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Manutenção do dador em Morte Cerebral

Instrutora: Marta Carvalho


martenf711@gmail.com

Barcarena, março de 2022


Quem é dador cadáver?
Dador é aquele a quem se decreta o diagnóstico de Morte Cerebral (Meyfroidt, 2019)

Para que se possa ser dador são necessárias algumas condições, tais como:

● o dador tem que falecer num Hospital

● depois de se verificar a paragem irreversível das funções cerebrais ou cardiorrespiratórias, o corpo


tem que ser mantido artificialmente, desde o momento da morte até ao momento da extração dos
órgãos.

● é necessário que se conheça, com exatidão, a causa da morte.

(Sociedade Portuguesa de Transplantação, 2014)


Quem é dador cadáver?
• Não são aceites como dadores indivíduos que sejam, na altura da morte, portadores de uma doença
infetocontagiosa, de um tumor maligno ou de uma doença com repercussão nos órgãos a transplantar.

• Também são contraindicações, embora relativas, para a doação, uma história clínica de Hipertensão
Arterial, de Diabetes ou a idade avançada.

(Sociedade Portuguesa de Transplantação, 2014)


Diagnóstico de Morte Cerebral
Condições para execução das provas de MC

• 2 médicos (intensivistas, neurologistas, neurocirurgiões, anestesistas, internistas e pediatras)


• Provas em dois momentos diferentes com intervalo adequado a cada situação
• Hora oficial da morte corresponde à hora de conclusão das segundas provas
positivas

A prova de apneia não pode ser dispensada.

Os restantes exames/testes podem ser substituídos por outros exames ou meios


complementares de diagnóstico.
Diagnóstico de Morte Cerebral
Reflexos fotomotores

• Avaliar medicação previamente administrada


• Avaliar constrição/dilatação pupilar

Na MC não há resposta pupilar fotomotora direta nem consensual


• Pupilas encontram-se circulares, ovais ou irregulares, fixas e de tamamnho médio (4-6mm)
ou dilatado (6-9mm)
Diagnóstico de Morte Cerebral
Reflexos oculocefálicos

• Avaliar quando se pode assegurar a integridade da coluna e medula cervical


• Movimento rápido de rotação cervico-cefálica desde a linha média para cada um dos lados
• Movimento rápido de flexão cervical brusca

Na MC os globos oculares mantêm-se fixos e acompanham os movimentos da cabeça


Diagnóstico de Morte Cerebral
Reflexos oculovestibulares

• Avaliar a permeabilidade dos canais auditivos externos.


• Inserir um cateter fino no canal auditivo externo e injetar com uma seringa cerca de 50 ml de
água/SF frio (+/- 4ºC)

Na MC os globos oculares mantêm-se fixos não se desviando em direção oposta ao ouvido


irrigado
Diagnóstico de Morte Cerebral
Reflexos corneanos

• Estimular repetidamente a córnea com cotonete ou compressa

Na MC não existe movimento palpebral como tentativa de encerramento ocular


Diagnóstico de Morte Cerebral
Reflexo traqueal

• Estimular a árvore brônquica com cateter de aspiração

Na MC não existe tosse ou bradiarritmia significativa


Diagnóstico de Morte Cerebral
Coma

• Estimular de forma intensa e dolorosa a área dos nervos cranianos,


p.ex: Crista supraorbitária ou côndilo da articulação temporo-
mandibular

Na MC não existe qualquer resposta motora

Movimentos reflexos ou automatismos não são considerados (movimentos


semelhantes a mioclonias dos dedos, extensão e pronação do braço e antebraço,
reflexos osteotendinosos profundos, reflexos abdominais superficiais, reflexo de
flexão anca, joelho e calcanhar, sinal de babinski, movimentos tipo respiratórios sem
volumes correntes significativos, sinal de lázaro)
Diagnóstico de Morte Cerebral
Teste de apneia

• Após assegurar que PCO2 se encontra dentro de valores normais, desconectar do


ventilador, inserir sonda com O2 na árvore brônquica e observar movimentos
respiratórios espontâneos

Na MC existe a ausência de movimentos respiratórios com valores de PCO2 60


mmHg ou elevação de 20 mmHg em relação ao valor basal
Diagnóstico de Morte Cerebral
Meios Complementares de Diagnóstico

• EEG
• Doppler transcraniano
• Angiografia cerebral
• Cintigrafia de perfusão cerebral
• Potenciais evocados somatosensitivos
• angioTC 3D

Testes Facultativos

• Reflexo faríngeo ou nauseoso


• Teste da atropina
Diagnóstico de Morte Cerebral
Doppler transcraniano

viável inviável

TAS TAS TAS


PPC
TAM TAM TAM
TAD TAD TAD
PPC

PIC PIC PIC


Diagnóstico de Morte Cerebral
Angiografia cerebral
Diagnóstico de Morte Cerebral
AngioTC – 3D

viável inviável
Diagnóstico de Morte Cerebral
Cintigrafia isotópica com Tc 99-HMPAO

viável inviável
Manutenção do dador - Desafios
Desafios do Profissional de saúde

Instabilidade hemodinâmica Dano do endotélio capilar

Lesão Cerebral Vasoconstrição pulmonar

Ativação massiva do SNSimpático da pressão capilar pulmonar

TA e da pós-carga cardíaca da pressão na aurícula esquerda


Alterações após Morte cerebral
❖ Tempestade simpática (caracterizada por HTA, hipertermia, arritmias e aumento do débito cardíaco)

Dano do músculo cardíaco Alterações respiratórias

❖ Vasoplegia Necessidade de fluídos e vasopressores

❖ FC apenas controlada por SNSimpático (após herniação cerebral)


Reflexo de Cushing (Alteração PA, FC e Padrão respiratório)

• 1ª Fase

PPC e FSC não assegurados no Tronco Cerebral (TC)

pressão arterial
Ativação hipotalâmica

Vasoconstrição
Stress sistémico

Ativação de recetores adrenérgicos alfa1


catecolaminas circulantes
Reflexo de Cushing (Alteração PA, FC e Padrão respiratório)

• 2ª Fase
FC

Catecolaminas

TA e contratilidade cardíaca e vasodilatação


Consumo de O2 cardíaco

Ativação parassimpático
Arritmias e lesão cardíaca

Lesão núcleo vasomotor do TC nos vasos periféricos


Ativação arco aórtico
Hipertensão intracraniana
• Hipertensão Intracraniana Dano SNC

Catecolaminas Ativação ciclo vicioso

Resposta inflamatória Agravado por stress mecânico

P intravascular periférica Sistema respiratório suscetível à inflamação

Lesão endotélio alveolar Permeabilidade dos vasos pulmonares a proteínas


Disfunção Neuroendócrina
• Perda do eixo hipotálamo-hipofisário é responsável pela disfunção endócrina que surge na morte
cerebral:
• Diabetes insípida
• Hipotiroidismo
• Diminuição níveis séricos de cortisol
• Hipotermia

Instabilidade Hemodinâmica
Disfunção ocorrida no Dador
Manutenção do dador de órgãos
Fluídos

Hipovolémia é um achado frequente em potenciais dadores:

• vasodilatação periférica profunda


• alterações hormonais que resultam em Diabetes insípida
Manutenção do dador de órgãos
Tensão Arterial

Hipotensão arterial é um achado frequente após o momento do “encravamento”:


• Desregulação do SNA
• Vasoplegia

Tratamento: Amina simpáticomimética para assegurar PAS > 100 mmHg ou PAM >/= 60-70 mmHg
Manutenção do dador de órgãos
Diabetes Insípida

Resulta da falência da glândula pituitária posterior, que vai resultar em diminuição da ADH (hormona
antidiurética/vasopressina)

Avalia-se através de poliúria (>/= 400ml/2 horas consecutivas de urina), da osmolaridade urinária (< 300
mosm/L), da osmolaridade sérica (> 300 mosm/L), com da concentração de Na+ sérico (>145 mEq/L).

Tratamento: Desmopressina IN/EV (DDAVP – análogo da vasopressina)


Manutenção do dador de órgãos
Respiração

Resulta do aumento da pressão hidrostática + dano capilar pulmonar perda de plasma para o interstício e
espaço alveolar edema pulmonar neurogénico

Lesão cerebral massiva vulnerabilidade pulmonar a lesões por aumento dos mediadores da
inflamação – neutrófilos e macrófagos
Manutenção do dador de órgãos
Respiração

Alterações hemodinâmicas Alterações inflamatórias Similar ARDS

Tratamento: Ventilação adequada:


• pH fisiológico
• FiO2 baixo
• PaO2 > 100 mmHg
• SpO2 > 95%
• PaCO2 entre 35-40 mmHg
Manutenção do dador de órgãos
Endócrino

Suplementação tiróideia
Suplementação com corticóides
Suplementação com Insulina

Glicemia Capilar
Recomenda-se GC < 180 mg/dl
Manutenção do dador de órgãos
Nutrição

Recomendado manter a Alimentação Entérica

Mantemos um ritmo basal de nutrição entérica para ajuste com a Glicemia Capilar
Manutenção do dador de órgãos
Temperatura Corporal

Perda de controlo hipotalâmico


Queda da função metabólica
Ausência da função muscular
Aumento da perda de calor pela vasoplegia

Dificuldade na gestão da temperatura corporal


Manutenção do dador de órgãos
Temperatura Corporal

Hipotermia ativação da coagulação intravascular disseminada


diminuição da contratilidade cardíaca arritmias

Manter temperatura corporal > 35 graus


Elevar temperatura se alterações vasculares graves
O que avaliar?
Avaliar reflexos:
• pupilar
• corneano
• tosse
• dor

Monitorizar:
ECG, TA, SpO2

Regra dos três 100:


• PAS > 100 mmHg ou PAM entre 60-70 mmHg
• PaO2 > 100 mmHg
• DU ≥ 100 ml/h

• PaCO2 entre 35-40 mmHg


• SpO2 > 95%
• Ausência de respiração espontânea
O que avaliar?
• Temperatura ≥ 35 °C

• Cobertores
• Mantas de ar quente
• Fluídos aquecidos
• Aquecimento ar inspirado

• Diabetes Insípida
• PGC ≤ 180 mg/dl
• Lubrificação ocular
O que avaliar?
• Hemograma (hematócrito adequado), ionograma, função hepática e renal, GSA, sedimento
urinário
• Estudo da coagulação (corrigir coagulopatia)
• Rastreio sético se evidência de infeção
• Grupo sanguíneo
• Marcadores víricos (Hepatites, HIV, CMV,…)
• Marcadores cardíacos
• Função hepática

• Rx pulmonar
• ECG, ecocardiograma
• ECO Abdominal

• Broncofibroscopia…
Sinal de Lázaro
O sinal de Lázaro foi descrito em 1984.

• Os reflexos medulares podem ocorrer em 20 a 70% dos pacientes em morte cerebral.

• Movimentos complexos reflexos, como o sinal de Lázaro, não inviabilizam o diagnóstico da MC.

Sinal de Lázaro é um movimento reflexo em pacientes com morte cerebral que faz com que estes
levantem brevemente os braços e os deixem cair cruzados no peito.

O sinal de Lázaro é um de reflexo mediado pelo arco reflexo


Sinal de Lázaro
Bibliografia
• GRUPO DE TRABALHO PARA O DIAGNÓSTICO DE MORTE CEREBRAL – Norma para Diagnóstico de Morte Cerebral.
Hospital de São João: Porto, 2008.

• WANG, H; GREER, DM – Brain death, organ donation and transplantation in SHUTTER, L; MOLYNEAUX, B – Neurocritical
Care – Pittsburgh critical care medicine. Oxford: Oxford University Press, 2018. pp 276-285. ISBN 9780199375349.

• MEYFROIDT, Geert [et al] – Management of the brain-dead donor in the ICU: general and specific therapy to improve
transplantable organ quality. Intensive Care Medicine: Springer, 11 february 2019. Doi.org/10.1007/s00134-019-
05551-y.

• MENDES PD, MACIEL MS, BRANDÃO MVT, FERNANDES PCR, ESPERIDIÃO ANTONIO V, KODAIRA SK, SIQUEIRA-BATISTA
R. - Distúrbios da Consciência Humana – Parte 2 de 3: A Abordagem dos Enfermos em Coma in Revista de
Neurociências: 2012. 20(4) pp. 576-583.

• SOCIEDADE PORTUGUESA DE TRANSPLANTAÇÃO – Dador cadáver, 2014. Consultado in


http://www.spt.pt/site/desktop/webpage-23.php a 4 de fevereiro de 2020.

• VARON, J; ACOSTA, P – Handbook of critical and intensive care medicine, 2º ed. Springer: New York, 2010. ISBN 978-0-
387-92850-0.
Obrigada pela atenção

Questões?

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