia. Minha maior preocupação aqui é com as conseqüên- '1
cias sociais de uma pesada ênfase sôbre o sucesso monetário como objetivo, numa SOA
pensados ..pelas recompensas socializadas. A distribuição de posições so- ciedade que nã-o adaptou sua estrutura às correlações desta ênfase, Uma análise com-
ciais através da competição deve ser organizada de modo que se propor- ple ta exigiria. o exame simultâneo de ambos os processos.
cionem incentivos positivos para a adesão às obrigações da situação, e 6. A ressurreícão feita por Durkhc.im do termo "anomía", o qual, tanto quanto é de meu cc-
nhecímento , aparece em primeiro lugar no mesmo sentido no fim do século XVI, bem
poderia. ser objeto de uma investigação, por uni estudante interessado na ríliaçâo his-
4. Êste ritualismo pode ser ussoctnoo com urna rnitologia que racíonz.lizc estas prát.icas de tórica das idéias. Tal como ao frase "clima de opinião" trazida à popularidade acadê-
modo que elas aparentemente retenham sua situação como meio, porém, a pressão de- mica e politica por A. N. Wh~teheª.c!, três séculos depois de ter sido cunhada por J("!.
minantc é no sentido de conformidade ri tualísttca estrita, independente da mitologia. seph Glanvill, a palavra "anomía" entrou ultimamente em uso freqüente, desde que
I: :,' O ritualismo é cssím tanto mais completo, quanto tais racionalizações não são nem foi reíut.roduzida por .!?_~r~~i_l!!. Por que essa ressonância na sociedade contemporã-
sequer provocadas. nea? Um magnifico modélo do tipo de pesquisa exigido por questões dessa ordem, en-
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o funcionamento dêste processo que eventualmente resulta em ano-
mia pode ser fàcilmente percebida numa série de episódios familiares e
~ instrutivos, embora talvez triviais. Assim, na competição de atletismo,
I do sucesso, assim como seria irreal negar que os norte-americanos
atribuem um lugar saliente em sua escala de valôres.
Q ..dinheíro teIDsidoçºJ:l§ªgrl1dº~
lhe
Em grande parte,
corno um, yaIQ:l".,~!!1,,§.LI!!~Sm9,além e
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quando o alvo da vitória é despojado de suas roupagens ínstítucíonaís e o acima de seu gasto a trôco de artigos de consumo ou de seu uso para o
sucesso torna-se subentendido em "ganhar a partida" em vez de "ganhar aumento do poder. O "dínheíro" ~ peçuHarro~llt~._bflmarnmtado,_a __tor-
segundo as regras do jôgo", estabelece-se implicitamente um prêmio ao nar-se um símbolo de prestígio. Conforme Simmel salientou, o dínhei-
uso de melos ilegitimos, porém têcnicamente eficientes. O "craque" do ti- rõ'é' aítam~~te 'abstrato e- impessoal. Não importando como é adquiri-
me de futebol concorrente é sub-reptícíamente golpeado; o lutador é in-
I
do, fraudulenta ou dentro das instituições, pode ser usado para adquirir
capacitado por seu oponente, através de técnicas engenhosas, porém ilí- os mesmos bens e serviços. A anonímía da sociedade urbana, em con-
citas; os alunos da universidade encobertamente dão "colas" aos "estudan-
tes" cujos talentos são limitados ao campo do atletismo. A ênfase con- I junção com essas peculíarídades do dinheiro, permite que a riqueza, _
cujas origens podem ser desconhecidas da comunidade em que vive o plu-
cedida ao resultado de tal maneira atenuou as satisfações derivadas da tocrata ou, quando conhecidas, podem ser purifica das pelo decurso do
simples participação na atividade competitiva, que somente um resultado tempo - sirva como símbolo de elevado status. Ainda mais, no Sonho
bem sucedido fornece a satísracão. Através do mesmo processo, a ten- Norte-americano não há ponto de parada final. A medida de "sucesso
são gerada pelo desejo de ganhar numa partida de pôquer é afrouxada pe- monetário" é conveníentements indefinida e relativa. Em cada nível de ; (, I
la distribuição de quatro ases a si próprio ou, quando o culto do sucesso renda, conforme verificou H ·_E., , Gta"r.:i!:,. os norte-americanos querem sem-, ~ ,
chegou ao extremo, pelo sagaz embaralhamento de cartas numa partida pre uns 25% a mais (é claro que' esta' idéia. de "um pouco mais" volta a'
de paciência. A débil pontada de mal-estar no último exemplo e a natu- funcionar logo depois que o alvo anterior foi atingido). Neste fluxo de,
reza sub-reptícía dos delitos em público indicam claramente que _.ªs__re- padrões em mudança, não há ponto de descanso estável, ou, em outras
""'"1.-'-"
gras institucionais do jôgo são conhecidas por aquêles que as desprezam. palavras, é o ponto que se mantém sempre "um pouco adiante". O ob- i '-
Porém, o exagêro cultural (ou idíossíncrátíco ) que conduz o homem a ob- servador de uma comunidade na qual não são inconiuns os salários anuais i
ter sucesso de qualquer maneira, leva-o a desprezar o apoio emocional das l'epresentados por seis algarismos (isto é, de 100.000 dólares para cima) ~~ !
.regras.7 relata as palavras angustiadas ue uma vítíma do Sonho Americano: "Nes-
Êste processo evidentemente não se restringe às competições esporti- ta cidade, sou socialmente menosprezado, porque ganho apenas mil dó-
vas, as quaís simplesmente nos fornecem imagens mícrocósmícas do ma- lares por semana. Isto dói." 9
crocosmo social. O processo pelo qual _a exaltaçãQ._dQ Jim gera ..uma li- Dizer que o objetivo do sucesso monetário está entrincheirado na cul-
teral de$1!!-oralização, isto é, desinstítucíonalízacâo dos meios, ocorre em tura norte-americana é apenas repetir que os americanos são bombardea-
muitos 8 grupos, nos quais os dois competentes da estrutura social não dos de todos os lados por preceitos que afirmam o direito e, freqüente.
estejam altamente integrados. mente, o dever de alcançar o objetivo, mesmo em face a repetidas frus-
A cultura norte-americana contemporânea parece aproximar-se do ti- trações. Prestigiosos representantes da sociedade reforçam essa ênfase
po polar em que ocorre grande ênfase sôbre objetivos de êxito sem a ên- cultural. A família, a escola e o local de trabalho - principais organis-
fase equivalente sôbre os meios institucionais. Evidentemente seria irreal mos que modelam a estrutura da personalídad., e a formação dos objeti-
í asseverar que a riqueza acumulada permanece sózínha como um símbolo vos dos norte-americanos - unem-se a fim de impor a intensiva discipli-
na necessária para que um indivíduo consere intacta uma meta que está,
cada vez mais, fora do seu alcance e que obrigue a motivar seu compor-
contra-se em Leo Spitzer, "Milieu and Ambiance: an essay ín historical semantícs". tamento pela promessa de uma recompensa que não se cumpre. Tal co-
Philosophy and Phenomenologteal Research, 1942, 3, 1,42, 169·218.
7. Pa-rece improvável que as normas culturais, depois de assimiladas. possam ser totalmente
mo veremos, Qª_Im.!§.Il~:[Y~m_ge_,cº-w~iª _.<l€l" tral!ll!l1ill.llªº __
Pª,m,QIl._Vªl!ll"E!s
eliminadas. Qualquer resíduo que persista, induzirá tensões de personalidade e confli- _JLQbjetiyos dos grupos dos quais fazem parte, sobretudo os da sua clas- , . 'v-,
tos, com alguma medida de ambivalência. Uma rejeição ostensiva das normas insta- se social ou da classe com que se identificam, E as escolas são evidente-
tucionais já incorporadas, estará provávelmente ligada a algurns, retenção latente de
mente organismos oficiais para a transmissão dos valôres predominantes,
seus correlativos emocionais. Sensação de culpa, sentimento de pecado, a.ngústia d2
consciência, são têrmos diversos apltczdos a esta tensão não aliviada. A aderência com uma grande proporção de livros usados nas escolas da cidade, afir-
simbólica aos valõres nominalmente repudíados, ou as racionalizações da rejeição de ~ mando implicitamente, ou mesmo de modo explícito, "que a educação con-
t
8.
tais valôres, constituem expressões mais sutis dessas tensões.
Em "muitos", mas não em todos os grupos não integrados, pela razão antes mencionada.
\,~ duz à inteligência e conseqüentement« ao sucesso no emprêgo e ao êxí-
Nos grupos em que ae·ufzlSe
é normalmente
principal
um tipo de ritualismo,
recai sôbre os meios instituc1onais,
em vez de anomía,
o resultado
I 9. Leo C. Rosten, Hollywood (Nova Iorque, 1940), 40.
_____
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I
1
to monetário". 10 Os protótipos do sucesso, os documentos vivos que teso J. L. Bevan, presidente do IIlinois Cen- Protótipo de sucesso lIr: Se as tendên-
tral Railroad, que aos doze anos era men- cias seculares de nossa economia parecem:
temunham que o Sonho Norte-americano pode ser realizado contanto que
sageiro no escritório de frete de Nova dar pouco incentivo aos pequenos negó ..·
a pessoa tenha as habilidades exigidas, são peças centrais dêsse proces- Orleans. cios, então as pessoas podem subir dentro
so de disciplinar o povo, a fim de mantê-to prêso às suas ilusões insatis- das gigantescas burocracias das emprêsas
feitas. Considere-se a éste respeito os seguintes trechos do jornal de ne- p:;,rticulares. Se alguém já não pode ser
rei no âmbito de sua própria criação, pe-
gócios, Nation's Business, extraídos de uma grande quantidade de maté- lo menos pode ser um presidente em uma
ria análoga encontrada em comunicações de massa, estabelecendo os va- das democracias econômicas. Seja qual tõr
lôres de cultura predominantes, no mundo dos negócios: a situação atua' de um individuo, môço
de recados' ou escriturário, o seu olhar de-
o Documento Suas Implicações Sociológicas ve estar sempre fixado para o alto.
(Nation's Business, Vol. 27, n.o 8, pág. 7).
"Você tem que ter nascido para êsse Aqui está uma opinião herética possi- De diversas fontes jorra uma pressão contínua a fim de manter al-
trabalho, meu amigo, ou então ter um bom velmente nascida de uma frustração con- tas ambições. A literatura de exortação é imensa, e podemos escolher
pistolão", ttnuoda, a qual rejeita o' valor de alcançar somente correndo o risco de parecermos injustos. Lembremos apenas os
um objetivo aparentemente irreaUzável e~
mais ainda, põe em dúvida, a legitimidade
seguintes: O Rev. Russel H ..Cowell, cujo sermão Acres ot Diamonds foi
de uma estrutura social que oferece dife- ouvido e lido por centenas de milhares de pessoas, sendo seguido por
renças no acesso a esse meta. The New Day, ou Fresh Opportunities: A Book for Young Men, Elbert Hub-
Isto é um velho sedativo para a ambição. o contra-ataque, afirmando explicitamen- bard, que proferiu a famosa Mensagem a Garcui nos clubes de Chautau-
te o valor cultural de reter as aspirações qua, por tôda a extensão do país; Orison Swett Marden que, numa tor-
de cads, um intactas, de não perder a
rente de livros, publicou em primeiro lugar The secret o] Achievement,
"ambição".
elogiado por reitores de universidades; a seguir ensinou como "Ir para a
Antes de dar ouvidos a esta sedução, por Uma clara afirmação da função a ser
gunte a êstes homens:
frente" em seu livro Pushinq to lhe Front, recomendado pelo Presí-
servida pela seguinte lista de "sucessos",
Êstes homens são testemunhos vivos de que d.ente.McKinley e finalmente, não obstante êsses testemunhos democrá-
a estrutura social (:. t~l que permite que ttcos, cartografou os caminhos para fazer de todo homem um rei (Every
essas aspirações sejam alcançadas se a Man a King). O simbolismo do homem comum, elevando-se à situação de;
pessoa fôr corajosa e persistente. E cor-
realeza econômica, está profundamente entrelaçado à cultura norte-ernerí-:
relativamente, .0 rracasso ,,}~"l:º..._.~t~.~g~mento
dêsses_objetivºsdá testemunho das de fi- cana, encontrando talvez a sua definitiva expressão nas palavras de
_~~i.~QÇ.illJ:i-.P~§êºa,is! A reação provocada pelo alguém que sabia do que estava falando. Andrew Carnegie: "Seja um rei:
fracasso deveria, portanto, ser dirigida pa-
em seus sonhos. Diga a si mesmo "Meu lugar é no alto".l1 i
ra dentro e não para fora, contra as pró-
prias pessoas e não contra ums, estrutura Unida a esta ênfase positiva sôbre a obrigação de manter alvos ele-
social que proporciona acesso livre e igual vados, há uma ênfase correlativa sôbre o castigo daqueles que refreiam
à oportunidade. suas ambições. Os norte-americanos são admoestados a "não ser um dos
Elmer R. Jones, presidente da WeIls-Far- Protótipo de sucesso I: Todos podem ter que desistem" pois no dicionário da cultura daquele povo, tal como no lé-
go Co., que começou a vida como rapaz as mesmas corretas ambições elevadas, POi5
xico da sua juventude, "não existe a palavra 'fracasso'''. O manifesto
pobre e deixou a escola no 5.? ano para não importa que o ponto de partida seja
pegar seu primeiro emprêgo. muito bzdxo : o talento verdadeiro pode cultural é claro: não se_po<l~gesistir, não se devernoderar os esforços,
alcançar as maiores alturas. As aspirações _ráo_.s<J_ pode diminuir os objetivos, pois "não o fracasso, mas o alvo bai-
devem ser conservadas intactas. xo é crime".
Frank C. Ball, o pedreiro que veio a ser Protótipo de sucesso 11: Quaisquer que Assim a cultura impõe a aceitação de três axiomas culturais. . PrÍ-
o rei das frutas em conserva, que VÜ:'1joll sejam os atuaís resultados dos esforços de meíro, todos devem esforçar-se para atingir os mesmos elevados objeti-
de Buffalo até Muncie, Indiana, numa car- ::rJguém, o futuro é grande em suas pro-
1-
vos, já que estão à disposição de todos ;::segundo, o aparente fracasso mo"
roça, com O cavalo do irmão George, ali messas, pois .9 homem ...comum -ªj.nçl.ª .pode
iniciou um pequeno negócio que se tornou tornar-se um rei. As recompensas podem mentâneo é apenas uma estação no caminho .do sucesso final ;:=:eterceí-
o maior de sua espécie. parecer ad 'adas para sempre, mas final- ro, o fracasso genuíno consiste apenas na diminuição ou retirada da am-
mente elas serão concretizadas quando fi bição.
emprêsa de alguém se tornar "a maior
de sua espécie".
11. Cf., A. W. Griswold, The American Cult of Suecess (Yale University doctoral dísscrtatíon,
10. Malcolm S. MacLean, Scholars, Workers and Gentlemen (Harvard University Press, 1938), 1933); R. O. Carlson, "Personality Schools": A Sociological Analysis (Columbia trníver-
síty Masters Essay, 1948).
29.
212 Roõert K. Merton SOCiOlogia - Teoria e Estrutura 213
Numa paráfrase psicológica aproximativa, êsses axiomas representam TIPOLOGIA DE MODOS DE ADAPTAÇÃO INDIVIDUAL U
em .primeiro lugar.j. um refôrço secundário simbólico do incentivo; em .\fodos de' Adaptação Metas CuDturais Meios
segundo Iugar.Iurn freio à ameaça de extinção da reação mediante um es- I nstitucionalizados
idmulo associado ; em terceíro lugar,3,0 aumento da fôrça impulsora para I. Conformidade + +
." .responder ronstantemente ao estímulo, apesar da continuada ausência de II. Inovação +
recompensa. lII. Bítualísmo - +
Na paráfrase sociológica, êstes axiomas representam primeiro'.o des- IV. Retraimento
vio da crítica da estrutura social para a critica do próprio indivíduo, co- V. Rebelião 13 ± ±
locado entre aquêles situados de tal forma na sociedade, que não têm to-
", ~ <,
tal e igual acesso à oportunidade; segundo.ra preservação de uma estru- \ o exame do modo pelo qual a estrutura social opera a fim de exercer
:t. tura do pouer social, pela identificação dos indivíduos dos estratos so-
ciais inferiores, não com seus pares, mas com aquêles que estão no alto
'I. pressões sôbre os indivíduos, num ou outro dêsses modos alternativos de
comportamento, deve ser precedido pela observação de que as pessoas po-
dem mudar de uma alternativa. para outra, à medida que elas se lançam em
(a quem êles finalmente se juntarão); e terceíro.Ta atuação de pressões
favoráveis à confcrmidade com os ditames culturais de ambição irrepri- diferentes esferas de atividades sociais. Essas categorias se referem ao
mível, mediante a ameaça, para aquêles que não se acomodam aos referi- papel de comportamento em tipos específicos de situações, não à persona-
dos ditames, de não serem considerados plenamente pertencentes à so- lidade. São tipos de reação mais ou menos duradoura, não tipos de or-
ciedade. ganização de personalidade. Considerar êsses tipos de adaptação em di-
É nestes têrmos e através de tais processos que a cultura norte-amerí- versas esferas de conduta introduziria uma complexidade que não pode-
cana contemporânea continua a ser caracterizada por uma pesada ênfa- ria ser dominada na extensão dêste capítulo. Por esta razão, vamos nos
se sôbre a riqueza como símbolo básico do sucesso, sem uma ênfase cor- ocupar primordialmente com !J. atividade econômica. no sentido amplo
respondente sôbre as legítimas vias nas quais se deve marchar em dire- "da produção, troca, distribuição e consumo dos bens e serviços" em nos-
ção a êste objetivo. Como reagem os indivíduos que vivem nesse contex- sa sociedade competitiva, onde a. riqueza assumiu um papel altamente
to cultural? E como as nossas observações se refletem na doutrina de simbólico.
que o comportamento transviado deriva tipicamente dos impulsos bioló-
gicos que irrompem através das restrições impostas pela cultura? Em 12. Não faltam tipologias de diferentes modos de reação, em relação às condições de
frustração .• Ereud, em sua CiviJization and Jts Díscontents (pág. 30 e segs.) fornece
poucas palavras quaís são as conseqüências do comportamento das pes- um; tipologiaSderivativas,· freqüentemente diferentes em detalhes básicos, serão en-
soas situadas em várias posições na estrutura social de uma cultura, na contradas em ...Kª.rgn .H;aroey, Neuroii~ Personality of Our Time (Nova Iorque, 1937);
qual a ênfase sôbre os objetivos do sucesso dominante afastou-se' cada !h.~oselll'.weig,_ "The experim"ental measurement of types or reaction to frustration", em
vez mais de uma ênfase equivalente sôbre os processos tnstltucíonalíza- ª,_IL~Mtiril!Y, 'e outros, Explorations in Personality (Nova Iorque, 1938), 585·599; e nos
trabalhes de ,!911I!..I)QUarg, Harold Lasswell, Abram. Kar.diner._.e..-E.rich .. Fromm. Mas
dos para a obtenção dêsses objetivos? particularmente na. estrita típología rreT~diant:1 a perspecttva é de tipos
I de--reaçóes in-
dividuais, inteiramente separada do lugar do indivíduo dentro da estrutura social.
Apesar de sua constante preocupação com a "cultura", por exemplo, Horney não explo-
ra as diferenças no impacto dessa cultura sôbre o fazendeiro, o trabalhador e o homem
TIPOS DE ADAPTAÇÃO INDIVIDUAL de negócios, sõbre os indivíduos das classes baixa, média e z,lta, sôbre os membros de
vários grupos étnicos e raciais etc. Como resultado, o papel das "inconsistências da
Deixando êstes padrões de cultura, examinaremos agora os tipos tIe cultura" não é localizado em seu impacto diferencial sõbre grupos diversamente situa-
adaptação dos indivíduos, dentro da sociedade portadora da cultura. Em- dos. A cultura torna-se uma espécie de lençol que cobre Iguarnente todos os mem-
bros da sociedade, sem considerar as diferenças ídíossíncrátícas nas suas hístórías do
bora nosso enfoque seja ainda. a gênese cultural e social das proporções
vida. Uma suposição primordial da nossa tipología é que essas reações ocorrem com
variáveis e tipos de comportamento divergente, nossa perspectiva. se freqüência diferente dentro de vários subgrupos de nossa sociedade, precisamente por-
+ransferírá do plano dos moldes dos valôres culturais para o plano dos + que os membros de tais grupos ou estratos são diferencialmente sujeitos ao estímulo
cultural c às restrições sociais. Esta orientação sociológica será encontrada. nos escrí-
tipos de aaaptação a êstes valôres entre as pessoas que ocupam diferen-
tes posições na estrutura socia1. I tos de Dollard, e, menos sistemàticamente,
Do ponto de vista geral, ver a nota 3 dêste capitulo.
nos trabalhos de Fromnl, Kardiner e Lasswell.
I
r\, .)'..''.' .. :~~) Esta quinta alternativa está num plano claramente diferente d"," demais. Representa
ticamente dispostos na tabela seguinte, onde (+) significa "aceitação", uma reação de transição que procura institncionalizar novos objetivos e novos procedi.
.r mentos a serem compartilhados por outros membros da sociedade. Refere-se assím a
f -) significa "rejeíçâo", e (±) significa "rejeição de valôres predominan-
esforços para mudar a estrutura cultural e socísd existente, ao invés de acomodar es-
tes e sua substítuíção por novos valôres". i
I forços dentro dessa estrutura.
i
_~~~__. . . ~l_
Sociologia - Teoria e Estrutura 215
214 Robert K. Merton
comportamento desviado e já que temos examinado resumidamente os me- j' mulado pelos vossos concídedãos?
mentiroso confesso"? "Sim, senhor".
Ele é uma praga pública, não é"? "Sim, senhor". "Um
"Éle tem sido chutado e algemado, e prêso"? "Sim, se- io +
canismos que transformam a conformidade como a reação modal da so- i nhor". "É um indivíduo inteiramente desonrado, degradado e 'devasso"? "Sim, senhor", "Bantc -1;, C.~,";:-:· I
ciedade norte-americana, pouco mais necessita ser dito neste ponto, em ~
~
Deus, qual é então o seu mérito"? "Bem, senhor, êle é um homem esperto",
relação a êste tipo de adaptação. i, Nesta caricatura dos valôres culturais conflitantes, J:;>.ickJ\Il~. era evi-
lI. INOVAÇÃO
I dentemente apenas mais um dêsses espíritos agudos que demonstraram
Ii
sem piedade as conseqüências da importância dada ao sucesso financei-
ro. Os humoristas norte-americanos continuaram no ponto em que os
..A..g)'"ªlJc1eêpfase.clJ,ltural sóbre a meta de êxito estimula êste modo estrangeiros pararam. .Art~.mus __:W1!,rd. satirizou os lugares comuns da
ele adaptação através de meios institucionalmente proibidos, mas rre- vida americana, até que parecessem estranhamente incongruentes. Os
qüentemente eficientes, de atingir pelo menos o simulacro do sucesso - a.
riqueza e o poder. Esta reação ocorre quando o indivíduo assimilou a
ênfase cultural sôbre o alvo a alcançar sem ao mesmo tempo absorve!'
igualmente as normas institucionaís que governam os meios e processos
I "filósofos de praça pública", .B.ilLArn e Petroleurn volcano [mais tarde
Vesúvio] Nasby, puseram a sátira a serviço da íconoolastía, quebrando
as imagens das figuras públicas com prazer não oculto. ..:r9.§ll,
..Billjngs
e seu alter ego, 1l._'I'io.Esek, tornaram explícito o que muitos não podiam
para o seu atingimento. admitir livremente, quando êles observavam que a satisfação é relativa,
Do ponto de vista da psicologia, pode-se esperar que um grande inte- já que "a maior parte da felicidade neste mundo consiste em possuir o
rêsse emocional por determinado alvo em vista, produza a ~Qsiçªpde que os outros não podem conseguir". "Todos se dedicaram a demonstrar
.aceítar ...rísccs, e esta atitude pode ser adotada por pessoas de tôdas as as funções sociais do humorismo tendencioso, tal como foi mais tarde
camadas da sociedade. Do ponto de vista da sociologia, surge então esta analisado porFJ~ud) em sua monografia acêrca de Wit and Its Relation
pergunta: quaís as características
qüências de comportamento
de nossa estrutura social que predis-
põem em direção a êsse tipo de adaptáção, produzindo assim maiores fre-
divergente em uma camada social do que
•
;
,
!
to the Unconscious, usando como "uma arma de ataque tudo o que é
grande, dignificado e poderoso, contra aquilo que está protegido por obs-
táculos internos ou circunstâncias externas contra a detração dire-
em outra?
Nos níveis econômicos mais elevados a pressão rumo à inovação apa- I ta" . .. Porém, talvez mais apropriada tenha sido a exibição de espírito,
feita por _AmbrQ.sJL.:61~[ç!L numa forma que tornou evidente que o espíri-
I
ga, com não pouca freqüência, a distinção entre os esforços normalmente to não se havia de'stacado de suas origens etimológicas e ainda sígnífí-
usados no mundo dos negócios, ou seja, no lado "legal" dos costumes e as
í
~
_._.._"_.....
<.~_~d
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i ,'f
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cava o poder pelo qual a gente sabe, aprende, ou pensa. Em seu en- Vivendo na era em que os barões ladrões floresceram, Bíerce não po-
f
saio caracteristicamente irônico e profundo acêrca do "crime e seus cor-
retivos", Bierce começa observando que "os sociólogos têm longamente
dería fàcilmente deixar de observar o que mais tarde se tornou conheci-
do como "d.§.li!1:q4~tes. çleeolRl'illl1o brilP,QQ". Não obstante, êle sabia
I
debatido a teoria de que o impulso para cometer o crime é uma molés- que nem todos êsses grandes é dramáticos afastamentos das normas ins-
tia; os que concordam com isso parecem sofrer dessa mesma moléstia".
Após tal prelúdio, descreve os modos pelos quais o malandro bem sucedi-
• do alcança a legitimação social e prossegue, analisando as discrepâncias
titucionais nos estratos superiores da economia são conhecidos, e que
possivelmente vêm à luz número menor de desvios entre as classes mé-
dias inferior€s.S_uth~rlª).).d _tem repetidamente documentado a predomi-
I
entre os valôres culturais e as relações sociais. nância da "criminãiidacte' de colarinho branco" entre os homens de negó-
cios. Êle nota, além disso, que muitos de tais crimes não foram levados
Via de regra, o bom norte-arnertcano é bastante contrário à velhacaria, mas êle suaviza
ao tribunal porque não foram descobertos; ou, se foram,' devido ao "sta-
sua &.!usteridade por uma amigável tolerância para com os velhacos. Sua única exigência é
tus social do homem de negócios, a tendência contrária ao castigo, e o
de que êle deva conhecer pessoalmente
voz alta, se não temos a honra de conhecê-Ios.
os tratantes. Todos nós "denunciamos" os ladrões em
Se tivermos essa honra, bem, isto é. dire- '1 ressentimento público relativamente não organizado contra os crimino-
rente, a menos que êles recendam à favela ou à prisão. Podemos saber que êles são delin- sos de colarinho branco". 15 Um estudo de aproximadamente 1.700 índi- C } ~'f~.
qüentes, mas quando os encontramos, sacudimos suas mãos) bebemos com êles, e se acon-
tece que sejam ricos, ou importantes sob algum outro aspecto, convidamo-tos às nossas
víduos, predominantemente da classe média, revelou que as Ülfra.çQgf;~n.ã.o: .c';:
essas e consideramos uma honra freqüentar as suas. Bem entendido, "não aprovamos os regístradas" eram comuns entre membros inteiramente. "respeitáveis" da .,.
seus métodos" e isto já constitui uma punição suficiente. A idéia de que um patife dá qual- so.c.i~da~.:. Noventa e nove por cento das pessoas pesquisadas contes- •. "
quer importância ao que dêle se pensa, parece ter sido inventado por um humorista. No saram ter cometido uma ou mais das 49 infrações à lei penal do Estado de: /
palco de vaudevilIe de Marte, isto provàvelmente teria feito sua fortuna.
[E acrescentr.l : Se fôsse negado o reconhecimento social aos velhacos, êles seriam em
Nova lorque, sendo cada uma de tais infrações Suficientemente séria Pª' ,- I
. ~<'. , \
número consideràvelmente menor. Alguns, apenas esconderiam com mais cuidado seus ras- ra ser passível de pena máxima de pelo menos um ano de prisão. O
tos ao longo do caminho da iniqüidade, mas outros contrariariam bastante os seus instintos número médio de infrações em idade adulta - excluídas tôdas as ínrra-
pcra renunciar às desvantagens da velhacaria em troca das de uma. vida honrada. Uma
ções cometidas antes dos dezesseís anos - era de 18 para os homens e
pessoa iJ?di~ª_~ª-çJ_ª-_.t~m_~.t~ºJ9. ~oPJ9.a.J;lega~iya._.d~ um._ apêrto de_ro~º .e o...gQJp~.~àemor~dcJ
mas inevitável de um olhar de desprêzo. de 11 para as mulheres. Mais de 64% dos homens ede 29% das mulheres
Temos velhacos ricos porque temos pessoas "respeitáveis" que não se envergonham de reconheciam sua culpa em um ou mais casos de crimes graves o que,
tomá-Ios pela mão, de serem vistas com êles, de dizer que os conhecem; consideram desleal
segundo as leis de Nova Iorque, são suficientes para privar a pessoa de
censurá-Ias; gritar quando se é roubado por êles equivaleria a testemunhar contra um cúm-
plice, todos os seus direitos de cidadão. Um caso frisante foi expresso por um
Pode-se sorrir para um canalha (a maior ps-rte de nós faz isso muitas vêzes por dia) eclesiástico, ao se referir às falsas declarações prestadas por êle a res-
se a gente não sabe que êle é um safado e não disse que êle é; mas sabendo que é, ou ten- peito de urna mercadoria que vendera: "Procurei primeiramente dizer a
do proclamado que é, sorrir para êle é ser hipócrita, apenas um simples hipócrita ou um
hipócrita adulador, de acôrdo com a posição na vida em que esteja o canalha que recebe
verdade, mas nem sempre ela dá bom resultado"· Com base em tais re-
nossos sorrisos. Há mais hipócritas simples do que hípócribas aduladores, pois há mais ve- sultados, os autores concluíram modestamente que "oII1ÍIl1ero de.a,tºs
lhacos de pouca importância do que canalhas ricos e distintos, embora' cada. um dos últimos que legalmente constituem crimes, excede de muito longe aquêle dos ofi-.
receba. menos sorrisos. O povo norte-americano será saqueado enquanto o seu caráter fôr
cialmente denunciados, O comportamento ilegal, longe de ser uma mani-
o que p.: enquanto fôr tolerante em relação aos canalhas bem sucedidos; enquanto a ínge-
nuidade norte-amerrcssna traçar uma distinção imaginária entre O caráter público de U1U festação anormal, do ponto de vista social ou psicológico, é na verdade
homem e o seu caráter parttcular, comercial ou pessoal. Em poucas palavras, o. P'?.Y9 dos Um fenômeno muito comumv.is
E§~ados .._{Jll!@.s.. s.eQ.Jouba.do, enquanto merecer ser roubado, Nenhuma lei humana pode
ne!I!.~~:ve _.eviy~:1(l,.
__ ..~lz~§~e~
PQ_~~_~~~.9_ vlría abrtgar urna "eí __ mais alta ~ mais salutar: "Haverás
~Ç2~E~.! __ 9_Ql!e_~jY~;LelLfi~_m~~ç19". ~4 do qual tirei tão extensa citação, pode ser enconrrsoo em "The Collecled Works of Am-
brose Bierce (Nova Iorque e Washington: The Neale Publishing Company, 1912), vol.
XI, 187-198, Qualquer que seja o seu valor, devo discordar do rude e injustificado jul·
14. As observações de Dickens são de SU2.S American No!es (por exemplo, na edição publí- gamento de Cargill a respeito de Bierce. Parece ser menos uma opinião do que a
cada em Boston: Books, Inc., 1940), 218, Uma análise sociológica das funções do hu- expressão de um preconceito que, na própria idéia que Bierce failia do "preconceito",
mor tendencioso e dos hurnoristas tendenciosos, que seria a contrapartida formal, embora seria apenas "urna opinião vadia sem qualquer meio visível de apoio".
Jnevlt àvelmente menor, da arrál ise psicolõgica de Preud , já. está tardando w aparecer. ,-1 15. E. H. Sutherla..nd, "White collar criminality". en. cit.; "Crime and business", Annals,
A dissertação doutoral de .rcannette 'I'a.ndy, embora não seja de caráter sociológico, American Academy of Political and Social Scicncc, 1941, 217, 112·118; "Is 'white collar
apresenta um ponto de pa.rtida: Crackcrbox Philosophcrs: Amcrioan Humor and Sat.ire crime' crime"? American SociologicaI Review 1945, 10, 132-139; Marshall B. Clinard.
(Nova Iorque: Columbia University Press, 1925). No Capítulo V de In!ellcctual America Thc Bl ack !\1arkct: A Study of White CoIlar Crime (Nova Iorque: Rinehart & CO.,
(Nova Iorque: MacmilIan, 1941), apropriadamente intitulado "The Iritcltigantsta,", Oscar 1952); Dorra.d R. Cressey, Olher People's IUoney: A Sludy in the Social Psychology ot
Cargill tece algumas sólidas observações sôbre o papel dos mestres da sátira norte- Embezz1emcnt (G1encoe: The Free Press, 1953).
-americana do século XIX; porém, isto naturalmente tem apenas um pequeno lugar em 16. Jarnes S. \\:z:Jlerstein and Clemcnt J. Wyle. "Our Iaw-abíding law-breakers", ProbatioD.
seu grande livro sôbre Ha marcha das idéias norte-americanas". O ensaio de Bierce, abril, 1947.
Porém, quaisquer que sejam as proporções diferenciais do comporta- ambiente cultural e as possibilidades oferecidas pela cultura social qUQ
mento desviado nos diversos estratos sociais, e sabemos por muitas ron- produz intensa pressão para o desvio de comportamento. O recurso a
tes que as estatísticas oficiais a respeito dos crimes mostram uniforme- ""'uais legítimos pará. "entrar no dinheiro" é limitado por uma estruü··
mente proporções maiores nos estratos inferiores, e que elas não são dig- ra de classe a qual não é inteiramente acessível, em todos os níveis, a
nas de confiança, resulta da nossa análise que. as maiores.P!e15sães para homens de boa capacidade. 19 Apesar de nossa .PJlIs.!ste1lte-idaol.ug.ia__ de
.9_ .,ǺJ:D..QQl'j;ª!!:IE?p!Q._~~l!:l1_s_,,-i~s!()_.
~f,() exerci d~il....:5.â..b.x:e
...asc:j,!p:.a.clª_s_
...ÍIlferiores . ho.p-ºIlyui.!JIj,.lÍesjguais..para. tºq.a~",20 o caminho para o êxito é relativamen-
Casos que podemos apontar nos permitem descobrir os mecanismos socio- te fechado e notavelmente difícil para os Que têm pouca instrução formal
lógicos responsáveis por essas pressões. Diversas pesquisas têm mostra- e parcos recursos. A pressão dominante conduz à atenuação da utiliza-
do que as áreas especializadas de vícios e crimes constituem uma reação ção das vias legais, mas ínefícientes, e ao crescente uso dos expedientes ile-
"normal" contra uma situação em que a Ênfase cultural sôbre o sucesso gítimos, porém mais ou menos eficientes.
pecuniário tem sido assimilada, mas onde há pouco acesso aos meios con- ..a....,Çl1ltur:ª_çlºm!.I),ª:Il,t.eJal'u:)~!gªnçilts_. il1.ço.mn\lt!yej,~, para os índíyíduos
vencionais e legítimos para que uma pessoa seja bem sucedida na vida. sltY.ª99?!la.l?.~amad.~ ipferioj."eso,a estmtura.s9C.Üil. De um lado, a êles
As oportunidades ocupacionais das pessoas destas áreas são grandernen- se pede que orientem sua conduta em direção à expectativa da grande
te confinadas ao trabalho manual e aos pequenos empregos de colarinho riqueza: - "Que cada homem seja um rei", diziam Marden, Carnegie c
branco. Dada a.eI'.1igJ,:!H.tJ;lzJKã-º
__Jl,Q]j&a.mericana.ao __trabalho .manual, Long - e do outro lado, a êles se negam, em larga medida, as oportuní-
..s()ciais,17 e
a qual se ve~yic.~.~_~e1'.~C!stl1:rI:~~Y7Ly?rrne_I!'f!!...t~_d:a.s_iJ:.s.!!!:I!:_~~l!.~ nades efetivas de assim fazer dentro das instituições vigentes. A conse-
a ausência de oportunidades realísticas para ultrapassar aquêle nível, c re- j
qüência desta inconsistência estrutural é uma grande porcentagem de
sultado tem sido uma tendência acentuada em direção ao comportamen- comportamento transviado. JL~JL~ilJJ;gto__ en.t:rg.º_sJiIl15 e .9ê.meiOS cultu-
to desviado. A situação social do trabalhador manual (não especializa- xa!lJlª-ut-ª---ª-c:ei tOilJ_.t-ºXI}?'-SELaltªlIl5!.Dtª jnst.ªy~L geyJgQ._Il, ..teI1c1~I1ciª_
crescen-
do) e o conseqüente baixo rendimento não o habilitam a competir den- . te __ª-.§.f...-ª1ingir..a:'?...metª.:,?_ç,ª!!,~gª.ºJ!.:'?_ºe_I1rest~iQ,_l}Q;t:..g.l!ªl<m~Lmej,9. Den-
tro dos padrões consagrados de honestidade, com as oportunidades de tro dêsse contexto, .AL"CaPQne_representa o triunfo da inteligência amo-
poder e de alto rendimento oferecidos pelos sindicatos do vício, da chan- ral sôbre o "fracasso" que a moral prescreve quando os canais da mobili-
tagem e do crime. 18 dade vertical são fechados ou estreitados numa sociedade que atribui al-
Para as finalidades dêste trabalho, essas situações exibem duas ca- to prêmio sôbre a afluência econômica e ascensão social para todos os
racterísticas salientes. ;J. Primeiro, os incentivos para o êxito são inculca- seus membros. 21
dos pelas normas estabelecidas da cultura eZ,.em segundo lugar, as vias Esta última qualiiicação é ele importância essencial. Ela implica em
disponíveis para o acesso a êste objetivo, são tão limitadas pela estrutu- que outros aspectos da estrutura social, além da extrema ênfase sôbre o
ra de classe, que não resta outra saída senão apelar para os desvios de sucesso pecuníárío, devem ser considerados, se quisermos entender as fon-
comportamento. É a jalta de entrosamento entre os alvos propostos pelo tes sociais do comportamento desviado. Altª ...p-ºIGept_ªgfill_º,e.GO!IlPor-
tam~l1,tQdesviado não é gerada8inm1E:)smente peJª.faJtade oportunidade
.;:.-.",:. 17. National Opinion Research Center, National Opinion on Occupatíons, abril, 1947. Esta
ou ..por. exagerada ênfase pecuniária. Uma estrutura de classes comparar
I_o pesquisa sôbre a classificação e avaliação de noventa ocupações. numa amostragem na-
cional, apresenta uma série de importantes dados empírícos. De grande significação ~ tivamente rígida, uma ordem ele castas, pedem limitar as oportunidades,
a constatação de que, apesar de uma leve tendência das pessoas a valorizarem sua pró- ~
.
muito além do ponto que hoje se observa na sociedade norte-americana .
pria ocupação e as correlctas mais alto do que as de outros grupos, há uma subsran-
~_~ concordância na avaliação dos empregos ou ocupações em todos os ambientes do
'.9.Numerosos estudos têm concluído que a pirâmide educacional funciona P(ü3 impedir
trabalho. Mais pesquisas desta espécie são necessárias a fim de cúrtografar a topo-
que uma grande proporção de jovens inquestionàvelmente hábeis mas econôrnicamente
grafia cultural das sociedades contemporâneas. (Ver o estudo comparativo do prestígio desvzmtajados obtenham uma instrução formal mais alta. Êste fato acêrca de nossa
concedido às principais ocupações em seis países industrializados: Alex Inkeles e Peter estrutura de classes tem sido observado com desalento, por exemplo, por Vannevar Bush
H. Rossí, "Natíonal comparrsons of occupational prestige", American Journal of 80-
em seu relatório ao govêrno , Science: The Endlcss Frontier. Veja-se ainda. W. L. War-
ciology, 1956, 61, 329·339). ner, R. J. Havighurst e M. B. Loeb, Who Shall Be Educated? (Nova Iorque, 1944).
18. Ver Joseph D. Lohman "The participant observer in community studies", American So-
20. O papel histórico cambiante desta ideologia é um assunto que merece ser estudado.
ciological Revíew, 1937, 2,. 880-'898 e William F. Whyte, street Comer Society (Chicago,
21. O papel do negro com relação a éste assunto faz surgir questões tão teóricas como
1943). Notem-se as conclusões de Whyte: "É difícil para o homem de Cornerville al-
cançar a escada (do sucesso), mesmo o seu primeiro degrau ... ~le é um italiano,
italianos são considerados pelas pessoas das classes superiores como os menos desejá-
e os
r práticas.
"ajustado
Jâ foi dito que grandes segmentos da população negra têm assimilado os va-
Iôres da casta dominante.
rellilisticamente"
de sucesso pecuniário e de progresso
ao "fato" de que a ascensão
social, mas se tem
social P atualmente confinada
veis dos povos imigrantes ... a sociedade promete recompensas
dinheiro e posses matertaís
de Cornerville essas recompensas
ao homem 'bem sucedido'.
só poderão ser alcançadas
atraentes em têrmos de
Para a maioria dos habitantes
pela influência das quadrl-
I quase inteiramente ao movimento dentro daquela casta. Ver Dollard, Caste and Class
in a Seuthern Town, págs. 66e segs.; Donald Young, Am-erican l\1inoriiy Peoples, 581;
Robert A. Warner, New Haven Negroes (Ne\V Haverr. 1940), 234. Ver também a subse-
lhas ("rackets") e da proteção pol itíca". (273-274)
qüente discussão neste capítulo. \
É somente quando um sistema de valôres culturais exalta, virtualmente nossa; sociedade, do que em outras onde a estrutura de classes, rígida, é
acima de tudo o mais, certos objetivos de sucesso comuns à população associada a símbolos âe sucesso diferentes para as diversas classes.
\':
em geral, enquanto a estrutura social restringe rigorosamente ou fecha As vitimas dessa contradíçâo entre a ênfase cultural da ambição pe-
eomp:etamente o acesso aos rr.odos aprovados de alcançar êstes objeti- cuniária e os obstáculos sociais à oportunidade completa não são sempre
. vos, para uma parte considerável da mesma população, que o compor- conscientes das fontes estruturais de suas aspirações frustradas. Certa-
tamento desviado se apresenta em grande escala. Em outras palavras, mente, elas são freqüentemente conscientes de uma discrepância entre o
nossa ideologia igualitária nega implicitamente a existência de indivíduos valor pessoal e as recompensas sociais. Porém, elas não percebem, neces-
e grupos não competidores, na perseguição do sucesso pecuniário. Ao in- sàriamente, como é que isto ocorre. Aquêles Que encontram a fonte de
vés, o mesmo corpo de símbolos de sucesso é dado como se aplicando a tal fenômeno na estrutura social, podem tornar-se alienados em relação
. todos. Afirma-se que as metas transcendem as linhas de classe, não a essa estrutura e tornar-se candidatos prontos para a Adaptação V (re-
sendo limitadas por elas, mas a organização social de hoje é tal que exis- belião). Porém outros, e isto aparentemente inclui a grande maioria,
tem diferenças de classe na acessibilidade a essas metas. Neste contex- podem atribuir suas dificuldades a fontes maís místicas e menos socio-
to,. uma virtude cardeal norte-americana, a "ambição", estimula um vício lógicas. Pois, conforme o distinto classícísta e sociólogo "apesar de ~i
cardeal também norte-americano, o "comportamento desviado". mesmo", .Gilber.t .M1Jr.H!Y, tem observado em sua explicação geral, "O me-
Esta análise teórica pode auxiliar a explicar as correlações variáveis lhor terreno pari··-a'superstição é uma sociedade em que as fortunas dos
entre o crime e a pobreza. 22 A "pobreza" não é uma variável isolada homens parecem não comportar pràtícamente nenhuma relação entre seus
que opere precísaments da mesma forma, onde quer que seja encontrada; méritos e seus esforços. Uma sociedade estável e bem governada tende:
é apenas uma dentro de um complexo de variáveis sociais e culturais, mais ou menos a assegurar que o Aprendiz Virtuoso e Industrioso seja ,.- r! -:
identificávcis e interdependentes. A pobreza em si e a cqnseqüente limi- bem sucedido na vida, enquanto o Aprendiz Malvado e Preguiçoso virá f.' ... ' -t •
tação de oportunidades não bastam para produzir uma proporção alta e a fracassar. E em tal sociedade as pessoas tendem a pôr em evidência: . ,~.C
conspícua de comportamento criminoso. Mesmo a notória "pobreza no as correntes de causação, razoáveis ou visíveis. Porém, (numa socieda-,';:'
meio da opulência" não conduzirá, necessàriamente, a êste resultado. de sofrendo de anomia)... as virtudes comuns da diligência, honestida-
Porém, quando a pobreza e as desvantagens a ela associadas, em cornps- de e bondade parecem ser de pouca utilidade". 23 E em tal sociedade as
tição com os valôres aprovados para todos os membros da sociedade es- pessoas tendem a aliviar a tensão através do misticismo: os efeitos da
tão articul2.das com uma ênfase cultural do êxito pecuniário como obje- Fortuna, do Acaso, da Sorte.
tivo domina.nte, as altas proporções de comportamento criminoso são o De fato, tanto o indivíduo "bem sucedido" como o eminentemente "fra-
resultado normal. Assim, as estatísticas de, crimes, rudimentares (e não cassado", em nossa sociedade, freqüentemente atribui o resultado à "sor-
necessàríaments dignas de confiança), sugerem que a pobreza é menos te". Assim, o próspero homem de negócios, l!lJi!J..§_ª9.~I1J1ªld, declarou
altamente correlacionada com a delinqüência no sudoeste da Europa do que 95% das grandes fortunas eram "devidas à sorte". 24 E um impor-
que nos Estados Unidos. As oportunidades de vida econômica dos pobres, tante jornal de negócios num editorial explícatívo dos benefícios sociais
naquelas áreas européias, pareceriam ser ainda menos promissoras do que da grande riqueza individual, dizia que aQ:;t];>~ªQrjª,G..Qmplemen.t.a_da pela
neste país, de modo que nem a pobreza nem sua associação com oportu- sor~e.eramos f~~()~es r:~:?ponsáveis.pelas.grandes fortunas: "Quando um
nidades limitadas é suficiente para justificar as diferenças de correla- homem através de prudentes investimentos - auxiliado, conforme reco-
ções. Contudo, quando consideramos a configuração total - pobreza, nhecemos, pela boa sorte em muitos casos - acumula uns poucos mi-
oportunidar;!.es limitadas e Inculcaçâo de alvos culturais - aparece alguma lhões, nem por isso tira algo do bôlso dos outros". 25 De modo parecido,
base para explicar a mais alta correlação entre a pobreza e o crime em c trabalhador freqüentemente explica a situação econômica em têrmos de
acaso. "O trabalhador vê em seu derredor homens experimentados e
especíalízados, que não encontram trabalho. Se êle trabalha, sente-se
22. Êste esquema tmalítico pode servir para resolver algumas das inconsistências aparen-
tes na relação entre o crime e o status econômico, mencionados por I'~._A._8c9c,-,*in. 1!:le
observa, por exemplo, que "não é em tôda a parte, nem sempre, que os pobres mos-
tram maior proporção de crimes... muitos países mais pobres têm tido menos crime 23. Gilbert Murray, Fivc Stages of Grcek Rcli!(ion (Nova Iorque, 1925), 164·165. O capitulo
que países mais ricos... A mclhoría econôrnícs, da segunda metade do século XIX e do ProL Murray & respeito de "The Failure of Nerve", do qual tirei êste parágrafo,
.:». do com.êço do XX, não foi acompanhada pelo decréscimo da delinqüência". Ver seu Con- deve certamente ser classificado entre as msds civilizadas e penetrantes análises so-
\ ;y temporary Sociological Tbcorics (Nova Iorque, 1928), 560-561.Contudo, o ponto erucíal ciológicas de 110SS0 tempo.
é de que a baixa situação econômica, exerce um papel dinâmico diferente, em estrutu- 24. Ver '" citação de uma entrevista em Gustavus Meyers, nislory of the Grcat Aro.,.
ras sociais e culturais diferentes, tal como é estabelecido no texto. Portanto, .D-ªº._.~~. rícan Fortunes (Nova Iorque, 1937), 706.
.~ex~ .. ~p'~!a! ...~,?J:~__
correlação l~.~ar _entr~ o crime e a pobreza. 25. Naiion's Busíness, VoJ. 27, N." 9, pága. &-9.
..- -. -.---- •..... -----~--- ••.-. -_ .•.- --- .•• " .....•. -.•.• , .•..• __ .~ __ .•. , __"._~'.,~._~ •. c.•, JIh..
222
Robert K. M erton Sociologia - Teoria e Estrutura 223
com sorte.
Se êle está sem trabalho, considera-se a vitima de má sorte.
Estabelece ête pouca relação entre o valor e as conseqüências".26 Entre aquêles que não aplicam a doutrina da sorte à separação entre [
Porém, estas referências à atuação do acaso e da sorte servem a fun- o mérito, os esforços e as recompensas, pode-se desenvolver uma atitude
:'.:'
i .\_. ções distintas, conforme elas sejam feitas por aquêles que as atingiram, indívidualística e cínica para cem a estrutura social, melhor exemplífica-
ou por aquêles que não atingiram as metas valorizadas pelo ambiente da no clichê cultural de que "o que importa não é o que você conhece, mas
;i".
, , cultural. Para os bem sucedidos, isso constitui em têrmos psicológicos, quem você conhece".
, ..uma desarmante expressão de modéstia. Com efeito, está longe de qual- Em sociedades como a nossa, a grande ênfase cultural sôbre o sucesso
I, . \, quer aparência de presunção dizer que alguém teve sorte, em vez de di- pecuniárío para todos, e uma estrutura social que indevidamente limita.
i· zer que mereceu inteiramente sua própria boa fortuna. Em têrmos socío- o recurso prático aos meios aprovados, estabelecem para muitos uma ten-
I"
'1 ;-. .'. .: lógicos, a doutrina da sorte, tal como é exposta pelos bem sucedidos, ser- são rumo as práticas inovativas, em contraste com as normas institucio-
/. ve à dupla função de ..~..pltçacª- fregjj~.ntf'l_..dÜ:;çr_e.pápctaentre.o.mérito nais. Porém, esta forma de adaptação presupõe que os indivíduos te-
'e a .:reÇ9m,PE2I1.8a, .Jl·9...mesmo tempn , que. conserva imune da critica uma nham sido imperfeitamente socializados, de modo que abandonam os
estrtlt.url!. l:?ºGial que permite que tal discrepância se torne freqüente. meios ínstítncíonais, enquanto retêm a aspiração ao êxito. Por outro lado,
Pois se o sucesso fôr primàriamente matéria de sorte, se êíe existe sim- entre aquêles que têm assimilado completamente os valôres ínstítucíonaü-
plesmente na cega natureza das coisas, se êle sopra onde quiser, e não zados, é mais provável que uma situação comparável conduza a uma rea-
se pode prever de onde vem e para onde vai, então certamente êle será ção alternativa, na qual o alvo é abandonado, persistindo, porém, a con-
incontrolável e ocorrera na mesma medida qualquer que seja a esiru- formidade aos costumes. Ésse tipo de reação requer exame ulterior mais
tura social. definido.
Para os qus não são bem sucedidos, e particularmente para aquêles
entre êstes, que encontram pouca recompensa de seus méritos e seu esfôr-
ço, a doutrina da sorte serve à função psicológica de as habilitar a pre- III. RITUALISMO
servar sua auto-estima, face ao fracasso. Também pode implicar a dis-
função qUe consiste em reprimir a motivação para um esfôrço persisten- o tipo ritualista de adaptação pode ser prontamente identificado.
te.27 Sociolàgicamente, como é ensinado por_~ª,k~.~28, a doutrina pode re- Implica no abandono ou na redução dos elevados alvos culturais do gran-
fletir falta de compreensão do funcionamentõ 'do sistema econômlco so- de sucesso pecuniário e da rápida mobilidade social, até o ponto em que:
cial, e pode ser disfuncional na medida em que elimina a explicação ra- possam ser satisfeitas as aspirações de cada um. Porém, embora se re-
cional de trabalhar a favor das mudanças estruturais, proporcionando jeite a obrigação cultural de tentar "progredir na vida", embora se tracem
maior justiça nas oportunidades e nas recompensas. os próprios horizontes, quase compulsivamente continuam a ser seguidas
Esta. oríentação em direção à sorte e aos riscos, acentuada pela ten- as normas institucionais.
são de aspirações fr.ustradas, pode ajudar a explicar o acentuado ínterês- Seria um jôgo de palavras terminológico perguntar se isto constitui
se pelos jogos de azar em certos estados da sociedade, jogos êstes proibi- um comportamento divergente. Desde que a adaptação, com efeito, é
dos peja lei ou apenas tolerados, mas não reconhecidos ou estimuladosas uma decisão interna, e desde que o comportamento claro é instítucio-
nalmente permitido, embora não seja culturalmente preferido, nãCL.!Lg~·
26. E. W. Bakke, The Unemployed Man (Nova Iorque, 1934), pág. 14. (Os grifos são meus). I-ªlI!~~l1tJ!_e.ºD.§!g~rado.cºmo_ representativo de um m:oP.1em,a social. As
Bakke faz insinuação em relação às fontes estruturais que sugerem uma crença na
sorte entre os trabalhadores. I'Há certa dose de desârrirno na situação em que um ho-
pessoas íntimas dos indivíduos que estejam fazendo esta espécie de adap-
mem sabe que a maior parte de sua boa ou má fortuna está fora de seu contrõte e de- tação podem dar opinião em têrmos da ênfase cultural predominante,
pende do fator sorte". (O grifo é meu). Na medida em que êle é forçado a se acorno- e podem "ter pena dêles", e podem, no caso individual, sentir que "o
dar a decisões da gerência ocasionalmente imprevisíveis, o trabalhador está sujeito a
velho Jonesy está certamente em decadência". Quer isto seja ou não des-
inseguranças e ansiedades no seu trabalho: outra "semente" para a crença no destino,
fato, acaso. Seria Interessante saber se tais crenças diminuem quando os sindicatos crito como um comportamento desviado, claramente representa um aras-
operários reduzem a probabilidade de que seu destino ocupacional esteja fora de suas t.amento do modêlo cultural no qual os homens são obrigados a se esfor-
próprias mãos.
çarem ativamente, sendo preferível que o façam através dos procedimentos
27.
Em seu ponto extremo, pode estimular a resignação e a atividade rotineira (Adapta-
ção nD ou a passividade fatalista (Adaptação IV), de que nos ocuparemos adísmte.
institucionalizados, para caminharem para á frente e para cima, na hierar-
28. Ver Bakke, op , cit., 14, onde êle sugere que o "trabalhador sabe menos acêrca dos pro- quia social.
cessas que lhe permitam ser bem sucedido ou não ter nenhuma probabilidade de êxito,
do que os homens de negócio ou das profissões liberais. Portanto, há mais C:ioSOS em
que os acontecimentos parecem ser influenciados pela boa ou má sorte". go, 1935), 123~125, os quaís comentam o grande ínterésse pelo "jõgo de números- entre os
29. Cl., R. A. Warner, New IIaven Negroes e Harold F. Gosnell, .Negro Politicians (Ohica- negros norte-amertcanos de baixa situação econômica. (N. do trad.: "Number/s game " é
uma loteria clandestina, um tanto semelhante ao "jôgo do bicho" brasileiro).
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Socio/.o(!;n - J'eO'-;fl. e E!>trutura 225
224 Robert IL M erton
Seria de esperar que êsse tipo de adaptação fôsse bastante freqüente i estimula a probabilidade da Adaptação IJI. O severo treinamento faz
numa sociedade que faz a posição social de cada um, largamente depen- i~ com que muitos indivíduos carreguem mais tarde pesada carga de ansie-
dade. Os moldes de socialização. da classe média inferior estimulam as-
dente das próprias realizações. Pois, conforme tem sido observado com
muita freqüência,30 esta incessante luta competitiva produz agudo esta-
t :~I!!.aJ~r?Jl!.ia estrutura de.c.~rlÍtt)~.rnaisIJre.<1i'!IJOstO. .8111 . gtreção.ao ri.
rior que os pais tipicamente exercem pressão sôbre as crianças a fim de ,I influencing levei of aspiration",
184.200.
JournaI of Abnormal and Social Psyohofcgy, 1942, 37,
Um resumo das pesquisas é 2,presentado por Lewin e outros "Levei ot Aspira-
se pautarem pelos mandatos morais da sociedade, e na qual a escalada ;:1·' tion", em J. McV. Hunt , ed., Personality and lhe Behavinr Disorders (Nova Iorque,
social para cima apresenta menos possibilidade de encontrar sucesso do
que entre a classe média superior. O forte disciplinamento
conformidade com os costumes reduz a probabilidade
a favor da
da Adaptação II e
lj 1944), I, Capo 10. ed ,
O conceito de "êxito" como proporção
sístemàticamente
entre a aspiração
nas experiências de nível de aspiração.
e a realização perseguida
tem, evidentemente, uma. longa.
história. Gilbert Murray (op. cit., 138·139) salienta a predomináncia desta concepção
entre oS pensadores da Grécia do século IV. E em Sartor Resartus, Carlyle observa que
30. Ver, por exemplo, H. S. Sullivan, "Modem conceptions of psychiatry", Psychiatry, 1940, a Hfelic!dade" (satisfação) pode ser representada por uma fração em Que o numerador
3-111·112; Margaret Mead, And Keep Your Powder Dry, (Nova Iorque, 1942), Capo VII; representa as reaüz a.côes. e o denominador. a aspiração. Algo muito parecido, é apre-
Merton , Fiske e Curtis, l\rJass Persuasion, 59-60. '.I: sentado por William James (The Principies of Psychology [Nova torque, 1902).
31. P. Janet, "The fear of action", Journal of Abnormal Psycb olo g-y, 1921, 16, 150·160, e o I, 310). Ver também F. L. Wells, OJl. cil.,. ·879, c P. A. Sorokin, Social and Cultural
extraordinário estudo de F. L. Wells, "Social maladjustments: s-dapt.íve regression", ..:j Dynamics (Nova Iorquc, 1937) 111, lG1·164. A questão crítica é saber se esta mtrospecão
op, cít. o qual trata de perto <> tipo de adaptação aqui examinado. i familiar pode ser sujeita a rigorosa cxpertmentacâo na qual a situação preparada [10
32. F. J. Roethlisberger e W. J. Dickson, l\Ianagemenl and the Worker, Capo 18 e pá g .. laboratório reproduza. adequadamente os aspectos satíentes da situação de vida real, ou
531 e segs.: e sôbre o tema mais geral, as anotações tipIcamente perspicazes de Grlber t se a observação bem disciplinada das rotinas do comportamento na vida real, dernons-
Murray, op, cit., 138·139. A trarão ser o método de inquirição mais produtivo.
33. Ver os três capitulas seguintes.
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226 Robert K. M erton SOCiologia - Teoria e Estrutura 227
de caráter ou de personalidade. Os índivíduos apanhados nestas contra- mum de valôres, podem ser incluídos como membros da socieâaâe (dis-
ções entre a estrutura cultural e a social: não estamos tocalízandc tipos tinguindo-se da população) sõmente num sentido fictício.
dições podem mover-se de um tipo de adaptação para outro, e efetiva- Pertencem a esta categoria algumas das atividades adaptativas dos _
mente o fazem. Assim, se pode conjeturar que alguns rttualistas, con- ~ psicóticos, artistas, párias, proscritos, errantes, mendigos, bêbados crôní- \::J,
formando-se meticulosamente com as regras ínstítucíonaís, estão de tal eos e viciados em drogas. ~ Êles renunciaram aos objetivos culturalmen-
modo embebidos nos regulamentos que se tornam "virtuoses" da burocra- te prescritos e o seu comportamento não se ajusta às normas ínstítucío-
cia e que se submetem de modo tão extremo porque estão sujeitos à ação nais. Isto não quer dizer que em alguns casos a fonte de seu modo de
do sentimento de culpa engendrada por anterior inconformidade com as adaptação não seja a própria estrutura social que êles efetivamente re-
regras (isto é, Adaptação Ll ). E a passagem ocasional da adaptação ri- pudiaram, nem que sua própria existência dentro de uma área não cons-
tualístíca para espécies impressionantes de adaptação ilícita é bem docu- titua um problema para os membros da sociedade.
mentada em histórias de casos clínicos e freqüentemente estabelecem te- if Do ponto de vista das suas fontes na estrutura social, êste modo de
mas de ficção cheios de introspecção .. Não é raro que a períodos de extre- adaptação ocorre com maior probabilidade quando os alvos culturais e as
ma submissão se sigam: explosões de rebeldia.36 Porém, embora os meca- práticas institucionais foram ambos inteiramente assimilados pelo indi-
nismos psíccdínâmícos dêsse tipo de adaptação tenham sido bastante víduo e embebidos de afeto e de altos valôres, sem que os caminhos íns-
bem identificados e articulados com moldes de disciplina e socialização titucicnais acessívos conduzam ao êxito. Daí resulta um duplo conflito:
na família, ainda é necessáría muita pesquisa sociológica para explicar a obrigação moral assimilada, de adotar os meios institucionais, confli-
porque êsses moldes são presumivelmente mais freqüentes em certos es- ta com as pressões para recorrer a meios ilícitos (os quais podem atin-
tratos e grupos sociais do que em outros. Nossa própria discussão não gir o alvo) e o indivíduo não pode utilizar meios que sejam ao mesmo
fêz mais que erigir uma armação analítica para a pesquisa sociológica fo- tempo legítimos e eficientes. O sistema competitivo é mantido, mas o
calizada sôbre êste problema. indivíduo frustrado e que encontra empecilhos que não pode sobrepujar,
é excluído do sistema. _º
_d~rrotismo, o.gtlietis~ng e a .res.~gnação_são ma-
IV. RETRAIMENTO níf~s.t~_~()s__
()!!l__
l?:ec.~.nismo.s9E)._
fu.gll..que .p()steri_()I'll!.ente.0 Ievam a "fu-
Assim como a Adaptação 1 (confonnidade) permanece como mais gir".9-()srequisitos da sociedade. É assim um expediente que resulta do
freqüente, !1 Adaptação IV (rejeição dos objetivos culturais e meios ínsti- fracasso continuado em aproximar-se da meta por meíos legítimos, e da
tuc.i{)l!:;ti!?Lçprovàye!IIl~!1te...a,IIlenos comum. As pessoas que se adap- mcapacídadc em usar a rota' ilegítima devido às proibições assimiladas; e
tam (ou mal se adaptam) desta maneira estão, para se falar estritamente este processo ocorre quando ainda não se deu a renúncia à concepção
na sociedade, mas não são da sociedade. Sociolàgicamente, t~i::j_p~1'ts_oas
. do valor supremo atribuído ao atingimento do êxito. O conflito é resol-
constitu_emº.~ ver:ciadf!r:()1!_E)str~mhos.Não compartilhando da escala co- vído, abandonando-se ambos os elementos conflitantes: os fins e os meios.
A fuga é completa, o conflito é eliminado e o indivíduo é assocializado.
16. Em sua novela, Tlle Bitter Box (Nova Iorque, 1946) Eleanor Clark retratou êste procer- Na vida pública e formal, êsse tipo de comportamento desviado é
so com grande sensibilidade. A discussão feita por Erich F'romrn, Escape from Freedom
(Nova Iorque, 1941), 185·206, pode ser citada, sem implicar aceitação de seu conceito
mais vigorosamente condenado pelos representantes convencionais da so-
de "espontaneidade" e lide tendência inerente do homem em direção ao autodesenvolvi· ciedade. Em contraste com o conformista que mantém funcionando as
mento". Um exemplo de sólida formulação sociológica: "Enquanto admitimos... que
( rodas da sociedade, êsse tipo de desviado representa uma responsabilida-
o caráter anal, como típico da classe média inferior européia é causado por certas prí-
oe improdutiva; em contraste com o inovador que, pelo menos é "sabi-
meiras experiências ligadas com a defecação, mal temos dados que nos levem a enten-
der porque urna classe específica devesse ter um caráter anal. Contudo, se entendemos do" e se esforça ativamente, êste não dá valor objetivo de sucesso na
isto como uma forma de relacionamento com outros, enraizada na estrutura. de cará- vida que a cultura conceítua tão altamente; em contraste com o ritualis-
ter e resultando de experiências com o mundo externo, temos uma chave para enten- ta que se conforma pelo menos com os costumes, êle presta. escassa aten-
der porque dado o modo de vida da classe média inferior, sua estreiteza" ísolamento
e hostilidade, foworeceu o desenvolvimento desta espécie de estrutura de caráter". (293-
ção às práticas institucionais.
294). Exemplo de formulação derivada de uma espécie de anarquísmo benevolente de
última hora, aqui julgado como dúbio: " ... existem também certas qualidades psicoló-
gicas inerentes ao homem que necessítam ser satisfeitas _. _ A mais importante parece ~. Obviamente, esta afirmação é elíptica. 1!:stes indivíduos podem reter alguma. orienta-
ser a tendência a crescer, a desenvolver e realizar potencialtdades que o homem tem ção dos valôres de seus próprios agrupamentos dentro da socíedade maior, ou ocasío-
adquirido no curso da História - como, por exemplo, a faculdade de pensamento cria- naJ.mente, dos valôres da própria sociedade convencional. Em outras .palavras, êles po-
dor e critico ... Também parece que esta tendência geral para crescer - a qual é o dem mudar para outros modos de adaptação. Porém, a Adaptação IV pode ser identi-
equivalente psicológico da tendência biológica íd.mttca - resulta em tendências esne- ficada fàcilmente. Nels Anderson relata o comportamento e as atitudes do vagabundo,
cíficas, como o desejo de liberdade e o ódio contra a opressão. uma vez que a Iíberdada e tal relato pode, por exemplo, ser prontamente refundido em têrmos de nosso esque-
é a condição fundamental para qualquer crescimento". (287-288). ma ••.nalítíco. Ver The Bobo (Chicago, 1923), 93-98, et passim.
tílidade entre aquêles do seu grupo original, pois êle não só lança dúvi-
uma atitude "uvas verdes" que simplesmente afirma que os objetivos de-
das sôbre os valôres, como o faz o grupo rebelde, como também êle sígra-
sejados, mas não atingíveis, na verdade não encarnam 0& valôres apre-
fica que o grupo conservador tem sua unidade quebrada.44 No entanto,
ciados: - afinal, a rapôsa da fábula não diz que renuncia ao gôsto pelas
. uvas; diz apenas que precisamente aquelas uvas não estão maduras. Pe-
,. como tem sido observado com bastante freqüência, os organizadores dos
ressentidos e dos rebeldes em grupos revolucionários, são tipicamente
lo contrário a rebelião envolve uma genuina transvaloração, em que a
membros de uma classe em ascensão em vez de provirem dos estratos
experiência direta ou vicátia-·(la-frustraçã~-con-duz --àtõtai--deniinéi·a: -dos
.~~liJ_r_c:.~anteI:i~!~~~i~~-~preciados'-·A rapôsa-rebelde·· snnpiesmente -renun-
mais deprimidos .
cíaría ao gôsto geral pelas uvas maduras. No ressentimento, a gente con- TENDÊNCIA À ANOMIA
dena o que secretamente ambiciona; na rebelião a gente condena a pró-
A estrutura social que temos examinado produz uma tendência à ano-
pria ambição. Mas, embora as duas coisas sejam distintas, a rebelião
i
mia e ao comportamento divergente. A pressão de tal ordem social
organizada pode movimentar um vasto reservatório dos que acumulam
visa a que o indivíduo "faça melhor" que os competidores. Enquanto os
ressentimento, e de descontentes, à medida que se tornam agudas as des-
sentimentos que apóiam êste sistema competitivo estão distribuídos por
locações institucionais.
tôda a extensão das atividades, e não estão confinados ao resultado fi-
Quando o sistema ínstítucíonal é considerado como a barreira à sa-
nal do "êxito", a escolha dos meios permanecerá principalmente dentro do
tisfação de objetivos legítimízados, está preparado o palco para a rebe-
âmbito do contrôle ínstítucíonal. Contudo, quando a ênfase cultural mu-
lião como reação adaptativa. Para se passar à ação política organizada.
da da satisfação provinda da própria competição para a preocupação ex-
não somente deverá ser repudiada a lealdade à estrutura social predomi-
clusiva com o resultado final, a tensão resultante favorece a ruptura
nante, como também deverá ser transferida a novos grupos possuídos por
da estrutura reguladora. Com esta atenuação' dos contrôles institucío-
um nôvo mito. 42 A função dual do mito é localizar a fonte de frustra-
nais ocorre uma aproximação à situação que os filósofos utilitários con-
ções em larga escala, na estrutura social, e delinear uma estrutura que,
sideram errôneamente típica da sociedade, situação esta em que os cál-
presumlvelrr.ente, já não provocará a frustração dos indivíduos merecedo-
culos de vantagem pessoal e temor ao castigo são os únicos elementos
res. É um mapa para a ação. Neste contexto, as funções do contra-
reguladores.
-mito dos conservadores - brevemente esboçada numa seção anterior des-
Esta tensão rumo à anomia não opera uniformemente em todos os
te capítulo - tornam-se ainda mais claras: qualquer que seja a fonte da
setores da sociedade. Algum esfôrço tem sido feito na presente análise
frustração da massa, ela não será encontrada na estrutura básica da so-
para sugerir quais os estratos mais vulneráveis às pressões que favore-
ciedade. O mito conservador pode assim assegurar que essas frustra-
cem o comportamento transviado, e para estabelecer alguns dos mecanis-
ções estão na natureza das coisas e ocorreriam em qualquer sistema so-
mos que funcionam para produzir tais pressões. Com o propósito de sim-
cial: "O desemprêgo em massa, periódico, e as depressões dos negócios,
plificar o problema, SLb()rrJ._~;l{tt()..fiI1allCf;I!:Q
t()i tº.m~c:locºrno.oprincipal
não podem ser eliminados por atos de legislação; é como uma pessoa que
objetivo cul..t.1}Ial,embora haja, evidentemente, objetivos outros no repo-
se sente bem hoje, e mal no dia seguinte".43 Ou, se não se adota a teoria
sítõrío dos valôres comuns. Por exemplo, os campos da realízação inte-
da inevitabilidade. então se apega à doutrina do ajustamento gradual e
lectual e artística proporcionam tipos de carreira que podem não trazer
superficial. "Umas poucas mudanças aqui e ali, e teremos as coisas iun·· ,. grandes resultados pecuníáríos. Na medida em que a estrutura cultu-
cionando tão suavemente quanto possível". Ou, talvez, apregoa a doutrina
ral concede prestígio a estas profissões e a estrutura social permite acesso
que transfere a culpa da estrutura social para o indivíduo que "fracas-
a elas, o sistema permanece mais ou menos estabilizado. Os desvios po-
sa", já que "realmente, neste país, todo indivíduo consegue atingir o grau
tenciais ainda podem seguir :1 linha geral dêsses conjuntos auxiliares de
de prosperidade que almeja".
valôres ,
Os mitos da rebelião e do conservadorismo ,ambos trabalham na dire-
ção -de·-üm;;ii;~nopÓli-;"-dª'iI.illtgiii~ç~o~,,~piºçlt!;n~9de.firti.r· a situação em Mas persistem as tendências centrais em direção à anomia; para es-
tas é que o esquema analítico aqui estabelecido chama a atenção.
-tê~m~~- tais que encaminhem o frustrado em direção. à AdaptMii9_V, ou
ü- ãiastem-·dela .-i--~-~iii:i·;\·-dettid;-~- re;eg;d~·· que, e~bora bem colocado
n~id;':-re:;;ll;;cia aos valôres vigentes, que se torna o alvo; da maior hos-
o PAPEL DA FAMÍLIA
Deve-se dizer uma palavra final agrupando as implicações espalha-
das por tôda a extensão do discurso precedente, relativo ao papel de-
42. George S. Pettee, The Process of RevoJution (Nova Iorque, 1938), 8-24. Ver particular- sempenhado pela família nos tipos de conduta divergente.
mente seu relato de "monopólio da imaginação".
43. R. S. e H. M. Lynd. l\Iiddletown rn Transition (Nova Iorque, 1937).408, numa série de
44. Ver as perspicazes observações de Georg Simmel, Soainlogie (Leipzig, 1!l(8), 276-277.
clichés culturais que exempllficam o mito conservador.
É evidentemente a família que funciona como importante correia de ções e exortações a ela dirígídas pelos pais. Parece que, além das L'Il-
.!!ansmi_~s~o__~.ª-._gi!.l!§_ªº_d.<.J.l)_p_aJ1.rº.el)e1,l!t1.!rai$,
em relação à, geração se- portantes pesquisas das psicologias profundas no processo de socializa-
i. ,guinte. Porém, o que tem passado desapercebido até há pouco tempo,
! '
,·,~",.,cé que- a família transmite especialmente a porção de cultura acessível ao ., cão, haja necessidade de tipos suplementares de observação direta da di-
fusão da cultura na família. Pode muito bem acontecer que a crian-
':'. .:;;~
"\:'estrato social e aos grupos em que os próprios pais se encontram. É, ça retenha o paradígma implícito dos valôres culturais, descoberto no
~" portanto, um mecanismo para. disçiplínar as ,cJ:ianças, em têrmos dos ob- comportamento diário de seus pais, mesmo quando o mesmo entre em
. jetivos culturais e dos costumes característicos dessa estreita variedade conflito com seus conselhos e exortações explícitos .
de grupos. Nem é a socialização limitada ao treinamento e à disciplina- A projecão das .a.wbiç,QgL1J.ªt~!nª_L~J;>I.EL;LQtL~çª.t_ª!llb~m._t~m. tm-
ção diretos. O processo é fortuito, pelo menos parcialmente. Inteira- ..Pº-rj;ª~cia_J-,j·,mt!\_m.~.Il.tªJnº~§WltQ.qe queestamos ..tn~tªnqo. Conforme
mente à parte de repreensões diretas, recompensas e castigos, a criança é bem se sabe muitos pais confrontados com o "fracasso" pessoal ou um
.',.,
exposta a protótipos sociais no comportamento diàriamente testemunha- "sucesso" limitado, podem silenciar sua ênfase sôbre objetivos de sucesso
do e nas conversações casuais cios pais. Não raro as crianças descobrem e podem adiar ulteriores esforços para o atíngimento de tais objetivos,
e incorporam uniformidades culiurtüs, mesmo quando elas permanecem tentando alcançá-lo "por procuração", através de seus filhos. "A influên-
implícitas e não foram reduzidas a. regras. cia pode vir através da mãe ou do pai. Freqüentemente dá-se o caso de
Os padrões' de linguagem fornecem a mais impressionante evidên- um pai que alimenta a esperança de que seu filho atinja alturas que êle
cia, prontamente observável como se fôsse numa clínica, de que as crían- ou a espôsa deixaram de atingir". 46 Numa recente pesquisa da organí-
ças, no processo de socialização, descobrem uniformidades que não foram zaçâo sacia! de conjuntos de residências construí das pelo govêmo, temos
explicitamente formuladas para elas, pelos mais velhos ou contemporâ- encontrado, tanto entre negros como entre brancos, dos níveis ocupacio-
neos e que não são formuladas pelas próprias crianças. Erros de Iingua- nais inferiores, uma proporção substancial com aspirações de que seus
.c-, gem entre as crianças, são muito instrutivos. Assim, a criança usará filhos sigam uma profissão liberal. 47 Se tal descoberta fôr confirmada
espontãneamente palavras tais como "mouses" ou "morieys", mesmo que por pesquisas posteriores, terá grande significação para o caso que nos
'jamais tenha ouvido tais têrmos ou não lhe tenha sido ensinada a "reçra ocupa pois se a projeção compensatória da ambição dos pais sôbre as
":\, 'de formação Ou ela criará palavras, como "falled", "runned",
dos plurais". crianças fôr muito acentuada, isto significará que precisamente os pais
"singed", "hitted" embora não lhe tenham ensinado aos três anos de ida- menos capazes de proporcionar a seus filhos fácil acesso às oportunida-
de, as "regras" da conjugação. Ou dirá que um manjar predileto é des - os "fracassados" e os "frustrados" - são os que exercem maior
"gooder" como o que outro menos apreciado, ou talvez através de uma pressão sôllre os filhos para que êstes alcancem êxitos importantes. E ês-
extensão lógica, poderá descrevê-lo como o "gnodest" de todos.* Obvia- te síndrome de elevadas aspirações e limitadas oportunidades reais, co-
mente, a criança descobriu os paradigrnas implícitos para a expressão mo temos visto, é precisamente o padrão que provoca o comportamento
do plural, para a conjugação dos verbos e a fl,exão dos adjetivos. A pró- desviado. Isto aponta claramente para a necessidade de serem realiza-
pria natureza de seu êrro e a má aplicação do paradigma dão disso tes- das investigações focalizadas sôbre a formação das metas ocupacionais
temunno.xe nos diversos estratos, se quisermos entender, J!Q...JlQgtº_.g~ y~stª_ªº ...nosso
Pode-se, portanto, concluir, tentativamente, que a criança está também . eS!L~ID.ª-.a..n.!ilJJiç.oJ
.Q l?a,p.~Lg1J~.-ª
..giscipltnÇl,..fanÜ1.iar_.desemp.e.nl;J.ª,
ínadver-
#'
laboriosamente ocupada em descobrir e agir conforme os paradigmas im- tiQa,mente naorig~m.d.a. con.cluta.<:f!vez:gente.
plícitos de avaliação cultural, de categorização das pess-oas e das coisas e
de formação das metas dignas de estima, assim como assimilando a orien- NOTAS FINAIS
tação cultural explícita, baseada na infinita corrente de ordens, explica-
/(, , Deve ficar claro que a discussão anterior não é afinada a um plano
(~) N. do trad. Talvez convenha lembrar que, em inglês, o plural correto de "mouse" é moralístíco. Quaisquer que sejam os sentimentos do leitor referentes à
"rnice"; "rnoriey" é invariável. Em vez de "fal led", "runried", "singed", "hí tted", o pre- ~:i:; conveniência moral de coordenar as fases dos alvos e dos meios da es-
térito perfeito correto é "f'el!", "rari", "sarig" e "hit". O aumentatívo de "good" não ~ .sTI trutura social, é claro que a imperfeita coordenação das duas conduz
"gooder" mas "better" e o absoluto não é "goodest" mas "best", O que o autor quis
demonstrar é que as crianças tendem a adotar as formas regulares, isto é. mais "<r à anomia. Se _uma-.Ji-ª!Lt!l.nǺe!L.m..!\_!!> ..d?:. e..$tI'tltlll'ª social é. a de
__gel'§~!>
muns, em vez das formas irregulares que, como o nome indica, fogem das regras f9.D!~~r uma ba~:Rl!DLll .... p!,~evi~i1:>i~i.<i.ad~.
~"a Jeg!lJar~qa<ie do, comporta-
regulares.
45. W. Stern, Psychology of Early Childbood (Nova Iorque, 1924), 166, menciona a incidência
de tais erros (p. ex., "drinked", [que seria o pretérito perfeito regular mas incorreto], 46. H. A. Murray e outros, Explorations in Personality, 307.
em vez de "drank" (pretérito perfeito irregular, mas correto ]'), porém não tira as ínte- 47. Extraído de um estudo d:;, organização socIal das comunidades planejadas, por R. K.
Merton, Patricia S. West e M. Jahoda, Patterns of Social Life.
rências rel atdvas à descoberta 'dos paradigmas implícitos.