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ENGENHARIA BIOQUÍMICA

Marcos Henrique de Araújo


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4 ENZIMAS E PROCESSOS FERMENTATIVOS

Presentes na civilização desde 4.000 anos a. C., as enzimas são proteínas que
apresentam propriedades catalíticas e são largamente aplicadas na indústria
alimentícia e farmacêutica, na indústria têxtil, de papel e celulose.

Com as novas descobertas, as enzimas passaram a ser cada vez mais empregadas,
movimentando um mercado mundial de enzimas industriais estimado hoje em US$ 2,3
bilhões anuais e com atuação em três segmentos. As enzimas destinadas a indústrias
de tecidos e de produtos de limpeza, as enzimas para alimentos e bebidas e as enzimas
para ração animal.

No setor alimentício as aplicações das enzimas estão concentradas na área de álcool e


derivados; óleos e gorduras; produtos de panificação; amido e açúcares; bebidas
alcóolicas; laticínios e derivados; e sucos de frutas.

Nesse bloco estudaremos as enzimas e suas aplicações, os processos fermentativos, os


principais tipos de fermentação e os seus respectivos produtos gerados.

4.1 Enzimas

As enzimas são moléculas proteicas constituídas por polímeros de aminoácidos que


apresentam a capacidade de diminuir a energia de ativação de uma reação química,
acelerando, consequentemente, a velocidade dessa reação. São consideradas como
um dos pilares das diversas formas de seres vivos existentes, pois, ao controlar a
velocidade das reações químicas que ocorrem no meio intracelular, promovem o
equilíbrio dinâmico da maquinaria dos organismos celulares (JUNQUEIRA;
CARNEIRO,2013).

Essas moléculas são consideradas como os catalizadores biológicos mais eficientes


existentes, pois, ao longo dos processos evolutivos, cada enzima foi otimizada para
realizar as suas funções em uma determinada e específica reação química, ou seja,
cada enzima catalisa um tipo de reação química ou, dependendo da enzima, uma
classe de reações que apresentam estreitas relações entre elas (MADIGAN, 2010).
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Além da eficiência e do grande poder catalítico, as enzimas apresentam certas


características importantes como:

 Podem ser reguladas por diferentes estratégias (ativadas ou inibidas);

 Apresentam elevado rendimento, pois, no final da reação, gera-se apenas os


produtos desejáveis ou úteis às células;

 São específicas quanto aos substratos/produtos e/ou localização tecidual;

 Ao catalisar reações específicas relacionadas evitam reações competidoras;

 São utilizadas para a síntese in vitro, tanto no laboratório experimental quanto


na produção industrial;

 São os efetores da informação genética presente no DNA, pois são produzidas


pelo próprio material genético;

 Embora grande parte das moléculas enzimáticas sejam proteínas sintetizadas


pelo DNA, existem alguns RNA denominados ribozimas que desempenham
papel enzimático. (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2013).

 Ação Enzimática

O reagente, ou composto que sofre a ação enzimática é denominado de substrato(S).


Essa combinação origina um complexo enzima-substrato. Posteriormente, com o
avanço da reação, o produto(P) é liberado e a enzima responsável pela ativação da
reação química retorna ao seu estado natural, podendo atuar diversas vezes
(MADIGAN, 2010). A molécula de enzima geralmente é maior que o substrato e
apresenta um ou mais centros-ativos que se associam ao substrato, originando o sítio-
ativo e facilitando a transformação do substrato no produto. A reação pode ser
representada como a seguir:

E+S E-S E+P

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A forma tridimensional da molécula de enzima é fundamental para a formação do sítio


ativo, pois a conformação tridimensional é complementar ao substrato, formando um
encaixe preciso para que exista a possibilidade da ação enzimática, originando um
modelo denominado “chave-fechadura” (figura 4.1).

Figura 4.1 - Ação catalítica das enzimas, modelo chave – fechadura.

A característica de especificidade das enzimas é muito variável; algumas atuam em


apenas um tipo de molécula, não atacando nem os isômeros que têm a mesma
conectividade, mas que diferem no arranjo de seus átomos no espaço. Podemos citar
como exemplo, a desidrogenase láctica que só opera sobre o L- lactato, não agindo
sobre a sacarose. Existem casos em que temos enzimas atuantes sobre vários
compostos que apresentam alguma característica estrutural comum, como as
fosfatases que hidrolisam uma diversidade de ésteres do ácido fosfórico (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2013).

Muitas enzimas contêm pequenas moléculas não proteicas, podendo ser um íon
metálico ou molécula, denominado cofator, necessário para que a ação catalítica
ocorra. Quando esse cofator é uma molécula é chamado de coenzima. As coenzimas se
ligam fracamente às enzimas e apenas uma dessas moléculas podem se associar a uma
diversidade de enzimas diferentes. Além disso são termoestáveis, ao contrário das
enzimas que se desnaturam e ficam inativadas quando expostas a temperaturas
elevadas (MADIGAN, 2010).

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O complexo originado pela união entre a enzima e o cofator, denomina-se holoenzima


e, caso o cofator seja removido, a porção proteica da enzima é inativa e chamada de
apoenzima.

 Nomenclatura das enzimas

Um método utilizado para classificação de uma enzima é a designação pelo nome do


substrato onde ocorre a atuação da enzima, acrescentando-se o sufixo (ase). Por
exemplo, a lactose (substrato), dissacarídeo presente no leite e seus derivados é
hidrolisada por uma enzima chamada de lactase. Muitas enzimas não seguem essa
forma de nomeação, como a enzima pepsina presente no suco gástrico.

Com o avanço no isolamento e identificação de novas enzimas, a União Internacional


de Bioquímica criou uma Comissão Internacional para estabelecer os critérios para
classificar as enzimas. Foi adotado sistema formal de nomenclaturas de enzimas no
qual dividiu as enzimas em seis classes (tabela 4.1) de acordo com o tipo de reação que
catalisam.

Tabela 4.1 – Principais classes de enzimas segundo a nomenclatura da Comissão de


Enzimas, União Internacional de Bioquímica. Na classificação completa, cada classe
deste quadro é subdividida.

Fonte: Adaptado de Junqueira; Carneiro, 2013.

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 Fatores que influenciam a atividade enzimática

Alguns fatores provocam alterações das atividades enzimáticas, dentre eles podemos
destacar:

 Temperatura - Pode ser considerada a mais importante. Por apresentar


estrutura proteica, temperaturas elevadas rompem as ligações responsáveis
por estabilizar a estrutura espacial da enzima, ocorrendo a sua desnaturação.
Em temperaturas baixas o frio deprime a atividade enzimática.
 PH - A alteração do pH ideal para que ocorra uma ação enzimática causa
diminuição da velocidade da reação, independentemente se essa alteração é
para cima ou para baixo. Se ocorrer mudanças drásticas no pH, poderá ocorrer
desnaturação proteica.
 Substrato - Quanto maior for a concentração do substrato, maior será a
velocidade da reação, até que atinja a velocidade máxima. Há uma velocidade
máxima a ser alcançada e isso depende da quantidade de enzimas que podem
catalisar uma reação específica. Em alta concentração de substrato, a enzima
se encontra em saturação. Isso quer dizer que seu sítio ativo permanece
sempre ocupado por moléculas de substrato.
 Inibição enzimática - As atividades enzimáticas são sensíveis a muitos fatores
físicos e químicos capazes de interferir no funcionamento adequado dessas
enzimas e de promover a sua inibição. A inibição enzimática pode ser
classificada em competitiva e não competitiva.
 Inibição Competitiva - Quando uma substância inibidora possui semelhanças
estruturais ao substrato específico da enzima, apresenta resistência a ação
enzimática e se liga à enzima livre. Tipo de ocorrência onde o inibidor compete
com o substrato específico da enzima para se localizar no centro ativo. Uma
maior quantidade de substrato dificulta a ação da substância inibidora em
estabelecer a associação com a enzima.
 Inibição não competitiva (figura 4.2) - Quando a substância não se liga à enzima
em seu estado livre, mas se combina ao complexo enzima-substrato,
promovendo a inativação.

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Fonte: MANN, 2007.

Figura 4.2 Esquema da inibição enzimática competitiva (A) e competitiva (B).

4.2 Fermentação

A fermentação é um processo de reação biológica anaeróbica que consiste na


degradação da glicose em vários produtos para a obtenção de energia em forma de
ATP (adenosina trifosfato). O ATP é a molécula química responsável pelo
armazenamento de energia para a realização das atividades celulares.

A fermentação ocorre em duas etapas:

 Glicólise - Degradação da molécula de glicose em ácido pirúvico. A glicólise


anaeróbia ou fermentação consiste na quebra da molécula de glicose (C₆H₁₂O₆),
sem consumo de oxigênio, em uma sequência de 10 reações químicas
mediadas por enzimas que promovem a quebra gradual do polissacarídeo em
duas moléculas de ácido pirúvico (C3H4O3) ou piruvato.

 Redução do ácido pirúvico - Em condições anaeróbias, a redução da molécula


de ácido pirúvico conduz à formação dos produtos de fermentação (dependem
da molécula orgânica que é produzida a partir do ácido pirúvico). Isso ocorre de
duas formas e origina dois processos distintos. Eles são a fermentação alcoólica
e a fermentação láctica.

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 Fermentação alcoólica

A fermentação alcoólica tem sido utilizada pela humanidade desde a mais remota
antiguidade. A partir de cereais e frutas, os egípcios há mais de 4.000 anos já
fabricavam pães e bebidas alcóolicas, mesmo desconhecendo o processo de
fermentação. Os primeiros registros que indicam que a fermentação ocorria devido a
um processo químico com a ação de microrganismos apareceram por volta do século
XIV (HENRIQUES, 2014).

Na fermentação alcoólica (Figura 4.3), ocorre a degradação de moléculas de açúcar, no


interior das células de microrganismos (leveduras) originando o ácido pirúvico que se
transforma em álcool etílico e gás carbônico.

Fonte: GUARITA, 2016.

Figura 4.3 - Esquema da fermentação alcoólica.

A equação geral da fermentação alcóolica pode ser representada da seguinte forma:

Equação 4.1 - Equação geral da fermentação alcoólica

Um dos organismos bastante utilizados na fermentação alcoólica são as leveduras,


dentre eles o fungo unicelular conhecido como fermento biológico Saccharomyces
cerevisae, que realiza a fermentação do açúcar para que tenha a produção dos
nutrientes necessários para a sua manutenção e, consequentemente, a formação do
etanol como subproduto (HENRIQUES, 2014).

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Na fermentação alcoólica, além do tipo de levedura, diversos fatores ambientais


podem influenciar no desempenho das leveduras no processo. Dentre esses fatores
podemos destacar:

 Temperatura - As leveduras apresentam uma temperatura ótima para alcançar


sua melhor produtividade; não são tolerantes a temperaturas extremas,
podendo ter um desempenho bem abaixo do esperado ou até mesmo cessar a
sua atividade. Além disso, o excessivo aumento da temperatura aumenta a
probabilidade do crescimento de contaminantes.

 PH - Grande parte das leveduras apresentam um pH ótimo para o seu melhor


desenvolvimento (entre 3 e 6). Na produção de etanol, quando se utiliza a
levedura Sacharomyces cerevisae, o pH ótimo se situa na faixa 4-5. Caso o pH
não esteja nesse limiar, aumentando para 7, por exemplo, a reprodução da
levedura é afetada, diminuindo o rendimento de etanol com o aumento da
produção de ácido acético (STECKELBERG, 2001).

 Oxigênio - A presença de oxigênio em altas concentrações inibe a fermentação


alcoólica, alterando o processo de fermentação e, consequentemente, o
rendimento dos produtos gerados.

 Fermentação láctica

A fermentação láctica é um processo bioquímico anaeróbio em que o ácido pirúvico é


transformado em ácido láctico, geralmente por bactérias do gênero Lactobacillus que
fermentam o leite.

Figura 4.4 - Representação esquemática da transformação do ácido pirúvico em


ácido láctico

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O ácido láctico é o produto final da reação e não sofre mais oxidação. A maior parte da
energia produzida pela reação permanece armazenada no ácido. Dois importantes
gêneros de bactérias que realizam fermentação láctica são os Streptococcus e os
Lactobacillus. Os microrganismos que produzem somente ácido láctico são conhecidos
como homoláticos ou homofermentativos. A fermentação do ácido láctico realizada
por alguns microrganismos pode resultar na deterioração de alimentos, mas também
pode produzir chucrute a partir de repolho, conservas de pepino, e iogurte a partir de
leite.

 Fermentação acética

A fermentação acética é uma reação química que consiste na oxidação parcial do


álcool etílico, com produção de ácido acético, consumo de O2, ocorrendo liberação de
energia. A oxidação segue de acordo com a equação básica:

Figura 4.5 - Esquema da equação de oxidação do etanol em ácido acético

O vinagre é o produto microbiano resultante da conversão de álcool etílico em ácido


acético por gêneros de bactérias acéticas aeróbias estritas como a Acetobacter e
Glunobacter. Esses grupos de bactérias são tolerantes ao pH ácido da substância
gerada no processo.

O ácido acético é produzido por métodos químicos em qualquer substrato que tenha
álcool, enquanto o produto vinagre é resultante da presença de substâncias presentes
no material inicial e aquelas geradas no processo de fermentação.

A oxidação do etanol, ocorre por meio de duas reações sequenciais catalisadas pelas
enzimas álcool desidrogenase (ADH) e aldeído desidrogenase (ALDH) associadas à
membrana. Essas enzimas catalisam reações de oxidação denominadas fermentação
oxidativa, pois consistem na oxidação incompleta do álcool acompanhado pelo
acúmulo do produto de oxidação no meio de crescimento (MADIGAN, 2010; ZILLIOLI
2011).

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Qualquer fonte de carboidrato suscetível de fermentação pode ser utilizada na


produção de vinagre. Uma grande variedade de matérias-primas é empregada na
fabricação desse produto como maças, uvas, arroz, cana de açúcar, milho, dentre
outros.

4.3 Processos de Fermentação

Na microbiologia industrial, o termo fermentação se refere a qualquer processo


microbiano que ocorra em grande escala. Os microrganismos, por meio dos processos
de fermentação, possibilitam a produção em larga escala de enzimas que apresentam
alto grau de pureza. As enzimas são consideradas catalisadores naturais de grande
aplicação nas mais variadas atividades industriais como os setores de papel e celulose,
farmacêutico, têxtil e alimentício, na produção de aditivos, produtos químicos e em
tratamentos ambientais.

O agente biológico utilizado na produção dessas enzimas deve apresentar certas


características como a capacidade de crescer e sintetizar o produto em grande escala;
não ser patogênico; produzir esporos que facilitam a inoculação em fermentadores;
ser de fácil manipulação genética; apresentar crescimento rápido; sintetizar o produto
desejado em um período de tempo curto; crescer em meios de cultura líquidos; ser um
processo de baixo custo (MADIGAN,2010).

O processo de fermentação se inicia com a escolha do agente biológico ideal


(microrganismo ou enzima); a transformação da matéria prima; a separação; e
purificação do produto.

O termo fermentador é usado como sinônimo de biorreator, designando o recipiente


ou tanque onde ocorre o processo biotecnológico. No processo fermentativo, diversos
fatores são controlados e monitorados, dentre eles temos: fatores físicos
(temperatura, tempo, pressão, nível de agitação, atividade de água e vazão de gases e
líquidos); fatores químicos (pH, oxigênio dissolvido, sólidos solúveis); e fatores
biológicos (crescimento microbiano e medida de contaminação.

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Fonte: CRUZ, 2016

Figura 4.6 Processo biotecnológico.

Quanto à natureza do meio de fermentação, os métodos utilizados em processos


fermentativos para a produção de enzimas podem ser realizados no meio líquido,
designado de fermentação submersa (FS) quanto no meio sólido (FES).

 Fermentação Submersa (FS)

A fermentação submersa (FS) pode ser definida como aquela cujo “substrato fica
dissolvido ou suspenso em pequenas partículas no líquido, normalmente água, que
chega a constituir cerca de 90 a 99% da massa total do material a ser fermentado”
(NASCIMENTO, 2015).

Considerada como um tipo de processo fermentativo mais antigo utilizado pelo


homem. Existem registros datados de 1000 a.C. em que eram utilizados esse método
para a produção de bebidas alcoólicas e molho à base de soja.

Os fermentadores apresentam diversidade de tamanhos, apresentando escala


laboratorial, com capacidade volumétrica de 5 a 10L, até em escala industrial com
capacidade de 500.000 litros. Esses fermentadores industriais podem ser classificados
de acordo com o tipo de processo (aeróbio ou anaeróbio). No caso dos fermentadores
aeróbios, para manter a homogeneização e aeração adequadas, são dotados de
agitadores, mecanismos de aeração para a introdução de ar estéril, controle da
temperatura e pH (MALAJOVICH, 2011).

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Os fermentadores industriais (Figura 4.4), geralmente são cilíndricos, de aço


inoxidável, fechado e dotados de dispositivos para aeração e controle do processo.
Devido à grande demanda de oxigênio exigido pelo meio de cultura, dois dispositivos
garantem a aeração adequada. São eles o aspersor (aerador) e o impulsor (agitador).

Figura 4.7 - Fermentador industrial

Como uma das vantagens da FS, podemos destacar que, devido ao uso de
computadores para modelar os processos fermentativos industriais, existe a facilidade
na manipulação e no monitoramento do processo, desde a formação do produto até o
consumo do substrato, envolvendo o controle de diversos parâmetros presentes na
fermentação (temperatura, pH, esterilidade e oxigenação, uniformidade na cultura de
microrganismos submersos, menor tempo de fermentação).

A principal desvantagem a ser destacada consiste no grande volume de resíduos


gerados e o problema na separação do produto gerado misturado ao substrato
(MONTEIRO; SILVA, 2009).

 Fermentação em Substrato Sólido (FES)

A FES pode ser definida como um processo de cultivo de microrganismo em um


substrato sólido, sem a presença de água livre, mas com o controle da manutenção de
umidade mínima suficiente para a manutenção das atividades metabólicas e
crescimento do microrganismo.

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Estudos demonstraram vantagens na utilização de FES no cultivo de fungos


filamentosos, pois o meio criado se assemelha ao ambiente natural desses seres vivos;
maior rendimento comparando-se a FS; menor demanda de energia, o uso de reatores
menores proporciona economia de espaço; manutenção da estabilidade a certas
variações de temperatura e pH; adaptação a substratos apresentando menor taxa de
inibição; menor volume de efluente produzido; a possibilidade de utilizar resíduos
agroindustriais como substrato sólido ricos em fontes de carbono (RAIMBAULT,1998).

Em relação as desvantagens, temos a limitações de tipos de microrganismos capazes


de crescer em sistemas que apresentam baixa umidade e a dificuldade em monitorar
variáveis difíceis de controlar em substrato sólido como a temperatura e controle de
gases, influenciando negativamente no crescimento microbiano e nos resultados dos
metabólitos resultantes no processo.

Apesar da FES ser indicada para o desenvolvimento de enzimas e outros metabólitos


por fungos, a necessidade de agitar o leito do biorreator para dissipar o calor gerado
no processo, acaba causando danos nos filamentos de fungos, interferindo no
rendimento do processo (MONTEIRO; SILVA, 2009 e NASCIMENTO, 2015).

No caso da variável temperatura, a liberação de calor decorre do crescimento


microbiano em meio aeróbio e, devido à ausência de água, esse calor é difícil de ser
removido em virtude da baixa condutividade do substrato sólido. Essa problemática
aumenta quando temos esse processo em escala industrial.

A presença de água em um bioprocesso facilita o processo de adsorção de nutrientes


por parte dos microrganismos e consequentemente na estabilidade das estruturas e
funções biológicas desses agentes no meio. Para que ocorra o desenvolvimento dos
microrganismos no substrato sólido, é fundamental o controle da umidade pois evita-
se uma possível de desnaturação das proteínas celulares, o baixo crescimento
microbiano e a minimização na geração de metabólitos esperados no processo
(FARINAS et al., 2014).

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O fator aeração é fundamental na manutenção do equilíbrio no processo de


fermentação em substratos sólidos, pois mantém as condições aeróbias do meio,
remove o dióxido de carbono gerado, regula a temperatura e nível de umidade. Na FES
os microrganismos têm acesso livre ao oxigênio presente no ar, diferentemente da FS
que, devido à baixa solubilidade desse gás na água, tem a baixa concentração de
oxigênio como fator limitante do crescimento (RAIMBAULT, 1998).

As alterações do pH no meio ocorrem devido às atividades metabólicas que ocorrem


durante o crescimento microbiano. Esse pH pode ser diminuído quando existe a
secreção de ácidos ou aumentado quando houver a assimilação de ácidos orgânicos
em nutrientes presentes. O ajuste desse pH no decorrer do processo é bastante
complexo e geralmente ocorre no início da FES.

Devido à grande heterogeneidade de substratos, atualmente, a tendência é a


utilização de resíduos agroindustriais na composição dos substratos. Resíduos de
laranja, mandioca, bagaço de cana, polpa de café, farelos de cereais, dentre outros são
grandes fornecedores de carbono e energia que influenciam diretamente no bom
crescimento microbiano (FARINAS et al., 2014).

 Biorreatores de FES

A maior parte dos estudos relacionados à fermentação em substrato sólido publicados


nos últimos anos estão voltados para a produção em pequena escala nos laboratórios.
O aumento da escala de produção enzimática seria o ideal, pois diminuiria os custos
envolvidos no processo. Entretanto, a dificuldade para elevar o escalonamento está
em encontrar solução, manter a umidade ideal do substrato e remover o calor gerado
(FONSECA, 2012).

Ao longo do tempo, houve avanços que buscaram desenvolver melhorias nos projetos,
na operação e no escalonamento da FES. Os biorreatores são classificados de acordo
com o seu volume útil e geometria espacial.

A seguir, apresentamos alguns tipos de biorreatores:

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 Biorreatores do tipo bandeja - equipamento composto por várias bandejas que


recebem o substrato e que são mantidas em temperatura controlada em que
ocorre a circulação do ar. Apesar de ser considerado um biorreator simples e
um dos mais antigos FES, diversos estudos foram publicados nos últimos anos,
destacando experimentos realizados com a utilização de substrato composto
por resíduos agrícolas, como o farelo de trigo e casca de soja para a avaliação
do potencial desse tipo de substrato. A desvantagem de utilizar esse
equipamento encontra-se na quantidade de bandejas utilizadas no processo,
dificultando a produção em alta escala (FARINAS et al.,2014).

Fonte: ASTOLFI, 2017.

Figura 4.8 - Esquema de um biorreator de bandeja.

 Biorreatores do tipo leito empacotado - Constituído por colunas onde o


substrato está contido em uma base com perfurações e o ar úmido é forçado
através leito do substrato. Pode apresentar um revestimento no qual circula a
água para o resfriamento e controle da temperatura. Os problemas
encontrados no processo estão relacionados a remoção do calor, na ampliação
da escala e o crescimento microbiano não uniforme (FARINAS et al. 2014).

 Biorreatores do tipo tambor rotativo - Os modelos de tambor horizontal podem


ser rotativos, perfurados ou apresentar pás misturadoras que tem como
finalidade agitar o substrato.

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 O tambor rotativo apresenta um cilindro que gira para misturar o


material fermentado e distribui o ar no interior do biorreator, muitas
vezes revestido por uma “jaqueta” para controle da temperatura. A
agitação do substrato facilita a troca de gases da cultura com o meio. O
calor é removido pela convecção do ar interno por meio das paredes e o
controle da umidade é feito por meio de borrifos de água no substrato.

 No biorreator horizontal rotativo, existe a dificuldade no controle de


temperatura devido ao aumento de partículas no substrato durante o
crescimento do micélio.

 O modelo de biorreator rotativo com pás apresenta uma menor


aglomeração de partículas no substrato e maior eficiência na troca de
oxigênio. A maior desvantagem nesse processo é que o mesmo deve ser
realizado com apenas 30% da capacidade máxima do tambor para que a
mistura seja eficiente (FARINAS et al., 2014 e FONSECA, 2012).

Para escolher o meio fermentativo é importante verificar alguns fatores que propiciem
ao microrganismo o melhor ambiente para que o processo seja realizado e obtenha o
resultado esperado. A fermentação sólida é mais indicada para os fungos, pois esse
ambiente, ao se assemelhar ao habitat natural desses agentes biológicos, proporciona
uma melhor adaptação e, consequentemente, um maior crescimento, enquanto as
leveduras e bactérias tem grande capacidade de absorção de nutrientes em meio
líquido. Quando se trata de produção enzimática por enzimas em grande escala, o tipo
de substrato de alto valor pode impactar em um grande aumento no valor final do
produto. Outro fator a ser considerado é a composição química, pois o indutor correto
vai ser fundamental para a produtividade da enzima (NASCIMENTO,2012).

Uma outra classificação para os processos fermentativos se refere ao modo de


operação ou condução do processo. Neste quesito, os processos podem ser:

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 Descontínua ou Batelada - Adiciona-se a matéria prima e o inóculo escolhido ao


fermentador. A fermentação ocorre até o esgotamento dos nutrientes. O
processo é concluído e o produto retirado e o fermentador é esvaziado, limpo e
esterilizado para iniciar um novo processo.
 Batelada alimentada - Corrente de nutrientes é adicionado ao biorreator, sem
que o efluente e células sejam removidos. Posteriormente o processo é
interrompido e o produto é extraído.
 Contínuo - O acréscimo de nutrientes e a retirada do produto ocorrem de
forma simultânea durante o processo, funcionando como uma linha
ininterrupta de corrente de alimentação e saída de produto, eliminando tempo
improdutivo e trazendo como resultado maior produtividade.

Conclusão

Os processos fermentativos têm uma grande importância em vários setores de


interesse para a sociedade, seja na indústria química, farmacêutica e na agricultura,
bem como na indústria de alimentos.

Podemos concluir que a fermentação é imprescindível na nossa sociedade, pois muitos


dos alimentos consumidos pelos seres humanos são produzidos desta maneira. Além
da aplicação de uma grande diversidade de enzimas em várias áreas da atividade
industrial, tendo uma participação econômica muito importante e significativa para a
sociedade.

REFERÊNCIAS

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