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Diretivas antecipadas de vontade e outras questões

éticas

Instrutora: Marta Carvalho


martenf711@gmail.com

Barcarena, março de 2022


Bioética
Bioética

bios(vida) ética (moral)

Conjunção de vida e de reflexão moral

O termo Bioética é um neologismo empregado pela primeira vez pelo oncologista Van Rensselaer
Potter, no seu artigo publicado em 1971, Bioethics: A Bridge to the Future.
Bioética
Pode ser dividida em:

Bioética fundamental

➢ trata dos princípios gerais da bioética

Bioética clínica

➢ relacionada de uma maneira direta com a medicina e com a cooperação entre o


profissional de saúde e o doente, ou as assimetrias que podem surgir entre eles
Bioética
Segundo o artigo 5º dos princípios da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da
UNESCO (2015)

“a autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a
respetiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No
caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas
especiais para proteger os seus direitos e interesses”
Bioética
Código Deontológico da profissão de Enfermagem (Lei nº156/2015 de 16 de setembro do Diário da República,
1.ª série - N.º 181 - 16 de setembro de 2015) refere que o profissional de enfermagem tem o dever de:

a) informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem;


b) respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado;
c) atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo
indivíduo em matéria de cuidados de enfermagem;
d) informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os
obter.
Princípios éticos
Princípio do respeito pela autonomia

Implica o reconhecimento permanente de que as pessoas têm o direito de atuar em concordância com as suas
próprias convicções, conceções, valores e crenças

“As ações autónomas não devem ser sujeitas ao controle exercido por outras pessoas”

No fundo, exige que o indivíduo seja respeitado e receba informações que o auxiliem na tomada de decisões,
permitindo que as suas escolhas sejam autónomas.
Princípios éticos
Princípio do respeito pela autonomia

Para que um ato seja considerado autónomo, é necessário que seja precedido da informação necessária, exista
capacidade e competência por parte do agente para o executar e ainda que esteja isento de coações internas ou
externas e de fatores restritivos internos (senilidade, abuso de drogas, etc.) ou externos (restrições legais e técnicas)
ao sujeito, que o impeçam de tomar a sua decisão de forma deliberada e consciente.
Princípios éticos
Princípio do respeito pela autonomia

Para além disso, nenhum indivíduo pode ser considerado autónomo, se não tiver capacidade de reconhecer que é
responsável pelas suas ações, tendo o dever de após reflexão prever os efeitos futuros das suas ações e agir com
prudência, não esquecendo que vive num sistema de normas morais impostas pela sociedade, na qual o bem
comum impõe limites às decisões livres dos indivíduos.
Princípios éticos
Consentimento informado

Beauchamp e Childress (2002), referem «An informed consent is an individual’s autonomous authorization of a
medical intervention…a person must do more than express agreement or comply with a proposal. He or she must
authorize something throught an act of informed and voluntary consent»

Significa isto que, o consentimento inerente ao respeito pela autonomia do doente enquanto ser humano, garante
que a decisão quanto às intervenções médicas que aceita ou recusa repousa nos pressupostos de
autorresponsabilização e liberdade de escolha.
Princípios éticos
O princípio de não maleficência obriga a não causar dano intencionalmente.
Na ética médica, este princípio está intimamente relacionado com a máxima primum non nocere:
«Em primeiro lugar, não causar dano»

O artigo 4º dos princípios da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO (2015) indica que,
em toda e qualquer aplicação e avanço dos conhecimentos científicos, atos médicos e tecnologias adjacentes, devem
ser maximizados os benefícios diretos e indiretos para os doentes, os participantes de pesquisas científicas e outros
envolvidos e ao invés devem ser minorados quaisquer efeitos prejudiciais capazes de danar os referidos sujeitos.
Princípios éticos
Beneficência refere-se a atos de misericórdia, bondade e caridade
A moralidade requer o bom tratamento das pessoas de forma individual e a abstenção de lhes causar dano, mas
também requer que contribuamos ao seu bem-estar.

A obrigação de não causar dano é distinta da obrigação de ajudar aos demais atuando na promoção do seu bem
Se num determinado caso o dano produzido é insignificante e o benefício importante, com certeza que se deve atuar
de forma a promover a beneficência perante à não maleficência.

O princípio de beneficência requer uma maior implicação, já que se deve atuar positivamente para ajudar aos
demais e não só a abstenção de fazer atos nocivos.
Princípios éticos
Beneficência Versus Maleficência

Deve-se primeiro prevenir um dano para, depois, promover


um bem. Por vezes, é necessário algum tipo de dano para
obtenção de um bem maior, como por exemplo no caso da
amputação de um membro inferior em gangrena, para
preservar a vida do doente.
Princípios éticos
Princípio ético da Justiça

Engloba uma distribuição igual, equitativa e apropriada, de todos os direitos e responsabilidades na sociedade,
sendo determinada por normas justificadas que estruturam os termos da cooperação social.

Assim, o princípio da justiça/equidade representa a preocupação com a distribuição equitativa dos escassos recursos
do sistema de saúde.
Princípios éticos
A justiça é o valor de dar a cada um o que lhe corresponde, dentro de um vínculo de reconhecimento recíproco, ou
seja, quem tem uma exigência válida baseada na justiça tem um direito, e portanto, deve-se-lhe alguma coisa.

Conforme ao artigo 10º dos princípios da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO (2015,
p. 8), para um tratamento com retidão e imparcialidade, que contemple todos os seres humanos na plenitude da
sua dignidade e direitos, a igualdade fundamental deve ser respeitada.
Objeção de consciência
✓ Recusa de cumprir uma ordem superior por motivos de consciência

✓ Regulamento do exercício do Direito à Objeção de Consciência


✓ Reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros (OE)
✓ Consagrado no Código Deontológico como direito dos membros efetivos da OE

Considera-se objetor de consciência o enfermeiro que, por motivos de ordem filosófica, ética, moral ou
religiosa, esteja convicto de que lhe não é legítimo obedecer a uma ordem particular, por considerar
que atenta contra a vida, contra a dignidade da pessoa humana ou contra o código deontológico.
Objeção de consciência
✓ O enfermeiro deve anunciar por escrito, ao superior hierárquico ou quem faça as suas vezes,
a sua decisão de recusa da prática de ato da sua profissão, explicitando as razões por que tal
prática entra em conflito com a sua consciência moral, religiosa ou humanitária ou contradiz
o código deontológico

✓ O enfermeiro deve comunicar à Ordem a sua decisão, por carta, ao Presidente do Conselho
Jurisdicional Regional da Seção da Ordem onde está inscrito no prazo de 48 horas após a
apresentação da recusa.
Obstinação terapêutica
A obstinação terapêutica tem como intenção “prolongar a vida de um doente por meio de medidas
desproporcionadas em relação aos benefícios obtidos ou procurados (diagnósticas ou terapêuticas)” (Herreros,
2015), que trazem consigo sofrimento, num doente com mau pronóstico vital, com má qualidade de vida ou no
processo de morte do doente.

Em certa medida é a imagem oposta à limitação terapêutica.


Eutanásia
A eutanásia é a ação dirigida a terminar com a vida do doente partindo do pedido expresso dele e é realizada por
um profissional de saúde.
Perante um pedido de eutanásia ou morte assistida, o doente e as suas convicções devem ser ouvidas, suprimindo
qualquer posicionamento moral que condicione à partida, numa tentativa de compreender a extensão do seu
sofrimento

Outras vertentes a serem analisadas à luz da ética são:


• Suicídio assistido
• Suicídio medicamente assistido
Diretivas Antecipadas de Vontade
✓ Lei N.º 25/2012, de 16 de Julho de 2012

✓ Regula as diretivas antecipadas de vontade:


✓ Testamento vital
✓ Nomeação de procurador de cuidados de saúde
✓ Cria o Regulamento Nacional do Testamento Vital
Diretivas Antecipadas de Vontade
Testamento vital e/ou a nomeação de um procurador de cuidados de saúde
• Uma e outra modalidade não se excluem, podendo coexistir simultaneamente

Visam garantir o respeito pelo direito de que é titular toda a pessoa de decidir, de forma responsável e livre,
sobre que cuidados médicos deseja receber no futuro, no pressuposto de que, chegado o momento de os receber,
não gozar da capacidade para neles consentir de forma séria, livre e esclarecida.
Diretivas Antecipadas de Vontade
O Testamento Vital consiste, em regra, num documento escrito por uma pessoa maior de idade e capaz, perante
uma autoridade pública ou perante testemunhas, e que contém declarações antecipadas de vontade a respeito dos
tratamentos que deseja ou não receber, tendo em vista eventuais situações de incapacidade de tomar decisões por
e sobre si próprio.

Cumulativamente ou em alternativa poderá ser nomeado um procurador de cuidados de saúde.


O procurador de cuidados de saúde é o representante escolhido pelo doente, em momento em que ainda se
encontra no pleno uso das suas capacidades intelectuais e volitivas, para que tome por este as decisões necessárias
em matéria de cuidados de saúde, quando se encontre incapaz de o fazer.
Diretivas Antecipadas de Vontade
As possibilidades previstas pelo nº 2 art.º 2 da Lei Nº 25/2012, de 16 julho são:

• ser ou não ser submetido a tratamento de suporte artificial de vida;


• não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no quadro clínico específico e
de acordo com as boas práticas profissionais (uma vez que visem apenas retardar o processo de
morte natural);
• receber ou não receber cuidados paliativos adequados ao quadro clínico;
• recusar ou não a participação em tratamentos que se encontrem em fase experimental;
• recusar ou não a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.
Diretivas Antecipadas de Vontade
A consagração do testamento vital traduz-se num progressivo reconhecimento do direito à
autodeterminação da pessoa, no entanto, não deixa de apresentar alguns limites e insuficiências:

A dificuldade de traduzir a complexidade de situações clínicas em palavras, que posteriormente


serão plasmadas num documento com valor jurídico. Daí que mais do que caracterizar os atos
médicos específicos se dá uma indicação clara dos valores éticos a respeitar.
Diretivas Antecipadas de Vontade

Stela Barbas afirma que «…se as directrizes tiverem um teor muito vago, a sua utilidade para se decidir, do
ponto de vista clínico, é diminuta. Pelo contrário, se forem muito específicas poderão constituir um forte
obstáculo a alterações entretanto ocorridas»
Diretivas Antecipadas de Vontade
A DAV tem a duração de 5 anos.

Para ser válida é necessário:


• Formulário da DAV
• Número de utente do SNS

• DAV entregue em papel reconhecido pelo notário, ou com assinatura presencial junto de um
funcionário do Registo Nacional de Testamento Vital (RENTEV). Pode ainda ser entregue nos
balcões RENTEV em ACES, ULS ou EPE.
Diretivas Antecipadas de Vontade
Registo Nacional do Testamento Vital

O RENTEV tem como finalidade rececionar, registar, organizar e manter atualizada, quanto
aos cidadãos nacionais, estrangeiros e apátridas residentes em Portugal, a informação e
documentação relativas ao documento de diretivas antecipadas de vontade e à procuração
de cuidados de saúde (Portaria n.º 96/2014 de 5 de maio).
Diretivas Antecipadas de Vontade
Diretivas Antecipadas de Vontade
Diretivas Antecipadas de Vontade
Diretivas Antecipadas de Vontade
Bibliografia
• SNS24 – Registar testamento vital. Disponível em https://www.sns24.gov.pt/servico/rentev-registo-nacional-de-testamento-vital/#sec-0. Consultado
em Janeiro 2020.
• Lei N.º 25/2012, de 16 de Julho de 2012
• Garcia, Marta C – A perceção dos profissionais de enfermagem da dimensão ética dos cuidados. Dissertação de Mestrado. Escola superior de
Enfermagem do Porto, Porto, 2018. http://hdl.handle.net/10400.26/23420
• BEAUCHAMP, Tom L., CHILDRESS, James F. - Principios de Ética Biomédica. Editorial MASSON, Barcelona, 2002
• Código Deontológico. -Inserido no Estatuto da OE republicado como anexo pela Lei n.º 156/2015 de 16 de setembro
• Comissão Nacional da UNESCO-Portugal. – Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. UNESCO, Outubro 2005, publicada em 2006
• Direitos e deveres do utente dos serviços de saúde. Consolidaçao pela Lei 15/2014, de 21 de março de 2014.
• HERREROS, Benjamín; MORENO-MILÁN, Beatriz; PACHO-JIMÉNEZ, Eloy; et al. - Terminología en bioética clínica. Instituto de Ética clínica Francisco
Vallés, Revista Médica de Instituto Mexicano del Seguro Social, 2015, p. 750-61
• MELO, Helena; NUNES, Rui. – Projecto de diploma Nº. P/06/APB/06 que regula o exercício do direito a formular Diretivas Antecipadas de Vontade no
âmbito da prestação de cuidados de saúde e cria o correspondente registo nacional. Porto: Associação Portuguesa de Bioética, 2007
• NUNES, Rui; DUARTE, Ivone; SOARES, Ricardo; et al. – Inquérito Nacional à Prática da Eutanásia. Estudo Nº E/10/APB/07. Porto: Associação
Portuguesa de Bioética, 2007
• NUNES, Rui. – Proposta de um referendo nacional sobre a prática da eutanásia. Parecer Nº P/13/APB/08. Porto: Associação Portuguesa de Bioética,
2008
• FRANÇA, Ana Paula – A Consciência Bioética e o Cuidar. Coimbra: Formasau, 2012, 124-136 pp.
• CNECV – Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana, 1999, in http://www.cnecv.pt/admin/files/data/docs /1273058936_P026_DignidadeHumana.pdf
Obrigada pela atenção

Questões?

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