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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

DOCENTE: Prof. Doutor Miguel Santos Neves

Notas de orientação de estudo

1. Génese e Evolução do Direito Internacional


1.1. A génese do Direito Internacional como resultado de três mudanças
estruturais profundas: (i) emergência e afirmação do Estado soberano
westefaliano e a necessidade de coordenação das soberanias (ii) a
expansão europeia e construção dos impérios coloniais, a liberdade de
comércio e o capitalismo mercantil; (iii) renascimento e seus impactos
em termos de laicização, racionalismo e nova visão sobre a dignidade
humana.

1.2. As fases Jusnaturalista, Positivista e pós - 1945

1.3. Fase Jusnaturalista (inicio sec XVI final sec XVIII)

• A escola ibérica e a liderança de Francisco Vitória.


Jusnaturalismo racionalista como corrente filosófica
dominante. Os principios da soberania e dos direitos dos
individuos: direitos naturais como limite à soberania.
• O dualismo: direito natural e direito das Nações (Law of
Nations). Complementaridade e divisão de trabalho: ex Jus ad
bellum e Jus in bello.
• A liberdade de comércio como direito natural e a politica do
mare liberum.
• Direito Internacional com funções de coordenação mas
também de limitação parcial da soberania em função de valores
essenciais.

1.4. Fase Positivista ( 1815-1945)


• Prevalência da soberania do Estado e declinio do
Jusnaturalismo; soberania absoluta como modelo dominante.
• Declinio do Direito Internacional encarado como “law between
States not the law above States”, mera função de coordenação
de soberanias. Direito Internacional é instrumento técnico,
neutro, não tem dimensão axiológica, não reflecte valores.
• Restrição do âmbito de regulação do DI, Jus ad bellum deixa de
ser regulado pelo DI, e conteúdo eminentemente técnico.
Liberdade de os Estados fazerem a guerra como manifestação
da sua soberania.
• Prevalência do Direito Nacional sobre o Direito Internacional
em caso de conflito.
• Estados como sujeitos exclusivos do Direito Internacional e
consolidação do principio do estatuto internacional uniforme e
igual dos Estados.
• Tratados como fonte privilegiada de direito internacional e
visão contratualista do costume internacional.

1.5. A fase pós-1945

• Fase mista envolvendo continuidade mas trambém ruptura com o


positivismo. O equilibrio da Carta da ONU entre os 2 pilares: (i) o
Conselho de Segurança na tradição positivista/realista, o estatuto de
potência e suas responsabilidades específicas na preservação da paz e
segurança internacional, o retorno parcial a 1815; (ii) a Assembleia
Geral na tradição jusnaturalista/idealista e a construção de um
sistema de segurança colectiva cujo principio básico é a proibição do
uso da força, numa lógica de limitação da soberania dos Estados.

• Retorno limitado ao jusnaturalismo afirmando-se em algumas áreas o


çprincipio de limitação da soberania associada à consolidação das
regras de Jus Cogens, quer no domínio do uso da força quer no
dominio dos Direitos Humanos.

• Expansão e diversificação dos sujeitos de Direito Internacional e perda


de monopólio dos Estados.

• Expansão das fontes de direito internacional e sua diversificação.


Visão vinculatividade universal do costume internacional
independentemente da vontade dos Estados. Multilateralismo e
emergência da soft law.

• Direito Internacional prossegue valores fundamentais da comunidade


internacional (paz, justiça, desenvolvimento, direito humanos), tem
conteúdo axiológico, não é neutro

• Tendências marcantes do DI no pós-Guerra Fria

(i) A consolidação do Jus Cogens e a projecção e prioridade dos


direitos humanos
(ii) O reforço do papel da Soft Law e a nova flexibilidade regulatória.
(iii) Reforço dos níveis de participação - a crescente
participação dos actores não-soberanos na criação das normas de
direito internacional e o fim do monopólio dos Estados.
(iv) A expansão do âmbito temático do Direito Internacional e a
nova relação com o conhecimento cientifico.
(v)Crescente fragmentação que resulta da expansão e diversificação
do Direito Internacional e que gera: ausência de visão integrada ;
incerteza legal; conflitos potenciais entre regimes internacionais.

2. Sujeitos de Direito Internacional

2.1. Estados soberanos

• Soberania interna - poder supremo e monopólio uso da força e criação de


normas jurídicas na ordem interna- soberania externa – igualdade formal
perante o direito internacional, titularidade de um núcleo de direitos e
obrigações internacionais.

• Critérios de Statehood : (i) condições para se ser Estado; (ii)


consequências de se ser Estado.

(i) Condições para se ser Estado definidas por regras de costume


internacional incorporadas a Convenção de Montevideo de
1933
- Território: conceito jurídico, 3 componentes – superfície
terrestre, mar territorial, espaço aéreo
- População: combinação entre nacionais e estrangeiros
residentes (imigração); não existe limite mínimo
- Governo: manutenção da ordem e exercício da soberania;
critério da legitimidade vs. Efectividade
- Capacidade para desenvolver e participar nas relações
internacionais

Reconhecimento não e um critério de statehood, tem natureza declarativa e não


constitutiva. No entanto reconhecimento é um acto unilateral que produz efeitos
jurídicos: autor aceita que relações entre Estados são reguladas pelo Direito
Internacional; reconhecimento não pode ser revogado, autor fica vinculado.

Critérios de verificação no momento da criação mas não são absolutamente


peremptórios, alguns podem deixar de existir transitoriamente sem que o Estado
cesse (Brownlie)
- Uma vez criado presume-se que o Estado continua a existir
(caso Congo 1960-64)
- Statehood não pode ser fundado no uso ilegal ou ameaça de
uso da força (caso República Turca Norte Chipre 1983)
- Statehood não pode terminar pelo uso ou ameaça de uso
ilegal da força (Polónia 1939, Kuwait 1990)
(ii) Consequências de se ser Estado – direitos e deveres

- Capacidade de celebrar tratados internacionais (jus


tractum)
- Responsabilidade pela violação ilícita do direito
internacional
- Direito de reclamação internacional e demandar
judicialmente junto tribunais internacionais.
- Privilégios e imunidades face às ordens jurídicas nacionais,
imunidade de jurisdição.

Estes direitos são indícios de personalidade jurídica internacional dos Estados e


têm natureza fundamental (Brownlie)
Outras categorias direitos e deveres:

- Capacidade de representação internacional (jus legationis)


- Jus bellum
- dever de não interferência nos assuntos internos de outros
Estados

2.2. Organizações Internacionais

(i) Funções

• Forum para identificação, debate e deliberação sobre


questões de interesse comum
• Instrumentos para ação e resoluçãoo de problemas
internacionais
• Criação e desenvolvimento de regras de direito
internacional quer pela via da hard law quer da soft law.
• Monitorização e supervisão do cumprimento pelos Estados
das regras acordadas e obrigações internacionais.
• Resolução de conflitos e diferendos internacionais entre
Estados.

(ii) Tipos OI

• Estrutura Jurídica: intergovernamentais, Não-


Governamentais, supranacionais.
• Participação: universais vs. Restritas
• Competências: gerais vs. Especializadas

(iii) Estatuto Jurídico


Cada OI tem a sua constituição específica mas existe um regime
geral comum às OI
• Personalidade jurídica: geralmente não existe previsão
expressa no tratado constitutivo; duas perspectivas: escola
indutiva vs. Escola objectiva.
Parecer TIJ “Reparation for Injuries” e a personalidade da
ONU: personalidade objectiva fundamentada na escola
indutiva.

• Poderes das OI

- Poderes implícitos - Pareceres TIJ “Reparation for Injuries"


e “Certain Expenses” (CS da ONU e AG têm competência
para estabelecer operações de paz embora tal não esteja
previsto expressamente na Carta). Distinguir 2 critérios:
poderes necessários para exercer poderes explícitos
(restrita); poderes necessários para realizar objectivos
(ampla) – TIJ adoptou versão mais ampla.
- Poderes de decisão: decisões são em regra não vinculativas
para os Estados membros; em casos excepcionais tratados
constitutivos consagram natureza vinculativa das decisões
das OI para Estados exs: resoluções do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (art. 25º da Carta),
regulamentos da OMS (arts. 21º e 22º da Constituição da
OMS), resoluções da Assembleia da ICAO sobre standards
de segurança para a aviação civil.

• Privilégios e imunidades:
-imunidade de jurisdição
- imunidade de execução
- inviolabilidade das instalações
- liberdade de comunicação
- privilégios fiscais

(iv) A ONU
• Génese: processo negocial 1942-1945: Declaração das
Nações Unidas(1942); Declaração Moscovo (1943);
Reunião Teerão (1943); Conferência Dumbarton Oaks
(1944); Conferência Yalta (1945); Conferência S.Francisco
(1945).
• Negociação controlada pelas Grandes Potências. Carta tem
2 pilares:
- Conselho de Segurança, lógica de potências e sua
responsabilidade directa pela paz e segurança
internacional; regresso a 1815 Viena
- Assembleia Geral: continuidade modelo Sociedade das
Nações, sistema democrático um Estado um voto.

• Tensão entre principio da soberania e principio dos direitos


humanos: carta consagra formula desequilibrada com total
predomínio do principio da soberania (art. 2º nº7) e
marginalização principio direitos humanos (referencias na
carta não consagram qualquer dever jurídico de respeito ou
proteção para os Estados).
• Processo de deliberação no Conselho de Segurança:
- questões processuais: maioria qualificada (9/15)
- questões substantivas: maioria qualificada (9/15) +
inexistência de veto membro permanente. Interpretação da
expressão “concurring votes” foi feita pelo TIJ no Parecer
sobre Presence of South Africa in Namibia: abstenção não
equivale a veto; veto implica voto negativo.

2.3. Actores não-estatais: empresas multinacionais, ONGs


internacionais, crime organizado internacional/mafias; grupos
terroristas
• Heterogeneidade: actores violentos e não-violentos
• Coordenação entre espaço de legalidade e ilegalidade: COT
e Multinacionais financeiras.
• Personalidade jurídica qualificada

2.4. Individuo

• Direitos humanos: titularidade de direitos de reclamação e


queixa junto de instâncias internacionais (comité dos Direitos
humanos no âmbito Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos)
• Responsabilidade internacional e direitos de defesa: Estatuto
de Roma do Tribunal Penal Internacional que consagra
responsabilidade criminal individual.

Personalidade jurídica internacional objectiva e personalidade qualificada

Objectiva: estados soberanos e Organizações Internacionais


Intergovernamentais.
• Oponível erga omnes
• Conteúdo uniforme e fixo
• Irreversível
• Exercício potencial não afectada pelo não exercício.

Qualificada: Empresas multinacionais, ONGs internacionais


• Oponibilidade restrita apenas a quem reconhece
• Conteúdo variável e assimetria entre actores com a mesma
natureza
• Reversivel, pode extinguir-se
• Exercício efectivo é essencial para manutenção e consolidação.
3. Fontes de Direito Internacional

3.1. Fontes de Direito Internacional como os processos de criação e


formalização de normas juridicas internacionais.
Art. 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça: lista
exemplificativa, não exaustiva : exs fontes não enumeradas actos
unilaterais e soft law.

3.2. Tratados Internacionais


• Conceito de tratado internacional. Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados art. 2º a). Jurisdprudência internacional
caso Qatar vs. Bahrain do TIJ
• Tipos de tratados: tratados -lei vs. Tratados-contrato; tratados
bilaterais vs. Multilaterais; tratados abertos vs. Semi-abertos;
tratados univeersais vs. Regionais.
• Regime dos tratados e a Convenção de Viena: formação;
reservas (arts 19º-23º); interpretação arts 31º-33º; invalidade
arts. 46º-53º.

3.3. Costume internacional


• Elementos estruturais: elemento material, prática generalizada,
consistente dos Estados; elemento psicológico “opinio juris”.
Caso North Sea Continental Shelf do TIJ.
• Vinculatividade universal do costume internacional. A visão
contratualista do costume no contexto do paradigma
positivista.

3.4. Principios Gerais do Direito Internacional


• Inexistência de consenso sobre a natureza dos principios. Duas
visões distintas: (i) principios comuns/ partilhados por todos
ou maioria dos direitos nacionais (ii) Principios comuns aos
direitos nacionais e principios gerais autónomos do DI
aplicáveis a relações jurídicas internacionais. Exs igualdade
soberana dos Estados, resolução pacífica de conflitos,
responsabilidade internacional dos Estados, direito de auto-
determinação dos Povos
3.5. Soft Law – estrutura, vantagens e relações com hard law

• Origens da Soft Law: multilateralismo pós-1945; nova


diplomacia de Chefes de Governo.
• Instrumentos Soft Law: declarações princípios; actas
conferências; comunicados finais, códigos conduta;
gentleman’s agreements.
• Natureza: princípios, standards de comportamento, normas
não vinculativas e que não têm natureza jurídica formal,
insusceptíveis de imposição coerciva, mas que influenciam o
comportamento dos Estados e são adoptados voluntariamente,
sob o efeito da pressão dos pares e da eficácia substantiva
numa lógica de benchmarking.
• Tipos – heterogeneidade da Soft Law:

- Soft Law Legal: hard law imprecisa, não exequível

- Soft Law delegada ou secundária: prática e declarações que se


desenvolvem à volta de um tratado e que têm natureza
suplementar em relação ao mesmo.
- Soft Law primária: inovadora definindo os principios e regras
estruturantes de novas áreas do Direito Internacional.
- Soft Law autónoma: desenvolvida por ANS sem o envolvimento
de Estados.

• 3 Visões diferentes sobre a Soft Law:


(i) Positivista: soft law é apenas instrumental, subordinada e inferior à
hard law, com papel secundário.
(ii) Racionalista: Estados preferem por vezes a hard law e outras a soft
law por razões racionais mas nenhuma é superior à outra, existe
paridade mas também separação.
(iii)Constructivista: ênfase na complementaridade entre hard law e
soft law e valorização do papel da soft law na medida em que gera
conhecimento através de peer review, benchmarking e troca de boas
práticas; desenvolve ideias comuns e confiança definindo standards
não vinculativos.

• Relações da Soft Law com a Hard Law – 4 tipos:


- Preparação da emergência de normas de hard law: regras não-
vinculativas precedem normas de hard law contribuindo para
consolidar prática dos Estados e facilitar a emergência de costume
internacional ou de tratados internacionais.
- Soft Law complementa ou suplementa instrumentos de hard law ,
desenvolvendo ou preenchendo lacunas.
- Soft Law emerge associada à prática subsequente à entrada em vigor
de um tratado e serve para interpretar normas de hard law, e
obrigações previstas em disposições de tratados.
- Soft Law autónoma sem relação com instrumentos de hard law,
utilizada como modelo alternativo de regulação.

3.6. Relações Dinâmicas das Fontes

• Relações entre fontes hard law Tratados e Costume Internacional


vd. acordão North Sea Continental Shelf do TIJ. Funções
declarativa, criatalizadora e criadora dos tratados.
• Existência de normas paralelas com o mesmo conteúdo mas fontes
diferentes. Efeitos jurídicos distintos em termos de
vinculatividade, interpretação e excepção de incumprimento.
• Relações entre hard law e soft law

4. Relações entre Direito Internacional e Direito


Nacional
4.1. Os modelos monistas e dualistas. Suas vantagens e desvantagens no
contexto da globalização.
4.2. A ordem jurídica portuguesa e o modelo monista com prevalência do
Direito Internacional. O art. 8º da CRP. A hierarquia de fontes no
contexto de um sistema monista.
4.3. “Law in books” e “Law in action”: as discrepâncias entre o sistema
consagrado na CRP e a prática jurídica em Portugal. As limitações à
aplicação directa do Direito Internacional. O controlo de
constitucionalidade e a ausência do controlo de convencionalidade. A
aplicação de leis ordinárias contrárias a tratados internacionais.

5. Responsabilidade internacional dos Estados


Draft Articles On the Responsability of States for Internationally Wrongful
Acts (2001) da International Law Commission

Responsabilidade internacional
(i) Estados: civil
(ii) Individuos: criminal
(iii) Pessoas colectivas, empresas: não existente em regra

5.1. Pressupostos
Acto ou omissão que

(i) seja atribuível ao Estado nos termos do direito internacional


- atribuição da conduta ao Estado realizada pelos seus agentes
caso Rainbow Warrior Greenpeace vs. França.
- Estado não é em principio responsável por actos de cidadãos
nacionais excepto se os orquestrou, controlou ou se os ratificar
vd. caso TIJ EUA vs. Irão (reféns embaixada EUA em Teerão)
(ii) constitua uma violação de uma obrigação internacional

(iii) inexistência de causas justificativas exs: legitima defesa, estado


de necessidade, consentimento, força maior
Dano não é elemento essencial da responsabilidade internacional, basta a
violação da norma ou obrigação.

O problema do “desafio individualista” (Crawford e Watkins)

5.2. Deveres decorrentes da responsabilidade

(i) cessação de actividade (art. 30º draft articles)


(ii) reparação (art. 31º DA) – formas art. 35º

- restituição (prioritária)
- compensação
- satisfação

5.3. Responsabilidade das Organizações Internacionais

Draft Principles on the responsability of International Organizations


ILC 2011

Aspectos inovadores:

- Impedir Estados de usarem OI para dissimular a sua


responsabilidade.
- Responsabilidade das OI mas também dos Estados em
relação a actos cometidos no seio das OI
- Alteração orientação jurisprudência internacional sobre
responsabilidade dos peacekkepers – requisito controlo
efectivo.

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