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Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas

Processo
HC 748034

Relator(a)
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Data da Publicação
DJe 14/06/2022

Decisão
HABEAS CORPUS Nº 748034 - SP (2022/0175913-1)
DECISÃO
FRANC ISC O SALES DA SILVA alega sofrer coação ilegal, em decorrência de
acórdão proferido pelo Tribunal de origem.
Informam os autos que "o paciente foi preso em flagrante delito, em 29 de
abril de 2022, pelo suposto cometimento do crime de homicídio qualificado
e a prisão em flagrante foi convertida em preventiva por decisão datada
de 30 de abril de 2022, e que os autos principais aguardam o oferecimento
da denúncia".
A defesa pretende a soltura do paciente sob o argumento de ausência do
preenchimento dos requisitos da prisão preventiva, inclusive a ausência
de fundamentação escrita.
Decido.
O Juiz de Direito, ao decretar a prisão preventiva, salientou que a
"decisão [foi] oralmente proferida":
Aos 30 de abril de 2022, na sala de Audiências do Foro Plantão - 16ª CJ -
S. J. Rio Preto, C omarca de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo,
sob a presidência do MM. Juiz de Direito, Dr. EVANDRO PELARIN,comigo,
Assistente Judiciário, foi aberta a AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, e cumpridas as
formalidades legais, verificou-se a presençado(a) representante do
Ministério Público, Dr(a). FÁBIO JOSÉ MATTOSO MISKULIN. Presente o
custodiado FRANC ISC O SALES DA SILVA, acompanhado de seu defensor, o Dr.
DIEGO VIDALE (OAB/SP 449.406).
Iniciados os trabalhos, antes da oitiva, foi autorizado ao custodiado a
entrevista prévia e reservada com seu Defensor, nos termos do art. 6º da
Resoluçãonº 213 do CNJ.
Em seguida, o MM. Juiz verificou a necessidade permanecer o
autuadoalgemado, considerando o risco à segurança própria e alheia em
face da ausência de estruturaadequada de segurança no prédio do Fórum,
observando que a sala de realização da audiência de custódia tem apenas

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24m² (art. 8º, II da Res. 213 do CNJ).
Esclareceu o significado da audiênciae cientificou sobre o direito ao
silêncio, passando a entrevistar o custodiado a respeito dasquestões
mencionadas no art. 8º da Resolução nº 213 do C NJ (ex.:
ciência da prisão pelosfamiliares, exame de corpo de delito etc.), o que
foi respondido. O representante MinistérioPúblico e a Defesa tiveram
oportunidade para reperguntas e manifestação sobre a prisão emflagrante,
tudo registrado por meio audiovisual (gravação em mídia digital, nos
termos do art. 8º,§2º da Resolução nº 213 do C NJ). Em seguida, pelo MM.
Juiz foi proferida a seguinte decisão(art. 8º, §3º, da Resolução nº 213
do C NJ):
FRANC ISC O SALES DA SILVA foi(ram)preso(a)(s) em flagrante pela prática
do(s) delito(s) previsto(s) no(s) artigo(s) 121, §2º, II, e 147,ambos do
Código Penal. O auto de prisão em flagrante foi encaminhado a este juízo
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, nos termos do art. 306 do C ódigo
de Processo Penal.
O(a) representante do Ministério Público pleiteou a conversão do
flagrante em prisão preventiva e a i. defesa pleiteou a concessão da
liberdade provisória. É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O auto de prisão em flagrante encontra-se formalmente em ordem, não sendo
caso de relaxamento da prisão em flagrante (art. 310, I, CPP).
O caso concreto autoriza a prisão preventiva aliado aos fundamentos já
manifestados em decisão oralmente proferida, que se encontra gravada.
Ante o exposto, com fundamento no arts. 310, II, 312, 313, I, e 315,
todos do C ódigo de Processo Penal, C ONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE de
FRANC ISC O SALES DA SILVA em PRISÃO PREVENTIVA.
Expeça(m)-se mandado(s)de prisão preventiva (art. 406 das NSC GJ). A
destinação de eventual(is) objeto(s)apreendido(s) deve ser analisada pelo
Juízo competente.
Em atenção aos artigos 9º, §§2º e 3º e 11 da Res. 213 do CNJ, não foram
identificadas demandas abrangidas por políticas de proteção ou de
inclusão social implementadas pelo poder público. O exame de corpo de
delito do(a)(s)preso(a)(s) não revela lesões corporais, tampouco
constatou-se, nesta oportunidade, emverificação pessoal, a existência de
indícios de tortura ou maus-tratos.
Não havendo óbice na utilização de sistema de gravação audiovisual em
audiência, todas as ocorrências, manifestações,declarações entrevistas
foram captados em áudio e vídeo.
Em atenção aos artigos 9º, §§2º e 3º e 11 da Res. 213 do CNJ, não foram

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identificadas demandas abrangidas por políticas de proteçãoou de inclusão
social implementadas pelo poder público. Providencie-se o registro dos
dados(decisão e eventuais providências) da audiência no SISTAC (artigo
406-G das NSC GJ).
Ospresentes leram este Termo de Audiência e saem cientes e de acordo, de
modo que os dispensode aporem suas assinaturas. Retornem os autos ao
cartório distribuidor, para redistribuição. Eu,Bruno Pereira Do
Nascimento, digitei. (fls. 52-53) O acórdão impugnado, quanto ao tema,
consignou o seguinte:
Frise-se que, malgrado o áudio da gravação da audiência de custódia
esteja com qualidade ruim, é possível inferir da decisão proferida pelo
Juízo "a quo" os fundamentos relacionados à natureza grave do fato e a
conveniência da instrução criminal, compreendendo o Juízo de origem que
se encontram presentes os requisitos dos artigos 312 e 313, do Código de
Processo Penal, sendo, desta forma, inadequadas quaisquer das medidas
cautelares previstas no artigo 319, do mesmo diploma. (fl. 31)
Primeiramente, faço lembrar que uma das finalidades precípuas da
audiência de custódia é salvaguardar os direitos fundamentais daquele que
foi preso em flagrante. Entre esses direitos, insere-se a avaliação da
legalidade do ato coercitivo e a necessidade de manutenção da constrição,
cujo juízo valorativo, segundo precisas ponderações de Gustavo Badaró,
pode ser considerado bifronte ou complexo, na medida em que "não se
destina apenas a controlar a legalidade do ato já realizado, mas também
valorar a necessidade de adequação da prisão cautelar para o futuro"
(Parecer prisão em flagrante delito e direito à audiência de custódia.
Disponível em:
https://www.academia.
edu/9457415/Parecer_-_Pris% 3%A3o_em_flagrante_delito_e_direito_% 3%
A0_audi%C 3%AAncia_de_cust%C 3%B3dia, , p. 14. acesso em 15/10/2021).
Assim, sob os auspícios das diretrizes traçadas pela C onvenção Americana
de Direitos Humanos - C ADH (Pacto de San Jose da C osta Rica) -, o
C onselho Nacional de Justiça - C NJ aprovou a Resolução n. 213/2015, na
qual detalha o procedimento de apresentação de presos em flagrante ou por
mandado de prisão à autoridade judicial competente.
Registro que, no mencionado ato normativo, há previsão de dois protocolos
de atuação: 1º) sobre aplicação de penas alternativas e 2º) sobre os
procedimentos para apuração de denúncias de tortura. Na elaboração desses
protocolos, segundo informação que pode ser obtida no sítio eletrônico do
C NJ, foram consideradas orientações presentes, inter alia, no Protocolo
de Istambul.

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A referida resolução detalha com maior especificidade o papel do juiz
durante o ato, oferecendo-lhe algumas orientações sobre o modo de atuação
e de intervenção judicial, habilitando-o, nessa perspectiva, a atuar na
salvaguarda dos direitos fundamentais, notadamente no que se refere à
avaliação da existência de legalidade estrita do ato de prisão e da
necessidade de manutenção ou não da custódia cautelar.
Relativamente ao procedimento, prevê o art. 8º da Resolução n. 213/2015 o
seguinte:
Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a
pessoa presa em flagrante, devendo: [...] § 2º A oitiva da pessoa presa
será registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a
formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das
postulações das partes, e ficará arquivada na unidade responsável pela
audiência de custódia.
§ 3º A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação
fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão,
cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas
cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte,
como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios
de tortura e maus tratos.
§ 4º Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à
pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público,
tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante,
com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição.
Note-se que o referido dispositivo faculta, durante a audiência de
custódia, a utilização de mídia (gravação audiovisual) para registrar a
oitiva da pessoa presa e eventuais postulações feitas pelas partes. Tal
faculdade, no entanto, não permite ao magistrado desincumbir-se de fazer
constar em ata escrita os fundamentos quanto à legalidade e à manutenção
da prisão, bem assim de fornecer cópia da ata à pessoa presa e a seu
defensor.
Aliás, não poderia ser de outra forma. A prisão preventiva, como
excepcional instrumento de restrição da liberdade individual, deve estar
permanentemente sob controle judicial, quer seja para determiná-la, quer
seja para permitir sua continuidade.
Tal controle pressupõe, por certo, a existência de ordem constritiva
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Trata-se de garantia fundamental, que acabou sendo reproduzida pela
legislação processual, a significar, em outras palavras, que a
determinação judicial deve ser representada por palavras externadas por

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meio de letras (sinais gráficos que apontam algum significado) traçadas
em papel ou em qualquer outra superfície de leitura. Esse é o método de
comunicação linguística escolhida pela Constituição Federal para os casos
de restrição da liberdade e que, conforme salientado, está sujeito a
permanente controle judicial. C onfira-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei [....] nos termos seguintes:
[...] LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente [...] Essa
mesma exigência também é feita pelo art. 283 do Código de Processo Penal:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente [..
.] Não se admite, portanto, que alguém tenha a prisão preventiva
decretada, por força de decisão proferida oralmente na audiência de
custódia, cujo conteúdo se encontra apenas registrado em mídia
audiovisual, sem que tenha sido reduzida a termo, e sem que haja
indicação dos fundamentos que ensejaram a constrição consignados em ata
(ou mesmo a sua degravação), como prevê o art. 8º, § 3º, da Resolução n.
213/2015 do C NJ, cuja cópia deve ser entregue ao preso, ao Ministério
Público e à defesa (art. 8º, § 4º, da referida resolução). Nesse mesmo
sentido: RHC 77.014, Rel. Ministro Rogerio Schietti C ruz, DJe 9/8/2017.
IV. Dispositivo À vista do exposto, defiro a liminar para assegurar ao
acusado que aguarde em liberdade o julgamento final deste habeas corpus,
se por outro motivo não estiver preso, ressalvada a possibilidade de nova
avaliação, mediante decisão fundamentada, sobre a necessidade de
imposição de medida de natureza cautelar.
C omunique-se, com urgência, o inteiro teor dessa decisão ao Juízo de
primeiro grau e à autoridade apontada como coatora, solicitando-se-lhes
informações pormenorizadas, que deverão ser prestadas via malote digital.
Em seguida, ouça-se o Ministério Público Federal.
Publique-se. Intimem-se Brasília (DF), 09 de junho de 2022.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

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